A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 40
Premonições


Notas iniciais do capítulo

"— Não sou tão degenerado, pelo menos não ao seus olhos. — O sorriso convencido cruzou seus lábios, mas logo desapareceu, sob o olhar penetrante da Ruiva. — Quer dizer, talvez eu seja um pouquinho." Damon, o Larápio.



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As ruas de Balran não eram nem de longe o local mais romântico para se estar com uma garota, muito menos se precisasse se redimir com ela por ter fugido e a abandonado à própria sorte com dois desconhecidos em busca de um garoto que tinha a habilidade natural de ser sequestrado ou desaparecer misteriosamente. Era exatamente isso que passava pela cabeça de Damon no momento, mas ele pouco podia fazer para mudar a situação.

— Então quer dizer que a sua desculpa para abandonar a gente era reunir um grupo de degenerados da sociedade para cumprir seus objetivos pervertidos e controversos? — ironizou Anne, sem olhá-lo nos olhos.

— Não sou tão degenerado, pelo menos não ao seus olhos. — O sorriso convencido cruzou seus lábios, mas logo desapareceu, sob o olhar penetrante da Ruiva. — Quer dizer, talvez eu seja um pouquinho.

— E onde estão seus amiguinhos? Não deveriam estar com você, protegendo suas costas nesse lugar infame?

— Quando foi que precisei de proteção? — desembainhou a adaga num piscar de olhos, girando-a entre os dedos e guardando-a de volta. — Sou o grandíssimo Mercenário de Balran agora, sabia?

— Não, você ainda é o Vagabundo de Aileen.

— Vai guardar rancor para sempre?

— Não sei, você ainda não se provou digno do meu perdão.

— Como quiser, Alteza. — Damon deu uma corridinha até sua frente e fez uma belíssima reverência, digna de um nobre. Deu o braço para que Anne o acompanhasse na caminhada de um modo mais formal, mas tudo o que recebeu foi um empurrão. Continuaram caminhando lado à lado.

— Pode me dizer para onde estamos indo? Você só disse que "vai me levar à um lugar interessante", mas eu não costumo confiar em bandidos. — Enfatizou a palavra "bandidos", abrindo um quase imperceptível sorriso de canto.

— Estou te levando ao meu mais novo "lar temporário", o castelo de Lorde Galbrei, onde eu fiquei preso por algumas horas e agora , depois dos meus feitos heróicos, em um quarto que nobre algum colocaria defeito.

— Afinal... — Anne começou, curiosa — que feitos heróicos seriam estes? Está falando deles desde que nos encontramos, poderia ser um pouquinho mais claro?

— Vou te contar tudo quando chegarmos lá.

Ficaram em silêncio, apenas apreciando a belíssima paisagem de Balran. Porcos correndo soltos pela rua, o calçamento mal feito com lama vazando entre as pedras atrapalhando a caminhada e o habitual tráfego de bêbados e prostitutas cruzando o caminho eram o mais comum em seus campos de visão.

Seguiam pela rua principal, podendo visualizar a uma distância considerável o castelo ao qual Damon se referia. Era realmente enorme, Anne pensou, embora não fosse tão grande quanto os de... Balançou a cabeça para afastar aqueles pensamentos.

— Já que não quer falar dos feitos heróicos ainda, que tal dizer o porquê de ter ficado preso por "algumas horas"?

— Ah, isso eu posso dizer. — Damon riu, olhando na direção do castelo. Ficou um momento sem dizer nada para só então prosseguir. — Lembra do meu "grupo de degenerados"? — Anne assentiu com a cabeça. — Eu estava indo recrutar mais um, mas ele era meio fortinho e não deu muito certo. Era rápido, habilidoso, forte... Zael, esse era o nome dele. O chamavam de "a sombra que caminha", mas eu não sou do tipo que me amedronto com nomes, você sabe. Ele neutralizou meus dois "degenerados" e depois nós dois lutamos. Óbvio que eu quase venci ele, só que o chão era escorregadio e... que foi?

— Nada, pode continuar. — Comentou Anne, segurando o riso com todas as suas forças. Tinha um olhar de pura zombaria estampado no rosto.

— Então, como eu dizia, eu quase derrotei ele, mas aí eu escorreguei e dois intrometidos apareceram para "me salvar", sendo que eu já tinha me levantado de novo, aí o tal do Zael fugiu pra floresta e eu fui levado preso por... Espera, por que eu fui preso? — Botou a mão no queixo, refletindo.

— Fala sério, você tem mil e um motivos pra ser preso!

— Ah, cala a boca! — os dois riram e finalmente Anne entrelaçou seu braço ao do mercenário. Caminharam mais alguns minutos com a vista do castelo sobre suas cabeças até que as muralhas ficaram realmente grandes e tinham que erguer as cabeças para ver o seu topo. Com o sol em seu auge, não conseguiam ver os soldados que caminhavam lá em cima pois a luz penetrante era o suficiente para uma boa dose de dor nos olhos. O cenário próximo às muralhas do castelo era completamente diferente do resto de Balran, e Damon entendia bem o porquê. A Cavaleira de Balran, Lilian, jamais deixaria que o castelo ficasse em condições deploráveis, até porque aquela era a sua casa e tal cuidado se tornava essencial. Pararam nos portões principais. Um par de soldados tinha as lanças cruzadas para impedir a passagem de Damon e Anne, mas ao reconhecerem o rosto do rapaz, imediatamente se afastaram e bateram continência.

— S-Senhor! — bradaram ao mesmo tempo, sem encará-lo nos olhos.

— Obrigado, soldados. — Seguiu adiante, estacando no pátio. A Ruiva olhava ao redor fascinada. Vários jovens atacavam bonecos de madeira com espadas sem gume, sob o olhar de supervisores que pareciam ter suas feições esculpidas em pedra. Notou, também, que praticamente não havia adultos entre os soldados de Balran. Eram praticamente todos tão jovens quanto ela e Damon, e alguns até mais novos. Mal sabia a garota que a cidade já não tinha esperança, era apenas um covil de pessoas vazias e desprovidas de virtudes adequadas para um desenvolvimento concreto. Balran era a fruta podre na Árvore do Falcão, e todos ansiavam para que caísse, até mesmo os seus moradores.

O sol escaldante sobre suas cabeças deixou-os em paz quando cruzaram as portas do salão principal. O lugar, extremamente bem decorado, agradava aos olhos de quem o visse pela primeira vez, porém, tal efeito só era causado de imediato. À medida que passasse mais tempo no cômodo, perceberia as falhas grotescas na tapeçaria e móveis mal serrados, frutos da falta de profissionais adequados na região. Como dito, Balran era um covil de pessoas vazias, caminhantes insistentes. Na outra ponta do salão encontrava-se a mesa principal, onde Lorde Galbrei, sua família e nobres da região se sentavam nos banquetes. Estava vazia agora, mas os quatro soldados designados para guardá-los permaneciam em seus postos mesmo assim. Todos eles bateram continência quando o casal passou. Damon abriu uma porta à esquerda da mesa e foram parar em um corredor iluminado por uma fileira de archotes vívidos e crepitantes. Anne apenas caminhava, sem dizer nada, mas não gostava do lugar. Não era nada bonito se comparado ao que ela já vira em sua terra natal, lugar dotado de grandes espetáculos visuais, com natureza exuberante e principalmente... mágica.

— Está pronta? — Damon perguntou, com a mão pousada sobre a maçaneta da porta à seguir.

— Pronta para que?

— Para me perdoar. — Empurrou a porta e puxou-a carinhosamente para a frente. A garota fechou os olhos no primeiro momento, pois a luz do sol atingiu-a em cheio bem nos olhos, mas após alguns segundos de adaptação com a iluminação extraordinária do local, conseguiu desfrutar de uma visão adequada do que o mercenário queria mostrá-la. A única coisa bonita em um raio de dezenas de léguas, pelo que tinha presenciado.

— Wow. — Foi a única coisa que conseguiu dizer, completamente embasbacada com a beleza do lugar. Todo o tipo de flor ocupava a sua visão, se espremendo entre suas companheiras, disputando atenção dos visitantes. Amarelas, vermelhas, azuis, roxas, cores eram abundantes ali e os olhos de esmeralda da garota refletiam todas elas. Grandes pilares se erguiam até o teto aberto que sustentava as mais belas videiras, repletas de pequenos frutas roxas que cabiam às dúzias nas palmas de suas mãos. — É lindo...

Damon sorria, parado à porta. Anne se embrenhava por entre as flores, tocando-as e sentindo seu aroma. Os cabelos flamejantes esvoaçavam quando ela avistava uma que lhe agradasse mais e corria em sua direção. Ficou vários minutos indo de ponta a ponta do jardim, até que quando algumas gotas quase invisíveis de suor escorreram por baixo de seus cabelos, ela sentou-se em um banco de madeira que se localizava no centro do jardim. Deu dois tapinhas ao lado, fazendo sinal para que o rapaz se sentasse com ela.

— Como se chama? — perguntou quando ele se aproximou.

— Como se chama o que?

— O jardim, esperto. — a Ruiva revirou os olhos e Damon riu, tomando-lhe a mão.

— É uma história bonita, embora eu nunca tivesse visto esse lugar até ontem. Meu irmão... — respirou fundo antes de continuar — ele sempre me contou que a gente se daria bem em Balran, embora nenhum de nós dois quisesse morar aqui. Ele falou que se nossa mãe pudesse ver o que tinha aqui, no coração do castelo, nunca mais iria querer sair, pois jamais encontraria algo tão bonito que não estivesse nas Terras Élficas. É o Jardim de Graaul, embora obviamente ele nunca tenha estado aqui. Você sabe como são essas pessoas, sempre colocando nomes de heróis em suas criações na tentativa de atrair mais glória e tudo mais...

— Vai contar a história ou não? — perguntou, rindo.

— Você nasceu de quantos meses? Seis? — Damon revirou os olhos e começou: — há muito tempo, muito tempo mesmo, não sei quantos anos, mas antes da Unificação dos Treze, o mundo era dominado por um monte de gente que se autodenominava "rei". Rei Élfico, uma dezena de reis humanos, Rei Anão, Rei Daquilo, Rei Disso, entre outros. E em alguma floresta qualquer, em uma caminhada qualquer, havia um orc. Você conhece os orcs, suponho. Um erro do criador, monstros feitos para arrancar sangue de qualquer um que apareça pela frente enquanto dão risadas e fazem fogueiras. Esse orc era diferente, ou pelo menos se tornou diferente depois do que viu: um espírito da floresta, tinha a forma de uma mulher e era mil vezes mais bonita do que qualquer uma que já tinha visto em toda a sua vida. Ele tentou se aproximar, mas sendo um orc burro e selvagem, espantou a mulher, que desapareceu e só retornou no outro dia, ressabiada.

"O orc tentou de novo, dessa vez caminhando mais devagarinho. Não representava ameaça para ela, estava desarmado e ela era um espírito da floresta e você sabe como esse pessoal que beija árvores é mais forte que o normal. Ela deu uma chance para que o monstrengo chegasse perto e ele o fez. Sentou-se junto com ela naquela clareira bonita e bem iluminada, cheia de flores, igualzinho aqui. Todos os dias, durante meses, isso aconteceu, até que em um desses dias, indo para lá ver a sua amada, sentiu o cheiro de sangue invadindo seu narigão órquico retorcido e disparou a correr para a clareira. Ouviu risadas de alguns caras, humanos, pelo que parecia, e quando pulou por entre as árvores, percebeu que estava bem certo. Três caçadores com coelhos amarrados pelas orelhas na cintura, peles de lobos nas costas constituindo capas bizarras em que o capuz era nada mais do que a boca aberta das criaturas, arcos em mãos e facas na cintura, rodeavam sua amada caída, sangrando, com uma seta atravessando o abdômen."

"As risadas dele morreram bem rápido quando ouviram aquele urro em suas costas. O orc rugiu como se fosse um leão, ou algo pior. Eles se viraram e deram de cara com aquele gigante meio amarronzado, furioso, caminhando na direção deles. O mais ágil arrancou o arco das costas e meteu-lhe uma flecha no peito, mas a pele dele era muito mais resistente que a nossa e aquela vareta mal o atingiu e já caiu no chão, inútil. Ele agarrou o atirador pelo pescoço e torceu-o até a espinha saltar pra fora, toda ensanguentada. Largou o corpo no chão e esmurrou o mais próximo dele, só parando quando seu rosto tinha se fundido com a grama em um tom de vermelho tão grotesco que até mesmo o orc abominaria se estivesse em estado normal, mas não estava. A fúria ocupava o lugar de seus pensamentos. O último caçador tentou se afastar, mas tropeçou na própria capa e aos berros, teve o mesmo destino dos companheiros. O orc voltou a atenção para a sua amada caída no chão, a fúria convertida na mais profunda dor. Descobriu, depois de anos e anos vagando, a sensação de perder aquilo que realmente importava em sua vida."

"Todos sabiam da existência de uma das ferramentas mais poderosas existentes em Adria, um galho da própria Árvore da Vida e era óbvio, estava sob domínio do Rei Élfico. Ele tocou o corpo de sua amada, já pálido, mas não sem vida e percebeu que ainda havia esperança. Ainda havia uma forma de salvá-la, uma única forma, e era com o tal galho. Quando se levantou, o orc já sabia o que fazer. Quebrou uma centena de pequenos galhos próximos e montou uma delicada maca de flores coloridas e folhas esverdeadas, deitando a mulher sobre ela e, com um beijo na testa, selou o seu juramento: iria até o Rei Élfico e teria o galho mágico, por bem ou por mal. Sem armas ou bolsa para viajar, a criatura marchou impetuosamente, sem fraquejar sob o sol escaldante ou sob a chuva gélida, até que pisasse nas belíssimas e intermináveis florestas élficas, muito maiores naquela época do que agora. Os Saltadores de Árvores o olharam com desdém. O que aquela besta queria nas terras dos tão poderosos e perfeitos elfos? Desceram de seus postos e cruzaram as lanças ao redor da criatura. Ele afirmou que vinha em busca do Rei Élfico, e que precisava de sua ajuda em troca da eterna gratidão órquica e tudo o que pudesse lhe fornecer. Os elfos riram, é claro, mas levaram o orc até lá. As árvores se abriam como se estivessem sendo puxadas, liberando o caminho à medida em que caminhavam."

"Dentro da cidade, todos olhavam torto para o orc. Chamavam-no de monstro, e ele se perguntava como deveria se sentir. Estava focado em sua missão, não se importava com elfos apontando para ele enquanto a mulher de sua vida agonizava em uma clareira. Guardas cruzavam suas lanças à visão da criatura, bloqueando a passagem imediatamente. Aqueles que o escoltavam trocavam algumas palavras zombeteiras com os outros e eles liberavam a passagem. Encaravam o orc com os mesmos olhares desdenhosos quando deixavam-no passar. O Trono de Ilharenventur se erguia imponente no meio do que se parecia um misto entre Salão Principal e uma clareira. O Rei Elfo se erguia, deixando seus cabelos prateados que quase alcançavam os tornozelos caírem, cobrindo as costas juntamente com seu belíssimo manto de tecidos que as outras raças desconheciam. Em sua mão, é claro, estava o tal galho mágico. O orc olhou para ele e tornou a encarar o elfo. Espíritos da floresta intermediaram a conversa entre os dois, pois o idioma órquico e o idioma élfico não eram comuns aos dois seres. Conversaram por uma tarde e uma noite, e ao nascer do sol, o Rei Élfico negou pela enésima vez o pedido do orc, pois não acreditava em suas palavras. Afirmava que o galho deveria ser usado para questões maiores, que a morte de espíritos da floresta fora das Terras Élficas não era de sua responsabilidade e não entregaria o galho para qualquer um que desejasse reviver seus entes queridos. O orc virou as costas, cada músculo de seu corpo gritando para retornar e estraçalhar o elfo, mas ele prosseguiu a caminhada de volta. Sobre o Planalto de Krimmog, ele se proclamou o primeiro Rei Órquico, caminhando de tribo em tribo e desafiando seus líderes a combates singulares até que seus exércitos, à distância, fossem uma interminável massa negra de criaturas sanguinárias. Os outros orcs o chamavam de Graaul, o Garra-Vermelha, pois derrotara todos os líderes órquicos com as mãos nuas. Fizeram-lhe uma arma de punho, quatro lâminas acopladas nos nódulos dos dedos como uma manopla, sempre manchada com o líquido rubro liberado dos corpos que trucidava."

"A notícia de que Graaul marchava em direção ao Reino Élfico se espalhou e quando pisaram dentro das fronteiras dos Saltadores de Árvores, foram recebidos com setas de prata. Eram tantas que a princípio os orcs a confundiram com uma chuva torrencial, mas a morte caiu sobre eles e logo foi perceptível não se tratar da natureza. Em minoria, Graaul ordenou uma recuada até o sopé de Arubalden, o Rei de Todas as Montanhas, a maior formação rochosa de Adria. Virou-se para suas tropas e mandou-as embora, e os orcs, tementes dos elfos, obedeceram de prontidão. Graaul escalou Arubalden por uma noite inteira e quando o sol acabava de nascer, o brilho prateado do Rei Élfico cruzou os céus em direção ao topo da montanha. Montado em um grifo, o belíssimo guerreiro saltou para a batalha final que certamente venceria. Orc e Elfo se enfrentaram, garra contra espadas, guerreiro contra guerreiro. Castigados pela tormenta vinda do Norte Inóspito, os dois tinham habilidades sobrenaturais quando comparados a outros bravos seres, mas o orc havia aprendido tudo o que sabia através de sua fúria e instinto, ao passo que o elfo fora lecionado pelos maiores generais de sua raça e ao fim de uma longa e sangrenta hora de combate, Graaul pereceu sobre as mãos de Ilharenventur e o Rei Élfico, vitorioso, desceu da montanha, embora não se sentisse assim. Fala-se que os últimos batimentos do coração de Graaul, foram também os últimos de sua amada e o próprio Rei Elfo, cerne de toda a Natureza, sentiu a dor da morte do orc e da entidade da floresta em seu peito, entendendo o quão erradas foram as suas decisões para com a besta. Desde o princípio acreditara que o orc desejava o Galho para adquirir poder, mas não existiam intenções vis nas palavras da criatura."

"Graaul foi considerado o primeiro Rei dos Orcs, e seu nome é conhecido por todas as raças, como uma memória e um alerta, para que não julguem alguém por aquilo que aparenta ser. Dizem que em memória ao valioso oponente, o Rei dos Elfos ergueu uma estátua do Orc no centro de sua gloriosa cidade, e lá ela permanece até hoje, coberta por vinhas, castigada pelo tempo. E na clareira onde morreu a Amada de Grauul, existe hoje uma flor dourada, guardada pela densa mata, carregada com o mais puro amor, que pode curar qualquer doença e ferimento."

Anne não mais escutava as palavras de Damon. Tinha a cabeça baixa, enterrada nos joelhos, enquanto os ombros tremiam. Lágrimas escorreram por suas pernas e o rapaz não tardou a ouvir os soluços da Ruiva. Ele mesmo tinha os olhos lacrimejando também, mas não pela história que havia contado e sim pela memória do irmão. Secou-as com a manga de suas vestes e abraçou a garota, fornecendo o carinho que ela necessitava no momento.

— Por que me contou isso, seu...? — não terminou o insulto, estava tão desconsolada que mal sabia do que chamá-lo.

— Você pediu para eu te contar o nome do jardim, e como eu sabia que você ia perguntar o porquê, já fiz os dois de uma vez. — Suspirou, dando-lhe um beijo fraternal na testa. — Venha, temos um banquete hoje à noite e você precisa de roupas adequadas. E eu também, embora eu odeie essas roupinhas de nobres.

Puxou-a pela mão e Anne, relutante, se levantou, e da forma como ficou de pé, permaneceu. Seus olhos se tornaram arregalados de uma hora para outra e ela deu um passo atrás, desconcertada. Encarava um dos pilares do jardim de forma fixa e assustadora. Damon olhou para lá imediatamente, buscando ver o que atormentava a Ruiva, mas tudo o que encontrou foi um sol entalhado na pedra do pilar. Voltou-se novamente para Anne e a garota balbuciava alguma coisa. Deu outro passo para trás e lançou a mão até a testa, como se estivesse se protegendo de algo. Dentro da cabeça da ruiva, diversas imagens eram despejadas, uma centena de flashes. Mostravam um lugar completamente diferente de Adria, um lugar preso ao passado, com o cheiro de magia impregnado no ar. Anne sentia-se de volta aos seus pesadelos, mas não era de todo ruim. Aquilo era uma parte de sua existência, de seu passado. Tentou gritar, mas não conseguia. O sol estava presente em todas as paredes do castelo, estava presente nos móveis. O sol estava presente na torre, o sol estava dentro dela. Seus olhos queimaram em um vermelho intenso, voltando logo ao verde de sempre. Desta vez, o grito saiu, e estava novamente no Jardim de Graaul.

Damon falava alto com ela, mas ela só conseguiu entender suas palavras depois de longos segundos olhando para ele, desesperado.

— Anne! Fala comigo, por favor! — chacoalhava a garota pelos ombros. Ela o olhava nos olhos, mas não dizia nada.

— Eu... eu vi, Damon...

— Viu o quê? — o medo lhe subia pela garganta, prendendo-a como se houvesse comido algo grande demais para engolir.

Ela o encarou de forma ainda mais intensa, como se atravessasse sua alma com o olhar e não apenas os seus olhos.

— Esta noite, no banquete... Todos nós queimaremos.


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