A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 30
A Casa de Todos os Ladrões


Notas iniciais do capítulo

"— Vocês... — a expressão de surpresa se transformou em um sorriso sarcástico. — Admito, a lealdade dos dois vai além do que eu imaginava." Damon, o Mercenário



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Seus pulsos doíam, assim como os joelhos que tinham marcas delineadas pelo piso áspero e irregular de pedra. A testa estava friamente franzida, demonstrando toda a raiva que corria por suas veias neste momento. Parecia uma estátua penosamente esculpida, uma estátua melancólica e raivosa. Ouviu a fechadura da porta da cela estalar uma ou duas vezes, o que significava que alguém estava abrindo-a, mas não deu a mínima importância. Manteve a cabeça baixa, os cabelos pendendo e a expressão de quem mataria o primeiro que entrasse ali.

Os guardas também notaram a porta sendo aberta e já se prepararam para saudar a Cavaleira, embora resmungassem baixinho. A porta abriu, e ambos pisaram firme no chão, batendo as lanças e descruzando-as para liberar a passagem. Um enorme montante cinzento brotou da abertura e o par de lanças caiu, assim como os braços de quem as segurava. Damon ergueu a cabeça e arregalou os olhos.

— Vocês... — a expressão de surpresa se transformou em um sorriso sarcástico. — Admito, a lealdade dos dois vai além do que eu imaginava.

— Guarda sua ironia pra você, Mercenário. — Cravou a espada no peito do guarda mais próximo, rasgando-lhe os pulmões de forma brutal e impiedosa. Com o outro, foi um pouco mais limpa, decepando-lhe a cabeça com um único e bem aplicado corte. — Eu só tô fazendo isso pelo garoto.

O Azarado vinha logo atrás, com um sorriso discreto delineado em seus lábios.

— Não costumo deixar um amigo para trás.

Damon olhou-o nos olhos e franziu um pouco o cenho, tentando identificar alguma nota de falsidade nas palavras do parceiro. Não havia, e isso de certa forma incomodou o caçador. Puxou as mãos e os grilhões se abriram, caindo no chão de forma pesada e barulhenta. Já havia se livrado das correntes há horas, mas continuara com elas nos braços porque ainda não planejara exatamente como sair dali sem ter que eliminar todos os guardas do local com os punhos.

Obviamente, quem menos aceitou isso foi a Megera de Ferro. Sua expressão se tornou completamente insana quando viu Damon se soltar sozinho das correntes. Fincou a espada no vão de duas pedras mal assentadas e agarrou-o pelo colarinho.

— Desgraçado, a gente se arriscou pra te salvar e você já tinha se soltado! Eu vou te matar, bastardo infeliz!

Damon aproximou seu rosto do dela até ficar tão próximo que apenas um dedo impediria que se tocassem.

— Pra começar... eu não pedi ajuda. — A mão da Megera apertou ainda mais as suas vestes. — E eu vou te avisar só uma vez... se você não tirar a mão de mim no próximo segundo, vai se arrepender de ter vindo aqui me salvar e será você quem precisará de ajuda, de preferência, de um coveiro.

A mulher fechou a cara para ele e deu-lhe um empurrão, soltando-o.

— Agora vamos, antes que a loira chegue. Não quero que ela me veja saindo, e eu preciso achar o parceiro dela. Tenho assuntos pendentes com aquele cara e é urgente demais para esperarmos. — Aproximou-se de um dos guardas caídos e puxou a adaga presente na bainha em sua cintura.

— Ei, espera aí cara! — O Azarado deu um passo a frente e perguntou, preocupado. — Tem certeza que tá em condições de ir atrás de alguém? — referia-se aos ferimentos causados por Zael, que ainda estavam ensanguentados e malcuidados.

— Tenho, eu estou ótimo. — O seu tom de voz era frio, diferente do habitual. Passou pela porta da cela e viu que o guarda do lado de fora dormia, encostado na parede. Decidiu ignorá-lo, seria mais fácil passar despercebido se não houvesse uma carnificina nos corredores da masmorra. A Megera e o Azarado saíram lá de dentro e a mulher puxou a porta, deixando-a como estava antes de entrarem.

Cruzaram rapidamente pelas alas solitárias da prisão de Balran, encontrando uma série de guardas bêbados e sonolentos e um ou outro ocupados com mulheres. "Parece que você não é muito rigorosa em sua casa, Cavaleira", pensou ele, sorrindo. Apertava o cabo da adaga com força, embora não estivesse nervoso, apenas precavido. O trajeto foi absolutamente tranquilo, sem interrupções. Ninguém contava que três presos andariam livremente pelas celas, então, acreditavam não se tratar de nada mais do que comerciantes ou mesmo mercenários, soldados de aluguel.

— Ei! — o soldado que guardava a entrada das masmorras impediu a passagem dos três com a lança, mas antes que perguntasse quem eram, já se afogava no próprio sangue. A garganta cortada o impedia de pronunciar qualquer palavra, então foi mais fácil, já que não podia gritar. Damon arrastou-o e jogou seu corpo ainda vivo em uma enorme carroça cheia de palha, deixando-o afundar lá dentro até se esconder quase que totalmente.

O Azarado e a Megera de Ferro se entreolharam, desconfortáveis. Damon estava diferente, podiam sentir. Não era o mesmo que os recrutara para fins maldosos, agora ele os estava usando para ir atrás de alguém e ao que parecia, não era para lhe prejudicar. Decidiram segui-lo sem perguntar nada.

— Quem é Rato? — questionou ele, abruptamente.

— Um informante mercenário que se vende pela mais suja e retorcida moeda que lhe oferecerem.

— É ele quem precisamos encontrar, a princípio. Onde?

— Hã... Aqui. — A mulher respondeu, e Damon arqueou a sobrancelha. Olhou para o lado e encontrou uma taverna completamente destruída, com as portas arreganhadas e homens jogados por cima das mesas partidas e banquetas estilhaçadas.

Entraram sem falar com ninguém, mas todos sabiam que estavam envolvidos com os outros visitantes recentes só pela aparência deles. Um homem gordo e careca apontou para uma porta nos fundos, atrás do balcão, e implorou silenciosamente com os olhos para que não lhe batessem mais. Damon continuou com a sobrancelha arqueada, e foi até o local.

— Então você é o Rato? — perguntou ao homem encurvado e magrelo que tentava se esconder atrás de alguns barris.

— A Gruta! Não sei quem você é, não sei o que você quer, mas eles dois foram pra Gruta! Agora me deixe em paz, inferno! — gritou, lá de trás, sem nem mesmo mostrar o rosto.

— Foi mais fácil do que eu esperava. — Deu de ombros e virou as costas, começando a sair da taverna, mas lembrou-se de um detalhe importante e voltou para onde o Rato se mantinha escondido. — Onde é a Gruta mesmo?

— No fim da Baixada dos Miseráveis, onde nem mesmo os piores assassinos ousam ir. Vá por conta e risco!

— Eu vivo por conta e risco, verme. — Virou as costas e desatou a caminhar. Antes de sair, chutou um homem calvo que possuía o topo da cabeça completamente desprovido de cabelos. Ele gemeu de dor, e Damon sorriu. Continuou seu trajeto, agora assobiando uma canção qualquer.

Interrompeu a melodia.

Lá longe, Damon tivera a fortíssima impressão de ter visto uma conhecida cabeleira ruiva cruzar a rua, em meio à multidão. "Merda... eles ainda estão vivos? Isso significa que resgataram o garoto...", pensou.

— O que foi? — Perguntou o parceiro, alarmado com a reação do caçador.

Começou a caminhar na direção em que vira a ruiva sem responder Azarado. Ele e a Megera tentaram acompanhar o passo, mas a multidão começava a se adensar ao redor deles. Damon empurrava e passava no meio das pessoas sem se importar com os protestos e xingamentos em suas costas, e quando finalmente conseguiu se aproximar, sentiu como se houvesse engolido veneno. Não era ela. Pra falar a verdade, não a via em lugar nenhum."Agora eu também estou vendo coisas? E por que ela?". Engoliu em seco e seus dedos apertaram com força o cabo da adaga. Virou as costas, dando de cara com seus parceiros ofegantes.

— Vamos pra Gruta. — E voltou a andar pela Baixada dos Miseráveis.

A noite começava a esfriar, era sempre assim, quanto mais alta a lua estava no céu, mais frio o tempo ficava e coincidentemente, era sempre na hora mais fria que as coisas aconteciam. Damon tinha um péssimo pressentimento para aquela noite, mas depois de enfrentar Zael, sabia que precisava continuar.

Os archotes já estavam todos acesos há algumas horas, mas pouco faziam para esquentar o ambiente. As chamas eram fracas e bruxuleavam, criando um espetáculo de sombras que se alastrava pelo chão. As formas pareciam querer agarrar os transeuntes que agora já se tornavam escassos devido à localização onde se encontravam. O caçador notou que eram poucos os que se aventuravam por ali, e os que o faziam não tinham uma aparência amigável. Não pareciam temê-lo, afinal, mesmo sendo extremamente mortal, Damon não tinha uma aparência intimidadora. Seu aspecto podia ser considerado sedutor, e talvez fosse por isso que ganhasse tantos confrontos: era subestimado.

— Ei, gracinha! — um bêbado se aproximou com dificuldade deles, cambaleando. Ele apontava uma pequena navalha para a Megera e segurava uma garrafa pela metade com a outra mão. — Vem cá, vem... — dizia, com a voz arrastada, trôpega. A mulher riu e levou a mão até a empunhadura de sua espada, mas o homem tropeçou e bateu a testa no chão com um barulho assustador. O Azarado sorriu e enfiou as mãos no bolso. Reparara nos lábios dele se mexendo momentos antes, mas preferiu não comentar. A Megera não precisava saber que o Azarado tirara a sorte de seu precário pretendente.

— Então essa é a Gruta? — Perguntou Damon, parado de frente à pequena porta no centro de uma enorme parede de pedra com musgo suficiente para criar um pântano inteiro.

— Tá brincando que vamos entrar aí, né? — A Megera tinha uma expressão facial de dar dó. Seu estômago estava visivelmente embrulhado, visto que uma de suas mãos apertava a barriga e a outra tapava a boca. — Olha o cheiro dessa porcaria!

— Nós vamos entrar, e é melhor que você se prepare caso alguma coisa tente nos impedir. Eu sinceramente não acho que lá dentro seja um lugar normal. — Damon se aproximou da porta e chutou-a. As dobradiças estavam tão enferrujadas que até mesmo o vento podia derrubar aquela porta, mas isso não aconteceu. O impacto do chute foi praticamente anulado pela resistência da madeira. O caçador franziu o cenho e tocou as tábuas apodrecidas com a mão, sentindo as levíssimas vibrações que ela emanava. "Magia", deduziu imediatamente. Girou a maçaneta e a porta se abriu, com um rangido arrastado e agudo.

No exato momento em que pisou lá dentro, sentiu a atmosfera do ambiente mudar. A Gruta não era um lugar que despertava o medo, era um lugar que moldava o medo. Sentia a loucura pairando no ar, e seus parceiros também. A Megera caminhava devagar e atenta atrás dele, enquanto o Azarado olhava para todos os lados, o pescoço quase dando voltas completas para não deixar passar nenhum detalhe.

A Gruta era enorme lá dentro. Eles não tinham tochas, então contavam apenas com a praticamente nula iluminação lá dentro. Seus olhos já se acostumavam com a escuridão, mas mesmo assim apenas formas vagas dos corredores poderiam ser vistas. Mais à frente, uma luz alaranjada brotou quando viraram em uma entrada à direita. A luz oscilava, pulsava, como se fosse apagar a qualquer momento. Os três avançaram rapidamente na direção dela e Damon ergueu a adaga. Se esconderam na parede e tentaram escutar o que se passava dentro do cômodo.

— Mais um dia... Mais um mês... Mais um ano... Nessix... Ignar... Frostum... Lummo...

"Que diabos?!", Damon pensou. Adentrou o local com a lâmina erguida, saltando para cima do indivíduo que murmurava as palavras aleatoriamente. Era um velho, a pele era tão fina e transparente que suas veias eram totalmente perceptíveis. Os ossos ficavam expostos, criando dezenas de pontas que pareciam prestes a rasgar a frágil cobertura que as ocultava. O homem caiu para trás com a aparição repentina do caçador, se assustando, mas logo se recompôs e voltou a murmurar as palavras anteriores, ignorando os presentes no recinto.

Balançou a cabeça, franzindo o cenho. Afastaram-se do cômodo e recomeçaram a andar, agora ainda mais incomodados do que antes.

"O que eu ainda vou encontrar aqui em baixo?", pensou, antes da resposta chegar até ele.


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Notas finais do capítulo

Desculpem pelo atraso!



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