Contos Brasileiros escrita por J R Mamede


Capítulo 3
Sensível




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Do interior de São Paulo, da cidade quente de Ribeirão Preto, o senhor R. trabalha como funcionário público de uma respeitadíssima instituição de ensino superior. Há anos ele ocupa o cargo de faz-tudo para os superiores: leva caixa para lá, leva caixa para cá; tire cópia disto, filme aquilo.

Apesar da profissão pouco empolgante e sem charme, o senhor R. é uma pessoa muito sensível e de uma inteligência pouco vista. Gosta de filosofia, história e antropologia. Escreve poesias, com um toque de acidez em suas palavras. Olha para as pessoas, e enxerga nelas muito além de sua estrutura física. Não se conforma com a injustiça e a mesquinharia.

Uma das professoras, a quem o senhor R. deve abaixar a cabeça e dizer “Sim, senhora”, possui uma orientanda para um projeto de catalogação dos livros da biblioteca particular, local este em que o senhor R. trabalha e é visitado milhares de vezes pelos funcionários, os quais estão sempre necessitando de sua ajuda. A jovem bolsista do projeto, em seu trabalho para organizar e descartar os livros sem utilidade acadêmica, pedira a sua orientadora um livro de quadrinhos do Calvin, que encontrara perdido com os outros volumes. Seu objetivo era doar a uma criança, visto que estavam no período do mês dos pequeninos.

A professora negou o pedido, alegando que o livro já fora prometido à doação para a biblioteca de seu irmão, também docente. O senhor R., incrédulo com tal situação, não se conformou com a atuação da professora.

“Não acredito que ela negou isto a você”, fora o que falara à jovem bolsista. “Negou um livro que não servirá de nada a ela. É capaz de jogar no lixo depois”.

O senhor R. detesta mesquinharias, principalmente de pessoas que têm condições de vida bem satisfatórias.

O senhor R. também gosta muito de conversar, principalmente sobre assuntos pessoais. Ele é casado e possuí uma filha de sete anos, uma garota esperta e inteligente. O senhor R. ama muito a sua filha e se questiona o tempo todo se a educação que ele dá a ela é a correta.

“Quem sou eu para dizer a ela o que é certo ou errado?”, questiona-se. “Não posso mandá-la fazer isso ou aquilo. Não posso educá-la para ser mais um robozinho manipulado pelo sistema. Tenho que criá-la para enfrentar as dificuldades da vida e conseguir se proteger, quando for necessário. Mas, se eu a censuro por ter respondido mal a alguém, temo acabar acovardando minha própria filha”.

Todas as suas angústias, todos seus pensamentos e visões de mundo, são transmitidos a um papel, onde o senhor R. brinca com as palavras e transforma-as em poesia.

“É o que alimenta minha alma”, diz ele, emocionado. “É o que me ajuda a entender um pouco melhor essa merda de mundo”.

O senhor R. teve um ano conturbado, com a morte de seu pai e o enlouquecimento de sua mãe. Chora com as consequências da vida e lamenta-se por não conseguir mudar as situações de forma favorável.

Era gordinho, mas emagrecera em excesso por tantas preocupações e tormentos. Para piorar, uma grave infecção em seu ouvido esquerdo surgira, agravando-se e deixando o senhor R. surdo de um dos lados. Gasta uma quantidade absurda com remédios, que não ajudam muito a melhorar sua doença, ainda inexplicada pelos médicos.

Apesar de tudo, o senhor R. mantém o bom humor e leva a vida com seu olhar poético.

O senhor R. gosta muito de Ficção Científica, e afirma, com veemência, que já vira OVNIs. As pessoas riem dele ou dizem que ele deve ter sonhado, mas o homem está convicto de que fora real.

“Eu estava na janela à noite quando vi dois OVNIs no céu”, conta, com os olhos a brilhar. “Não estamos sozinhos no Universo. Outros seres são nossos vizinhos”.

Embora ninguém acredite no senhor R., ele não se importa com a incredulidade de outrem, muito menos de suas piadinhas.

Se o senhor R. é um louco, então os loucos são os melhores humanos. Sua maneira gentil e amável manifesta a simpatia nas pessoas. Sempre querendo ajudar, o senhor R. não mede esforços para ver alguém em uma situação boa.

A figura querida pode não parecer normal aos olhos de frívolas pessoas. Pode parecer insano para alguns. Porém, é apenas mais uma alma atormentada pela realidade; é apenas mais um querendo descobrir sua importância no mundo e tentar fazer alguma diferença com suas atitudes puras.

Se ele é maluco?

Ora, claro que sim!

De louco todo mundo tem um pouco.


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