A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 38
Os Cavaleiros Negros


Notas iniciais do capítulo

"O velho deu um sorriso, encantado com a descrença do pequeno. Provavelmente era mais uma daquelas que não acreditam em bicho papão, e que não deixam o dente de leite debaixo do travesseiro, para receber uma moeda de ouro no dia seguinte. Uma doença era o que elas tinham, segundo o Velho. E ele era especialista em curar esse tipo de doença."



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O Velho recostou o corpo em sua cadeira, espirando e inspirando. Botou a mão no pescoço e girou a cabeça para os lados. Tinha ficado curvado durante meia hora, talvez mais, travado na mesma posição, focado em contar a história para aquele bando de olhinhos cheios de regozijo e surpresa. Agora estava com uma tremenda dor nas costas, mas isso não importava. O importante era terminar a história, como fazia todas as noites naquele bar. Baixou a cabeça, pondo as mãos nos joelhos, sorrindo enquanto olhava as crianças, que permaneciam todas atentas. Pigarreou, e preparou-se para continuar a história, quando uma delas levantou a mão.

— Contador de Histórias! Contador de Histórias! — dizia a criança, carente da atenção do Velho.

Ele por sua vez a olhou intrigado. Franziu o cenho e balançou a cabeça, essa era a permissão para que ela falasse.

— O que aconteceu com a Gruta?! — ela perguntou.

— Ora, desapareceu. — Respondeu o Velho.

— Assim, do nada? — ela cruzou os braços pequeninos. — Como que uma coisa pode sumir do nada?

O velho deu um sorriso, encantado com a descrença do pequeno. Provavelmente era mais uma daquelas que não acreditam em bicho papão, e que não deixam o dente de leite debaixo do travesseiro, para receber uma moeda de ouro no dia seguinte. Uma doença era o que elas tinham, segundo o Velho. E ele era especialista em curar esse tipo de doença.

— Menino, qual é teu nome? — perguntou o velho.

— Samwel. — Disse ela, e completou — Samwel Dulge.

— O neto do velho Dulge, filho da Senhorita Dulge? Aquela que casou com o caixeiro Barneduck? — ele coçou a barbicha, surpreendido pelo fato daquela pergunta ter vindo do filho de um caixeiro.

A criança balançou a cabeça.

— Ora que surpresa, pequeno Samwel. Seu pai é um viajante. Ele nunca lhe contou do misterioso Castelo entre Nuvens? — a criança balançou a cabeça, confirmando que havia escutado a história do pai. Talvez numa noite em que não conseguia dormir, e o pai veio lhe mostrar o caminho para o Mundo dos Sonhos com uma de suas muitas histórias, que ouviu em uma de suas muitas viagens. — Da surpreendente Cachoeira de Mil Luzes? — outro balançar de cabeça. — Da bela Dama do Lago? — mais um. — Do corajoso Lobo que roubou a Lua? Do Tornado de Mil Léguas? Do Vale Esmeralda? Do Palácio do Sol? Do Vigia dos Céus? — a criança balançou a cabeça, confirmando que havia escutado cada uma daquelas histórias, abrindo um enorme sorriso. O velho também sorriu. — Assim como em todas essas histórias coisas acontecem sem explicação, a Gruta sumiu, do nada. Talvez a bela Dama Branca tenha decidido que ela devia sumir. Talvez nunca tenha existido. Ou talvez ela ainda exista, em algum lugar dentro de nossa cabeça, para onde possamos fugir em momentos de desespero. Essa é a magia das histórias, pequeno. Lugares somem e aparecem, pessoas vem e vão, coisas existem e deixam de existir. Apenas pela necessidade disso acontecer. Entendeu, jovem Dulge?

A criança olhou para o Contador de Histórias alguns segundos, os olhinhos perdidos nas palavras que o Velho havia proferido. E quando pareceu absorver tudo que havia sido dito, balançou a cabeça, sorrindo. E o Contador também sorriu.

— Mais alguma pergunta? — o Velho se ajeitou no banco. A criança afirmou com a cabeça.

— O que aconteceu com os outros que estavam na cidade? — perguntou o jovem Dulge.

O Velho sorriu outra vez, baixando a cabeça, voltando a curvar o corpo para frente. A dor nas costas persistia, mas era esse o fardo dele afinal. Com um segundo de silêncio, roubou toda a atenção da taverna para si.

— Essa, jovem Dulge, é uma ótima pergunta.

***

Enquanto mais um dia começava, com o Sol erguendo-se no horizonte, alumiando os telhados sujos e desbotados de Balran, Anne zanzava de um lado para o outro em seu quarto. Ela estava emburrada, com os braços cruzados e com sangue nos olhos. Por que? Bem, foi por causa de algo que aconteceu alguns minutos atrás, quando ela foi acordar seus amigos. Ou melhor, algo que ela viu.

Primeiro, ela foi até o quarto do jovem elfo Mark. Três batidas na porta, e o rapaz loiro de orelhas pontudas, vestido apenas com sua calça, abriu a porta. Ele sorria, apesar do sono ainda estar presente em seus olhos ligeiramente puxados.

— Já estava acordado Mark? — ela sorriu, tentando focar apenas no rosto do elfo. — Achei que havia sido a primeira a acordar hoje.

— Nós elfos somos acostumados a acordar com o raiar do Sol lá em nossa Floresta. Só que lá o Sol nasce mais cedo do que aqui. — Ele respondeu. — Vou me vestir enquanto você acorda Frey, Pete e Sarym.

— Sarym? — ela manteve o sorriso, apesar de querer desmanchá-lo.

— Bem — o elfo franziu os lábios, procurando as palavras certas para serem ditas. — Acho que seria gentil de sua parte acordá-la, já que ela parece ter assuntos importantes a tratar aqui em Balran.

— Acho que se ela tivesse assuntos importantes para tratar aqui em Balran, ela já teria acordado, assim como eu e você. Não estou certa, Mark? — perguntou Anne, sem deixar de sorrir, encarando o elfo nos olhos.

— Acho que — ele engoliu em seco. — Acho que sim. Eu vou, eu vou me vestir. — E então fechou a porta, antes que Anne pudesse falar qualquer coisa a mais.

A Ruiva soltou um suspiro, dando de ombros, enquanto voltava-se para trás no seu próprio passo. Devia acordar Sarym? Ela se perguntava isso. A Outra Ruiva como ela já tinha começado a chamar em seus pensamentos, não havia feito nada de errado para ela. Não era culpa de Sarym ser o que era se é que ela fosse alguma coisa. Isso... Isso que estou sentindo é inveja, apenas inveja. Ela pensou se dirigindo em direção a uma das portas. Depois de acordar Frey, vou acordar Sarym e ter uma conversa com ela. Certamente se conversarmos, poderei entender quem ela é. Anne balançou a cabeça, satisfeita de que havia chegado a essa decisão. Deu um leve sorriso e chegou em frente a porta do quarto de Frey. Bateu três vezes na porta, e uma voz falou lá de dentro.

— Pode entrar — era uma voz sonolenta, de quem acabara de acordar. Anne diria que era de Frey ou Pete, se aquela não fosse uma voz feminina.

A Ruiva franziu o cenho e escancarou a porta, dando um passo para dentro. Arregalou os olhos, abrindo um pouco a boca de espanto. A cena em sua frente era a seguinte: deitado numa cama estava Pete, o peito subindo e descendo em sua respiração tranquila, enquanto ele dormia um sono tão tranquilo canto. E na outra cama, que deveria ser de solteiro, estava Frey, e além dele, Sarym.

A Outra Ruiva estava abraçada ao Lenhador desacordado, com os olhos entreabertos, olhando para Anne. A cabeleira vermelha e selvagem de Sarym estava caída toda sobre ela e Frey, como um manto púrpura. O tecido que servia de cobertor cobria ambos até a altura do peito, e pelos deuses, Frey estava sem camisa, e na mente da jovem Ruiva, isso significava que ambos estavam nus, como vieram ao mundo, na cama, debaixo de um cobertor. Eles... Eles! Ela enrubesceu, levando a mão a boca. - Vocês são novos demais para saber o que ela pensou suas pestes! - Ela enrubesceu, levando a mão a boca. Sarym levantou a cabeça um pouco, encarando Anne.

Não-Fhaya — era esse o termo pelo qual Sarym havia começado a tratar Anne, e isso a incomodava profundamente, mesmo sem entender se aquilo era ou não uma ofensa. — Aconteceu algo? Apareceu algum oponente para enfrentarmos? — ela sorriu, parecendo animar-se com a ideia.

— Vocês — ela recuou um passo, ainda horrorizada. — Vocês — Sarym franziu o cenho, e então disse.

— Dormimos juntos? Sim — a Outra Ruiva falou, com a maior calmaria do mundo.

Anne soltou um gritinho, recuando ainda mais, como se em sua frente houvesse um demônio enorme. Frey entreabriu os olhos, esfregando a mão no rosto. Então percebeu que havia alguém dividindo a cama com ele, Sarym. Ele franziu o cenho, olhando a ruiva em sua cama, então olhou para a porta onde estava Anne. Seu olhar voltou para Sarym, e mais uma vez para Anne. Então arregalou os olhos, surpreso.

— Não, Anne, não. Não é isso que você está pensando! — ele disse, levantando uma das mãos para ela, enquanto erguia o corpo.

— Seu porco! — a Ruiva gritou, e bateu a porta, sem esperar pela explicação do Lenhador.

Seguiu caminhando com o rosto vermelho e punhos apertados, de volta para seu quarto. Mark surgiu da porta de seu quarto, vendo Anne caminhando pelo corredor naquele estado.

— Tá tudo bem? — ele perguntou intrigado. — Você acordou o Frey e a Sarym?

— Com certeza eu os acordei — ela entrou em seu quarto, e gritou lá de dentro. — Mas acho que não precisava ter feito isso! — e bateu a porta com força. Lá dentro, ela começou a zanzar de um lado para o outro com os braços cruzados, tentando arejar seus pensamentos.

E isso nos trás a esse momento, onde ela ainda continua andando de um lado para o outro, com os braços cruzados, sedenta de sangue. Especialmente sangue de Lenhador e de Outra Ruiva. Batidas a fizeram parar seu caminhar e olhar para a porta.

— Anne, sou eu. — Era a voz de Frey. — Abre a porta, por favor.

— Vá embora — disse ela fria —, Sarym deve estar te esperando na sua cama.

— Eu juro que não aconteceu nada! Eu nem sei como ela foi parar na minha cama! — disse Frey do outro lado da porta.

Anne balançou a cabeça, incrédula com tanta “besteira” que ouvia. Ela abriu a porta e empurrou Frey para o lado, abrindo caminho. O Guardião foi logo atrás.

— Anne, acredita em mim! Não aconteceu nada! — ele insistia, o que só alimentava a raiva da mulher.

— Me poupe Frey! Eu vi tudo! Não preciso de suas explicações! Não sou tão inocente assim! — então ela parou, no meio da escada. Voltou-se para Frey, apontando o dedo no rosto dele. — E sobre ontem a noite, pode esquecer o que aconteceu. — E voltou a descer as escadas, seguindo seu caminho pelo meio da taverna, atraindo o olhar dos ali presentes.

Ninguém ousou interromper o andar dela, ou dirigir uma palavra para ela. Anne abriu a porta da taverna e bateu-a atrás de si. A rua estava praticamente vazia, um bêbado ou outro caminhava por ali, procurando o caminho de casa, depois de uma noite de festa e bebedeira. E estava frio àquela manhã. O Sol que devia ter nascido no horizonte para anunciar o novo dia havia sido encoberto por nuvens cinzentas, que estavam doidas para se transformarem em nuvens de chuva.

Balran, como Anne havia percebido no momento em que pusera os pés ali, fazia jus a alcunha. “A Cidade dos Bandidos”, desde que entrara nela, havia avistado pelo menos duas ou três pessoas que se não fossem bandidos, tinham um péssimo gosto para lugares e vestimentas. Agora que ela estava sozinha ali em frente a taverna, olhando para os lados, viu que essas figuras também estavam ali, fazendo companhia aos bêbados que procuravam o rumo de casa. Ela esfregou s braços, o frio matinal a abraçando. O cheiro de mijo era algo muito presente nos ares de Balran também. A Ruiva olhou para frente e viu colado numa parede um enorme cartaz, onde estava pintado o retrato de uma Loira trajando uma armadura militar, com os escritos “Aliste-se!”, bem visíveis e bem desenhados. Uma mulher vestindo uma armadura? A Ruiva estranhou, franzindo o cenho. Quem é ela? E enquanto dedicava atenção para o cartaz, sentiu que olhos a observavam.

Foi um frio na espinha repentino que a disse isso, acompanhado de um arrepiar de todos os pelos do corpo. Ela olhou para o lado, e as figuras mal vestidas dos ladrões permaneciam em seus lugares, os olhos ocultos sob a sombra do capuz. A garota apertou a mão nos braços e baixou a cabeça, seguindo pela rua, sob a vigília daqueles olhos desconhecidos. Muito atenta aos seus arredores, ela continuou caminhando, sem rumo certo. Ela apenas queria se afastar de Frey e Sarym. Então, quando olhou por cima do ombro, percebeu que alguém estava seguindo ela. Um homem estranho, praticamente igual aos outros daquela cidadezinha de bandidos. A Ruiva apressou o passo.

E o olhar continuou sobre ela, seguindo-a como dois olhos flutuantes onde quer que ela fosse. A mulher virou a esquerda numa rua, subiu um pequeno lance de escadas, e quando olhou outra vez por cima do ombro, o mesmo homem, ou talvez um parecido, continuava atrás dela. Anne apressou ainda mais o passo.

E os olhos continuaram a segui-la, onde quer que fosse, atentos a cada curva que ela virava. Numa dessas curvas, entrou num beco. E no fim do beco, uma parede. Ela estancou, olhando para a parede. Sem saída, pensou, e quando voltou-se para trás, uma figura estava em pé ali na entrada do beco. Ele estava vestido nas roupas normais em que se veria um bandido, ou talvez um assassino. E na mão dele, uma adaga, pronta para rasgar a carne e tirar sangue.

— A ruivinha tá perdida? — perguntou o estranho, abrindo um sorriso cheio de maldade.

Anne recuou, em passos lentos, encarando o homem. Levou a mão para trás da cintura, onde guardava sua adaga, mas percebeu que a raiva havia a feito esquecer a arma na taverna. Praguejou mentalmente, xingou terras, céus, mares e o Frey, principalmente o Frey. Então mais duas figuras surgiram, vestidas com roupas que para a Ruiva pareciam iguais ao do primeiro homem. Eles também portavam armas.

— Quem é essa? — perguntou uma das duas figuras.

— É amiga sua? — perguntou a outra.

— É amiga nossa — respondeu o primeiro homem, alargando ainda mais o sorriso. Os outros dois também sorriram.

Agora os três começavam a se aproximar, enquanto a Ruiva recuava. Ela precisava pensa rápido, precisava achar um jeito de escapar dali ou derrotar eles. Como, como? Ela olhou para os lados um instante e não viu nada que pudesse usar. O que eu faço? Pense Anne! O que você pode fazer?! E então uma voz passou por seus pensamentos. Bruxa! Bruxa! , dizia a voz, e ela lembrou-se daqueles aldeões que queriam tacar fogo nela, e como ela encheu-se de raiva, e como ela fez brotar fogo do nada e aniquilou seus agressores aquela vez. Sim, eu posso... Não! , ela gritou em seus pensamentos, e também encontrou a parede no fim do beco, parando de vez. Quando deu-se por conta, os três a sua frente estavam a cinco metros de distância dela, e ela estava com uma parede atrás de si. A única saída ficava depois deles. Ela ergueu as duas mãos, apontando para eles.

— Eu não quero machucar vocês — ela disse não muito confiante em suas palavras. — É melhor, é melhor vocês irem embora.

Os três pararam um instante. Olharam para ela, olharam as mãos delas erguidas, e então se entreolharam. Foram tomados pela risada, e em deboche um deles disse.

— Ó, pelos Grandes Deuses! Ela vai nos matar! — ele riu, e completou. — Ela vai nos matar com suas armas invisíveis!

Ela cerrou os dentes, engolindo em seco. Sentiu raiva dentro de si, e sentiu uma vibração na palma das mãos. Olhou para os três e imaginou-os ardendo, consumidos pelo fogo. Deu um sorriso de satisfação quando sentiu as vibrações aumentarem. Seus desgraçados, vocês vão queimar. Ela pensou, e outra voz veio em sua cabeça. Pare Anne! Pare! , era Frey, que gritava para ela em seus pensamentos. Por que eu estou pensando nele justo agora? , ela sentiu as vibrações na mão enfraquecendo. Não, não! , elas se foram, e no lugar da voz do Frey ficou seu rosto de feliz de alívio. Maldito Lenhador! Por que?! , e quando ela deu-se por si outra vez, os três bandidos tinham parado de rir, e encaravam a Ruiva.

— É o seguinte, ruivinha. Se daqui a pouco, você não for a bunda mais arrependida de Balran — ele se aproximou de Anne lentamente, balançando a adaga entre os dedos. — Com certeza será a mais dolorida. — Ele parou em frente a Anne, sorrindo. Faltava-lhe alguns dentes na boca, e seu hálito era podre.

A Ruiva não pensou duas vezes e deu um tapa no rosto dele. O bandido ficou perplexo, o rosto parado na posição que ficou depois do tapa. Uns segundos passaram até ele sorrir e dar um soco direto na barriga da mulher, fazendo-a sentar no chão com a mão no abdômen.

— Desgraçadinha — ele disse —, ta achando que sou quem? — uma voz desconhecida veio responder sua pergunta.

— Um morto — a barriga do bandido foi atravessada pela lâmina de uma espada.

Era uma lâmina larga e negra, coberta agora pelo sangue do homem. E quem a brandia era um rapaz ligeiramente jovem, trajado numa armadura negra como o breu, delineada por um vermelho selvagem. Ele tinha expressão alguma no rosto além de desinteresse, demonstrada por um típico olhar morto, de cenho curvado. Ele removeu a espada, limpando-a na capa que pendia da armadura, devolvendo a arma para a bainha. O bandido, antes que caísse sobre Anne, foi empurrado para o lado, sendo deixado para agonizar no chão. A Ruiva olhou assustada para o Cavaleiro Negro, quando olhou para trás, viu que havia mais dois dele, com as feições escondidas por elmos negros, que já haviam dado cabo dos bandidos restantes. E no fim do beco, estava parada uma carruagem.

Era negra, com retoques de nobreza e detalhes em vermelho e dourado. O mesmo homem sem elmo se dirigiu até essa carruagem, e abriu a porta. E dela, saiu uma mulher. Ela usava um vestido vermelho e negro, assim como a carruagem, assim como a armadura dos três estranhos. Porém, este era enfeitado, rico em detalhes e requintes, e todos os frufrus que estes vestidos de nobres e ricos possuem. O Cavaleiro Negro estendeu a mão para a mulher, e ela aceitou, descendo da carruagem. Então ela caminhou em passos lentos e graciosos até a Ruiva, estendendo a mão para a garota.

— Está tudo bem, criança? — ela perguntou, sorrindo um sorriso sincero.

Anne aceitou a mão da mulher, levantando-se.

— Você me ajudou — ela falou ainda surpreendida. — Por quê?

— E não foi certo te ajudar? — a mulher mostrou-se intrigada, como se a pergunta de Anne fosse algo sem sentido. A Ruiva por sua vez mostrou-se envergonhada de tal pergunta, como se a estranha estivesse certa. Mas uma risada dela tomou outra vez a atenção de Anne. — Eu apenas não suporto ver estes homens brutos e desonestos abusando de uma bela e frágil dama. Qual é seu nome, criança?

Anne juntou as mãos, entrelaçando os dedos, enquanto encarava a mulher em sua frente, decidindo se deveria ou não falar seu nome. As feições dela demonstravam uma grande beleza, mas mesmo assim, era uma beleza enigmática, pois a Ruiva não conseguia decidir se aquele era o rosto de uma jovem, ou o rosto de uma mulher mais velha. Supôs que por ser chamada de criança, aquela mulher devia ter pelo menos vinte anos a mais do que ela. E mesmo assim, era surpreendente que seu rosto permanecesse daquela maneira tão... Bela. Decidiu dizer seu nome, afinal, era o mínimo que podia fazer por sua “salvadora”.

— Eu sou Anne, milady. — Ela fez uma vênia polida para a mulher. E a mulher pareceu apreciar.

— Muito fina e educada, jovem Anne. — Ela então fez uma vênia, tão educada ou mais do que a de Anne. — Eu sou Meryna, criança. Se o destino quiser, e há de querer, nos encontraremos mais algumas vezes. Até lá, tenha cuidado por onde anda. Da próxima vez posso não estar por perto com meus homens para salvá-la. — E com isso, ela virou-se, seguindo seu caminho de volta a carruagem.

Anne ficou parada, em silêncio, sem resposta. Os dois Cavaleiros Negros que se encontravam no meio do beco começaram a seguir ela, assim que Meryna passou por entre eles. A mulher de negro então subiu na carruagem, com a ajuda do outro cavaleiro sem elmo, e a porta se fechou. Poucos segundos depois, a carruagem tinha ido, e Anne finalmente disse uma resposta, baixinho, com os dedos ainda entrelaçados.

— Obrigada — ela falou, e só disse isso.

Então se deu conta de onde estava, e do que a cercava. Três corpos, mortos no chão. Não, onde eles estavam? Não havia mais corpos nenhum no chão, nem sangue, nem nada. Estava ela sozinha no beco, sem morto algum para fazer-lhe companhia. Ela levou a mão à boca, andando em passos lentos em direção a saída, enquanto procurava pelos mortos, olhando de um lado para o outro. Será que não morreram? Será que estão vivos?! , então, quando ia saindo do beco, esbarrou em alguém, que com a batida, quase a jogou no chão.

— Olhe por onde — a voz começaria a ralhar a Ruiva, então parou de repente, como se tivesse percebido algo. — Anne?

A Ruiva ergueu a cabeça, vendo quem era o estranho que a conhecia. E logo percebeu que aquele lá não era estranho nenhum Em sua frente, um Bandido, com roupas em trapos e um cabelo loiro bagunçado a encarava. Mas aquele não era um Bandido que iria tentar roubá-la, ou fazer qualquer coisa a mais com ela. Pelo menos, ela esperava que não. Aquele era Damon, em carne, osso e trapos.

— Damon? — ela falou, franzindo o cenho. — Damon?!

Era ele mesmo, e já estava dando um passo para trás, parecendo se preparar para desviar de qualquer coisa que viesse contra ele.

— Anne — ele deu um sorriso sem graça —, você, você por aqui?

— Seu — ela cerrou os dentes, apertando os punhos. — Seu maldito bandido! Você simplesmente foi embora e nos deixou lá para... Para... Para morrer!

— Não — ele ergueu as mãos, recuando um passo. — Não foi bem assim, eu nunca deixaria vocês para morrer.

— É mesmo? E o que raios você chama isso que você fez? — ela franziu o cenho, lançando-o um olhar gélido.

— Retirada estratégica pelos fundos — brincou, dando uma risada. A Ruiva deu um tapa nele.

— Você nos abandonou! Deixou-nos para um bando de goblins malucos! Se não fosse o Frey, nós teríamos sido devorados! Estaríamos mortos! — ela gritou, e continuou largando tapas no Bandido, que se defendia da maneira que podia.

— Espere — ele disse —, espere! Deixe eu falar!

Então ela parou de bater, e lágrimas começaram a escorrer de seus olhos, e ela começou a berrar e chorar, abraçando Damon com força, afundando o rosto no peito do bandido.

Ele estava coberto de dores da madrugada, cheio de cicatrizes e ferimentos, mas jamais poderia negar o abraço de uma mulher que chora. Ele retribuiu o abraço, passando a mão pelos cabelos ruivos da mulher.

— Calma, calma — ele sussurrou para ela. — Vai ficar tudo bem agora.

— Eu quase morri — ela apertou mais firme o homem, suas palavras vinham junto do choro. — Eu achei que eu podia contar com o Frey, mas não posso. — Ela olhou para o Damon. — O que eu faço Damon?

— Primeiro, me conte o que houve certo? — ele sorriu. — Venha comigo, eu conheço um lugar aqui em Balran que você vai adorar.

A Ruiva aquiesceu. O Bandido estendeu a mão, e depois de olhar para ela um segundo, Anne aceitou, segurando a mão de Damon. O Bandido seguiu caminhando, e Anne foi atrás.

Ela lançou um olhar por cima do ombro, em direção ao beco de onde tinha saído.

Meryna, ela havia dito que elas ainda iriam se encontrar.

Anne se perguntava quando.


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