A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 46
A Partida


Notas iniciais do capítulo

"Mal sabiam que juntos, talvez não fisicamente, mas juntos, guiados pelo mesmo pensamento, arriscariam tudo que tinham para salvar o mundo, mesmo que talvez, não fossem estar lá para vê-lo se tornar um lugar melhor."



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O vento soprava leve, mas ainda assim soprava. Não, não posso chamar de vento, era mais uma brisa de inverno, aquela que dá um arrepio quando passa, sussurrando pelos fantasmas que andam pelo mundo.

Um desses sussurros, acompanhando de um fraco raio de sol, acordou Pete de seu repouso. Esfregou os olhinhos, e quando olhou para os lados, esperando ver Frey, viu só uma grandiosa campina verde, cheia de colinas. O céu multicolorido dançava preguiçosamente no céu, como sempre fazia naqueles dias assim.

— Onde é que estou? — perguntou para si mesmo, já que não via ninguém. Achou que não viria nenhuma resposta, mas incrivelmente veio.

— Em Lugar Algum, e em Algum Lugar. — O menino olhou assustado para trás e viu uma figura negra, cujo manto que balançava e ficava parado ao mesmo tempo parecia ser feito de sombras.

Pete que devia sentir medo, não sentiu. Olhou fascinado para aquela figura, enquanto uma pontada surgia em sua memória. Como algo que havia esquecido e queria lembrar, mas não conseguia de jeito nenhum. A figura com uma máscara sorridente o encarava em silêncio, um silêncio agradável para o menino. Da pontada surgiu uma memória, e ele falou de imediato.

Aran'teal — e a máscara pareceu sorrir um pouco mais quando ela completou.

— A Terra dos Sonhos e dos Muitos Mundos — disse em sua voz hora jovem, hora velha, hora masculina, hora feminina.

— Onde o inexistente existe, e os existente deixa de existir — completou ainda mais a fala do ser, levantando da cama onde estava deitado antes. Encarando o estranho, ele perguntou — Quem é você?

O estranho o encarou por muito tempo, ou quem sabe apenas alguns segundos, antes de o responder. Em Aral'teal o tempo inexiste e existe, num conflito eterno que pode fazer um segundo durar séculos. E então respondeu.

— Eu não lembro... Me ajude a lembrar Pequeno, me ajude a lembrar quem eu sou. — E estendeu o que parecia ser uma mão, desfocada e enegrecida por escuridão.

Pete, sem perceber, agarrou a mão estendida com uma tranquilidade assustadora, inesperada de alguém como ele. E quando fez isso, tudo escureceu, simples assim. A Campina e o Céu Multicolorido sumiram, substituídos pela escuridão. O estranho também sumiu, deixando para trás uma trilha de... penas.

Penas brilhantes e brancas, exatamente idênticas. A trilha seguia pelo meio do escuro, para Direção Nenhuma. O menino que devia estar com medo não estava, e por isso seguiu-as.

Caminhou muitas eras, envelheceu, morreu, e apareceu de novo como uma criança, seguindo a trilha que se estendia infinitamente. Viu espetáculos na escuridão que nenhum homem havia visto antes, disto tinha certeza. Planetas explodindo, galáxias se rompendo, estrelas nascendo, deuses morrendo e novos tomando seus lugares. Viu os mais estranhos seres e criaturas do mundo. Viu tudo do Princípio ao Fim. Por um instante, ele sabia Todos Os Segredos do Mundo, compreendia tudo, e sentiu que teria a resposta para qualquer pergunta, se assim quisesse.

Mas não queria.

Agora ele queria apenas chegar ao fim daquela trilha.

E como se aquele mundo ouvisse seu desejo, o fim da trilha surgiu.

Era um pequeno palanque de mármore branco, com uma cúpula transparente que parecia ser de vidro mas não era. No centro dela, flutuando, uma pena que emitia uma luz esbranquiçada. A diferença dela para as outras, era que aquela parecia pulsar, quase como um coração. Pete estendeu a mão, e imediatamente a afastou, como se pressentisse algo. Como se tivesse algo de ruim ali, ou nos arredores.

— Quem és tu que te escondes no escuro, imunda criatura! — ele perguntou, com uma imponência que o surpreendeu. A voz mais grossa e autoritária, com mais experiência que jamais viu antes.

Olhou para si e não era mais uma criança, era um homem. Usava uma armadura dourada que brilhava forte, seus raios de luz tão poderosos quanto os do Sol irrompendo pelo meio da treva. Na cintura, uma espada embainhada, que ele sabia o nome.

Allendel'wich, a Espada de Luz.

Por algum motivo, Pete sentia que havia a brandido muitas vezes, em batalhas que não lembrava ter batalhado, em cem mil guerras que não lembrava ter lutado. Mas isso não importava agora, pois sabia que Aquele Que Espreita surgiria perante seu desafio. E ele surgiu.

Do meio do escuro, diante dele, separados apenas pela cúpula com a pena flutuante, ele veio.

Olhos negros com um brilho vermelho macabro e demoníaco, e da boca e narina saia uma névoa negra e densa com sua respiração. A pele pálida estava rachada, e nas rachaduras brilhava uma luz vermelha como a dos olhos. Trajava uma armadura negra completa, que brilhava em vermelho, desamparada apenas pelo elmo, assim como Pete. E na cintura dele, estava embainhada uma espada, cujo nome Pete também conhecia.

Kayol'mur, a Espada de Sombra, a lâmina oposta a sua.

Os dois se encararam por um tempo desconhecido. Pete não temia aquele que o afrontava, pois se sentia poderoso, mais poderoso do que nunca foi. Sabia que se ali houvesse uma batalha, sairia vitorioso. Sentia que poderia destruir tudo apenas com o balançar mais leve de sua mão. E esse silêncio que se instalou sobre os dois foi quebrado pelo demônio de olhos vermelhos.

— Então depois de tudo, tu vieste, como sempre! Como um cão que obedece às ordens de teu mestre, tu vieste, maldito Filho da Criação! — ele praguejou, a voz carregada de um mal primordial vinha junto de um crepitar de fogo.

— Sim, eu vim, Demônio Que Espreita! — respondeu, já não controlava mais suas palavras, sentia-se como uma terceira pessoa, que observava aquele que sabia ser ele, falando com o ser. — Assim como prometido eu retornei tal qual tu fizeste!

— E o que tu ganhas, desgraçado! Diga-me! Diga-me! — ele berrou sacando a espada.

Raios vermelhos explodiram para todos os lados quando a arma foi desembainhada, varando a escuridão e a própria cúpula, mas esta ficou intacta. E no momento em que o demônio havia sacado a arma, Pete já havia atravessado sua própria espada pelo meio da armadura negra da criatura.

O brilho dourado intenso divergia de toda a escuridão daquele lugar. Com uma voz fria, de uma superioridade incontestável, Pete disse.

— Nada, Filho Perdido, nada. Eu venho apenas para impedir você, como sempre, e desta vez, você não retornará — falou.

O demônio urrou, os olhos vermelhos brilharam intensos cheios de fúria. E então luz dourada saiu pela boca, olhos, narinas e ouvidos dele, e atravessou a própria pele. Até que não restava mais nada além da luz. Pete removeu a arma, e com isso a luz explodiu, fazendo tudo brilhar de uma vez só.

Quando terminou, não havia mais ninguém além dele.

Allendel'wich em sua mão desaparecia e reaparecia, assim como todo o resto parecia fazer. O Pequeno sabia que logo aquilo, o que quer que fosse aquilo, teria seu fim, e ele precisava ir embora antes disso, ou ele também deixaria de existir.

Olhou para a cúpula transparente, onde a pena flutuava intocada. Ergueu a espada e baixou-a contra a proteção. Aquilo que não era vidro se partiu em milhares de pedaços e então transformou-se em poeira cinza, que foi levada sem brisa alguma.

Allendel'wich sumiu, e Pete sentiu a si próprio desaparecer junto da espada. Mas antes que o mundo tivesse tempo de sumir, ele esticou o braço e agarrou a pena, e mais uma vez, tudo brilhou.

***

Deitado no colo de Frey, Pete abriu os olhos. Devia ter dormido, mas sentia-se mais cansado do que antes. O irmão mais velho também dormia, com um sorriso na cara. O menino abriu seu próprio sorriso e se remexeu, movendo seu braço esquerdo que já estava dormente.

E então ergueu os olhos, quando viu em sua mão uma enorme pena branca e brilhante.

Ela era quente, e pulsava como um coração. Ele não se lembrava de ter algo assim, na verdade, tinha certeza que jamais havia visto algo como ela.

Antes que pudesse falar qualquer coisa, a pena explodiu em sua mão em um monte de poeira, que logo sumiu, deixando para trás o calor que antes emanava dela. Frey se remexeu, abrindo os olhos e vendo seu irmão menor encarando a própria mão com espanto.

— Pete? — ele perguntou meio sonolento. — Aconteceu alguma coisa?

O menino olhou para Frey, ainda meio espantado. Mas sorriu, negando com a cabeça.

— Minha mão está dormente porque dormi em cima dela. — Disse, e antes que o irmão pudesse comentar qualquer coisa mudou de assunto. — Já se sente melhor?

Frey sorriu, concordando com um movimento de cabeça.

— Muito melhor. Acho que só precisava de descanso afinal. — Soltou um bocejo, esfregando os olhos. — Vamos levantar?

O irmão menor balançou a cabeça, sorrindo. Frey esfregou o cabelo dele e ergueu-se da cama, Pete acompanhando-o ao seu lado. E então os dois seguiram para fora do quarto.

Já no corredor, Frey olhou para os lados, procurando alguém conhecido. As Mulheres de Sariel transitavam para lá e para cá em um ritmo lento e constante. Tudo parecia tranquilo por lá, e a não ser por Zen, Frey sabia que todos os outros estavam bem. Zen... Uma das senhoras passou à sua frente e Frey educadamente segurou seu braço, perguntando:

— Senhora, por favor... Eu preciso de uma informação. Onde está o rapaz de cabelos negros, espetados? O que se feriu bastante...

— Não deve visitá-lo agora. As Outras estão tentando uma última alternativa, a Cavaleira em pessoa ordenou, embora não tenha poder aqui. Elas o fazem por piedade, não pelo comando. — Virou as costas e tornou a caminhar pelo corredor, entrando em um quarto aleatório dentre a dezena que se encontrava ali.

Pete puxou a barra da blusa de Frey e apontou para a direção oposta à que o rapaz olhava. Ele se virou e sorriu ao ver o rosto conhecido. A voz de Mark soou, calma.

— Então você decidiu viver? Sábia escolha, carpinteiro. Aliás, isso pode ser considerado como uma promoção, né? De carpinteiro para matador de dragões. — Sorriu e se aproximou dos irmãos.

Estava sem a sua armadura, que jazia agora no lixo de algum ferreiro devido à gravidade dos danos nela causados. Estava irrecuperável e seu único possível destino agora era ser derretida para formar algo mais útil.

— É, eu acho que podemos considerar isso sim. — Frey riu com o comentário do amigo. — Onde estão os outros? Você viu eles por aí?

— A Anne disse que precisava ir a algum lugar antes de partirmos, um jardim, eu acho... — Mark respondeu, esfregando o queixo com a ponta dos dedos. — A Lilian ainda está reclusa, no quarto. O resto... Bem, eles não são muito presentes, não é?

Uma das Mulheres de Sariel passou pelo lado dos dois, bufando, as mãos apertando o vestido branco. Parecia decidida e brava, com uma seriedade no olhar que fez o trio não ousar perguntar se ela estava bem. A mulher andou até o fim do corredor e entrou no quarto do Zen..

Mark, Frey e Pete se entreolharam por um instante, e então deram de ombros, incapazes de fazer qualquer coisa.

— Tem razão. — Frey deu de ombros e começou a caminhar em direção à porta de saída. — Vamos lá, não sei pra onde iremos depois que sairmos daqui, mas é melhor levarmos alguns suprimentos. Deve ter alguns vendedores aqui por perto. Não haveria tantos ladrões se não houvesse nada para roubar.

— Vamos logo então, não devemos demorar mais em Balran. — Disse Mark, e o trio saiu, para atravessar uma multidão de curiosos antes de conseguir alcançar qualquer venda.

***

A porta do quarto de Zen se abriu, e por ela atravessou uma Mulher de Sariel de olhar sério. Ela olhava Lillian, que continuava sentada ao lado do Atormentado, com a cabeça baixa, o rosto escondido pelos cabelos longos. Rey dormia, os olhos inchados e tanto chorar. A Mulher encarou a Cavaleira ali sentada durante três segundos, e quase hesitou, mas precisava fazer aquilo.

Avançou até a Loira, ergueu seu rosto e deu-lhe um tapa forte. Lillian, pela primeira vez naquelas últimas horas esboçou alguma reação que não tristeza absoluta. Encarou a mulher com um assombro tamanho, que parecia estar vendo um fantasma.

— O-o que? — ela perguntou. A Mulher de Sariel a encarou com reprimenda no olhar.

— Por que está parada aí ainda?! Voltou a ser a garota chorona que voltava ferida todos os dias para eu tratar?! — disse, furiosa. A Loira, aturdida, olhou para a antiga amiga, claramente desorientada.

— O-o que?

— Saia logo dessa maldita cadeira e leve seu homem para sei lá onde que tenha que levá-lo! Se aquela ruiva disse que pode curá-lo nesse lugar, então por que ainda está parada aí?!

A Loira encarou a Mulher de Sariel por alguns instantes, antes de cair em lágrimas outra vez. Mordeu o lábio, apertando os punhos, e disse chorosa.

— Ele não acatava nenhuma das minhas ordens, e não ligava para nenhuma regra. — Murmurou. — Eu achava que ele era tão forte, que podia segurar o mundo nas costas. Mas agora... Mas agora ele desabou o meu mundo, Marynn. — Disse, escondendo o rosto nas mãos. — E se não conseguir salvá-lo lá?! E se ele morrer no meio do caminho?! O que eu vou fazer, Marynn?! O que eu vou fazer?!

A Mulher de Sariel não aguentou, e sua fachada séria foi rompida, substituída por um rosto de tristeza. Marynn se abaixou, abraçando firme a Cavaleira de Balran, que da antiga imponência nada tinha agora.

— Então não o deixe morrer, minha doce criança dos cabelos de sol. — Disse com acalento na voz. — Seja forte como sempre foi, e reerga seu mundo com sua própria força. E aí, quando salvar ele... — ela olhou no rosto de Lillian, sorrindo tristemente — você o dá uma lição para que aprenda a não ser bobo a ponto de abandonar uma mulher apaixonada.

A Cavaleira a encarou por um segundo, antes de desabar em lágrimas outra vez, afundando o rosto no ombro da amiga. Chorou toda a tristeza dos últimos anos, chorou como uma criança que foi um tempo atrás, que brincava na floresta e voltava berrando por ter ralado o joelho. Chorou toda a dor que sentia, e um pouco mais. E quando não havia mais o que chorar, parou enfim. Abraçou fracamente a amiga, e sussurrou.

— Obrigada, Marynn, obrigada — e então afastou a Mulher de Sariel.

O rosto de olhos vermelhos continuava com a expressão triste, mas agora era diferente. Existia naquele olhar uma ponta de coragem e determinação, que ela havia esquecido que tinha nas últimas horas. Levantou-se, e seguiu caminhando, saindo do quarto. Lá fora, como se houvesse pressentido algo, aguardava Sarym, encostada na parede, com os braços cruzados.

A Ruiva desviou o olhar para Lillian, com seriedade no semblante.

— E então Cachinhos de Ouro? Decidiu? — descruzou os braços, virando-se na direção dela.

A Cavaleira hesitou por um momento, incerta, indecisa. Mas a imagem de Zen morrendo dia após dia num quarto, sem chance de voltar à vida acendeu ainda mais a sua chama de determinação.

— Me ajude a salvá-lo, Sarym. Me ajude a salvar Zen. — Disse, receosa. — Por favor... Me guie para o Olho Invernal.

Sarym olhou-a direto nos olhos, mas parecia olhar além disso, como se encarasse a alma da Loira. E pareceu gostar do que viu, pois naquele instante, a alma de Lillian queimava como uma fogueira.

— Está bem, Cavaleira. Vamos para O Olho Invernal salvar seu homem. — E esticou o braço, estendendo a mão.

Lillian olhou receosa, e então estendeu o braço e apertou a mão da Ruiva. Ambas se encararam, e então deram um aceno de cabeça ao mesmo tempo.

Agora só restava deixar o destino decidir o que aconteceria com Zen naquele jogo de vida ou morte.

***

Damon olhou ao seu redor, no pátio do que antes fora a Fortaleza de Ferro, mas agora só havia a devastação: pilhas de destroços queimados por todos os lados, carroças viradas e destruídas, uma enorme mancha rubra de sangue no lugar onde Meryna fora gravemente ferida e por fim, quatro pilares erguidos, sustentando o nada.

O Mercenário arqueou as sobrancelhas, encabulado. Como poderiam não ter sido destruídos na explosão causada por Anne? Caminhou em sua direção a passos rápidos, saltando por uma das tábuas que provavelmente compunham o teto do grande salão e agarrando uma das grandes pedras para içar o corpo.

De lá, conseguiu enxergar a base dos pilares, assim como todo o Jardim de Graaul que, inacreditavelmente, se encontrava intacto. Como se não bastasse a surpresa de ver toda a imponência daquele jardim intocável, lá estava Anne, caminhando vagarosamente e observando cada pequena flor em seus mínimos detalhes.

A Ruiva, que incrivelmente não aparentava ferimento algum naquele momento, andava de um lado para o outro com as mãos juntas diante do corpo, sorrindo, olhando para as centenas de flores que ali surgiam. Parou diante da estátua de Grauul, consumida pelo tempo e pelo musgo, olhando-a com melancolia.

— Eu não sei se fico mais surpreso por ver que estas florzinhas aguentaram mais que paredes de pedra ou por te encontrar aqui, nesse lugar com momentos tão... "agradáveis". — Disse Damon, chamando sua atenção. Tinha um sorriso discreto no rosto, feliz por vê-la bem.

Ela voltou-se para ele sorrindo, como se já o esperasse ali. Vestia roupas novas, um vestido simples e branco das Mulheres de Sariel, mas que combinava com a leveza de seus movimentos e o vermelho de sua cabeleira. Ela riu, olhando para o jardim que realmente estava tão intacto quanto ela.

— Acho que Graaul as protegeu, protegeu o jardim para sua amada — disse, mas não sabia se aquilo era mesmo verdade, ela só queria romantizar aquele acontecimento.

— Talvez. — "Assim como eu queria ter te protegido", pensou, mas guardou para si. Desceu a pilha de destroços com cuidado e caminhou até ela. — Acho que não ficaremos em Balran para ver o amanhã... Algo me diz que temos que ir o quanto antes, "terminar o que fomos destinados a fazer". — Completou com uma voz zombeteira, como se imitasse alguém importante falando tal frase.

Ela baixou a cabeça, entristecida. Voltou-se para a estátua novamente.

— Não poderei ver esse jardim outra vez então.

— Ah, não diga isso. Não é como se alguma entidade superior centenas de vezes mais forte que a Meryna nos encontrasse no caminho e arrancasse nossas cabeças, certo? — riu do seu próprio sarcasmo, mas parou quando percebeu que Anne não tinha achado a mínima graça. — Não vou deixar que nada de mal ocorra com você, Anne. E prometo que você verá esse jardim novamente.

— Não devemos fazer promessas que não podemos cumprir Larápio.

— Então não faça nenhuma. Eu tenho certeza do que digo. — Sorriu e virou as costas, começando a caminhar de volta para os destroços. — Você vem?

Ela permaneceu alguns segundos virada na direção da estátua. Esticou a mão em direção à uma flor, a única que crescia em meio ao musgo que envolvia a estátua do orc. Era uma flor que ela nunca havia visto antes, mas de beleza incontestável. Tomou-a graciosamente entre os dedos e a puxou, arrancando-a da estátua. Segurou ela na boca, enquanto ajeitava o cabelo, usando a planta para prendê-lo na posição. Então virou-se para Damon, seguindo atrás dele.

— Muito bem, Damon. Para onde vamos agora?

— Para a Casa de Sariel. De lá, só o destino pode nos dizer para onde iremos. — Suspirou antes de seguir o seu caminho.

***

Frey, Mark e Pete caminhavam calmamente em direção à Casa de Sariel, todos carregando caixas nos braços. Frey tinha duas empilhadas, repletas de pães, queijos, grandes pedaços de carne seca e uma variedade de ervas. Mark carregava as bebidas, estas que variavam do mais barato rum até um bom vinho e Pete, que vinha logo atrás, trazia suprimentos médicos como bandagens e frascos de unguento, além de um pequeno saco de Adryns que lhes serviriam com grande importância durante a viagem.

— Já estamos chegando? Tá pesado! — reclamou Pete, fazendo uma careta.

— Não incomoda Pete, sua caixa é a mais levinha! — Frey desdenhou, rindo, enquanto Mark consolava o garoto e apontava para a Casa de Sariel que se erguia logo a frente.

Os três entraram, e imediatamente receberam um olhar torto de uma das mulheres de Sariel que se encontrava na recepção.

— Aqui não é uma hospedaria, que fique claro. Vocês não vão morar aqui. — Disse ela, com um tom ríspido e grosseiro, mas que não afetou a calma inabalável de Mark. Eles deixaram as caixas no canto da sala e seguiram para o corredor.

No corredor silencioso, alumiado pelos raios de sol que entravam bruxuleantes, atravessando a fina cortina que cobria uma janela logo ao fim do corredor, estava Lillian. Acompanhando ela estava um homem de cabelos cor de areia e aparência naturalmente inconfiável, e duas ruivas, que mesmo tendo a mesma cor de cabelo, em nada se pareciam. Lillian, olhou os três que adentravam o estreito corredor, com o cenho franzido e expressão brava.

— Por que demoraram tanto? — questionou, com tom de quem já estava há muito esperando.

Os três se entreolharam, sem saber o que responder. Foi Mark quem deu uma resposta. — Caixotes demais, gente demais. Sabe como é. — A Loira fuzilou ele com o olhar. — É? Ótimo. Agora podemos resolver nossos assuntos?

Mark foi tomado por uma expressão séria, dando um aceno de cabeça confirmativo. — Precisamos decidir nossos caminhos agora. Eu preciso voltar para as florestas, encontrar os elfos para alertá-los sobre o que se aproxima. Pete ergueu os olhinhos, impressionado. — Vai para o Reino dos Elfos?! — perguntou, animado.

— ELE vai, Pete. Nós não. — Cortou Frey, já sabendo o que se passava na cabeça do irmão. Pete olhou-o, triste.

— Por que não podemos ir?!

— É perigoso Pete, ainda mais para um garotinho do seu tamanho — disse, abrindo um sorriso. Pete fez cara feia.

— E para onde vamos então?! Se aqueles bandidos estão atrás da gente, faz diferença para onde vamos?!

— Não temos certeza se eles estão atrás da gente ainda...

— É claro que estão! Pelo menos atrás de você! E se te querem, eles vão atrás de mim também! — disse, um argumento incontestável realmente. Algo que Frey não esperava vir do irmão pequeno.

Ia falar algo, mas foi cortado novamente pelo Pete.

— E afinal, quer lugar mais seguro que o reino dos Elfos?! Ninguém pode entrar lá sem que um elfo permita! Ninguém!

Frey engoliu em seco, franzindo o cenho. Buscou o apoio de Mark, mas o elfo só deu de ombros. Tinha certeza que o elfo falaria "É com você", se fosse falar algo. Ele voltou a olhara para Pete.

— Pete... É... É perigoso demais...

— Mas você prometeu, Frey! Você prometeu que ia me mostrar o reino dos elfos! — disse ele, quase choroso.

O Guardião tentou falar algo, mas a voz trancou em sua garganta quando viu o rosto que o irmão fazia. Não podia dizer não para aquela cara, não tinha aprendido a fazer isso até hoje. Ele suspirou, balançando a cabeça. Olhou para o elfo.

— Lá é mesmo seguro? — perguntou para Mark. O Espadachim sorriu, dando um aceno de cabeça.

— Como disse o pequeno Pete, o mais seguro do mundo.

— Então tá... Talvez seja até melhor ir para lá por agora. Vamos poder entrar? Os Elfos, eles... Vão nos deixar entrar?

Mark franziu o cenho, confuso. Parecia considerar aquilo, então balançou vagaroso a cabeça.

— Sim... Creio... Creio que não haverá problema. — Disse ele, mas ainda assim parecia obviamente incerto.

Lilian parecia desconfortável com a discussão. Já esperava que os dois fossem com o elfo, mas e se os outros também quisessem ir junto? Sua jornada era em direção a Krun's Righ com Sarym, em busca da cura para o ferimento anormal de Zen, mas só as duas sobreviveriam em ambiente tão inóspito, mesmo a ruiva sendo uma nativa?

Suspirou.

Mark, percebendo a movimentação inquieta da cavaleira, ergueu a mão para que Frey e Pete parassem de falar um pouco e disse para a mulher:

— Você tinha outros planos, não é?

— Outros planos? — fingiu desentendimento, mas isso não enganava a perspicácia dos elfos.

— Ir para o Reino dos Elfos não era exatamente no que você estava pensando. Não há motivos para esconder o que quer que seja de nós. Lutamos juntos, quase morremos juntos.

Ela olhou para o elfo durante um ou dois segundos, antes de concordar com um aceno de cabeça. Ele estava certo, não adiantava esconder nada naquele momento.

— Eu vou para Krun's Righ com Sarym — informou ela, sem alterar sua expressão.

Mark arqueou as sobrancelhas, surpreso. Fixou os olhos em Lilian e balançou a cabeça negativamente.

— Você não tem ideia do que está dizendo.

— Tenho plena ideia do que estou dizendo, elfo. — Afirmou, com virilidade na voz.

— Em uma coisa eu acredito que você acertou: nenhum membro do Flagelo vai te pegar lá, porque não tem NADA lá! — aumentou o tom, irritado com tamanha idiotice. — O que diabos você planeja fazer em um lugar que não vai nos trazer aliança alguma, só dificuldades?

Por uma fração mínima de segunda, ela mostrou uma expressão de profunda tristeza. Uma fração mínima, mas que Pete, com seus atentos olhos de criança puderam captar o que nenhum dos outros pode. E com essa expressão de tristeza jogada no lixo, junto de todos os outros pensamentos de medo, Lillian disse para o elfo.

— É a única esperança de salvar ele. — Disse ela, cruzando os braços. — E tenho certeza de que você não vai querer se intrometer no meu caminho.

Mark se calou, engolindo o que ia dizer a seguir. Não por medo, pois faria páreo à mulher, mas por um sentimento que não sabia descrever. Ela iria para o ambiente mais inóspito de Adria para que Zen voltasse a caminhar entre eles. Por vários segundos, olharam-se silenciosamente, até que o elfo acenou com a cabeça e disse.

— Tenho que admitir, Cavaleira, você é mais louca do que eu imaginava, mas eu a respeito. — Suspirou, olhando ao redor e fixando os olhos em cada membro do grupo ali presente.

— Com isso, temos uma divisão. Frey e Pete irão comigo ao Reino dos Elfos, enquanto Sarym estará com Lilian e Zen em direção à Krun's Righ. Anne, Damon, o que decidiram?

— Eu... — começou Anne, sem firmeza alguma, parando de falar em seguida. Respirou fundo e encarou o grupo. — Eu vou para o Reino dos Elfos, acredito que possa ser útil na hora de convencer seja lá quem for a nos ajudar.

Damon olhou para ela, surpreso com a decisão. Ela realmente queria ir com o Frey para o Reino dos Élficos? Franziu o cenho, e sem pensar duas vezes, já emendou a frase da ruiva. — E eu irei para Krun's Righ, pois quando precisei do Zen, ele estava lá. Não o deixarei na mão, não depois de tudo que ele fez por nós.

Anne revidou o olhar, como se soubesse exatamente o que ele havia pensado para tomar a decisão. Respirou fundo e nada mais disse, apenas cruzou os braços e desviou os olhos para a parede.

Mark tomou a frente, caminhando em direção a Lilian e ofereceu-lhe a mão. — Desejo-lhe toda a sorte do mundo, Cavaleira. Quando todos nos reencontrarmos, espero... — parou um pouco, baixando os olhos. — Espero ver o Zen entre a gente.

Ela olhou para a mão de Mark, analisando-a durante alguns segundos. Então abriu um sorriso, estendendo a sua para apertar a do elfo. Balançou-a durante um momento, dizendo para o orelhudo.

— Mesmo que eu morra... Eu vou trazê-lo de volta..

— Estamos de partida, então. Quanto mais rápido chegarmos, melhor será para nós. Com o apoio dos elfos, talvez consigamos criar uma ofensiva que faça frente à esses malditos demônios que tramam sobre nossas cabeças. — Olhou para Damon, Lilian e Sarym, reconhecendo a honra de cada um deles, por mais diferentes que fossem suas personalidades. — Foi um prazer lutar ao lado de vocês. Que este não seja o nosso último encontro. — Sorriu e virou as costas, caminhando em direção à saída do corredor.

Frey e Anne seguiram Mark sem hesitar, mas Pete não o fez junto com eles.

Ele começou a caminhar na direção oposta, passou por entre o resto do grupo ali reunido e parou à porta do quarto onde Zen se encontrava. Damon abriu a boca para protestar, mas não disse nada. Assim como todos, ele só observava Pete, curioso. O garoto girou a maçaneta e empurrou a porta.

— Ei. — Disse ele, meio envergonhado.

Rey, que se encontrava debruçado sobre a cama de Zen, olhou na direção da voz, procurando saber quem o chamava. Seus olhos vermelhos e as olheiras escuras complementavam a expressão triste já talhada em seu rosto.

— Pete...?

Sem dizer nada, Pete avançou até ele e estendeu a mão. Rey balançou a cabeça, sem entender o que ele queria com aquilo, pois não era hora para cumprimentos ou coisas do tipo.

— O que você...

— Não fique triste por ele. Você acha que isso iria agradá-lo, se pudesse vê-lo agora? — Pete olhou para Zen na cama e engoliu em seco. Estava pálido, pálido como um morto. Voltou-se para Rey e abriu um sorriso triste. — Ela vai conseguir, a moça de armadura. Ela é tão forte quanto o meu irmão e não vai deixar ninguém morrer!

Rey olhou para Pete, com o cenho franzido. Seus olhos de criança encontraram os olhos de criança do pequeno, e então Rey sorriu. Estendeu a mão, cumprimentando o Pequeno.

— Quando eu voltar do Reino dos Elfos, nos encontraremos! Fique forte! — Pete acenou com a cabeça, se despedindo do outro garoto, e então saiu porta à fora, dando uma corridinha para alcançar Mark, Frey e Anne que já estavam na recepção da Casa de Sariel, aguardando-o.

— O que foi fazer, Pete? — perguntou Anne.

— Me despedir. Sabe-se lá quando vamos ver eles de novo... — Pete deu de ombros, sorridente. — Para onde vamos agora? Tudo pronto?

— Vamos em direção ao sudoeste de Ádria, onde as árvores crescem, mas nunca morrem. Você verá, Pete, você verá. — Disse o elfo, sorrindo e bagunçando os cabelos do garoto.

O grupo saiu da Casa de Sariel em seguida, Frey carregando duas caixas e Mark uma delas. Anne e Pete caminhavam ao lado, despreocupados.

O clima era animador entre os aventureiros, por mais que a jornada não fosse ser nem um pouco.

Lillian, que acompanhou a saída de Pete em silêncio com os olhos, entrou no quarto de Zen em seguida, fitando Rey. Seus olhos passaram para o moribundo, deitado na cama, cada vez mais pálido. Suspirou, um suspiro silencioso que só ela podia ouvir. Voltou a atenção para o descendente de Aruk.

— O que o menino veio fazer aqui? — perguntou ela.

— Se despedir. — Respondeu o Rey, ainda um tanto confuso. Por algum motivo, sentia que já conhecia aquele garoto, de muito tempo atrás. — Ele vai ser grandioso um dia — falou, sem escutaras próprias palavras.

Lillian ergueu uma sobrancelha, mas nada disse. Se aproximou da cama do Atormentado, ajoelhando-se ao lado. Nesse momento, a porta abriu novamente, e uma cabeleira ruiva adentrou, acompanhando sua dona, uma fhaya de Krun's Righ.

— Já falei com as mulheres-bruxas e com seus homens. Eles vão arranjar um carroção. Até o final da tarde já estará tudo pronto para partirmos. — Disse a ruiva. Lillian, nem desviou o olhar de Zen. — O pequeno vai junto? — olhou para o Rey.

— É claro que eu vou! — disse o próprio, protestando. Lillian negou com a cabeça.

— Você vai ficar, Rey — falou a Cavaleira.

— O que?! Não! Por que?! — o garoto olhou para Lillian, incrédulo. — Não! Zen é tão importante para mim quanto para você! Não pode me afastar dele!

— É por ser tão importante para ele, que não posso levá-lo para onde vamos... — Rey ia dizer algo mais em resposta, mas decidiu ficar em silêncio para escutar o que ela falaria. — É por ser tão importante para mim... Que não posso levá-lo, Rey. Esse imbecil... — ela fechou o punho e bateu com força no chão, encostando a cabeça no braço imóvel de Zen. — Sempre tomando toda a responsabilidade, nunca ligando para si próprio. Eu que me achava capaz de fazer tudo, não pude nem protegê-lo. — Socou o chão outra vez, então outra, e então mais uma. A madeira do assoalho já rachava. — E agora, se algo acontecesse com você Rey, eu não sei... Não sei se...

Foi interrompida pelo menino, que segurou sua mão, que já sangrava. Ele olhou triste para a Loira, e então disse. — Cuida bem do Zen, tá? Traz ele de volta pra casa.

Lillian virou-se, abraçando Rey, afundando o rosto em seu ombro. A Cavaleira de Balran, a mulher frívola que não demonstrava afeto, chorava sua dor, a maior dor do mundo.

Lá fora, o Sol iluminava o dia, com céu claro e límpido, mas os pássaros e insetos, que andavam de um lado para o outro, não saíram de seus lares. Sentiam a tristeza da terra, e o mal que a escuridão afligia ao mundo.

Lillian chorou, o que jurou ser a última vez, e o mundo chorou junto dela.

***

O sol já estava perto de minguar no horizonte, e a lua faceira, estava pronta para aparecer. Na saída de Balran, uma multidão enorme de gente, das mais variadas estirpes sociais. Desde o mais pobre, até Lorde Galbrei, vestido em trajes simples demais para um nobre como ele. Lá, eles todos olhavam para um grupo um tanto estranho, por quem haviam sido salvos da morte pela besta.

Os "Salvadores de Balran".

Eram oito no total, divididos em dois grupos de quatro. Um era liderado por um elfo, de cabelos loiros, com uma espada simples embainhada na cintura. O outro, por Lillian, a Cavaleira de Balran, em uma armadura completa, com uma lâmina também embainhada.

Os dois se encaravam, firmes, montados em seus cavalos. Um carroção estava ali também, com um toldo o cobrindo. Era conduzido por um velho chamado Sam Buick, que há muito queria partir numa aventura.

O cavalo de Frey se mexia inquieto, refletindo o comportamento do rapaz. Pete, que se encontrava na garupa de Mark, ria da situação, pois sabia que a habilidade de montaria do irmão era nula.

— Não é mais fácil deixar o cavalo montar em você, Frey?! — caçoou o menor.

— Não é mais fácil eu te arrastar por uma corda até o Reino dos Elfos, Pete? — retrucou Frey, irritado e envergonhado com o comentário do irmão e as risadinhas de algumas jovens mulheres na multidão.

— Dona Cavaleira, num vamu partir não? Daqui a pouco cai a noite. — Perguntou o Sam. Em sua boca, faltava os dois dentes da frente.

— Se acalme, Sam. Estamos terminando de acertar uns últimos assuntos. — Disse, voltando a atenção para o elfo. — Se precisarmos nos contatar, como faremos?

— Temo dizer que não será possível. — Mark olhou-a com seriedade, o cenho parcialmente franzido. — Corvos não voam em Krun's Righ, e não há magia que conecte pessoas à tal distância.

— Então lhe desejo sorte em seu caminho. — Disse a Cavaleira, estendendo a mão.

— O mesmo para você, Cavaleira. — Olhou para Sarym e para a traseira do carroção, coberta pela lona. — Que sua deusa seja boa com os nossos, Sarym.

— Ela será. — A ruiva respondeu-lhe de prontidão. — Os bravos nunca são deixados de lado em Kruns'Righ.

— Lillian... — disse Galbrei, meio contido. — Quando... Quando voltará?

A Cavaleira encarou o lorde, com olhos de fúria contida.

— Quando terminar o que vou fazer. — Respondeu.

— E quem... Quem irá liderar a guarda até lá? — perguntou ele, intimidado.

Lillian considerou aquele questionamento por um segundo. Seus olhos passaram pelo meio dos soldados, e pousaram em Ringard, o soldado que havia apresentado grande presença desde o início. Ela sorriu para ele, indicando-o com um movimento de queixo.

— Ringard fará o papel.

— Eu, minha senhora? — perguntou ele, espantado.

— Sim, você é um bom rapaz, e mostrou ser capaz de liderar os soldados quando necessário. Espero que faça um bom trabalho até meu retorno.

— Farei o possível, minha senhora, fico muito agradecido — ele baixou a cabeça, sorrindo, um sorriso sincero.

Lillian voltou o olhar para Galbrei. — Mais algum questionamento, Lorde Galbrei?

O lorde baixou a cabeça, silenciado pela segunda vez na vida. Recuou dois passos, ficando quieto.

A Cavaleira voltou-se para Mark, então passou os olhos pelo resto do grupo. Sorriu para Anne e para o menino Pete, e cumprimentou Frey com um aceno de cabeça. Então bateu os pés no lombo do cavalo, e seguiu caminho. O carroção, Sarym e Damon, foram logo atrás.

— Não morra, Homem do Martelo. — Sarym disse-lhe quando passou ao seu lado, com uma voz zombeteira e um sorriso amigável. — Pretendo vê-lo novamente quando voltarmos do frio.

Frey sentiu o rosto corar, mas acenou positivamente com a cabeça, murmurando um "você também" tão baixo que Sarym nem mesmo escutou. Pete encarou-a durante o trajeto, esperando que se despedisse dele também, mas Lilian e os outros já estavam lá na frente. O garoto baixou a cabeça, frustrado. Anne tinha o olhar distante na direção da floresta, direção oposta à que Damon seguia. Não houve troca de olhar, não houve despedida, apenas o silêncio. O que quer que houvesse entre os dois, estava agora tão sepultado quanto a Gruta.

— Vamos? — Pete perguntou para o seu grupo, sorrindo.

— Vamos, já perdemos tempo demais. — Mark falou para os outros.

Puxou o capuz da capa de viagem e bateu os calcanhares contra os flancos do cavalo, que desatou a trotar. Lilian e seu grupo atravessariam a cidade ainda, em direção à saída do sul de Balran, enquanto para Mark e os outros bastava seguir a estrada para o Oeste. Só rumariam o sul quando estivessem próximos à fronteira do Reino dos Elfos.

E assim partiram, ligados pela Linha Que Tece a Vida.

Mal sabiam que juntos, talvez não fisicamente, mas juntos, guiados pelo mesmo pensamento, arriscariam tudo que tinham para salvar o mundo, mesmo que talvez, não fossem estar lá para vê-lo se tornar um lugar melhor.


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