Garota Imperfeita escrita por kathe Daratrazanoff


Capítulo 2
Como tudo começou


Notas iniciais do capítulo

Cá estou eu, como prometido, com mais um capítulo. Obrigado a todos pelos comentários e favoritos, isso foi muito legal. Espero que gostem do primeiro capítulo oficial dessa história, da mesma forma que gostaram do prólogo. E todos os capítulos - ou quase todos - terão uma imagem de um diário ou coisa assim, ok? Boa leitura.



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Diário querido, bonitinho e fofinho,

Tudo começou quando eu vi um velhinho sentado na praça, ele estava contando uma história. Parei pra ouvir, até porque não é todo dia que se vê um velho parado na praça dando uma de Sócrates. Ele disse que viu Cristo ser assassinado. Foi bem bizarro, porque ele descreveu as coisas como se tivesse mesmo presenciado, como se estivesse lá. Ele também disse que viu o amor nascer e ser morto, seja lá o que isso signifique. Será que ele quis dizer que está vivo a tanto tempo que se lembra de uma época onde os humanos amavam de verdade? Ele também disse que viu bruxas pegando fogo, e lembrei na hora da inquisição. Foi na inquisição que elas foram mortas, certo? Poxa, não lembro. Ele disse que viu tantas coisas, que não há nada que ele não tenha visto demais. E eu fiquei confusa, sem entender.

Não, pera, história errada. Não quero que Raul Seixas se levante do túmulo só pra me bater por plagiar as músicas dele.

Faz uma semana que a minha mãe me levou para fazer "exames". Ela vinha ameaçando fazer isso no último mês, mas eu pensei que ela estava brincando. Quero dizer, eu até entendo o fato da minha mãe sempre ter se perguntado se eu tinha algum problema mental,  sabe, porque realmente, até eu desconfio um pouco disso. Mas eu realmente, sinceramente, do fundo da minha pobre e inocente alma, não esperava que ela fosse cumprir isso. Se bem que, olhando por uma perspectiva diferente, dessa vez É TUDO CULPA DA MINHA PROFESSORA DE MATEMÁTICA!! E nem estou me referindo as notas que aquela mulher me dá, porque assim, ela diz que se importa comigo mas na hora de me reprovar nem pensa duas vezes. Só que dessa vez ela foi longe demais.

Sabe aquelas professoras que parece que não tem vida social? Você nunca toparia com ela em um shopping nem conseguiria imaginá-la com outras roupas. Ela é desse tipo, sabe, que a gente só imagina como professora mesmo. Ela tem aquele cabelo avermelhado todo cacheado que é lindo, e até que está conservada para uma mulher com seus quarenta e tantos anos, e tudo bem,  até que explica bem, mas tipo assim, ela é muito surtada. Ela passa a manhã, a tarde e a noite dando aulas. Quero dizer, tem necessidade de trabalhar 18 horas por dia? Usa aquelas roupas cafonas que não valorizam em nada, e como se não bastasse isso,  ainda tem que cuidar da vida dos alunos. Eu sei que prometi que iria melhorar, e eu realmente estava entendendo daquelas fórmulas e dando conta das lições. Só que chega na hora da prova e eu esqueço geral. Troco as fórmulas, elas se embolam na minha cabeça, e aí sai aquela merda de resultado.

A única coisa que eu faço na aula dela é ficar sentada, calada, copiando e fazendo lição. Ou melhor, tentando. E eu sei que preciso melhorar, reconheço isso, mas assim, não se pode esperar que eu vá tirar um 10. Mas era de se esperar que eu recebesse uns elogios na reunião dos pais. Tem gente bem pior que eu que nunca cala a boca, só atrapalha, se acha superior até aos diretores. Se eu não merecia um elogio,  então que eu não recebesse nada. Aí ela chega e diz pra minha mãe que eu sou calada demais? Que eu não me enturmo com os alunos, e que talvez eu tenha problemas de comunicação... ??? Ela, por acaso, é louca?

E então, lá estava eu, contra minha vontade, sentada em uma das cadeiras do hospital (se é que dá pra chamar aquilo de hospital). E enquanto eu estava lá, sentada por quase duas horas esperando meu bendito nome ser chamado, tudo o que eu conseguia pensar é que eu estava perdendo a reprise do primeiro episódio da nova temporada do Supernatural. Que por sinal, eu só tinha perdido a estréia antes porque minha mãe sismou que eu deveria dormir cedo pra poder acordar cedo, e ela me mandou dormir tão cedo, mas tão cedo, que eu aposto que a novela das 9 nem tinha acabado ainda.

Sem falar que os médicos não tem senso de humor nenhum. Dá pra acreditar que a doutora Drew, a mulher que estava me atendendo, me chamou de imatura? Só por causa das minhas respostas naquela porcaria de ficha de prontuário. Se querem saber minha opinião, ela que fez um péssimo diagnóstico sobre mim. Ela não me perguntou quase nada e já disse o veredicto. "Sua filha precisa de um acompanhamento de um psicólogo, um especialista no assunto. Vai ser bom pra ela". Uma ova.

E hoje faz também uma semana que eu não tenho acesso a internet, mas me parece mais um século. Eu me sinto horrível, sem objetivos. Eu estou me sentindo como aqueles adolescentes do Japão, que fazem "jejum" de internet para tratar de dependência. É, eu sou uma viciada que tem um uso excessivo e compulsivo por dispositivos como computadores e smartphones, e mesmo que eu não tivesse nada pra fazer na internet, eu preciso saber que eu tenho acesso a ela. Eu preciso dormir com o meu celular e acordar com ele. Saber que ele está comigo, do meu lado. Tentei convencer minha mãe a pelo menos me deixar com ele, para o caso de eu receber uma mensagem ou uma ligação. Mas não deu certo. Ela sabe que eu nunca recebo uma ligação ou uma mensagem "importante", já que nos padrões dela mensagens de redes sociais falando de rpg, fanfics, blogs e séries não constam como prioridades.

É, estou num intensivo programa de reabilitação para viciados, um programa do qual nem topei participar.

E isso por acaso é culpa minha? 

Mas nem importa muito. Eu supero, eu estou bem. O fato é que eu estou sem internet porque as pessoas não sabem apreciar meu senso de humor. E agora estou escrevendo em você, diário. Isso porque eu não tenho nada, nadinha mesmo, pra fazer. Tirando os trabalhos da escola, mas isso não conta. Eu ainda tenho cinco dias pra entregar, e eu não gosto de fazê-los adiantado. Ah, não me julgue. Deixar para fazer meus trabalhos escolares para a última hora é o que me faz... É, não faz nada. Mas eu tenho motivos.

1 : Fazer as coisas quando se está atrasado é coisa de brasileiro. É sério, vi isso em uma revista. A maioria dos brasileiros geralmente deixam tudo pra última hora, como ir fazer compras, pagar as contas, votar... Só estou seguindo a onda, como uma legítima brasileira.

2 : A adrenalina, ela é motivadora. Quando se está atrasado, você não pode se dar o luxo de se distrair, como por exemplo, estando em redes sociais, vendo filmes. É muito difícil eu me distrair estando atrasada.

Tudo bem, não foi muito convincente. Mas mesmo assim, eu faço na última hora e me dou bem. Teve até uma vez em que a professora de sociologia passou um seminário, e a gente teve um mês pra estudar sobre o assunto e apresentar lá na frente. Trinta minutos antes de ir pra escola eu fui ver uns vídeos no youtube sobre o assunto, esperei outros grupos se apresentarem e depois fui lá, falar o que eu entendi. Simples assim. Tirei a maior nota. Bom, a 2º melhor nota.

Isso é tão patético, escrever em uma coisa que ninguém vai ler. Dessa vez, me superei. Imagina só, se eu um universo alternativo, tudo o que eu escrevo nessas páginas está sendo lido por outras pessoas? Seria como quebrar a quarta parede haha.

Já deu.

X X X X

Minha mãe acaba de chegar do supermercado. Ela perguntou o que deu em mim pra de repente começar a usar você, diário, já que eu passei a semana fazendo birra e me recusando a usá-lo. Não é nada pessoal, diário. Não, na verdade é sim. É só que... Olha, eu sei que a minha mãe vem fazendo o possível pra me ver bem, e eu estou bem. Depois daquela consulta estúpida com a doutora— fique - quietinha - mocinha - Drew minha mãe me levou a uma papelaria e me deixou escolher um diário. E eu amo escrever, de verdade. Mas é difícil quando é sobre si mesma. E mais difícil ainda quando foi um médico que te obrigou a arrumar um diário e escrever nele.

Acontece, diário, que eu já tive um diário. E a situação não foi nada boa para o meu lado. Quero dizer, digamos que aconteceu uma coisa catastrófica, digna de um filme sobre o fim do mundo. E assim, se eu começasse a escrever tudo o que se passa pela minha cabeça, eu magoaria todo mundo. Se acontecesse algo parecido com o que aconteceu da última vez, eu poderia :

Alternativa A : Ganhar uma passagem só de ida para um spã cinco estrelas para fazer um super tratamento. Tipo assim, no manicômio ou num hospício.

Alternativa B : Ir presa. Não tem aquele Conselho Tutelar? Eu acho que eles me levariam, mas eu não tenho tanta certeza disso. Eles levariam em cana alguém que fumou na escola? Se bem que, não foi necessariamente DENTRO da escola, foi quase dentro. Isso contaria? Ah, eu só tava experimentando, foi só uma vez. E entrar numa viatura de polícia pra conseguir carona para a escola e chegar lá mais rápido? Isso, com certeza, deve me levar pra FEBEM.

Alternativa C : Minha mãe me deserdaria de casa, e eu ia ter que morar na rua. O que não é nem um pouquinho bom, porque aí eu não teria internet nem em um milhão de anos.

Muito animador essas opções, não? (Eu realmente não posso contar tudo, fala sério. Já é humilhante revelar esses detalhes, porque se alguém ler, vai ter um treco. Apesar de que eu minto muito, muito mesmo, e invento que é uma beleza. Não acredite em tudo que saia pela minha boca. Ou melhor, dedos.) Desculpe ter rasgado um pedacinho da sua página, diário, mas eu realmente precisava riscar essa última frase. E se alguém lesse? Iriam ficar me perguntando : como assim você não gosta mais de Guns n Roses?

Mas você nem é o meu maior problema, diário. É o psicólogo. Eu vou estar sozinha com ele numa sala ou minha mãe vai estar por perto? E mesmo se eu ficar sozinha com ele, será que vai ter um gravador lá? E será que ele contaria tudo o que eu falar para os meus pais? Eu acho que já li algo sobre um código de conduta de que um médico não pode falar o que se passa com um paciente para os outros, mas como vou saber se é verdade se eu não tenho internet pra procurar? E também li que dependendo da gravidade da situação, o psicólogo pode sim revelar detalhes da conversa para alguém de fora.

Obrigado, professora querida, por ter feito minha mãe ir no hospital. E obrigada, doutora Drew, por ter sugerido um psicólogo. Sério, vocês são demais. 

X X X X

Droga, minha mãe está gritando aqui, mandando eu ir tomar banho. Adivinha só? Primeira consulta com o doutor Fuller. Mal posso esperar para me encontrar com um velho acabado, cheio de rugas metido a sabe-tudo, me olhando como se pudesse ler minha mente. Psicólogos não leem a mente alheia, leem?


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Notas finais do capítulo

Se alguém não tiver entendido algo, pode comentar as dúvidas que eu respondo, ta? Críticas construtivas, elogios ou um simples gostei são muito bem-vindos.