Conselheiro Amoroso escrita por Ellen Freitas


Capítulo 20
Fix You || Peeta


Notas iniciais do capítulo

Oieeee!!! Como estão vocês...
Ai Ellen, você não pode terminar um capítulo assim e sumir! Ellen, dá próxima vez vou procurar e lhe matar e matar seu poodle! Tá gente calminha aí, ok?! Cheguei!!
Sabe daqueles capítulos que você escreve e reescreve porque TEM que ser muito bom, porque sente que as pessoas irão lembrar dele e relê-lo? Esse. Há algumas semanas no grupo eu postei que estava escrevendo algo que mudaria o rumo tão certinho da nossa querida fic, então seja bem vindo capítulo 20!!!
E ele vai especial da a Gaby, que fez uma linda recomendação. Valeu meamo, amei!!!
Sem mais enrolação, sentem-se com calma, peguem a pipoca, os lencinhos e boa leitura!!! Bjs*



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Enxuguei meu rosto pela terceira vez, mas as marcas das lágrimas ainda estavam lá. Talvez não no rosto, mas no coração.

Quando adentrei em meu quarto depois de transcorridos mais de sete anos, ele ainda parecia meu quarto. Decidi experimentar alguma roupa da minha adolescência para substituir as minhas que estavam cheias de terra, e mesmo um pouco mais apertadas, elas ainda me servem. Institivamente baixei um porta retrato que estava na minha mesinha de cabeceira ao passar por ela.

Não quero saber de pais felizes com duas crianças no colo. Os Mellark não são mais essa família há anos! Aliás, não sobraram sequer Mellarks suficientes para formar uma família completa.

O som da televisão chamou minha atenção para a sala, mas decidi não encarar Katniss agora. O que começou com uma viagem de apenas algumas horas para assinar os papeis da venda da casa da minha família, se tornou um drama digno de Shakespeare. Caminhei direto até a cozinha, e saí para o quintal. A noite estava fria.

― Peeta? ― minha vizinha idosa se embolava em seu casaco enquanto colocava o lixo para fora. ― Eu nem acredito! ― ela largou a sacola e caminhou ao meu encontro.

― Mags. ― retribuí prontamente ao abraço que ela me ofereceu. Fomos vizinhos a vida toda e era como se ela fosse uma avó.

― Menino, como você some desse jeito e não dá mais notícia? Quer me matar do coração? ― ela me deu um tapa no braço.

― Desculpe, eu apenas precisava me afastar daquilo tudo, sabe?!

― Você está tão bonito. E forte! Nem parece aquele menino magrinho que eu embalava e fazia parar de estudar para comer. Conseguiu ser médico?

― Na verdade, estou terminando minha residência em cirurgia em alguns meses.

― Sempre soube que você ia longe! Eu sinto tanta saudade de você e da sua família. ― ela disse chorosa, me abraçando novamente. ― Veio morar aqui de vez?

― Na verdade, eu vim vender a casa. O corretor passa amanhã cedo.

― Peeta, não faça isso. É a casa dos seus pais, da sua família. Você e Matt cresceram aqui. ― neguei com a cabeça.

― Eu tenho que fazer isso, me desculpe. Esse não é mais meu lar, são apenas lembranças ruins. Essa cidade toda é!

― Você está errado, não são apenas lembranças ruins. ― eu não estava mesmo afim de discutir aquilo agora. A decisão já estava tomada.

― Foi muito bom rever você Mags, mas agora eu tenho que entrar. E você também deveria, está frio aqui fora.

― Ainda o lindo preocupado com os outros. ― me abaixei à altura dela para receber um beijou no rosto. ― Pensa no que eu te disse. E não deixe o que aconteceu no passado te afetar mais do que já fez. Siga em frente, você merece ser feliz.

Dei um riso nasal antes de me despedir e entrar. Eu teria que enfrentar Katniss cedo ou tarde, ela simplesmente não iria se materializar longe de mim só porque eu não queria falar da minha vida. A morena viria com muitas perguntas, aquelas que finalmente achava que estava pronto para responder. Fui em direção à sala.

― Me desculpa. ― Katniss se assustou com minha voz, mas seu olhar ainda era de compaixão e pena. ― Desculpa por ter gritado com você e por talvez ter machucado seu pulso. Eu não queria.

― Eu sei. Mas a culpa foi minha, eu te pressionei.

Assenti e sentei-me ao seu lado no sofá, que quando chegamos estava coberto por vários tecidos brancos, mas agora Katniss parecia ter feito uma limpeza parcial. Depois da minha estendida crise de choro no cemitério, não tínhamos muitos lugares para ir, então guiei Katniss, que dirigiu até aqui.

― Essas lembranças... Eu não sei lidar com elas. ― falei sincero.

Katniss me abraçou forte, sua cabeça descansando em meu peito. Envolvi seus ombros de volta a trazendo para perto de mim, usando mais força do que eu provavelmente deveria com alguém tão pequeno. Ficamos assim por alguns minutos até que ela resolveu falar, ainda sem nos separarmos.

― Peeta... Eu não pude deixar de notar. ― ela se afastou alguns centímetros para me olhar nos olhos. ― As datas das... lápides. São todas diferentes, mas muito próximas. Tipo, menos de uma semana. ― respirei fundo.

― É porque tudo aconteceu em menos de uma semana. A pior semana da minha vida, em que perdi meu pai, minha mãe, meu irmãozinho e o amor da minha vida. Tudo nessa casa, nessa cidade, me lembra eles. Eu não consigo... ― mordi o lábio com força evitando chorar novamente. Katniss já deveria estar achando que eu era o cara mais fraco da história.

― Você pode me contar qualquer coisa, sabe disso, não é?! Não precisa estar bêbado pra isso. ― ela tomou minhas mãos entre as dela. Um toque quente, macio, reconfortante. Fechei os olhos e as lembranças voltaram com tudo.

*

“Carson entrou para a história da medicina no ano de 1987 ao separar gêmeos siameses unidos pela cabeça, um procedimento que levou cinco meses de planejamento, 50 horas na execução, e que envolveu 70 médicos, enfermeiros e técnicos. Além disso, ele é psicólogo, escritor, professor e filantropo.”

É isso. É exatamente isso que eu queria ser, um cirurgião como o Dr. Ben Carson! Inteligente, talentoso, dedicado aos seus pacientes.

― Larga esse livro vai?! ― ela pediu manhosa ao meu ouvido e senti uma mordida de leve no lóbulo.

― Tenho que estudar Kath, as últimas provas começam em uma semana.

― Como se sua média não fosse suficiente para passar desde o segundo ano... ― ela rolou os olhos cinzas e deitou ao meu lado na cama, analisando as unhas. ― Além do mais você já recebeu cartas de admissão pra um milhão de lugares, não entendo o porquê do estresse. ― Katherine desdenhou.

― Falando nisso... A sua já não era pra ter chegado também?

Nossos planos de terminar o colégio e sermos colegas de Universidade e ainda dividirmos o apartamento já estavam quase concretizados. Depois da formatura em duas semanas, faríamos nossa primeira viagem juntos para procurar algum lugar para morarmos. Eu médico e ela psicóloga. Perfeito.

― Enviei depois, mas deixa isso pra lá. ― ela pegou o livro da minha mão e jogou em qualquer lugar no chão. ― Quero meu namorado agora. ― Kath me fez cair com as costas no colchão e subiu no meu colo.

― Meus óculos! ― reclamei quando eles meio que entortaram no impacto.

― Sabe uma coisa Peeta? ― a morena ficou séria de repente. ― Nunca te quero por aí sem seus óculos.

― Por quê? Pensei que você queria que eu me “desnerdificasse”. ― fiz sinal de aspas com os dedos.

― Até sim, mas é que... Tenho que esconder seus olhos azuis do mundo, eles ainda podem conquistar muitas garotas por aí. Eles devem ser sempre só meus!

― Até parece. ― rolei olhos. ― Eu, Peeta Mellark, um conquistador?! ― comecei a rir.

― Continue pensando assim que por mim está ótimo. Agora vem cá. ― ela se inclinou sobre mim e me beijou. Suas mãos habilidosas já trabalhavam na barra da minha camiseta.

― Kath, meus pais estão lá embaixo!

― Quem. Se. Importa? ― ela falou as palavras alternando com mordidinhas em meu pescoço, queixo e lábio inferior. Katherine e seu eterno desapego às regras!

― Wow, eca Peeta! ― a voz do meu irmão me fez saltar de susto e jogar uma Katherine gargalhando de cima de mim para o lado na cama.

― Que droga Matt, custa bater?!

― Só vim avisar que já estou saindo com o pai, e ele está te chamando lá em baixo. Eu não sabia que ia encontrar dois vocês assim. ― ele desmanchou a careta de nojo e abriu um sorriso conspirador. ― Vou perguntar o que o papai e a mamãe acham disso.

― Ei, você vai ficar calado!

― Me obrigue. ― ele saiu correndo do quarto comigo em seu encalço, mas ainda a tempo de ouvir os murmúrios de “nerds” que Kath sempre soltava quando se referia a nós. ― Mãe! Pai!

― O que eu disse sobre a correria na casa? ― minha mãe estava terminando de colocar alguns lanches em uma bolsa térmica na sala. ― O que foi Matt?

― Peeta e Katherine...

― Peeta e Katherine nada! ― o cortei envolvendo sua cabeça com uma abraço esquisito e tapando sua boca com minha mão. Apesar dele ter crescido bastante no último ano, eu ainda era mais alto. ― Meu vídeo game é seu quando eu me mudar. ― sussurrei apenas para ele e fiz minha cara de inocente.

― Vou cobrar! ― ele sussurrou de volta.

― Tem certeza que vocês precisam ir pra isso Peter? ― minha mãe perguntou ao meu pai, não dando atenção à nós dois.

― E deixar de aproveitar o que os especialistas estão chamando de maior temporada de pesca dos últimos anos? Jamais! ― ela ainda parecia preocupada. ― Vamos ficar bem. Você não quer mesmo ir Peeta? Os garotos Mellark em ação, que tal?!

― Desculpe, já tinha marcado de sair com a Kath.

― Não, você não tinha. ― era verdade. O dia da pesca estava marcado há meses e Katherine chegou com a ideia de vermos um filme que estrearia hoje há apenas uma semana. ― Tudo bem, fica pra próxima. Não serei eu o cara que vou chorar hoje vendo as fotos do meu pai e do meu irmão com um peixe de cinquenta quilos.

― Tá bom que vão pegar um peixe assim... Meus garotos só tem conversa fiada! ― minha mãe os subestimou entregando a bolsa com os alimentos para meu pai. ― Se cuidem. E não deixa o Matt ficar muito tempo na água. Acho coloquei comida suficiente... Espera, esqueci as maçãs! ― ela já ia saindo pra cozinha quando ele a deteve pelo braço.

― Acho que podemos sobreviver sem maçãs por um dia amor. ― ele lhe deu um beijo na testa. ― Vamos Matt! E filho... ― ele me abraçou. ― Toma cuidado com essa sua namorada, certo?! ― eu até teria apresentado novamente meu discurso de cinco horas sobre como eu e Katherine éramos perfeitos um para o outro, mas ele já saiu fechando a porta atrás de si. Meus pais nunca apoiaram nosso relacionamento.

Naquele dia passei a tarde na casa da Kath e no começo da noite fomos ao cinema com os amigos dela. O filme era uma comédia romântica qualquer, bem mal estruturada com enredo raso, só pra constar, mas ela gostou e riu muito então não pude ficar triste com essa escolha.

― E aquela menina, pelo amor de Deus! Não tinha uma protagonista melhor não?! A fotografia ficou ruim mesmo, o diretor era aquele mesmo do filme de ficção cientifica que eu te disse, sabe?! ― Kath riu negando com a cabeça. ― Mas é verdade! Sem contar os movimentos fisicamente impossíveis do cara lá. Newton estaria se debatendo no túmulo! Do que você ainda está rindo afinal? ― perguntei confuso.

― Nada. Mas Peeta, da próxima vez não confunda o fato de eu te amar com a liberação de chamar meus amigos de burros.

― Eu não chamei eles de burros! Mas você não pode me culpar por rir quando eles não entenderam uma piada óbvia.

― Tão nerd! Meu nerd.

Kath se virou para mim e envolveu seus braços em torno do meu pescoço, me beijando. Sua língua adentrou minha boca, se movimentando em sincronia com a minha. Depois desses meses e eu já estava bem melhor nisso e com essa professora, eu não tinha do que reclamar. Ela mordeu de leve meu lábio inferior.

― Tem certeza que não quer ir pra minha casa hoje? Meus pais estão fora...

― Já não fui com meu pai e o Matt hoje, eles devem estar chegando. Vou ficar com eles. ― ela se soltou de mim em um gesto aborrecido. ― Qual é Kath, passamos o dia juntos!

― Tudo bem Peeta, vai lá! ― ela agora estava chateada. Ótimo!

― Não vai nem querer entrar?

Nesse momento pude ver que em frente à minha casa dois carros da polícia estavam estacionados. As luzes azuis e vermelhas coloriam a copa da árvore que ficava próxima da varanda. Soltei a mão de Kath e corri para dentro, onde minha mãe estava sendo consolada por uma policial no sofá, enquanto dois circulavam pela sala, e outro impediu minha entrada.

― É meu filho mais velho. ― passei por ele e sentei ao lado de minha mãe no sofá.

― O que aconteceu? ― falei preocupado, meu coração apertado no peito.

― Eles... Os dois...

― Você pode vir aqui dentro garoto? ― um dos policiais, o que parecia estar no comando, me chamou. Concordei e o segui até a cozinha.

― Houve um acidente. ― ele começou. ― Tentamos te ligar, mas seu telefone estava desligado.

― Eu estava no cinema. Mas meu pai e meu irmão... Eles estão bem? ― o oficial respirou fundo.

― Sinto muito garoto. ― ele falou compadecido tocando meu ombro. ― Uma carreta acertou o carro deles quando voltavam do lago. A batida foi do lado do seu pai, ele faleceu no local.

Foi como se o chão fosse tirado de mim, minha garganta fechasse e o movimento de rotação da Terra tivesse a velocidade aumentada em um bilhão de vezes. Apoiei minhas costas na parede gelada mais próxima para não cair.

Meu pai...

― Matt? O que aconteceu com o Matt? ― o desespero chegou à minha voz.

― Ele está no hospital em estado grave. Sua mãe estava esperando você chegar para acompanharmos vocês até lá.

Me apressei para voltar à sala. Kath estava parada na porta de entrada olhando meio sem entender para tudo. Corri para seus braços.

― Meu pai, Kath! ― ela hesitou dois segundos antes de retribuir, ainda sem falar nada. Não havia muito o que se falar naquele momento.

― Temos que ir. ― minha mãe envolveu seu braço em trono de mim ao passar pela porta com os policiais.

Katherine deu um último sorriso triste me incentivando a ir com eles, antes de seguir seu caminho de volta para a própria casa.

Mais dois dias se passaram. Neles, fiquei quase todas as horas com minha mãe no hospital, olhando Matt ligado aos vários tubos que o mantinham vivo. A cirurgia foi feita, mas nada impediu a morte cerebral que meu irmão teve horas depois. O cérebro de gênio de Matt Mellark não resistiu.

Eu não conseguia nem descrever como a dor piorou ao ver a reação da minha mãe quando ela se jogou em meus braços ao saber que teria que decidir de assinaria os papeis para desligar os aparelhos e doarem os órgãos ou aguardaria mais um pouco. Ela queria estar no lugar dele, eu queria estar no lugar dele, mas não era possível, mas não havia jeito, Matt também tinha ido.

― Por favor atende, por favor atende. ― supliquei em voz baixa encarando o chão de mármore claro do hospital. Eu já tinha decorado cada uma daquelas marcas.

Hey!

― Oi Kath! ― falei aliviado, mas foi cedo demais.

...você ligou para a Katherine. ― a gravação feliz na caixa postal continuou. ― No momento estou ocupada ou te ignorando. Deixe seu recado.

― Meu amor, sou eu. O que aconteceu, faz dois dias que não consigo falar com você, estou começando a ficar preocupado e não estou podendo sair do hospital nesse momento. Então... ― minha voz começou a ficar embargada pelo choro. ― Eles vão desligar os aparelhos daqui a pouco. Por favor... Preciso de você.

Não pude controlar mais minhas lágrimas que jorravam em direção ao chão. Inclinei minha cabeça sobre meus joelhos escondendo meu rosto de quem passassem pelo corredor. Em menos de uma hora, minha mãe voltaria com nossa vizinha e Matt estaria oficialmente morto.

― Eu amo você. ― falei depois de um tempo para a caixa de mensagens, então desliguei.

Meu irmão era a vida da minha mãe. Ela teve depressão pós-parto e ele quase morreu quando nasceu sufocado pelo cordão umbilical. Depois de superada essa fase muito ruim, os dois se uniram bem mais, ela estava sempre próxima a ele, muito mesmo, assim como eu era do meu pai. Os vários exercícios cognitivos para afastar qualquer chance de dano ao cérebro por causa do nascimento complicado, fizeram surgir o gênio que ele era.

Matt provavelmente entraria na Universidade dois anos antes que o previsto, cursando no mínimo algo no ramo da física ou mecânica avançada. Suas notas não podiam ser mais perfeitas, e ele sempre foi o filho carinhoso e companheiro dela.

Não era justo!

Foi provavelmente a pior volta para casa da história. Uma família feliz e completa reduzida a dois membros devastados e sem nenhum ânimo. A ideia de que ele continuaria vivendo através de outras pessoas que receberiam seus órgãos poderia até animar, mas não agora. O luto não deixava.

Perdi as provas finais trancafiado em meu quarto. Eu não queria ver ninguém e fora Mags, ninguém queria me ver também. Eu sei que deveria estar apoiando minha mãe, passando as horas vendo os álbuns de fotografia com ela, empacotando para doação os pertences dos meus entes queridos falecidos, mas eu não conseguia. Entrar no quarto deles doía demais.

As lembranças das brincadeiras, sorrisos e até das brigas me faziam derramar outro rio de lágrimas, e eu possivelmente já estava desidratado de fazer isso há quase uma semana.

Uma manhã recebi a ligação da escola. Minhas notas me fizeram passar de ano, mas eu e um responsável precisaríamos comparecer para assinar o diploma e outros documentos.

Bati de leve na porta do quarto dos meus pais, correção, quarto da minha mãe, mas não obtive resposta. Outra batida e nada. Resolvi testar a maçaneta e como a porta estava aberta, adentrei o local, que ainda estava escuro pelas cortinas fechadas e ela dormia calmamente, como eu não via há tempos.

― Mãe, ligaram da escola, precisamos ir lá, alguma coisa sobre documentos. ― não houve resposta. ― Mãe, se quiser eu posso ligar para fazermos isso em outro dia.

Ainda silêncio. Foi quando vi junto à mesinha de cabeceira, um copo de água pela metade e uma cartela de remédios vazia. Eu podia não conhecer muito de medicações, mas eu sabia que aquilo em excesso teria apenas uma consequência. Um pequeno recado em uma das folhas arrancadas de um bloco de anotações estava do lado dela na cama e dizia apenas “Desculpe Peeta, eu não consegui.” Ela não aguentou tudo e eu não sabia como aguentaria.

Naquela manhã, a última rocha que me mantinha em pé também tinha ruído.

― Peeta? Peeta? ― uma voz distante me chamava. Mesmo com os olhos abertos não era possível ver um palmo à frente do meu nariz naquela escuridão. Fingi não ouvir. ― Peeta? ― uma luz incômoda invadiu meu quarto quando a porta se abriu.

Já era de manhã?

― Eu tive que pedir pro nosso vizinho do fim da rua dar um jeito de abrir sua porta. ― Mags se ajoelhou ao meu lado no chão e me abraçou, depositando minha cabeça em seu peito. ― Você perdeu sua formatura ontem. ― ela disse calmamente.

Não respondi, mas alguém mesmo esperou que eu fosse? Para quê? Não havia mais ninguém para assistir, eu não tinha amigos lá, e Katherine? Eu não a via há duas semanas. Ela não atendia telefonemas e não estava em casa nas cinco vezes que fui lá depois do funeral da minha mãe, e depois disso, não tinhas forças para sair pela cidade procurando.

― Eu não sei nem como começar a te dizer isso. Você já sofreu mais do que qualquer pessoa aguentaria, mas...

A expressão da senhora demonstrava dúvida e preocupação. O que faltava para acontecer? Minha casa pegar fogo? Mas acho que teria notado, já que estava confinado aqui dentro já faziam alguns dias. Até que isso não seria de todo ruim. Cobrei uma continuação com o olhar.

― Houve um acidente. Katherine. ― minha boca se abriu em surpresa e tristeza e logo mais lágrimas brotaram. Eu achei que não teria mais como sair qualquer líquido dos meus olhos, mas estava errado. ― Calma, ela está bem. Arranhões de leve, mas bem. Só que... Ela estava deixando a cidade. ― Mags explicava tudo com a paciência e cuidado de como se é explicado algo para uma criança pequena. ― Havia outra pessoa com ela, um rapaz que estudava com vocês. ― levei ainda alguns minutos para absorver a notícia por completo.

Uma última lágrima desceu quando me levantei meio cambaleando pelo tempo que fiquei parado e na escuridão.

― Aonde você vai?

― Eu só... Preciso de uma bebida agora.

― Peeta, não destrua sua vida por causa dessa menina. Por causa disso tudo, você ainda tem um futuro brilhante pela frente. O que você vai fazer?

― A única coisa que me restou Mags. Estou indo embora daqui.

*

Katniss chorava, e muito. Sua mão agora apertava a minha entre as dela, tentando ao seu modo transmitir algum carinho. Mas ao contrário dela, e do que eu mesmo achava que fosse capaz, contei tudo sem derramar uma lágrima sequer. Não que eu não sentisse, cada palavra falada me lembrava do sentimento de perda, desespero, abandono, meu coração sendo rasgado novamente, mas dessa vez eu teria que ser mais forte. Não aguentaria carregar a culpa de deixa-la miserável com minha história. Como não consegui ser para minha mãe, eu teria de ser para Katniss.

― Nada disso foi sua culpa. ― ela ecoou meus pensamentos enxugando as lágrimas. Balancei a cabeça em discordância.

― Meu pai e meu irmão não, mas minha mãe... Eu me lamentava por uma namorada, mas acabei fazendo pior que ela. Eu deixei minha mãe sozinha quando ela mais precisou! Ela poderia estar viva agora.

― Não Peeta... Você é forte, consegue superar isso, eu sei que sim. E mesmo você não podendo tocar ou abraçar seus pais, sei que eles ainda estão aqui com você. ― ela pôs a mãos sobre meu peito, onde meu coração pulsava acelerado. ― É só pensar no que eles aconselhariam, o que fariam e terá sua resposta. Eles te fizeram uma pessoa incrível!

― Você pensava que eu sabia alguma coisa de relacionamentos. De amor. Eu não sei fazer mais isso Katniss, eu te machuco porque eu não consigo mais... Eu não posso ser amado!

Era isso, esse era meu problema, o qual Katniss sempre perguntava. Finalmente eu tinha entendido.

― Mas eu amo mesmo assim. ― levantei meu olhar surpreso para encontrar o dela. A morena apenas deu de ombros. ― Eu amo você.

― Você está dizendo isso para não me ver chorar. ― ri sem graça.

― Sim, por isso também. Pra não te ver chorar ou te ver ferido. Eu não sabia porque mesmo com tudo que você fazia ou me dizia eu apenas não conseguia manter a distância, não conseguia te odiar. É isso, mais simples que qualquer coisa. Te amo, agora me deixa ajudar a consertar você!

Era sincero, eu podia ver.

Pela luz fraca da sala eu via seus olhos cinzentos brilhares com as lágrimas que se acumularam ali, mas não caiam. Katniss não parecia preocupada com cada vez que a afastei, com todas as nossas brigas ou discordâncias, ou com qualquer outra pessoa que não fosse nós dois.

Ela se inclinou em minha direção e me deu um beijo leve, rápido, meio indeciso ou confuso. Depois de tantas rejeições por minha parte, eu não podia culpá-la. Minha mãe diria que eu buscasse o que me fizesse feliz e meu pai diria para ter cuidado, mas que era melhor se arrepender de um amor do que ao menos me permitir senti-lo. Eu tinha evitado sentir, mas não mais.

Segurei seu rosto entre minhas mãos e devolvendo um beijo intenso, cheio de vontade, saudade e outra coisa... Algo estranho, a mesma coisa que fazia sempre ter que lidar com o desejo de tê-la por perto lutando contra a vontade de mantê-la longe de alguém tão quebrado como eu.

Katniss apoiou as mãos em meus ombros e passou uma perna por cima das minhas no sofá, sentando-se em meu colo de frente comigo, e tirando uma mecha incomoda de cabelo que caía em seus olhos. Minhas mãos passeavam por suas costas, enquanto ainda mantínhamos o beijo. Prendi um gemido entre meus lábios quando ela atacou meu pescoço com beijos e mordidas leves.

― Você tem certeza disso? ― segurei seus ombros a afastando um pouco de mim para poder olhá-la nos olhos. ― Porque agora eu tenho.

― Não precisamos voltar essa noite para casa. ― ela sussurrou mordendo o lábio, o que tirou totalmente minha sanidade.

Em um minuto ela estava sentada em meu colo no sofá da sala e nos minutos seguintes metade das nossas roupas já estavam sendo espalhadas pela casa toda. Evitei olhar para a entrada do quarto dos meus pais e meu irmão e já fomos direto para meu quarto, Katniss sendo carregada com facilidade por mim e aproveitando para beijar meu pescoço e ombros recém-despidos.

― Espero que você não tenha problema com pó, porque esse quarto tá cheio dele.

― Eu tenho problemas com a distância de você. ― eu ri e a beijei mais uma vez.

A ajudei a retirar a calça jeans depois que a coloquei sobre minha cama. Katniss era mais linda do que eu lembrava, desde a última (e única) vez que a vi de lingerie, naquela confusão com o primeiro encontro com Finnick.

Nossa história não tinha sido fácil, não tinha sido simples, ou ao menos rápida, mas ao analisar tudo agora, e vi que cada acontecimento foi necessário para estarmos sentido exatamente isso. Mais forte, mais maduro, mais certo. Eu não mantinha segredos dela e vice-versa.

Desci meus beijos lentamente para seus ombros, colo e abdome, antes de retirar meu próprio jeans e olhá-la nos olhos. Vi um brilho de desejo, de alegria, de entrega. Não tínhamos mais nada a esconder e finalmente chegamos ao próximo passo.

― Você tem certeza mesmo? ― questionei quando retirei o preservativo da minha carteira.

― Para de fazer essa pergunta idiota! ― Katniss me calou mais uma vez com beijos.

O próximo passo assustava. Se não fosse perfeito, se não fosse no momento certo poderia estragar uma relação. E o que eu menos queria era ver minha relação com a Kat ser estragada, principalmente se fosse por mim.

Kat.

Eu conseguia finalmente chamá-la assim sem ter sombras do passado me assombrando. Era inevitável ver qualquer rastro de sombra ou escuridão perto de alguém com tanta luz como ela.

As últimas peças foram lançadas em qualquer lugar do quarto, quando finalmente nos unimos como um só. Meu corpo clamava por isso e o dela também, e precisamos de mais de uma vez para nos satisfazermos.

Apesar de admitir que esse tempo foi necessário, não posso negar que a cada dia eu ansiava mais por ela, por mais proximidade e mais contato, e agora eu finalmente tinha e estava completo. Mais do que jamais senti com qualquer outra mulher em que passei pelos lençóis, desde a primeira até a última.

Meu pai sempre teve tendências românticas muito fortes e vivia me dizendo que eu saberia quando encontrasse a garota que seria para sempre. Eu sempre declarei que já tinha encontrado, mas ele dizia que não. Que ainda aconteceria e eu ia saber. Então naquele momento eu soube.

Fazê-la gemer meu nome, sentir suas unhas arranharem meu corpo e seus lábios soltarem suspiros e gemidos por muitas vezes meio inteligíveis, me dava uma satisfação que Katniss não fazia ideia. Vê-la feliz era agora oficialmente meu principal objetivo de vida.

Ainda conversamos muito antes de cair no sono. Agora que ela já sabia de tudo mesmo, completei as lacunas de dúvidas que ela teve. Sentindo a dor me deixar aos poucos. Ainda era muito sofrido, mas eu sentia que já tinha sido pior e que com Kat, eu ia me sentir melhor e melhor. Com ela eu poderia tudo e com as lembranças dos conselhos dos meus pais, eu finalmente não estava mais tão ferido e culpado. Se essa for a sensação de ser consertado, eu estava amando.

~

Desde o que a cidade de Louisville chamava de “Tragédia Mellark”, eu não conseguia ter nada além de sonos leves, então logo que senti Katniss se mexer no meu abraço algumas horas depois, acordei. Mas ainda não totalmente.

― Onde você vai? ― sussurrei de olhos fechados, nenhum resquício de luz entrava no quarto, então entendi que ainda estava escuro lá fora.

― Escovar meus dentes para beijar você. ― eu ri em um suspiro e não lembro se ela chegou a voltar para cama, porque pela primeira vez em mais de sete anos caí em sono profundo.

Meu coração parou uma batida quando abri os olhos e Katniss não estava mais ao meu lado. Temi que tudo tenha sido um sonho, mas quando me sentei na cama e vi a bagunça que ela deixou no quarto, soube que não. O gosto de menta da minha boca, a mala, sapatos e nécessaire jogadas cada uma em um canto, isso sem falar das roupas da noite anterior ainda espalhadas pelo sofá e chão. Não pude evitar rir daquilo, minha morena sempre foi muito bagunceira.

Minha.

Um barulho vindo da cozinha me mostrou onde ela estava. Claro que ela está na cozinha, já de manhã e Katniss sempre sente muita fome pela manhã. Em todos os horários na verdade.

Desci as escadas pé ante pé, sem me preocupar em colocar algo além da calça que já usava, e espiei pela entrada da porta. Katniss estava distraída fazendo algo na mesa, imagino que seja café pelo cheiro. Seus cabelos estão presos em um coque no alto da cabeça, com alguns fios caindo sobre o rosto, e usando um dos meus moletons. Linda em sua total falta de qualquer preparo.

Cheguei sorrateiramente por trás envolvendo minhas mãos em sua cintura e depositando um beijo em seu pescoço. Ouvi seu sorriso.

― Já acordado?

― Hm rum. ― murmurei continuando a sessão de beijos em sua nuca.

― Você está me fazendo cócegas. ― ela riu flexionando o pescoço. A soltei me encostando na bancada atrás de nós. ― Eu ia fazer algo pra gente comer, mas você acordou antes. E aqui tá meio vazio.

― Onde conseguiu café?

― Trouxe solúvel.

― Tá explicado. Eu não recomendaria comer nada que está nessa casa. Tudo deve ter vencido há uns sete anos!

― Imaginei... Mas pelo menos isso aqui tá bom! ― ela se virou de frente pra mim apoiando um dos pés para trás, e tomou um gole da xícara fumegante que tinha em mãos.

― Deixa eu provar.

Peguei a xícara de suas mãos e provei também. Faziam anos que eu não tomava café, eu tinha parado pois cheguei à beira do vício na adolescência quando precisava trabalhar e estudar e não tinha tempo para dormir. Desde essa época, eu evitava terminantemente o líquido escuro, mas ao senti-lo agora descendo por minha garganta, notei como sentia falta daquilo. Mordi os lábios e fechei os olhos sentindo minhas papilas gustativas aproveitarem as sensações.

― Peeta Mellark, você acabou e ter um orgasmo cafeínico? ― ela gargalhou jogando a cabeça para trás, com as mãos apoiadas na mesa. Obviamente eu tinha me excedido, então tratei de desviar o assunto.

― Você vai começar a roubar meus moletons também?

― Mad tem razão, eles são tão fofinhos... ― Katniss abraçou a si mesma.

― É? ― ri de lado, me aproximando devagar.

― É.

― E que tal tirarmos? ― baixei o zíper de cima a baixo, a erguendo pela cintura para cima da mesa, e revelando um conjunto de lingerie vermelho.

― Ótima ideia. ― Katniss sussurrou ao meu ouvido, dando uma leve mordida no lóbulo da minha orelha.

Katniss era como o café em minha vida. Sua pele em contato com a minha era quente, e o gosto da sua boca doce. Isso sem falar o risco de vício ser enorme. Suas unhas afundaram-se em minhas costas nuas quando comecei a beijar seu pescoço, passando as mangas do moletom por seus braços, soltando seu coque e fazendo uma verdadeira bagunça na minha antiga cozinha, quando a campainha tocou.

― Eu pensei que o corretor só viesse em uma hora.

― Deve ser só a Mags trazendo bolinhos. Ela era minha vizinha e adora fazer comida e me trazer. Eu vou ver...

― Nada disso. ― Katniss envolveu suas pernas em torno da minha cintura me trazendo para junto dela de novo, e começando a morder de leve meu pescoço. ― Deixa ela lá.

― Qual é Kat, assim você não está facilitando as coisas pra mim.

― Essa é a ideia. ― a campainha tocava insistente enquanto ainda nos beijávamos.

― Volto em dois segundos, vou dispensá-la rapidinho e com sorte ainda conseguir nosso café da manhã.

― Só porque tem comida no meio. E você vai ter que me compensar por me fazer me vestir de novo Mellark!

― Sabe como dizem... A segunda vez pode ser ainda melhor. ― sussurrei malicioso em seu ouvido.

― Teoricamente, se contarmos ontem à noite, seria a quarta. ― eu ri.

― Já volto. ― lhe dei um selinho antes de ir em direção à porta da frente. ― Em um segundo! ― gritei para a porta.

Quando a abri e vi quem estava lá, senti minhas pernas travarem, minha voz faltar, meu fôlego foi suspenso e meu coração acelerou instantaneamente. Aquilo não era possível, não era poderia ser. Minha mão ainda estava congelada na maçaneta da porta quando ela jogou os braços em torno do meu pescoço e me abraçou forte, me fazendo pender um pouco para trás.

― Eu nem acreditei quando me disseram que você estava aqui. Eu senti tanto a sua falta. ― sua voz era chorosa.

Eu estava em choque. Quem estava diante de mim não podia ser real.

Katherine.


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Notas finais do capítulo

Então?
Como alguns previram Katherine está de volta e escolheu o pior momento possível para isso. Como Katniss e Peeta reagirão à chegada dela? Só o próximo capítulo irá dizer.
Encontro vocês nos reviews e se quiserem, no grupo do wpp.
Se gostarem, não tenham medo de escrever. Essa pessoa que vos escreve ama isso!
Bjs*