Conselheiro Amoroso escrita por Ellen Freitas


Capítulo 7
Herói || Katniss


Notas iniciais do capítulo

Olá todo mundo!!!

Nem demorei tanto viram? Esse capítulo está um pouco diferente dos demais, quando vocês lerem entenderão o porquê. Demos uma pausa nos conselhos, e apesar de ser narração da Katniss, vamos focar um pouco em Peeta. Espero que, assim como eu, vocês gostem. Coloquei várias gotinhas de emoção e vivência real nele.

E leiam as notas finais, são muito, muito importantes!!! Bjs*



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― Feliz Natal! ― abri meu melhor sorriso.

― Hoje é 30 de dezembro Katniss, o Natal já passou faz tempo. Perdeu o pouco de juízo que te restava? ― ele deu espaço para que eu entrasse, fechando a porta em seguida.

― Por que sua casa não tá decorada?

― Não comemoro o Natal, mas o que você quer aqui? Já estou quase de saída pro hospital.

― Você provavelmente deve a única pessoa do universo que fica com o humor pior nessa época, falando sério. Você e o Grinch, é claro.

― Katniss... ― ele batia o pé impaciente.

― Só vim te trazer seu presente e te dar um abraço de Boas Festas. Eu não pude estar aqui antes porque estava com meus pais todos esses dias. Comigo morando com a Johanna e a Prim, eles acabam sentindo muita falta e sempre aproveito esses feriados para visitá-los e comer um monte! Sério, minha mãe faz uma rabanada divina e meu pai é o rei do churrasco, menos quando ele está se queimando. Teve uma vez que... ― Peeta me surpreendeu e me calou quando me abraçou.

Não consigo explicar como ele parecia diferente nesse abraço. Quando seus braços me envolveram, o senti desabar um pouco em mim. Poderia ser cansaço, mas eu apostaria em algo que ele nunca compartilhou comigo. Era como se mesmo negando gostar desse tipo de carinho ou comemoração festiva, ele demonstrasse de algum modo esquisito que sentia falta daquilo. Se é um dia ele chegou a ter.

― Você está bem Peeta? ― perguntei acariciando suas costas retribuindo o abraço.

― Sim. ― ele se afastou colocando o pequeno embrulho azul que lhe entreguei em cima da mesinha, percebendo que podia ter revelado mais do que gostaria. ― Obrigado pelo presente, mas tenho que voltar ao trabalho.

― Você parece exausto. ― a respiração cansada, as olheiras e os ombros baixos me mostravam que eu estava certa.

― Como sempre não é?!

― Só que pior, sinceramente. Há quanto tempo você não dorme Professor?

― Tenho mesmo que ir Katniss.

― Tudo bem então, vou com você, de lá pego um táxi pra voltar. E você aproveita e me conta essa história de odiar o Natal.

― Você não vai poder entrar!

― Desfruto da sua companhia na viagem de carro então. ― ele franziu a testa num claro gesto de impaciência. ― E nem vem fazendo essa cara Peeta, eu vou sim!

― Você é insistentemente insuportável.

― E você é lindo. Vamos? ― abri a porta já indo esperá-lo no corredor.

Apesar do meu modesto talento de dedução e análise, Peeta não estava facilitando as coisas para mim. Descobrir o porquê de alguém não gostar de datas em que se comemora a família e a amizade, virou meu objetivo, mas o máximo que consegui tirar dele foi que com Madge passando o feriado em Nova York com os pais e Finn voltando de viagem apenas hoje, ele ficou a maior parte do tempo no hospital cobrindo os plantões dos amigos. E comecei a criar sérias desconfianças que essa “maior parte” equivalia a quase todo tempo.

— Não é possível que você só tenha nós três. — falei inconformada. — E sua família? — ele nem sequer me olhou, apenas manteve as duas mãos firmes no volante olhando pra frente. — Tá bom, não quer falar...

— Como foi sua viagem? — ele tentou desviar o assunto.

— Você não fala, eu também não. — cruzei os braços fazendo birra.

— Ok então. — ele estacionou. — Até mais Katniss.

— Por que você não conversa comigo? — o segui perguntando inconformada.

— Não tenho tempo pra conversas.

— Esses dias sozinho te deixaram pior. Você sabe que precisa, me deixa ajudar! — ele parou. Caminhei até ele. — Se abre comigo.

— Eu sou saudável, tenho um emprego, tenho amigos meio loucos, são poucos, mas tenho. Não preciso de ajuda.

— Peeta...

— Quer saber Katniss? Vou te mostrar o que é “precisar de ajuda”. Me segue.

— Pra onde?

— Tim? — ele perguntou ao porteiro. — Lembra da Katniss?

— Claro doutor! Oi Katniss, o que faz aqui nessa data?

— Não sei Tim, o que faço aqui Professor?

— Pode conseguir um crachá de visitante pra ela? Tem uma coisa que preciso mostrar pra essa menina lá dentro. — juro que tentei não me ofender com “essa menina”, mas foi inútil. Estava a cara que ele ainda me achava uma criança imatura.

— Consigo sim. Aqui está tudo mais relax desde que finalmente a Dra. Coin entrou em recesso, ao contrário de você Dr. Mellark. Eu juro que te vi sair há menos de duas horas daqui.

— Peeta, isso é verdade?

— Obrigado Tim. — ela agradeceu evitando minha pergunta e me entregando o crachá. — É o seguinte Katniss: hoje estou de plantão lá em cima nas clínicas. Quero que conheça alguns dos meus pacientes.

Entramos no elevador e seguimos pro terceiro andar. De lá, praticamente corri atrás dele para uma sala de repouso, onde Peeta pegou um jaleco e o próprio crachá.

— Pronta pra começar?

— Sempre Professor. Eu devia ter trazido meu bloquinho? — pisquei pra ele.

— Quarto 305. Paciente Zoe Prestoni, 17 anos. Acidente de motocicleta. Bom dia Zoe. — Peeta entrou já buscando a prancheta do prontuário localizada em um suporte próximo à porta.

— E aí doutor. Ei, espera. Quem é essa? — a garota de pele bem alva, cabelos negros ondulados e olhos castanhos me olhou desconfiada, franzindo o nariz afilado.

— Katniss é uma amiga que gostaria muito de te conhecer.

— E vocês não tem nada melhor pra fazer nesses feriados não?

— Zoe tem uma acidez eterna. — Peeta confidenciou a mim.

— Prestoni? Italiano? — puxei assunto.

— Meu pai sim. Você está me traindo com ela doutor? — Peeta riu de lado ainda com os olhos fixos no prontuário.

— Traindo? — perguntei curiosa à menina.

— Vamos nos casar assim que eu fizer 18 anos, daqui há sete meses. Só falta esse médico lindo e chato aceitar.

— Não vá por esse caminho Zoe. Peeta é insuportável quando você o conhece melhor.

— E vocês dois se conhecem melhor? — ela riu maliciosa.

— Ok já chega. Como está sua perna hoje?

— Esmagada como sempre. E a sua? — Zoe percebeu quando arregalei meus olhos com a surpresa. — Ah, ele não te contou.

— Deixei as honras pra você, que adora contar a história. — a garota se posicionou melhor nos travesseiros e pigarreou.

— Era uma noite gelada do início de dezembro. Duas irmãs decidem se aventurar nas desertas ruas de Denver à procura de emoção numa moto. O que eles não contavam era que uma fina camada de gelo cobria uma pequena ponte que estava no caminho. Foram necessários apenas dois segundos de distração da irmã mais velha para que o veículo deslizasse, derrubando as duas. A mais velha foi jogada a um metro dali e sofreu apenas arranhões, enquanto a caçula não teve tanta sorte, já que o motocicleta caiu em cima da perna dela, queimando e esmagando enquanto ela lutava para se levantar. Mal sabia ela que isso não seria possível por longos meses. — Zoe usava de uma dramaticidade extra em cada palavra e tive que engolir seco.

— Você... Você seria uma ótima escritora. — engasguei.

— É o que me resta agora não é doutor, já que minha antiga carreira já era.

— Zoe é modelo. Ela ganhou até alguns concursos, segundo a irmã dela, Olivia. Aliás, onde ela está?

— Ela te esperou até agora a pouco, mas mandei ela ir tomar café da manhã. A menina estava ficando verde de fome.

— Vou chamar alguém pra tirar seu curativo.

— Quer ser impactada por uma coisa Katniss? — ela perguntou quando Peeta se afastou.

— Impacte-me. — respondi um pouco temerosa sobre o que poderia ser. Zoe abriu uma gaveta e tirou uma foto de uma jovem morena extremamente bonita, deslumbrante até. Deveria ser algum tipo de ícone pra ela.

— Você é fã dela?

— Na verdade, eu sou ela. Um mês atrás. — meu queixo caiu aberto. A menina na cama não era feia, mas estava anos-luz de distância da beleza da garota na foto.

— Que cara é essa Katniss? — Peeta questionou se aproximando com a testa franzida.

— Ela só está impressionada em como estou acabada agora. — fechei a boca instantaneamente. Zoe e Peeta começaram a rir da minha cara.

— Você deixou Katniss Everdeen sem palavras, isso é um feito raro, parabéns Zoe!

— Ela não pode ser pior que a Dra. Undersee.

— Ela é, acredite. — nesse momento duas pessoas com uma bandeja com vários materiais de curativo entraram no quarto.

— Espera, cadê a Olivia? Não posso fazer isso sem ela!

— Calma Zoe, ela já deve estar chegando. Vou aplicar seu remédio pra dor. — uma das enfermeiras falou pacientemente.

— Remédio pra dor? — sussurrei pra Peeta.

— Como o ferimento foi muito profundo, esse processo de limpeza e curativo é sempre bem doloroso.

Mordi o lábio quando vi a garota agarrar os lençóis com força apenas com o toque inicial para a retirada das bandagens. Ela olhava desesperadamente pra porta em busca da irmã.

— Ei, tive uma ideia. — me aproximei da cama tocando sua mão. — Eu tenho um milhão de maquiagens diferentes aqui na minha bolsa, que tal eu te deixar mais linda enquanto eles terminam isso?

— Não uso maquiagem há um tempão. Eu amava maquiagem. — ela exibiu algo parecido com um sorriso. Olhei para trás buscando o consentimento de Peeta para aquilo, quando encontrei seus olhos azuis me encarando e um sorriso disfarçado formado no canto da sua boca.

— Posso doutor Mellark?

— Vai em frente. Ao final, posso até me apaixonar por ela.

— Anda logo com isso então Katniss. — ela falou animada.

Entre bases, sombras, blush e batons, eu ainda podia notar a dor que ela estava sentindo uma cada toque em sua perna danificada. Resolvi não me focar no ferimento e cuidar apenas do rosto da menina, que aos poucos se transformava na pessoa da foto.

— Katniss? — ela me chamou cochichando.

— Oi? — respondi também aos sussurros entrando na brincadeira.

— Você e o doutor, nada mesmo? Porque eu não seria competição contra você, não do jeito que ele te olhou ainda a pouco.

— Você está viajando, ele cuida de mim como um irmão mais velho. E só porque eu e ele não temos nada romântico, não quer dizer que eu não vá ficar de olho nessas espertinhas metidas a modelos dando em cima dele, escutou dona Zoe? — ela acabou rindo. — Agora me diz: qual a cor da sombra?

— Hm, eu estava pensando em algo que tem super a ver com todo esse ambiente e minha personalidade gentil e delicada.

— Preto? — arrisquei.

— Exatamente. — quando terminei tudo, ainda conversamos sobre a vida dela e sobre a minha por um tempo, em busca de distraí-la.

— Katniss? — Peeta tocou de leve meu braço. — Acabamos aqui.

— Foi um prazer te conhecer, você vai ficar recuperada logo. — acarinhei sua mão.

— É o que você diz. Sabe, você não é de todo ruim Katniss.

— Seja mais gentil Zoe! O ortopedista vai passar aqui mais tarde pra falar com você, certo?

— Sim senhor. Traga sua amiga mais vezes doutor. — ele apenas deu um riso simpático que logo se desfez assim que saímos do quarto, encontrando a irmã mais velha já entrando.

— Ela é incrível. — ele deu um suspiro de pesar. — O que foi Professor?

— O tratamento não está funcionando. A cirurgia, curativos, medicação, nada está funcionando. O tecido da perna dela não está nutrido o suficiente e está morrendo. E ainda está espalhando.

— O que isso quer dizer?

— Quer dizer que mais tarde o ortopedista vem dar a data da próxima cirurgia. Amputação Katniss.

Abri minha boca para falar alguma coisa, mas nada saiu. O que dizer numa situação daquela? Uma menina tão nova, tão bonita, tanta coisa pela frente. Meus olhos encheram-se de lágrimas.

— Ei, não te contei pra você ficar assim. — ele se abaixou para seus olhos ficarem ao nível dos meus, enxugando com o polegar uma lágrima que escorreu.

— Isso não é justo, ela é só uma adolescente! — falei entre soluços. Ao olhar por entre as persianas semi abertas, pude ver as duas garotas rindo enquanto faziam uma selfie. — A irmã dela! A irmã dela vai se culpar a vida toda. Meu Deus Peeta!

— Eu sei. Eu sei. — ele me abraçou e ainda gastei uns bons segundos chorando em seu ombro. — Vem, vou te dar um pouco de água.

— Como você aguenta isso? Todos os dias? — perguntei já mais calma amassando o copo descartável entre os dedos.

— Sabe aqueles pequenos momentos em que ela diz ser apaixonada por mim? Ou quando a irmã começa a mostrar um milhão de fotos ou as ótimas piadas sarcásticas? Me apego a eles. Vou te chamar um táxi. — ele levantou e me estendeu a mão.

— Eu não vou embora. — cruzei os braços na frente do peito teimosamente. — Vou ter que conviver com casos assim na minha profissão e por mais que você tenha criado esse desejo de me proteger, não vai poder me livrar disso mais cedo ou mais tarde.

— Ok então, me convenceu. Próximo quarto, 309. Juan Dela Vega.

— Espera. Dela Vega? Como na telenovela mexicana?

— Se você me perguntasse isso alguns dias atrás, eu não fazia ideia do que seria. Agora posso te contar cada detalhe do que aconteceu com Maria do Bairro, Luís Fernando e os outros. Você e a esposa dele tem muito em comum. — Peeta falou abrindo a porta para mim.

— Bom dia.

— Doutor, venha aqui e explique ao Juan que não tem nenhum problema se ele comer laranjas da terra. — uma jovem senhora latina com cerca de quarenta anos e com alguns quilos a mais falava alto e gesticulava para o marido da mesma faixa etária que estava deitado na cama.

— Claro que tem, elas fazem mal pro pulmão. Minha família não come laranjas da terra há anos, você não vai mudar isso Soledade!

— Aquelas suas irmãs não sabem de nada além de jogar feitiços pra cima de todos os homens. A Virgem Santa os proteja.

— Está tudo ok com as laranjas Juan. E se comportem, temos visitas hoje. — pela primeira vez eles pareceram notar minha presença. — Essa é Katniss. Katniss, os briguentos são Juan e Soledade.

— Que falta de educação a nossa marido. Tudo bom minha filha?

— Tudo ótimo. E vocês?

— Estou contando os dias pra sair daqui. Nosso menino está sozinho com a vizinha. — o senhor respondeu.

— Ah, vocês tem um filho?

— Fernando, nossa benção. — ela tirou uma foto amassada da bolsa e mostrou. Um garoto sorridente de dentes tortos e olhar inteligente estava nela. — Doze anos completos, um primor na coisa de mexer em computador. Você têm filhos?

— 22 anos é muito cedo.

— Com 22 anos minha santa mãezinha já tinha eu e mais três meninos. — Soledade falou rindo.

— Sério? Sou filha única. Na verdade sou uma frustração pros meus pais. Eles queriam um menino, e eu nasci. Eles birraram e disseram que não queriam mais ninguém além de mim.

— Vou ter que interromper, ou essas duas vão conversar o dia todo. Como você está hoje Juan?

— Muito bem, na verdade. Quando vocês vão me liberar?

— Calminha aí super man. A falta de ar, aperto no peito? Ainda sentiu desde que passei ontem?

— Nadinha.

— Que ótimo. Vou pedir alguns testes, e se estiver mesmo tudo bem te libero ainda hoje. — ele assinou algo na prancheta. — Vamos Katniss?

— Nada de “vamos Katniss” mocinho. Você tá péssimo, quando foi a última vez que comeu? Ele não está mais magro e parecendo cansado e doente minha filha? — ela perguntou pra mim.

— Finalmente alguém pra me apoiar nisso. É o que eu venho dizendo pra ele!

— Se ferrou doutor. — Juan pegou um jornal em cima da mesinha e começou a ler por cima dos óculos.

— Eu já tenho mesmo que ir Soledade, é só um resfriado.

— Só vai depois que comer pelo menos uma fruta. — ela tirou três bananas e uma maçã de uma sacola plástica. — Vai, come pra eu ver.

— Eu não vou comer. — Peeta birrou. — Esqueceram quem está no comando aqui?

— Aprenda uma coisa sobre a vida doutor. Onde tem mulher, homem não manda.

— Você não tem outros pacientes pra atender Professor? Come logo! — entreguei uma banana a ele contendo um riso.

— Que merda. — Peeta reclamou descascando a banana.

— Sem teima e essas palavras feias. Um homem desse tamanho dando trabalho desse jeito! Nem meu Fernando faz isso.

Depois da fruta devidamente mastigada e engolida, alguns abraços apertados e despedidas, saí rindo da sala.

— Adorei eles.

— Desmancha esse sorriso, não tem graça.

— Só assim pra você se alimentar Professor. Mas me fala, qual a história deles? Tenho certeza que vai além de casal imigrante simpático.

— Ele trabalha vendendo lanches mexicanos perto do apartamento do Finnick. Uns dias atrás ele teve um ataque cardíaco, então Finn, depois de muita relutância deles, conseguiu trazer ele aqui. Aí que está o problema.

— Eles não tem como pagar?

— Também, mas a questão nem é essa. O hospital tem uma cota de atendimento gratuito. Na verdade, eles são imigrantes ilegais no país há uns quinze anos. Se ele entrar no sistema os dois serão deportados.

— Então basicamente, vocês atendem ele aqui clandestinamente?

— Dra. Coin nos mataria se soubesse, então Madge teve essa ideia. Todos nós residentes cuidamos dele e alternamos nas assinaturas nas fichas, e quando o tratamento terminar, vamos dar um fim nos papéis. Prontuários somem o tempo todo em hospitais grandes como esse.

— Pode custar as carreiras de vocês. — adverti.

— E a vida dele, então a escolha é meio óbvia Katniss. O filho deles nasceu aqui, então tem cidadania americana. Eles só querem ficar pro menino ter uma educação melhor e mais oportunidades, entende? E também, não tem como não gostar desses dois! — ele voltou o olhar para os papéis, preenchendo algo e colocando de volta no suporte.

— Só me surpreendendo. — murmurei.

— Falou comigo?

— Pensando alto. Mas me diz, você não tem nenhum história feliz por aqui não?

— Feliz?

— Menos triste, pelo menos. — dei de ombros e ele pensou por um segundo.

— Quarto 312, Haymitch Abernathy. Me segue.

— Estou logo aqui atrás.

— Com licença. — ele abriu a porta depois de duas batidas.

— Você de novo garoto? Não tem casa não? — um homem loiro com o cabelo exigindo um corte, barba por fazer e chegando na faixa dos 40 anos resmungou. Estranhei logo de cara porque à menção de "menos triste" Peeta me me trouxe aqui.

— Seja educado e cumprimente a moça.

— Falo com ela se eu quiser. — Peeta rolou olhos.

— Katniss, esse é o Haymitch, meu primeiro paciente aqui. — o homem me analisou de cima a baixo.

— Pelo menos agora tá escolhendo melhor hein garoto? Aquela última vadiazinha que você trouxe aqui, Deus me livre!

— Respeite sua médica.

— Glimmer. Nome de puta, jeito de puta, andar de puta. Conheço de longe!

— Ela não pode ser tão ruim. — falei tentando parecer simpática.

— Ela não gosta de mim, só me trata bem na frente do Peeta, pra impressionar ele. Fica de olho no seu homem!

— Eu e ele... Nós não... — ri disfarçando.

— Mas tu é lerdo garoto! Decepcionante. — ri ao ver Peeta corar levemente.

— E qual é o seu problema Sr. Abernathy?

— Não ter mais 24 anos e ser chamado de Sr. Abernathy pelas garotas bonitas. Pode me chamar só de Hay docinho. — acabei rindo. Já gostei desse cara.

— Já chega Hay docinho. — Peeta falou fingindo mal humor. — Remarquei suas sessões de cauterização pra amanhã. Effie vem te preparar.

— Não cara, ela não. Aquela mulher me enlouquece, a voz dela é estridente demais.

— Supere.

— Por que a docinho não vem me preparar? — Haymitch riu malicioso.

— Porque ela não trabalha aqui. — Peeta o cortou se colocando entre nós perto da cama. — Agora para de deixar ela sem jeito e me deixa ver seu abdome.

— Ui, como ele está autoritário hoje.

Fiquei observando o quarto enquanto Peeta trabalhava. Ao contrário dos outros, não tinha nada pessoal, nada que realmente o diferenciasse dos outros quartos vazios. E considerando que aquele paciente já estava ali há meses, era muito estranho. A ausência de qualquer parente também não passou despercebida.

— Psiu. Ei. Kat? Vem aqui? — me aproximei dele. — Peeta, se você já terminou, pode dar licença um minutinho pra nós dois?

— Vaza Mellark! — ordenei rindo.

— Vai ter volta Haymitch. — Peeta saiu do quarto.

— Agora que o chatonildo já foi... Tem como você me conseguir uma água um pouco mais forte quando vier aqui? — ele piscou pra mim.

— Não sei se estou entendendo.

— Você tá sim docinho. O pessoal desse hospital é muito puritano, não aceita tratamentos alternativos. Mas se uma taça de vinho faz bem pro coração, o que dirá uma garrafa de vodca?

— Você quer que eu te contrabandeei álcool?

— Não precisa ser uma garrafa toda, só um pouco. Você coloca numa garrafinha de água. É o plano perfeito! — ele deu um riso escandaloso.

— Foi um prazer te conhecer Haymitch. — me inclinei e dei um beijo em seu rosto. — Volto logo pra te ver.

— Traz a “água” docinho. — ele fez sinal de aspas com os dedos e me soprou um beijo antes que eu fechasse a porta.

— Ele te pediu álcool, não foi? — Peeta estava encostado numa parede próxima, respirando com uma quase imperceptível dificuldade.

— Você quer sentar? — o questionei. — Me conta por que ele é tão especial.

— O álcool pôs ele aqui. — nos sentamos em duas cadeiras ali perto. — Todas as doenças dele foram por causa disso e apesar de ser podre de rico, ele não tem família, ninguém mesmo. Ele grita, briga, é mal humorado, finge que me odeia, mas sei que no fundo ele esconde o que realmente sente. Está fugindo de se apegar a alguém se as coisas não derem certo pra ele.

— Então ele é basicamente você daqui há uns anos se fosse alcoólatra? — perguntei com os olhos estreitados na direção dele.

— Não entendi esse seu comentário Katniss. A questão aqui é: eu não preciso de ajuda, eles sim! — ele levantou e cambaleou um pouco. — Por isso fico tanto tempo por aqui, me esforço ao máximo, mesmo que isso me custe a saúde.

— Ok Professor, você provou seu ponto. — me levantei também. — Sou egoísta por decidir passar o Natal junto com minha família e amigos. Mas eu acho que você deveria ser um pouco mais egoísta também. Entendo que eles são importantes e especiais, mas você está há quase cinco dias seguidos sem dormir, isso também parece uma fuga pra mim.

— Não estou fugindo. Eu só acho... — ele fechou os olhos com força. — Eu acho que... — Peeta deu um passo vacilante para trás antes de apoiar-se na parede.

— Você tá bem? Tá pálido e parece que vai desmaiar.

— É só um resfriado, já disse. É melhor você ir Katniss.

— Eu vou quando tiver certeza que você não vai morrer nesses corredores. Vamos pedir pra alguém ver sua pressão.

— Não precisa.

— Oh criança teimosa! — segurei em seu braço e pude sentir que a temperatura não estava normal. A pele dele estava gelada e pegajosa. — Você está suando frio. Agora é oficial, vou te levar pra casa.

— Isso aqui é um emprego, não brincadeira de rua. Não posso ir pra casa quando bem entender.

— Tem razão. — peguei meu celular e comecei a discar um número.

— O que você está fazendo?

— Ligando pro Finnick. Ele vai cobrir os plantões da Madge e vamos conseguir um atestado pra você. Se for preciso, eu escondo suas chaves, mas você não vai sair do apartamento enquanto não se recuperar Peeta Mellark. — falei autoritária.

— Ok. — ele concordou. Teimoso e dedicado como ele era, aquilo só poderia significar que ele sabia que estava mal.

— Ótimo. Senta aí que vou conseguir que você fale com um médico. Quando a gente precisa todos vocês somem. — depois da ligação, saí em busca de alguém, mas como já era quase horário de almoço, não havia nada além de algumas enfermeiras administrando medicações.

— Com licença, tem algum médico por aqui? — perguntei a uma senhora que anotava algo numa prancheta.

— O Dr. Mellark está logo ali. — ela apontou para o local onde Peeta encostava a cabeça na parede abrindo o jaleco num ato angustiado.

— Correção, algum médico saudável. — ela me olhou confusa. — Não? Não. Ok.

— Ninguém? — Peeta perguntou quando passei perto dele.

— Eu vou encontrar. Você quer água? Parece prestes a ter uma coisa.

— É só exaustão, não se preocupe.

— Por que faz isso consigo mesmo Professor? — levei minha mão em direção ao seu rosto para acariciá-lo quando sirenes começaram a ecoar por todo o local.

Código Azul, no quarto 309. Código Azul no quarto 309.

— Juan e Soledade. — Peeta sussurrou quase para si mesmo já se colocando em pé em estado de alerta.

— Peeta, você não está em condições.

— Não estou em condições de ficar parado, isso sim.

— Você não vai aguentar. Outro médico pode...

— Quem? — ele abriu os braços mostrando o local ao redor. — Em dois minutos a falta de oxigenação vai começar a prejudicar os tecidos. Em quatro o cérebro começa a ter danos irreversíveis. Sai da minha frente Katniss. Agora.

— Não.

Depois de ser totalmente ignorada quando ele passou direto por mim indo em direção ao local, o segui já vendo outras pessoas também entrarem no quarto.

— Situação? — ele perguntou à enfermeira que consultava um monitor.

— O paciente está em assistolia* há cerca de um minuto e meio, saturação de oxigênio caindo.

— Doutor, o que foi? A gente estava conversando normal e ele começou a sentir falta de ar, a máquina apitou e eu não sei... — a esposa alcançou o braço de Peeta.

— Vamos cuidar do seu marido, mas nos deixe trabalhar, ok? Você, comece as compressões. Você traga o desfibrilador**. Vou entubá-lo agora. — ele falou delimitando as funções enquanto já pegava um aparelho metálico e alguns cabos plásticos e se direcionava a cabeça de Juan.

— Doutor, ele vai morrer? Me responde! — Soledade derramava lágrimas desesperadas enquanto balançava o braço de Peeta atrapalhando seus movimentos.

— Katniss? — ele me olhou de relance, e eu soube exatamente o que fazer.

— Soledade? Vem ficar aqui comigo, não podemos atrasá-los, certo? — a trouxe gentilmente pelo braço para um local mais afastado do quarto.

— Eu não posso perder meu Juan. Sem ele aqui comigo como vou criar o Fernando?

— Você não vai perder ninguém, o doutor Mellark é bom no que faz e não vai desistir dele. — ela se agarrou a mim e continuou a chorar, evitando olhar para o que estava acontecendo logo ali no leito. Peeta estava posicionando as pás do aparelho.

— Afastem-se. — ele ordenou dando o primeiro choque.

— Nada doutor. — uma das enfermeiras falou preocupada.

— Continuem as compressões.

A equipe continuou o trabalho nos quinze minutos seguintes, uma pessoa bombeando oxigênio, outras três revezando nas massagens cardíacas, outra nas medicações que Peeta ia indicando, enquanto o mesmo cuidava dos choques. Pelo pouco que entendi, Juan respondia fracamente aos estímulos, mas logo decaía. Meu professor parecia estar a apenas um passo de desmaiar, suas mãos tremiam um pouco e gotas de suor escorriam de sua face, mesmo o quarto estando gelado e o esforço físico que ele fazia nem ser tão grande assim. Toda aquela tensão e esforço estavam lhe custando demais.

— Ele não responde. — alguém falou.

— Nós só acabamos quando eu disser que acabou, certo? Continuem. — o loiro falou autoritário e determinado. — Me recuso a perdê-lo. Afastem-se. — como um milagre, depois do choque pode-se ver na máquina ao lado um firme sinal de batimento. A equipe olhou para o monitor por mais um minuto antes de suspirarem aliviados. — Parabéns equipe. Quero monitoração constante e anotações a cada duas horas.

— Obrigada doutor. — Soledade beijou sua mão antes que ele pudesse sair do quarto e desabasse na primeira cadeira vazia. Sua respiração estava pesada e Peeta sequer abria os olhos, com a cabeça encostada na parede.

— Como você está? — perguntei segurando sua mão.

— Muito cansado, meio tonto. Mas no final das contas, formamos um bom time, eu e você. — ele elevou os cantos da boca em um discreto sorriso. Mas elogios e risinhos não me farão esquecer a bronca que tenho que te dar Peeta Mellark!

— Você compreende que o que fez agora foi totalmente insano? Que aquele paciente poderia ter morrido se você desmaiasse ali, coisa que parecia bem perto de acontecer?

— Ele teria morrido com certeza se eu não fizesse nada. Se eu fosse ajudar os outros apenas quando eu me sentisse confortável com isso Katniss, eu não teria nem conhecido você.

Coloquei minha mão sobre a dele, transmitindo um aperto com força. Por mais que eu não concordasse com 90% do que ele dizia ou fazia, eu não poderia negar o quanto ele era especial. Nunca conheci ninguém que amasse tanto desconhecidos, que se doasse tanto em favor dos outros, e em minha opinião, era assim que todos deveriam ser. Que eu deveria ser. Peeta que não acreditava no Natal e era a pessoa mais fechada que eu conhecia, acabou demonstrando o maior espírito natalino que eu já tinha presenciado, afinal esse feriado não era sobre perus, pinheiros e luzes piscando. Era sobre amor.

— Vamos conseguir aquele atestado pra você, que a partir de agora está sob meus cuidados herói.

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* Assistolia: é caracterizada por traçado isoelétrico observado no eletrocardiograma ou no monitor cardíaco. É um mecanismo frequente de parada cardíaca intra-hospitalar e representa a ausência de atividade no coração.

** Desfibrilador: Equipamento utilizado na parada cadiorespiratória com objetivo de restabelecer ou reorganizar o ritmo cardíaco.


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Notas finais do capítulo

"E ele fica a cada dia mais incrível." (Katniss Everdeen, CMDPPM)
Como amar menos Peeta Mellark, me digam?! Como?

Espero que tenham gostado, como está na classificação da fic, teremos um pouco de drama às vezes. Qualquer dúvida sobre termos e procedimentos citados acima, podem perguntar, respondo de bom grado!

E que o exemplo de Peeta possa servir de modelo para todos nesses últimos dias do ano e em 2015, pois apesar de ser apenas um personagem, ele é baseado em pessoas reais que enfrentam situações reais e ainda assim se mantém dedicadas a se doar pelos outros.

Maaaaaassss, passado esse momento fofurinha-autoajuda, o que acharam do capítulo? Espero que tenham gostado. Vejo vocês nos comentários! E pra quem lê e gosta, não acha que mereço um olá? Por favor né gente?! Apareçam! Seja por recomendação, review, MP, carta, código morse, qualquer coisa! Hoje nem é um dia especial... *cof é meu aniversário cof*
Bjs*

p.s.: Em função de uma viagem, vou ter que me ausentar no Nyah por quase todo o mês de janeiro, logo se eu não postar ou não responder nada, já aviso logo: "Não morri."

p.s2: Para me dar de presente Peetas Mellark, Theos James, Liams Hemsworth, Olivers Queen, pudim de leite, unicórnios, chocolate, filhotinhos de Golden Retriever, tour pra conhecer a CW, fotos autografadas da Jen e do Josh, livros em geral, mashmallows, me mandem MPs que eu repasso o endereço.

Vocês nem sabem como foram importantes para mim esse ano, meu melhor presente!!! Mil beijos!!!