Contos Brasileiros escrita por J R Mamede


Capítulo 2
Dissimulado




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O Senhor L. passa o dia assobiando ao lado de seu passarinho.

Fica na janela, espreitando a vida alheia, sem fazer questão de disfarçar sua ousadia.

É mineiro de nascença, mas vive em um bairro suburbano da cidade de São Paulo.

Casou-se, teve três filhos homens, os quais só lhe deram netos do sexo masculino. São cinco netos no total: todas crianças desagradáveis e sem nenhum pingo de educação.

Os filhos, indubitavelmente, herdaram os genes do velho pai: mulherengos e se acham os garanhões do pedaço.

Sim, o senhor L., apesar de sua muita idade, nunca deixara de lado sua virilidade. É um homem astuto e cheio de galanteios para as moças mais jovens.

Se é casado?

Já disse que sim.

Porém, como homem destemido, não consegue deixar de admirar um belo corpo escultural de jovens esbeltas.

Mas não se afoite, pois ele sabe disfarçar bem os seus deslizes, deixando-se passar ileso pelos seus maus comportamentos.

A mulher, coitada, nem desconfia de suas peripécias.

O Senhor L. adora fofocas, mas, como sempre, nunca diz que participa de uma. Consegue desvencilhar-se quando o acusam de tal feito.

"Não suporto mexericos”, diz ele com veemência, “É coisa de gente desocupada”.

Por outro lado, o Senhor L. é uma pessoa cheia de amigos. Enche a boca quando diz a palavra. Todos ao seu redor são considerados amigos.

Cuidado!

É mais uma de suas artimanhas!

Não acredite que tenha conquistado amizade do Senhor L., porquanto, muito provavelmente, ele não possui nenhum conhecimento sobre o peso de tal palavra.

“Meu amigo!”, diz o mineiro com um sorriso cheio de dentes. “Esse é meu amigão!”.

Amigo até pode ser quando o Senhor L. está conversando cara a cara, mas quando vira as costas, aguente suas orelhas queimarem, pois a língua deste homem não possui freios quando o assunto é criticar e falar mal.

Ele cospe palavras carinhosas e amigáveis na presença das pessoas, mas vomita terríveis comentários maliciosos quando estas se encontram ausentes.

Não confie em seus abraços, pois uma punhalada será dada em suas costas.

Aposentado, o mineiro, além de cuidar da vida dos outros, gosta de dar um descanso nesta atividade, para dedicar-se aos seus passeios de bicicleta.

Porte atlético e estilo surfista, o Senhor L. até consegue disfarçar bem a sua idade.

Sempre em movimento, praticando exercícios físicos, permite que sua vida seja mais saudável e duradoura.

A mulher trabalha como funcionária pública, enquanto o Senhor L. dedica-se a cuidar de seus pentelhos netos.

Ele é um excelente dono de casa, diga-se de passagem. Conserva a casa limpa e arrumada, e cuida dos netos quando voltam da escola.

Dos netos, pode-se dizer que a dedicação não é ao máximo.

Os meninos adoram aprontar pela vizinhança, fazendo uma de suas capetagens. Quando um morador reclama das atitudes perversas dos garotos, o Senhor L. recusa-se a acreditar, visto que seus belos netos foram criados por uma família extremamente estabilizada.

“Meus netos são anjos”, afirma o idoso. “Não são de me dar trabalho”.

A família estabilizada trata-se de uma mãe que abandona os filhos com o pai; o pai que abandona o filho com os avós para viver nos Estados Unidos; e outro neto que é deixado com o Senhor e com a Senhora L., por conta dos vícios da mãe.

Apesar de fechar os olhos para a realidade de sua família ou fingindo não ter nenhum problema, o Senhor L. prefere bisbilhotar a realidade e os problemas dos outros, pois, nada melhor do que ver defeitos na grama do vizinho, do que na sua própria, não é mesmo?


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