A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 41
O Banquete


Notas iniciais do capítulo

"É como uma formiga tentando carregar uma montanha, elfo! O seu destino é aceitar, ser pisado por nós, os verdadeiros donos do mundo! Expulsamos os dragões, apagamos a existência do Criador, que empecilho traria um mero soldado?" - Meryna



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— Como diabos ela taria bem em uma cidade de merda como essa?! — berrou Frey, saindo para a rua sem nem terminar de vestir a sua camisa. Pete corria para acompanhá-lo, já que cada um de seus passos eram dois do garoto. Esfregava os olhos, sem entender nada do que estava acontecendo.

— Por que ela foi embora, afinal? — perguntou, finalmente.

— Porque o seu irmão não consegue enxergar direito as coisas ao seu redor e faz mais besteiras do que um orc em bailes reais. — Mark respondeu por Frey. Trajava sua armadura completa, em melhores condições do que quando usou-a em Aileen. O leão em seu torso tinha um brilho cegante, assim como seus cabelos.

— Não estou bom para brincadeiras, Mark... — aproximou-se o irmão de Pete, furioso. Ficou cara a cara com o elfo, o cenho tão franzido que seus olhos por pouco não desapareceram.

— Então não faça os outros pagarem pelo que você faz. — Agarrou-o pela gola da camisa recém vestida, assustando-o pela reação agressiva. Mark era sempre o mais calmo, o mais controlado do grupo, mas não conseguia simplesmente ser o mesmo em todo o tipo de situação. Frey tentou se soltar, empurrando o braço do elfo, mas este o prendeu com ainda mais força e o trouxe para mais perto. — Se você quer ser o irritadinho do grupo, você pode ser, mas da próxima vez que usar este tom comigo, eu não vou me importar com quem está na platéia. Mesmo que seu irmão esteja aqui, mesmo que o próprio Criador esteja aqui, eu vou te bater tanto que você nunca mais vai conseguir andar direito.

Empurrou-o e saiu caminhando, ajustando a espada élfica na bainha. Parou por um instante, olhando para trás e franzindo o cenho também.

— Vamos procurar a garota ou não?

Frey desamarrou parcialmente a cara, ajeitou a camiseta e voltou a caminhar. Pete também começou a andar, bem perto do irmão. Estava ressabiado quanto ao Mark, visto que o irmão sempre tinha sido o mais durão de todos. Não que o considerasse um homem de aço, mas nunca ouvira ninguém falar daquele modo com Frey e a visão o assustava.

— Por onde começamos? Eu não tenho a mínima ideia... — Frey coçou a cabeça, sem graça. — Eu só quero consertar as coisas, com todo mundo. Me desculpa, de verdade. Eu só tô irritado porque essa mulher surgiu do nada e eu agarrei a chance, a chance de mostrar pra Anne que do mesmo jeito que ela tem o Damon, eu tenho outras garotas, mas... não é bem assim que eu quero que seja. Eu e ela...

— Não precisa se explicar, cabeção. Eu sei que você gosta dela, não ficaria irritado se não gostasse. Só vamos achá-la e esquecer isso, certo? — Estendeu a mão para o companheiro, que agarrou-a em prol da amizade. Deram uma olhada ao redor da pousada. Mark estava bem semelhante ao modo como investigara a floresta em que Pete se perdera. — Ela seguiu por ali. — Apontou para a rua da esquerda, dentre as três que davam na pousada. — Mas o seu cheiro não está nem perto, é como se alguma coisa tivesse apagado o rastro dela, uma energia maior.

— Que diabos teria energia maior do que a dela, ainda mais aqui? Você viu o que ela... — olhou para Pete e se conteve. Lançou um olhar para Mark, suficiente para passar a mensagem que gostaria. — Você se lembra daquilo. Não tem como ter algo maior nesse lugar!

— Não falem como se eu não estivesse aqui! — Pete interrompeu, fechando a cara.

— É assunto para os maiores, maninho. — Frey colocou a mão sobre sua cabeça e bagunçou seus cabelos, o que só irritou mais o garoto, que não disse mais nada.

— Podemos seguir por esta rua, mas eu sinceramente não sei onde vai dar. Vamos nos separar assim que acabar o rastro da Anne, isso deve aumentar um pouco as chances de encontrá-la, embora eu já vá adiantando, não são nada boas. Em uma cidade desse tamanho, com tanta coisa ocupando meu nariz, eu não conseguiria farejá-la de jeito nenhum. E os meus "olhos de elfo" pouco ajudariam.

— Que seja, vamos logo, se ela estiver em apuros, eu não quero me atrasar.

Voltaram a caminhar, e dentro de vários minutos, não trocaram nenhuma palavra. Mark estava preocupado com a garota, pois a questão levantada por Frey era mais do que intrigante: quem teria um poder maior do que o de Anne em Balran? Esfregou a testa com a mão, livrando-a do suor ininterrupto que escorria por baixo de seus longos cabelos.

— Ei, Frey.

— O q-... — sequer teve tempo para terminar a pergunta. Mark, com um pequeno punhal em mãos, arrancara-lhe uma das três tiras de couro que ficavam próximas da gola de sua camisa. Serviam para regulá-la, afrouxar ou apertar. A surpresa foi tanta que ele deu um passo atrás, colocando a mão no peito. Mark agarrou o pequeno pedaço do material e usou-o para prender os cabelos em uma espécie de rabo de cavalo. — Você quase arrancou meu pescoço, maluco!

— Não faça drama, eu só achei que você não concordaria em "me emprestar" se eu pedisse educadamente. De qualquer forma, agradeço. — Guardou o punhal na pequena bainha presa à coxa e voltou a caminhar.

— Tem certeza que é por aqui? — Pete perguntou, notando a mudança drástica de ambiente. Os arredores da pousada eram bonitos e bem arborizados, mas ali onde estavam agora nada mais era do que um enorme poço de bêbados caídos, larápios contando dinheiro e mercenários à porta de tavernas, esperando quem contratasse seus serviços. — Digo... ela não andaria por essas bandas, né? Ela era toda "lady" e tudo mais...

— Creio que ela não tenha tido escolha, Pete. — Mark respondeu, mais uma vez analisando o ambiente com os seus olhos estranhos. — Ela estava correndo de algo. — Suas narinas se dilataram por um breve momento, e o elfo começou a caminhar a passos largos. Atravessou a estreita rua até dar de cara com um beco sujo e mal iluminado. Suas pupilas se contraíram e ele conseguiu enxergar o que qualquer outra raça não conseguiria: os espíritos ali presentes.

Três homens, e pelo que suas roupas indicavam, mercenários, mortos por golpes únicos de espadas. Seus ferimentos eram estranhos, não eram lâminas normais. Um tipo de fumaça enegrecida, talvez roxa, vazava dos cortes, mas nada daquilo era visível no mundo dos vivos. Aproximou-se do espírito mais próximo e tocou-lhe o corpo, mas uma dor de cabeça lancinante o fez se afastar. Lançou as duas mãos até as têmporas e apertou-as com força, soltando um urro de dor. Caiu de joelhos, se abaixando até que a testa tocasse o chão frio de pedra.

— Mark! Pelo Criador, Mark! — Frey gritou, caindo de joelhos ao seu lado e tentando ajudar o amigo, sem saber o que acontecia com ele.

— Se... afasta...! — fez sinal para que os irmãos saíssem do beco imediatamente. Frey agarrou-o pelo braço e puxou-o junto, tirando-o dali. O lugar que Mark analisava entrou em combustão subitamente. As chamas eram tão quentes que o suor brotou em enormes quantidades de seu corpo em poucos segundos à sua exposição. Tão repentinamente quanto surgiram, as chamas desapareceram, deixando a marca de um corpo no chão. Frey arregalou os olhos. Não havia nada ali antes!

O elfo olhou para o lugar onde as chamas estavam e fez uma careta de dor, tentando se sentar e só conseguindo depois da ajuda dos amigos.

— O que aconteceu com você? — perguntou Frey, preocupado. Pete o olhava com os olhos tão arregalados que pareciam prestes a saltar das órbitas.

— Um recado, Frey... um recado.

***

Vestido em trajes pomposos de cores berrantes, com pinta de nobreza, Zen encarava sua figura singular no espelho. Haviam-no enfiado a muito custo naquelas roupas, fora uma batalha que durara quase uma hora, até que o imobilizaram, despiram, e o vestiram. Um chapéu verde com uma enorme pluma estava sobre sua cabeça, usava um par de meias branquíssimas, que iam até o joelho, e uma calça apertada verde como o chapéu. Além disso, usava um grande capote verde musgo, onde no peito em vermelho e dourado, estava bordado o brasão da Flor Vermelha de Balran.

O colarinho da camisola que vestia por debaixo do capote estava incomodando-o devidamente como era esperado de alguém que não estava acostumado com roupas daquele porte. Quem é louco para usar essas roupas? Ele falou, franzindo o cenho, enquanto encarava seu reflexo. Levantou levemente o queixo e pôs-se de lado, fazendo a melhor pose que imaginou que um nobre faria.

— Muito bem, Sir Hammington, mas o ducado de Dunvel pertence ao Lorde Unu — disse para seu igual do outro lado daquele espelho, fingindo um diálogo imaginário. Deu um sorriso, soltando uma risada. — Isso é baboseira.

E voltou-se para a cama do quarto onde estava, já retirando seu chapéu e o casaco, jogando-os num canto. Em cima do catre estavam suas vestimentas usuais, limpas pelas camareiras do castelo, mas com o mesmo aspecto de surrado. Falando nisso, ótima hora para falar onde está o nosso nobre herói.

Aquele era o Castelo de Balran, a maior construção daquele ninho de bandidos e aranhas chamado de cidade. Oito andares contando as cinco torres, trinta e dois quartos, seis casas de banho, três bibliotecas e um belíssimo jardim interno, além do “jardim secreto”, que apenas o Lorde Governante e seus convidados tem acesso. Comparado aos outros castelos de Adria, o Castelo de Balran não é um dos maiores, nem um dos mais belos, mas aqueles que guardam na memória as histórias do que um dia foi presente, dizem que quando Aruk Ponta de Ferro governava Balran, sua amada Indriel era tão bela, que o próprio castelo ganhava vida para satisfazer seus desejos. Como era linda a bela e pura Indriel. Seus olhos refletiam todas as cores do mundo, e diziam que até os Deuses sucumbiam perante o sorriso daquela mulher. E foi por ela que Aruk se apaixonou, e foi com ela que ele viveu naquele castelo, até o fim de sua vida.

Ainda hoje, alguns dos servos mais velhos daquele castelo, dizem que quando passam próximos à entrada do jardim secreto ao anoitecer, escutam uma voz encantadora cantando uma música qualquer, que faz qualquer um perder a noção de tempo. Aquela é a voz de Indriel, que permaneceu em seu querido jardim, mesmo após sua partida.

Mas vamos esquecer os ecos de um passado distante. Vamos voltar para Zen. O rapaz estava num dos trinta e dois cômodos, especificamente, um dos destinados a visitas de certa importância, como Cavaleiros e nobres menores. Não era um quarto muito grande, mas não era nem um pouco humilde. Havia ali um grandioso espelho emoldurado em ouro, um belíssimo armário feito da madeira de Árvore de Prata, entre outras mobílias que para o Atormentado, custavam os olhos da cara. Havia ainda uma porta, que dava para um pequeno quarto, onde havia uma banheira redonda, que poderia ser rapidamente abastecida com água quente. Ele havia experimentado ela. O banho quente era uma sensação que ele não tinha já fazia bastante tempo.

Zen agora estava sem camisa no quarto, descalço, vestido apenas com suas calças largas e negras. Caminhou até a frente do espelho, olhando sua imagem ali refletida. Seu peito e seus braços eram uma malha de cicatrizes, assim como suas costas, que ele nem precisava ver para saber delas, pois se lembrava de cada uma. Toda noite era lembrado em seus sonhos do rosto daqueles com quem batalhou, máscaras fantasmagóricas tentando roubar sua vida. Sentia as lâminas frias rasgarem sua carne, e sentia a dor que elas provocavam. E ele apenas aceitava-as todas, como tinha que ser. Recebia cada golpe, cada punição, por cada vida que tirou, por cada vida que deixou de proteger, sem protestar. E toda madrugada, quando acordava antes do sol nascer, permanecia deitado, lutando contra a vontade de ficar ali parado para sempre, até morrer de fome ou coisa parecida. E felizmente, ou infelizmente, ele sempre vencia.

A porta se abriu sem aviso, e por ela passou uma mulher de cabelos loiros trajando uma armadura pesada. Ela olhava para uns papéis que tinha na mão, e falava qualquer coisa, até levantar o rosto e se deparar com Zen, no estado em que ele estava. Ela parou de se mover no mesmo instante, olhando-o de cima abaixo. As cicatrizes em seu corpo eram visíveis, riscos brancos em contraste com a pele levemente morena, que cortavam por cima das juntas e dos músculos enrijecidos do homem. O Atormentado a encarou de volta, olhando-a por alguns segundos, antes de ir até a cama e vestir o resto de seu traje habitual.

— Me desculpe, eu — ela parou por um segundo, aturdida com a visão que teve. Como ele conseguiu todas essas cicatrizes? , ela pensou, lembrando-se dos sonhos que havia tido tempos atrás com aquele homem. — Eu devia ter batido antes de entrar.

— Tudo bem — ele respondeu, dando um sorriso curto e singelo. — Quer alguma coisa?

O rosto dela então se clareou como se tivesse lembrado o motivo de ter vindo até ali. Ergueu o papel que segurava para o homem, e ele tomou-o da mão de Lillian.

— Esta é uma lista com todos os nomes e posições nobiliárquicas que você precisa saber até a hora do baile — ela baixou o olhar, vendo as roupas que ele vestia. Então franziu o cenho — o que fez com as roupas que te dei?

— Muito desconfortáveis — falou ele, passando os olhos pela lista. — Combinam mais com o chão do quarto do que comigo.

— Claro com certeza você vai se encontrar com aquela multidão de nobres vestido assim — ela cruzou os braços. — Ande engraçadinho, sem brincadeiras, aqueles lá fora querem ver um herói vestido como tal.

— Não mesmo, não vai me fazer vestir aquela roupa outra vez. E de qualquer forma, eu não pretendia participar dessa baboseira desde o começo.

A Loira suspirou, fechando os olhos.

— Eu vou falar só mais uma vez. Vista aquelas roupas, antes que eu arrebente essa sua cara — Zen engoliu em seco mediante as palavras da Loira, mas não deu para trás.

— Por que você pode usar essa armadura e eu tenho que ir vestido nessas roupas de maricas? — ele cruzou os braços, encarando a mulher. Ela abriu os olhos, surpresa com a pergunta.

— O que quer dizer com isso?

— Aqueles lá fora querem ver uma dama vestida como tal. — Ele deu um sorriso. — Por que não usa um vestido? Tenho certeza que você deve ter pelo menos um mofando no guarda-roupa.

— Eu... Eu não vou usar um vestido. — Ela franziu o cenho, a raiva já subindo-lhe a cabeça.

— Se você não vai por um vestido, eu não vou por aquelas roupas — seu sorriso aumentou ainda mais, havia a derrotado no jogo dela. Quer dizer, havia?

Lillian, de todas as mulheres, era do tipo que não gostava nem um pouco de ser confrontada, ou de ter suas ordens desacatadas. E Zen agora fazia os dois ao mesmo tempo. Bem, ela não podia dar a ele o gostinho de vitória, podia? Um sorriso malicioso abriu-se no rosto dela, enquanto ela cruzava os braços.

— Tudo bem, Zen, tudo bem. Se eu preciso por um vestido para que você vista suas roupas, eu ponho o maldito vestido.

Ele franziu o cenho, engolindo em seco.

— Sério?

— É claro. Eu vou por meu vestido, mas quando eu voltar aqui, espero te encontrar nessas “roupas de marica”. Se não... — e deixando essa ameaça no ar, ela deu meia volta e saiu do quarto, pisando firme no chão, fumegante de raiva.

Zen é claro, ficou para trás, aturdido. Ela vai mesmo por um vestido? Não creio. Ele balançou a cabeça.

— Não, ela está blefando, ela não é desse tipo — ele sorriu, balançando a cabeça, olhando as vestimentas nobres jogadas no chão. — Ela não vai por um vestido, não é? Não é? — olhou para o espelho, onde encontrou seu reflexo encarando-o com preocupação. — Ela vai, para me fazer usar aquilo ali, ela vai. Maldita Loira, maldita Cavaleira de Balran!

Ele recolheu as roupas nobiliárquicas do chão, jogando todas sobre o catre. Começou a despir-se, para em seguida vestir toda aquela mistura de verde e pomposidade. Eram mais difíceis de vestir do que tirar, e ainda o incomodavam como um prego no pé. Passado uns quinze minutos, estava pronto. Fora mais difícil do que parecia, mas ali estava ele em frente ao espelho, trajando algo que nunca desejará trajar antes em sua vida, e nem desejava trajar agora.

Se fosse para se parecer como um nobre dali, ainda teria que usar alguns pós no rosto, e uma peruca enorme e encaracolada, mas ele dispensou tudo aquilo. Afinal, até ele tinha limites, e já tinha passado deles apenas por usar aquilo. Soltou um suspiro, balançando a cabeça, olhando para a porta.

— Onde ela está? Não pode ser tão demorado por um vestido. — E seguiu para a saída do quarto, atravessando a porta, entrando no corredor.

Já havia dado algumas voltas por ali, sabia que o quarto de Lillian era um gabinete não muito longe dali, só teria que subir alguns lances de escadas, virar algumas curvas, e lá estaria. Percorreu o caminho em passos vagarosos, cuidando para que ninguém o visse naquelas roupas. Logo se viu diante de uma porta de Madeira Cinzenta, conhecida por não pegar fogo, e ser incrivelmente resistente.

— Lillian? — ele disse, mas não veio resposta de dentro do quarto. Bateu três vezes na porta. — Lillian, está aí?

— Zen? O que está fazendo aqui? — era a voz da Cavaleira.

— Você demorou para voltar para o quarto, está tudo bem?

— O que? Ah, sim, tudo perfeito! Não precisa se preocupar! E também não precisa por mais aquelas roupas de nobres, tudo bem? — ela soava diferente, Zen não sabia como, mas estava diferente do habitual que havia conhecido dela nesse tempo em que andaram juntos.

— Aconteceu algo? — ele pôs a mão na maçaneta e a girou, empurrando a porta. — Estou entrando.

— Não! — ela berrou dali de dentro, e quando Zen entrou, não viu sinal de Lillian.

O gabinete não era muito grande, era pouco menor que o quarto onde estava antes. No sofá que ali havia estava disposto a armadura que Lillian usava, ainda marcada pelas últimas batalhas. Zen vasculhou o cômodo com os olhos, e viu num canto do quarto um biombo, meio fechado, oculto por uma porta aberta de guarda-roupas.

— Lillian? — ele se aproximou um passo.

Então ouviu um suspiro, e de trás do biombo, saiu uma mulher, que por um momento, Zen não reconheceu como Lillian, mas logo percebeu que aquela era a única inigualável Cavaleira de Balran. Seu coração falhou uma batida com tamanha beleza que seus olhos vislumbraram de uma só vez.

Lillian estava ali em sua frente, com uma expressão insegura no rosto. Usava um longo vestido amarelo, que combinava perfeitamente com ela. A peça era apertada nos pontos certos, do mesmo modo que era folgada em outros. E as curvas voluptuosas da Cavaleira, que até então estavam escondidas pela sua armadura masculina, destacavam-se naquela vestimenta. Estava descalça, talvez não tivesse escolhido ainda qual sapato usar, talvez nem precisasse tamanho o deleite que era para os olhos alheios aquela mulher. Zen engoliu em seco uma, duas, três vezes, no pequeno espaço de tempo infindável em que fitou a bela, de cima abaixo.

A pele alva dela contrastava perfeitamente com o amarelo da roupa, e com o dourado de seus cabelos, e como estavam dourados aqueles cabelos. Aqueles cabelos cor de trigo, aqueles cabelos trançados, que para os olhos do Atormentado, brilhavam como o Sol. E pousado sobre ele, como se tivesse sido posta ali pelas mãos dos deuses, uma tiara simples de ouro, sem muitos adornos, mas ainda assim, naquela simplicidade havia uma beleza, que enaltecia ainda mais aquela Loira.

O tempo por sua vez voltou a correr, com as palavras dela.

— Eu estou ridícula.

— Essa — ele parou para respirar um instante, pois percebeu que não havia o feito desde que pusera os olhos nela. — Essa seria a maior mentira do mundo.

Ela encarou Zen, e Zen a encarou. Ambos ficaram assim, olhando um para o outro por alguns segundos intermináveis. E poderia ficar assim para o Atormentado. O tempo poderia congelar naquele exato momento, que ele não ligaria. Mas ela sim, e balançando a cabeça, voltou para trás do biombo.

— Eu vou tirar isso e por minha armadura. Foi uma ideia idiota, vista aquela sua roupa se quiser, ou não — ouviu ela suspirar outra vez. — Pode me dar licença, Zen?

Ele demorou para responder.

— É claro! Eu... Eu vou voltar para o quarto. — E recuou de costas em direção à porta. — Até, até depois.

— Até Zen.

E com essas palavras, ele saiu do quarto, fechando a porta sem batê-la. Encostou-se na parede, olhando para o chão, esfregando o rosto. Balançou a cabeça, e seguiu caminhando de volta para o quarto. Lá, voltou para suas roupas habituais, e quando botou um pé fora do cômodo, Lillian estava ali, já indo abrir a porta para entrar. Os olhares de ambos se cruzaram, e logo se separaram, quando a mulher desviou a cabeça para o lado.

— Acho que já é hora, está preparado? — ela perguntou, voltando a encará-lo.

— Eu — o efeito que ela havia provocado sobre ele ainda persistia. — Eu estou sim.

— Então vamos — ela tomou a frente, caminhando em suas passadas firmes. Não olhou para trás para checar se Zen estava indo mesmo atrás dela, como geralmente fazia. Isso, por algum motivo, o aborreceu.

Desceram uma escadaria, e logo estavam num amplo hall. Lá, algumas mesas cumpridas estavam sendo dispostas, enquanto outras eram cobertas com enormes toalhas brancas com o brasão de Balran estampado. Mas Zen não ligou para aquilo, ficou todo o caminho olhando para Lillian, que durante nenhum momento lançou um olhar para ele.

A Loira parou, e se ele estivesse menos atento, teria esbarrado nela antes de parar. Ela virou-se, encarando-o, com insegurança no rosto, e na voz, como o Atormentado notou nas palavras que ela disse.

— Eu preciso ir agora, tudo bem? Não faça nenhuma idiotice como você sempre faz — ele balançou a cabeça, concordando, sem nada falar.

A Loira permaneceu uns instantes parada, ali na frente dele, como se fosse falar algo a mais, ou como se estivesse esperando algo. Ela então balançou a cabeça, e seguiu seu caminho, afastando-se do homem.

Ele por sua vez, acompanhou todo o percurso que ela fez, até sumir de seu olhar.

Então fechou os olhos, baixando a cabeça, e disse.

— Nem pense nisso, Zen.

A imagem de Lillian em seu vestido não havia saído de sua cabeça, assim como a imagem do rosto dela a quase nada de distância de seu rosto, quando ela decidiu questioná-lo sobre o que havia dito na Gruta.

Olhou para a direção que ela havia tomado, sentindo algo apertar seu coração.

— Nem pense nisso.

***

Sarym caminhava sem pressa pelas ruas de Balran, recebendo a todo o momento algum comentário de baixo calão a respeito de sua belíssima aparência, mas sem se importar. Sabia que nenhum deles se arriscaria a tocá-la, embora fosse exatamente isso que ela quisesse no momento. Ansiava por uma violência gratuita para relaxar os nervos. Era assim que as coisas eram em Krun's Righ, se você estivesse descontente com algo, que arrebentasse o primeiro que lhe enchesse a paciência. Funcionava em viagens, principalmente em tavernas.

Balran possuía uma movimentação incomum pro horário, percebeu após algum tempo andando. Homens suados corriam de um lado para o outro carregando tábuas imensas, como se precisassem terminar uma mansão em algumas horas. Curiosa, começou a seguir o fluxo de trabalhadores para ver do que se tratava, embora tamanha movimentação não podia ter relação com outra coisa senão a chegada da tão aguardada nobre em Balran.

Suas tranças esvoaçaram e as nuvens cinzentas aparecendo cada vez mais frequentemente no céu atraíram seu olhar. Franziu o cenho. Seria uma tempestade e tanto, e ela não queria estar na rua quando começasse. Ergueu o queixo e caminhou com mais pressa no caminho dos marceneiros.

Sentia que seria uma noite incômoda, só não sabia o porquê.

***

— Anne, você entende a gravidade do que me falou? — Damon olhava para ela com uma feição preocupada. Por baixo do belíssimo manto rubro aveludado, o mercenário trajava vestes justas e escuras, discretas o suficiente para o caso de precisar desaparecer em algum momento crítico. O cinto em que carregava a adaga se ajustava perfeitamente sob o tecido pesado, não deixando transparecer que estava armado em momento algum.

— Diabos, Damon! Eu nem mesmo me lembro de ter caído! — a garota estava sentada sobre a enorme cama do quarto arranjado para Damon. O dossel estava aberto, preso aos quatro cantos do móvel. — Eu só apaguei, já disse!

— Tá, você apagou, mas eu não! Isso é mais preocupante ainda, o fato de você não estar consciente quando disse claramente que todos nós vamos queimar, porra! — virou-se de costas para ela e pôs as mãos na cabeça, que latejava incessantemente. — O banquete já vai começar, vamos estar na companhia de, sei lá, uns quinze nobres e suas comitivas, que incluem cavaleiros e um monte de soldados! Eu gosto de me preparar para as coisas, mais especificamente quando eu sou AVISADO que algo vai acabar comigo hoje à noite, mas eu sinceramente não faço a mínima ideia de como me preparar! O que diabos poderia representar perigo num lugar tão bem protegido?

Anne repousou a mão no peito, encarando o chão. A imagem de Meryna lhe veio à mente, assim como a dos cavaleiros negros que a acompanhavam. "Eu sou Meryna, criança. Se o destino quiser, e há de querer, nos encontraremos mais algumas vezes. Até lá, tenha cuidado por onde anda. Da próxima vez posso não estar por perto com meus homens para salvá-la." Balançou a cabeça, afastando aqueles pensamentos. Por que ela representaria perigo se a salvara de bom grado, sem esperar nada em troca?

Damon reparou na "ausência" de Anne. Se aproximou dela e ficou de joelhos à sua frente, tomando suas mãos. A ruiva, que permanecia sentada, levantou os olhos para encará-lo.

— Anne, lembrou-se de algo? Alguma coisa que possa impedir uma possível morte prematura numa ocasião tão... peculiar?

— Não... não é nada. — Desviou o olhar. Não queria contar que correra risco de vida, ele lhe daria um sermão ou qualquer coisa do gênero.

— Anne, a gente se conhece há muito pouco tempo, se for levar em conta, mas eu posso afirmar com cada centímetro do meu corpo, inclusive aqueles que você não poderia ter... — Sorriu maliciosamente, mas se recompôs de imediato sob o olhar causticante da ruiva — que você tá escondendo algo. Por favor, se esta vai ser a nossa última noite nesse maldito mundo, que eu saiba o que vou enfrentar.

— Não é como se eu soubesse, tá?! Eu só tive um pressentimento ruim... Encontrei uma nobre hoje, em um momento um pouco desagradável, mas ela me ajudou, e eu acredito que ela vá estar no banquete. Ela era estranha, tinha um clima pesado ao redor dela, sabe? Como se sufocasse todos os que chegassem perto demais e exalassem sua grandiosidade. Mesmo eu, que sempre lidei com pessoas de alta classe social me senti diminuída perto dela. — Suspirou, baixando os olhos. — Não é como se eu estivesse dizendo que o cabelo dela é mais bonito que o meu, ou que ela tem a pele mais macia, não falo sobre esses aspectos idiotas, mas havia algo sobrenatural no olhar daquela mulher e eu só queria saber o que era.

— Ela lhe disse seu nome? — Damon perguntou, sentindo um nó se formar na boca do estômago.

— Sim. — Levantou os olhos e encontrou os dele, apreensiva. — Damon, não é algo que vai fazer diferença, eu já disse, foi só um pressentimento ruim. Ela evitou que algo ruim acontecesse comigo, é uma boa pessoa, ou talvez só estivesse na hora certa e decidiu fazer algo, mas ainda sim, não deve representar nenhum perigo real!

— Anne... — Damon respirou fundo antes de continuar, tentando manter a calma. Cada pelo de seu corpo se erguia em um arrepio assombroso. — Me diga... o nome... dela.

— Se faz tanta diferença... Meryna, Meryna é o nome dela.

Damon deu um passo atrás, atônito. Encarou Anne com a boca aberta, a cor sumindo de seu rosto em um perceptível momento de choque e pavor. Damon despiu o manto imediatamente, aproximou-se da cabeceira no canto do quarto e agarrou a bainha de couro que se encontrava sobre ela. Dentro, a espada usada para matar o seu próprio irmão. Acoplou-a à cintura e avançou imediatamente em direção à porta.

— Ei! Damon! O que tá fazendo?! — gritou a ruiva, correndo até ele e agarrando o seu braço. O mercenário livrou-se dela bruscamente e aproximou o seu rosto do dela com um olhar selvagem.

— A mulher que salvou você... foi quem transformou o meu irmão em um fantoche diabólico, um demônio que possuía o seu rosto, as suas memórias, mas não o seu coração. Ele não era meu irmão, era um monstro...

— Como assim? Como ela poderia? É só uma... — Anne tentou argumentar, mas Damon interrompeu, ríspido.

— Não, Anne. Você foi só mais uma enganada por ela! Ela matou o meu irmão, e ninguém seria capaz disso! Ele era rápido, forte e esperto, e mesmo que... — as memórias da emboscada em que Damon caiu voltaram à tona, assim como Lars assumindo o seu lugar antes que pudessem vê-lo. Pressionou as têmporas e fechou os olhos com força, voltando a focar a ruiva depois de certo esforço. — Mesmo que estivesse em uma situação difícil, ele teria escapado se ela fosse "só uma mulher". Essa Meryna... Ela não é o que aparenta ser, é algo muito pior e muito mais forte do que você jamais viu!

— Você acha que ela tem alguma relação com o ataque de Aileen, então? — a garota perguntou, espantada. Colocou uma das mãos na boca e esperou pela resposta que não queria ouvir.

— Eu não acho, tenho certeza. E também tenho certeza de que desta noite ela não passará. — Deu meia volta e saiu porta à fora, deixando-a bater atrás de si. Tinha um demônio para matar.

***

— Ei, vocês dois! Estão tão animados discutindo sobre o que os mortos tem ou não a dizer que não perceberam isso? — Pete bradou, incrédulo.

— Perceber o quê? — Frey e Mark viraram-se e perguntaram para o garoto ao mesmo tempo.

— Os sinos, bobalhões! — revirou os olhinhos, balançando a cabeça em desaprovação.

— Oh, céus. — Mark deu alguns passos para enxergar melhor a torre de onde vinha o estrondoso barulho. De quatro sinos, trêssoavam, imponentes, anunciando algo que não compreendia.

— Três sinos... — Frey balbuciou, pego de surpresa. — Só podem significar...

— Um banquete no castelo! — Pete exclamou empolgado, correndo até o irmão e puxando-o pelo braço na direção da rua principal que levava até a fortificação.

— Calma aí, caramba! Você nem sabe pra onde fica o castelo! — Frey cortou-o, irritado. Pete, pego de surpresa, colocou a mão no queixo e pensou a respeito. Ele realmente não fazia a mínima ideia de onde o castelo era. — Fora que não significa exatamente que é um banquete, os três sinos anunciam um evento aberto onde toda a população pode assistir e dependendo do caso, participar.

Mark gargalhou com a situação.

— Por isso a empolgação? Se for um banquete, virá bem a calhar em um momento como esse.

— Por isso o Pete ficou tão maluco quando ouviu os sinos. Banquetes normais da nobreza não são anunciados, eles simplesmente se reunem, discutem o que precisam discutir, comemoram o que precisam comemorar e depois simplesmente vão embora com sua comitiva. Mas quando soam três sinos, significa que será um banquete aberto à todos. Isso é tão raro quanto uma montanha cair do céu, é a primeira vez que vejo algo do tipo desde... — balançou a cabeça para afastar algo ruim que lhe veio à mente — desde muito tempo.

— Bem, então deveríamos ir, não é? É bem provável que Anne esteja lá. — Mark levantou a questão e Frey concordou de prontidão. Pensara a mesma coisa.

Caminharam por vários minutos até conseguirem enxergar a enorme construção acinzentada no horizonte. Não estava muito longe, mas ainda teriam uma quantia considerável pela frente. Seus passos eram rápidos, visto que o céu enegrecia, pesadamente nublado. Os ventos estavam fortes e os longos cabelos presos de Mark chicoteavam contra suas costas. Pete abraçava o próprio corpo em uma tentativa falha de se esquentar. Frey não parecia afetado, mas a perspectiva de estar dentro de uma tempestade sem nenhuma cobertura não o agradava.

As pessoas pareciam ir todas para o mesmo lugar. Mesmo os mais maltrapilhos se dirigiam ao banquete, pois a chance de terem uma refeição farta e gratuita era quase nula em outras ocasiões. Discutiam animadamente acerca do que lhes aguardava no evento, quais seriam as razões para algo tão especial, quem estaria lá, qual era o nobre mais galante, ou a donzela mais bela e uma centena de outros assuntos que não interessavam a nenhum dos três aventureiros que avançavam incansavelmente.

Mark não conseguia deixar de pensar sobre o que encontrara no local onde encontrara os três rastros espirituais. A mensagem era clara, embora não tivesse contado à Frey e Pete. Não queria preocupá-los. Mark enxergara chamas na visão que lhe fora proporcionada através do contato com os mortos. Chamas, corpos e uma enorme sombra alada que rompera o seu contato com os espíritos de forma brusca e dolorosa.

Mal percebera o tempo passar durante a pequena travessia e quando se deu por conta, já estavam aos portões do castelo. Os guardas deixavam qualquer um passar, mas fechariam os portões imediatamente assim que a capacidade máxima de pessoas fosse atingida, o que parecia ser algo distante de acontecer. Mesmo com as centenas de habitantes que já se encontravam ali, parecia haver espaço para uma quantidade muito maior ainda por vir. Mark contrastava com Frey e Pete, visto que trajava uma belíssima armadura ornamentada com a enorme e ameaçadora cabeça de leão esculpida no torso enquanto os irmãos vestiam roupas simples, dignas de pessoas sem muito luxo ou necessidades espalhafatosas.

E por falar em necessidades espalhafatosas, a nobreza parecia, aos olhos dos três, vinda diretamente de uma trupe errante. Cores berrantes transitavam por todos os lados, mulheres com coques enormes erguidos em noventa graus e homens com bigodes que se enrolavam duas ou três vezes em suas extremidades acompanhavam a variedade demográfica. Chapéus com longas plumas, calças justíssimas, vestidos armados e jóias que valiam mais do que a todos os bens dos três rapazes juntos e multiplicados centenas de vezes.

Tendas foram armadas no colossal pátio do castelo para impedir que a chuva, o vento ou o orvalho incomodassem os que saciavam a fome fora do salão principal. Embora fossem enormes e aparentemente resistentes, não pareciam ser o suficiente para proteger as pessoas da tempestade vindoura. Os que chegavam mais cedo buscavam imediatamente um lugar lá dentro, onde a impenetrável estrutura de pedra e a dúzia de lareiras de Lorde Galbrei trariam o conforto necessário.

— Onde vamos sentar? — Perguntou Pete, eufórico. Seus olhos brilhavam, encantado com tamanha diversidade e com a beleza das mulheres ali presentes.

— Que tal tentarmos a sorte lá dentro? O nosso elfinho aqui pode nos conseguir um belo banco lá dentro com essa armadura de príncipe encantado. — Zombou Frey, dando-lhe uma olhada para dentro do Grande Salão. Mark acotovelou suas costelas e juntos, atravessaram as enormes portas escancaradas. Estavam abertas até o limite para não prejudicarem o fluxo interminável de pessoas que entravam e saíam das festividades. As refeições ainda não estavam servidas, mas as mesas já estavam todas postas para que todos se acomodassem e esperassem o discurso de Galbrei, que no caso, era o representante de Balran no baquete.

— Ali. — Mark apontou. Havia um espaço amplo o suficiente para que se sentassem em uma mesa repleta de cavaleiros menores e desprovidos de fama. O elfo se sentou entre eles, e assim fizeram Frey e Pete. Os dois últimos foram recebidos sem hostilidade alguma, mas olhares tortos surgiram dos presentes com a presença de Mark, que colocou as mãos sobre a mesa e fitou-os com tranquilidade. Sua audição era aguçada o suficiente para que ouvisse os batimentos acelerados daqueles homens, parecendo-lhe um misto entre a ansiedade e o medo. — Espero que não haja problema em sentarmos aqui, afinal, não quero que vocês tenham que sair.

— Nós? Sair? Chegamos aqui primeiro, elfo, e há um probl-... — começou um dos soldados que hostilizaram Mark, mas foi logo interrompido pelo companheiro ao lado com um chute na canela. — Mas que diabos?!

— Apenas cale a boca e espere sua cerveja, Brad. Olhe o leão no peito do elfo e me diga se você quer mesmo arranjar encrenca com esse cara.

O soldado que antes procurava encrenca com Mark fechou a cara e se calou.Pete e Frey se entreolharam e depois fitaram a figura felina no peito do companheiro. O menor praticamente vibrava de tanta curiosidade prestes a explodir pra fora. Brad sentou-se e os outros soldados fizeram uma saudação respeitosa para o elfo.

— Você é mais burro do que eu pensava, hein? A porra da sua chocadeira te deixou cair de cabeça quando te colocou pra fora? — os homens ali presentes trovejaram em gargalhadas.

— Puts! Eu pensei que era só uma figura pra deixar a armadura mais legal! — Pete não se conteve, arrancando mais algumas risadas na mesa. — Eu ia me sentir muito mais seguro sabendo que tava andando com um cara tão importante, mesmo sem saber o que diabos isso aí significa!

— Vocês nunca perguntaram— Deu de ombros, sem ressentimentos — e de qualquer forma, achei que sabiam o que significava o símbolo em minha armadura. Fora o fato de que chamar a atenção nem sempre é bom, Pete, como já deve ter percebido nos últimos dias.

— Ah, pare de drama! Diz logo o que isso quer dizer, vai! — o garoto colocou a mão sobre a boca do leão, dando algumas batidinhas para verificar a rigidez do ornamento.

— Não é nada de mais, de verdade. O leão simboliza a Tropa de Aéon, o Leão Branco, o Senhor de Muitas Espadas e Protetor das Torres do Norte, a fronteira de Adria e Sarkon. Todos os soldados que provam seu valor perante o Leão Branco recebe um torso ornamentado como este. Quando uma mensagem misteriosa partiu das Terras da Magia afirmando que algo jamais visto assolava o Reino de Sarkon, o Rei Falcão disse para Aéon: "Reuna um exército e marche até lá, livre-os do perigo." E nós fomos. Enfrentamos todo o tipo de besta que nunca veríamos deste lado do continente, combatemos soldados que trajavam as trevas como proteção e por fim, os Mor'Math. Eu nunca cheguei a vê-los pessoalmente e mesmo em Aileen, tudo que tive foi um vislumbre daqueles demônios.

— Wooooooow! Eu tenho os dois lacaios mais legais do mundo! — Pete ficou de pé na mesa, eufórico, e apontou para o irmão. — Você, Sir Frey dos Punhos de Aço, de agora em diante, serás o meu guarda-costas e tens como dever até o seu último suspiro me proteger de qualquer ameaça em potencial! — Apontou com a outra mão para Mark. — E você, Sir Mark da Lâmina Sedenta, terá como missão de vida a mesma que a de seu companheiro. Ergam-se como meus fiéis escudeiros e aproveitem o banquete em sua homena... AI! — Frey puxara-o pelo pé, fazendo-o cair com toda a força de volta no banco. Com os olhos marejando, as sobrancelhas franzidas e as bochechas coradas pelas risadas que se seguiram, Pete permaneceu afagando o traseiro para aliviar a dor.

— Ei, vocês... — Mark começou, virando-se para Frey e Pete. — Não saiam daí, eu preciso ir até a latrina para esvaziar o tanque antes da cerveja chegar. — Levantou-se do banco e seguiu pelo tapete vermelho ao centro do Grande Salão, desviando-se das pessoas que não pareciam se importar em encostar umas nas outras durante a travessia e evitando empurrões dos mais estúpidos. Sentia algo estranho no local, uma energia cuja fonte desconhecia. Lembrou-se do que vira no beco e, preocupado, apressou o passo. Quando finalmente conseguiu se livrar daqueles que tornavam o fluxo mais lento e interrompiam o seu progresso, perdeu o controle de seu corpo.

Sua visão escureceu por um segundo e quando voltou ao normal, sentiu o estômago embrulhar completamente. Caiu de joelhos e não pôde conter o que carregava dentro de si. Abriu a boca e sentiu uma quantidade sobrenatural de algum líquido subir-lhe o esôfago, jorrando para fora como se fosse uma fonte decorativa. Suas entranhas se retorciam como enguias lá dentro enquanto vomitava e só quando finalmente terminou, após vários segundos de desespero e agonia, pôde ver o que acabara de expelir.

Sob seus joelhos, uma enorme poça vermelha e viscosa se espalhava. Mark olhou para suas mãos que também estavam repletas daquele líquido grotesco e levou-as imediatamente até as roupas, em uma tentativa falha de limpá-las. Sangue, sangue para todos os lados. Sangue cobrindo o tapete vermelho do Grande Salão, que agora estava mais vívido do que nunca com a nova coloração, sangue em suas vestes e em seu corpo. Uma risada ecoou entre as quatro paredes do recinto. Era suave, doce, sedutora. O elfo ergueu os olhos e à sua frente encontrou a fonte de suas alucinações.

Sobre uma pilha de almofadas belíssimas e ricamente ornamentadas com fios de ouro trançados, encontrava-se a mulher mais bonita que já havia visto em toda a sua vida. Trajava um belíssimo vestido que alternava entre o preto e o vermelho de uma maneira tão suave que as duas cores pareciam estar em perfeita sintonia. Os cabelos, tão negros quanto o mais denso breu, escorriam pelos ombros e pelas costas, longos e sedosos. Seu olhar era penetrante, demonstrava um interesse peculiar no elfo enquanto os lábios anunciavam uma pitada de divertimento através de um sorriso discreto, delineado suavemente através de seus lábios vermelhos. Aos seus pés, havia um homem com uma armadura que carregava a mesma coloração do vestido da mulher. Sua pele branca como a neve, e assim eram também os seus cabelos, tão longos quanto os de Mark. A misteriosa mulher acariciava seus cabelos com a intimidade de dois amantes.

— V-Você... — Mark balbuciou, mas não conseguiu continuar. Tossiu, e mais sangue se espalhou sob seu corpo.

— Não se esforce tanto, elfo. Deveria aproveitar enquanto ainda respira. — A mulher disse-lhe com tranquilidade, e então, respondeu a pergunta que Mark não conseguira fazer. — Meryna é o meu nome, e se me lembro bem, deixe-lhe claro que não era bem vindo aqui esta noite.

— O que... — cerrou os punhos, com um olhar furioso no rosto. Meryna ergueu uma sobrancelha e atentou os ouvidos para escutar o que ele dizia. Sua voz era baixa e oscilante. — O que você... você quer aqui, bruxa?!

— Bruxa? — Meryna franziu o cenho e antes que Mark pudesse registrar, ela o erguia pelo pescoço, enterrando superficialmente as unhas pontiagudas em sua pele. — Você não faz ideia do que eu sou, sua criatura desprezível! Só porque carrega este leão no peito, exibindo-o orgulhosamente, não significa que faça a mínima ideia do que aconteceu em Sarkon! Você realmente acha que pode me desafiar? Que pode interromper o que planejamos para os porcos que caminham sobre este mundo?! É como uma formiga tentando carregar uma montanha, elfo! O seu destino é aceitar, ser pisado por nós, os verdadeiros donos do mundo! Expulsamos os dragões, apagamos a existência do Criador, que empecilho traria um mero soldado? — e novamente, sua risada atravessou o local, profunda e ecoante. Esmagou a traquéia do elfo e sua visão escureceu novamente.

Um homem o segurava pelo ombro, ajudando-o a se levantar no Grande Salão.

— Ei, rapaz! Não caia ainda, eles nem começaram a distribuir a bebida! — o robusto companheiro que lhe ajudara a levantar deu algumas palmadinhas em suas costas e tornou a caminhar pelo local, desaparecendo em meio à multidão que crescia cada vez mais.

Mark olhou em direção à mesa principal, onde os mais importantes nobres se sentariam, mas não havia sinal de Meryna. Ela não havia chegado ainda, pelo visto, e não queria estar lá quando isso acontecesse. Deu meia volta e partiu em direção à mesa em que estava sentado com Pete e Frey anteriormente.

Tinha que tirá-los dali antes que isso não fosse mais uma opção.

***

O lugar em que se encontravam agora se resumia num largo corredor, com quadros e tapeçarias espalhados pelas paredes. Ainda havia enormes janelas que intercalavam entre esses adornos, que davam para a ala leste e oeste. Pelo chão, estendia-se um digníssimo tapete vermelho, um tanto velho, mas ainda belíssimo. Naquele corredor, duas pessoas, paradas em frente a enorme porta que dava no hall do Castelo de Balran.

Eram Zen e Lillian.

Eles encaravam as enormes portas adiante como se fosse uma barreira intransponível. Afinal, logo do outro lado, estariam centenas de soldados, cavaleiros e nobres. Entendam, Lillian realmente não tinha problemas com essa situação, pelo menos, ela pensava que não. Mas desde que se via como Cavaleira, o único contato que ela tinha tido com um igual, foi há bastante tempo, e o único contato nobre que tinha era com Galbrei. Resumindo, mesmo negando para si mesma, ela estava ligeiramente insegura.

Zen por outro lado, estava numa calmaria invejável. Ele não dava a mínima para aqueles do outro lado da porta, e não ligava para o que pensassem dele. Só estava ali parado, pois aguardava Lillian tomar a dianteira, já que ela era a Cavaleira de Balran. Para todas aqueles do outro lado, ela foi aquela que invadiu a Gruta com bravura, derrotando todos os inimigos pela frente sem soltar uma gota de suor, tudo para salvar as crianças sumidas. Isso não era totalmente verdade, mas o Atormentado não dava a mínima. Só queria que tudo aquilo acabasse, para que ele pudesse ir embora dali, antes que não conseguisse controlar um de seus instintos que reprimiu muito, muito tempo atrás.

A Loira pigarreou.

— Bem, vamos entrar? — e então tomou coragem, e empurrou as duas portas. Atravessou por elas com uma digna postura militar, que sempre acompanhava seus movimentos.

O Atormentado foi logo atrás, de cabeça levemente inclinada, para evitar olhares alheios. Mas isso não importava realmente, pois toda a atenção ali foi sugada para Lillian, quando eles adentraram o grande Hall, onde havia tantas mesas e pessoas, que mal podiam ser contadas. E cada olhar ali estava focado na Cavaleira. Ninguém ousou falar nada enquanto ela passava, apenas abriam caminho. Ninguém exceto Galbrei.

Lorde Galbrei estava sentado num trono, no fim do grande Hall, entre duas portas grandiosas que davam para corredores, que iam até o Sala do Trono Selado, onde um dia sentou-se Aruk e Indriel, e onde hoje ninguém mais sentava. O nobre levantou-se de seu trono, deu um passo adiante e então disse claramente.

— Saúdem Lillian Aul’gerdran, Cavaleira do Sol Poente e do Falcão Eterno. Guardiã de Balran, e da poderosa Fortaleza de Arin Ganbrum — e começou a bater palmas vagarosamente, sendo acompanhado de imediato por todos ali presentes no salão.

Zen levantou uma sobrancelha, fitando Lillian. Nunca havia escutado o sobrenome da mulher, e aquele lhe era familiar. Algo alfinetou sua mente, atiçando sua memória por um instante, mas logo foi deixado de lado, quando Galbrei voltou a falar e Zen a prestar atenção nas palavras do nobre.

— Silêncio! — disse o Lorde, e todos se aquietaram. — A Nobre Cavaleira sabe que neste mundo, não há nada que eu preze mais do que a segurança de nossa amada Balran. E isso inclui não só vocês, meus poderosos soldados e servos do Trono, mas também toda a casta dos menos afortunados, que vivem diariamente lutando por sua sobrevivência.

O Atormentado percebeu que a Loira estava se contendo para não mudar sua expressão para o desprezo absoluto pelas palavras daquele homem. Zen não tinha ideia da personalidade dele, e nem se ele era ou não um bom governante. Mas aquele homem, desde o primeiro encontro com ele, sempre passou uma sensação de enjoo no rapaz, como se cada pedaço dele fosse feito de malícia. Era esse tipo de pessoa que Zen tentava evitar, mas que agora estava sendo obrigado a compartilhar o mesmo âmbito.

— É por isso, que quando nesta madrugada, fui acordado de meu repouso por soldados da guarda da nossa Nobre Cavaleira, não demonstrei raiva nem mesmo revolta. Pois sabia que aqueles eram soldados de Lillian, e que podia confiar na importância que teria um chamado àquela hora. E como sinto felicidade ao dizer que eu fiz certo em ter essa confiança. — Ele abriu um sorriso de satisfação, que convenceu até mesmo Zen. — Fui chamado pois Lillian, a Cavaleira de Balran, havia bravamente adentrado as profundezas perigosas da Gruta, um lugar que há tanto tempo nos assombrava, que dizia ser impossível sair uma vez que entrasse. E contrariando este conhecimento de todos, ela não só saiu da Gruta, como deu um fim nela, e salvou todos aqueles que um dia se perderam dentro dela.

Uma voz infantil do meio da multidão gritou “Viva a Cavaleira de Balran!”, e todos gritaram junto, batendo nas mesas. Galbrei ergueu uma mão, e logo todos silenciaram outra vez.

— Por isso Cavaleira de Balran, não, Lillian Aul’gerdran, que eu venho aqui diante de todos estes valiosos servos do Trono, para dizer, obrigado — e então fez uma profunda vênia, assustando todos, e então outra comoção de gritos e aplausos, enquanto Galbrei erguia o tronco.

Ele indicou com a mão para que ela se aproximasse, enquanto recolhia de um servo ao seu lado um cetro com um pássaro na ponta. Aquele era o Cetro do Falcão, e todos os Lordes do Falcão possuíam um. Eram usados normalmente em cerimônias de premiação, ou, fúnebres. A Loira fez como indicado, indo até diante dele, onde se abaixou num só joelho. Zen ficou onde estava observando tudo de longe.

— Lillian Aul’gerdran, pelos seus esforços para com Balran e para com sua população, eu aqui declaro que você a partir de hoje recebe direito sobre três quinze avos da riqueza de Balran, além de ter sua posição elevada em três graus militares. Por tanto, a partir de hoje, você é Lillian Aul’gerdran, Cavaleira de Quinto Grau, do Sol Poente e do Falcão Eterno, Aquela Que Destruiu a Gruta.

E então Galbrei moveu o cetro sobre a cabeça da Loira, e o Falcão no centro brilhou como o Sol, iluminando todo o salão por um momento. Quando Lillian levantou-se, uma aura dourada a cobria, mas sumiu num instante. O Lorde então olhou diretamente para Zen, e indicou para que ele se aproximasse. O Atormentado espantou-se, olhando na direção da Loira esperando que ela fizesse algo, mas ela ficou parada, olhando na direção de Galbrei.

Ele então suspirou, e adiantou-se em passos vagarosos até o nobre. Parou ao lado da Lillian, sem ajoelhar-se, olhou ele diretamente nos olhos.

— Acredito que você tenha auxiliado Lillian em sua difícil empreitada pelos caminhos da Gruta, estou certo? — perguntou Galbrei, não se importando se aquele diante dele havia ou não se ajoelhado. Zen apenas confirmou com a cabeça. — E qual seria teu nome?

O Atormentado olhou para o nobre diante dele. O enjoo invadia-o, revirando seu estômago. Aqueles olhos cheios de malícia. Zen podia ver aqueles olhos carregados de mal intensão de qualquer distância. Fechou os olhos, baixando a cabeça, falando com humildade.

— Chamo-me Zen, meu senhor. — Ele escutou alguns múrmuros da multidão. Eles se perguntavam de onde havia surgido aquele homem, e se ele era da guarda de Balran.

— Então é este teu nome — ele comentou baixinho, para que apenas Zen, Lillian e Galbrei pudessem escutar. O Atormentado abriu os olhos, encarando o nobre adiante dele e viu que este sorria. — Zen, o Ajudante da Cavaleira. Pelos teus atos de bravura, concedo-lhe o total de cem Sarkis de Ouro, e uma Espada da Guarda, uma das melhores espadas fabricadas aqui em Balran.

O mesmo servo que tinha trago o cetro, tinha aparecido agora levando consigo um pequeno baú, e uma espada prateada guardada numa bainha do mesmo material. Zen olhou aquilo, e então baixou a cabeça, negando com um movimento.

— Perdão meu senhor, mas não fiz o que fiz buscando receber alguma recompensa. Guarde o ouro e esta espada para alguém que mereça de verdade.

Os sussurros voltaram, agora mais barulhentos. Galbrei encarava Zen, tentando ler aqueles olhos amarelados, com um sorriso no rosto. O Atormentado chamou o Frio, e sua mente tornou-se negra, e seu olhar ficou vazio. O sorriso no rosto do nobre se desfez enquanto ele tremia levemente a cabeça, então fechou os olhos, dando um aceno de cabeça.

— Que assim seja. — E com um movimento de mão, o servo retirou-se, levando a espada e o ouro. O homem então levantou a cabeça, sorrindo novamente, olhando para todos ali. — Bem meus bravos servos do Trono. Esta Cerimônia encontra-se aqui encerrada. Sobre a Vigília do Falcão, eu declaro — ele então abriu os braços —, comemoremos pela brava Lillian! Comemoremos pelo bravo Zen! Bebam, comam, é hora de festejarmos!

E todos gritaram em comemoração, e de uma das portas surgiram dezenas de servos, trazendo travessas cheias de comida, e jarros de cerveja e vinho. Todos esqueceram imediatamente de Lillian, Zen e Galbrei, que permaneciam na mesma posição, olhando-se. Galbrei voltou a falar, mas dessa vez apenas para eles ali.

— Fico feliz que não esteja ferida Lillian — disse, por algum motivo, Zen não acreditava naquilo. — Tinha mais um com vocês, não? Um bandidinho, creio eu.

Lillian concordou. O Atormentado admirou-se com a polidez da mulher e a calmaria que ela demonstrava no rosto.

— Seu nome é Damon. Não tenho certeza sobre ele ser um bandido, mas sei que foi uma valiosa ajuda lá dentro. Porém desconheço seu paradeiro agora — falou ela com seriedade.

— Que infelicidade — não escondeu que não sentia nada sobre aquilo. — Bem, já tomei muito do tempo de vocês com esta cerimônia. Creio que pretendem se juntar as festividades?

— Infelizmente eu não — Lillian foi interrompido subitamente por Zen, que botou a mão no ombro da Loira.

Ele sorriu para ela e então olhou para Galbrei, falando.

— Sim, iremos nos juntar as festividades, Lorde Galbrei. Por tanto, se nos permite — ele baixou levemente a cabeça.

— Sim, podem ir — ele disse já com desinteresse, balançando a mão, enquanto retornava para seu trono.

O Atormentado puxou Lillian a contragosto, abrindo caminho pelo meio da confusão de servos e soldados que já caminhava de um lado para o outro. A Cavaleira apressou o passo para ficar ao lado de Zen, então falando.

— O que está fazendo? — ela perguntou. O Atormentado sorriu.

— Você ia dizer que não poderia participar da festa pois tinha muito trabalho para fazer, estou errado? — ele olhou-a de soslaio.

— Está certo — concordou com um movimento de cabeça.

— Não acha que já trabalhou demais por uma madrugada? Nós literalmente quase morremos lá dentro, e você só consegue pensar em trabalho? — ele parou, olhando-a.

Ela então franziu a sobrancelha pronta para dar alguma bronca, mas de repente a tensão sumiu de seu rosto, como se tivesse lembrado de algo. Zen não gostou nada daquilo.

— Pensando bem, tem algo que ainda não saiu de meus pensamentos. Diga Zen, o que foi que você me falou na Gruta, antes daquela pedra cair em cima de nós? — Ela cruzou os braços, encarando ele.

Ele deu um sorriso falso, engolindo em seco. Abriu a boca para falar algo e então apontou para um lugar qualquer. Lillian sabia que aquilo era um truque, que assim que ela olhasse para o que ele apontava, ele sairia correndo e ela não iria encontrá-lo por algum tempo. Mas aquilo foi tão repentino, que sua reação foi quase tão instantânea quanto o movimento dele. Assim que ele moveu a mão, ela olhou para o que ele apontava, e quando voltou a olhar para Zen, ele já havia sumido. Ela fechou os olhos e suspirou, soltando os braços. Balançou a cabeça e seguiu caminhando, sabendo que seus olhos mesmo treinados não encontrariam ele no meio de toda aquela multidão.

Talvez, se tivesse Olhos de Elfo, ela conseguisse diferenciá-lo do resto da criadagem que caminhava carregando todo o tipo de alimento e bebida.

***

Do outro lado do salão, aquele elfo na Armadura de Leão os tinha, e acompanhava com descrença os passos do rapaz. Ele então disse baixinho, para si mesmo:

— Ei... É o Zen?


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