A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 25
Zael, o Assassino


Notas iniciais do capítulo

"A Guerra do Fogo era o que o pilar retratava, um conflito ancestral e devastador, muito mais antigo que a Guerra de Sarkon. Data da época que os dragões dominavam todas as montanhas e não havia cidades para governar, da época em que os homens não tinham espaço e nem mesmo armas para enfrentar essas atrocidades."



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A Megera de Ferro sorria; Damon estava abismado. Sangue escorria aos montes da cabeça medonha e putrefata que a mulher segurava. Era um composto escuro e com um cheiro nada agradável, a não ser que você estivesse vivendo nos esgotos pelos vinte últimos anos. E um esgoto bem fedorento, pode-se acrescentar. O caçador nunca tinha visto nada igual, tanto por parte da criatura quanto pela da mulher. Sem dúvida alguma, ela era tão forte quanto Frey, e seria uma ótima adversária para ele, sem falar na perícia com a espada...

Balançou a cabeça, afastando aqueles pensamentos. Levantou-se lentamente e olhou ao redor. Além do corpo jogado no chão, havia o Azarado, que segurava a tocha com a mesma expressão de Damon e a Megera, com uma mão na espada e a outra na cabeça do morto.

— Não vai dizer nada? — perguntou ela, arqueando uma sobrancelha.

— O que quer que eu diga? — Damon retrucou com a voz esganiçada, completamente surpreso pela pergunta idiota da garota.

— Que tal "OBRIGADO"?

— Não sou desse tipo. — Cruzou os braços e olhou pro outro lado.

— Ah, não, é?

— Ei... — O Azarado ergueu a mão, como se pedisse permissão pra falar.

— Pois então você vai... — a Megera era simplesmente incontrolável. Não parava de falar por nada!

— Ei, vocês...

— Não vou te agradecer só porque cortou uma cabeça... — Damon dava mais corda para a mulher a cada momento. Uma veia latejava na cabeça do outro homem e ele cerrava os dentes com força.

— Então, espero que você...

— CALA A BOCA! — gritou, completamente furioso pela confusão de vozes que atormentavam e acabavam com a paz em seus ouvidos. — Será que vocês ainda não entenderam que não viemos aqui pra isso? Pelo menos é o que o Caçador diz! Agora pega essa merda de tocha e segue o caminho, porque eu não quero ficar mais nem um minuto nessa merda de catacumba. — Nenhum dos dois se mexeu. Damon e a Megera estavam parados, atônitos, olhando para ele. — VÃO!

Jogou a tocha para o alto e Damon a segurou com agilidade. Seu rosto havia mudado mais uma vez, o que andava acontecendo com frequência ultimamente. A determinação estampada em suas feições indicava que a brincadeira havia acabado, e isso logo se confirmou quando ele começou a seguir o único caminho disponível sem nem mesmo chamar os seus companheiros para segui-lo.

O ar ali embaixo era parado e tinha cheiro de mofo, irritando suavemente suas narinas. "Merda de poeira..." pensou. Seus passos ecoavam pelo corredor, como se seguissem quilômetros até chegar no fundo das catacumbas. "Espero que isso não demore pra acontecer". Andou um pouco mais rápido.

Vários minutos foram necessários para que sentissem uma mudança considerável na atmosfera do local. Uma breve e suave brisa indicou que havia alguma passagem aberta por perto e foi exatamente isso que aconteceu. Degraus cinzentos surgiram à sua frente pouco à pouco, indicando o caminho para a superfície. O Caçador esperava que o seu alvo estaria lá em baixo, e não em um local aberto.

— Admito, não esperava que passassem pelo meu... — uma voz desconhecida soou na penumbra. — Obstáculo.

Damon olhou ao redor à procura da voz, reparando pela primeira vez no local. Era um enorme pátio dentro da floresta próxima ao Sepulcro, e podia perceber isso pelas árvores. Semelhantes às que encontrou próximo da lança de Aruk Ponta de Ferro, possuíam folhas outonais e troncos retorcidos, mas ainda sim altos. Havia pilares no pátio, e eles eram ainda maiores que as árvores. Possuíam diversas cenas, desenhos abstratos do que provavelmente havia acontecido no passado.

Eram oito, e um ainda estava pela metade, em processo de construção. O que ficava mais perto de onde o caçador estava possuía cenas com criaturas reptilianas aladas lutando umas contra as outras, o fogo sempre presente entre elas. "Dragões", percebeu. A Guerra do Fogo era o que o pilar retratava, um conflito ancestral e devastador, muito mais antigo que a Guerra de Sarkon. Data da época que os dragões dominavam todas as montanhas e não havia cidades para governar, da época em que os homens não tinham espaço e nem mesmo armas para enfrentar essas atrocidades.

A Guerra do Fogo foi causada pela Rebelião de Tyrax, o Ascendido. Mesmo que fossem os dragões dominando o mundo, havia a ordem e ela era criada e mantida pelos Primordiais. Os Dragões Primordiais surgiram junto com a criação, sendo designados para protegê-la de qualquer mal grande o suficiente para assolá-la. Estas criaturas possuíam inteligência fora do comum, pois, segundo os pergaminhos mais antigos e confiáveis da Ordem de Haurun, partilhavam a inteligência do próprio Criador. Mas estes eram poucos, e a porcentagem quase absoluta dos dragões era de bestas selvagens e instintivas, que viviam da caça e da hibernação sobre os cumes.

Tyrax era um deles, mas o que o tornava líder de tais criaturas selvagens era a sua força. Tyrax não pensava como um Primordial, sequer tinha consciência, mas era tão forte quanto eles, embora não soubessem disso. Seu ódio pelos dragões soberanos era tão grande que seu cérebro se corrompia cada vez mais com o terrível objetivo de matá-los e tomar seu posto, se tornar o único e absoluto líder de todos eles. E foi esse mesmo ódio que desenvolveu a consciência de Tyrax até ele conseguir falar a palavra que habitava seus pensamentos dia e noite.

Sobre o ponto mais alto do Punho do Colosso, sob o olhar de milhares dos que comandava, ele pronunciou pela primeira vez aquilo que o tornaria ainda mais engrandecido do que já era.

— Morte! — o som que saiu de sua boca era profundo e ecoante, como se fosse uma montanha falando. O tom grave era suficiente para fazer a neve voar para longe e as árvores tremerem lá em baixo, mesmo tão longe. Fogo marcou sua ascensão ao poder, e fogo marcou a guerra que deixou cicatrizes profundas na história do mundo. Tyrax, seguido pelos seus, confrontou diretamente os Primordiais. Força contra quantidade, esta era a definição da Guerra do Fogo. O Ascendido tinha milhares de dragões ao seu lado, enquanto os Primordiais eram apenas dez, mas apenas esta dezena era suficiente para que a batalha fosse vencida. Tyrax fora o último a cair, e o feito deve-se à Vulthrym, o Absoluto, o último dragão remanescente.

— Senhor contador de histórias...! — Jess erguia a mão na segunda fileira de bancos, ansiosa para fazer uma pergunta.

— Sim, minha querida? — O Velho deu-lhe a oportunidade de falar, sempre gentil com os menores.

— E a Serpente das Nuvens? Ela não era um dragão também?

— Ah, sim! Temos também a Serpente das Nuvens, e vocês sabiam que ela era um dos primordiais? — Um som de "oooooh" se alastrou pelo estabelecimento e o taverneiro sorriu. Em um tom de conspiração, o Velho continuou. — Sim... Ela era uma dos dez dragões mais fortes do mundo, mas assim como Tyrax, ela tinha inveja daquele que chamavam de Absoluto, embora este fosse tão sereno e sábio que todos os outros pediam conselhos quando os problemas brotavam em suas mentes. É, com toda a certeza, Vulthrym é um poço sem fundo de conhecimento sobre todas as coisas. Durante a Guerra do Fogo, a Serpente das Nuvens voou tão alto que nenhum dos outros poderia alcançá-la, nem se esgotassem todas as suas forças na tentativa. E por lá ela ficou, até que o rugido de morte de Tyrax fosse escutado. Por mais um dia esperou, e então desceu, intocada. A Serpente das Nuvens, que possui o nome de Khanya, desertara o campo de batalha e abandonara seus irmãos, deixando-os à mercê dos inimigos impiedosos.

— Então ela era uma traidora? — perguntou por último, espantada com tamanha deslealdade.

— Isso mesmo. — Ergueu o dedo e olhou para eles, com um sorriso calmo. — E agora, continuemos com a história do Caçador.

Obviamente, Damon não possuía um conhecimento literário tão vasto quanto o de Anne, que crescera nas... Droga, perdoem-me, não posso dizer ainda!. Um conhecimento literário tão vasto quanto o de Anne, que adorava ler. Pronto. Ele reconhecia a figura dos dragões nos pilares, mas não sabia que se tratava da Guerra do Fogo. Aquele era um assunto um tanto que restrito às classes mais altas, devido ao valor dos livros e a importância necessária para ler os pergaminhos que a contavam.

— Apareça. — Sua voz soou autoritária e fria, como a de um rei. A Megera e o Azarado apareceram nas escadas, ofegantes.

A figura caminhou até o centro do pátio, passando por entre dois dos pilares. Não usava nenhum tipo de capuz ou máscara para ocultar o rosto, pelo contrário, o deixava totalmente exposto. Seus cabelos grisalhos eram penteados para trás e um cavanhaque de mesma coloração ocupava seu rosto, rosto este marcado por uma enorme e hedionda cicatriz que rasgava diagonalmente da testa ao queixo. Suas vestes eram negras, com poucas partes avermelhadas. Diversos cintos estavam presos ao seu corpo, na cintura, pernas, braços, todos eles contendo uma variedade de acessórios que deveriam estar sempre ao alcance. Um par de empunhaduras podiam ser vistas sobre seu ombro, e Damon achou que fossem duas espadas, mas as lendas sobre o homem atestavam o contrário. Uma era a espada, a outra, uma adaga.

— Acredito já ter ouvido falar... — Seu tom era grave e rouco, porém, firme. — que aqueles que procuram Zael nunca mais voltam para contar a história.

— Sim, eu ouvi. E vim para mudar a lenda. — Damon retrucou imediatamente, franzindo o cenho.

— Você é presunçoso, tal qual eu era quando confrontei o Primeiro. — Fechou os olhos e levou a mão até a empunhadura que ficava mais próxima ao ombro. Era a adaga, pois percebera que Damon também possuía uma e não pretendia ter mais vantagem do que já possuía agora. — Essa cicatriz mostra o preço que eu paguei.

— Sua marca não é nada comparado ao que sofrerão os que tiraram a vida do meu irmão. — As últimas palavras saíram de sua boca com um gosto amargo, o ódio sendo expelido como veneno por entre seus dentes. Desembainhou sua lâmina e apertou o cabo com força. Assim o fez Zael e ambos se encararam por um momento, armados. — Eu vim atrás de uma informação, Assassino, sobre Meryna.

— Não me envolvo nesse tipo de assunto. — Avançou contra Damon, que recuou um passo e moveu a adaga para a frente no intuito de se proteger do ataque de Zael, mas este se lançou para o lado e abriu um talho nas vestes do Caçador, revelando uma cota de malha fina por baixo. Havia um rasgo nela também. Mais uma investida e outro corte rasgou os elos de ferro e tocou a pele de Damon, obrigando o sangue a mostrar-se.

O rapaz saltou para trás, os olhos arregalados. A velocidade de Zael era mais do que assustadora. "Zael, a Sombra que Caminha", lembrou-se. O homem se movia tal qual a alcunha, sendo praticamente impossível de se defender. Mal tinha erguido a adaga e já possuía dois cortes no tórax, ele não iria conseguir. E foi com esse pensamento que, com o canto do olho, viu um vulto partindo contra seu inimigo. A enorme espada da Megera quase o atingiu, mas o homem era rápido. Saltou e deu dois passos rápidos pela extremidade da enorme lâmina, atingindo a mulher em cheio com uma joelhada no rosto. O Azarado apontou para ele e seus lábios se mexiam de forma ágil, recitando seus encantamentos, mas Zael agarrou um dos frascos em sua cintura.

Seu conteúdo era rubro e viscoso, e o homem não hesitou nenhum momento em tomá-lo. Retirou a rolha e lançou o líquido pela garganta, engolindo e voltando-se para o aliado de Damon, que começou a caminhar para trás, completamente aterrorizado.

— C-Como você...

— A magia não vai me afetar, embora admita que a sua não é nem um pouco comum. — Sua lâmina dançou por um momento entre seus dedos e logo estava alojada no abdômen do homem. Retirou-a e deixou-o no chão, sangrando aos montes. Virou-se novamente para Damon, que já estava em pé e novamente em guarda. Avançou contra ele pela segunda vez, mantendo contato visual. O caçador seguiu em frente ao invés de recuar, atacando-lhe na altura do rosto, mas Zael desviou-se e ergueu a adaga para perfurá-lo no coração. Damon jogou-se para o lado e deixou que o cotovelo continuasse indo para a frente, em outra tentativa de acertá-lo.

O assassino deslizou para baixo e a lâmina brilhou antes de perfurar a coxa de Damon. O rapaz tentou se afastar, mas agora era incapaz de se mover com agilidade. Uma das mãos apertava o ferimento, a outra mantinha a adaga, embora agora estivesse tremendo. A Megera de Ferro estava desacordada e sua espada, cravada no chão. Cerrou os dentes e lançou a adaga contra Zael, que apenas moveu-se para o lado e deixou-a continuar seu trajeto até colidir com um dos pilares e cair no chão.

— Acabou. E antes que morra, responderei a sua pergunta... — Seu olhar era analítico, encarava Damon diretamente nos olhos e isso o deixava extremamente furioso, pois era incapaz de reagir. — Meryna corresponde à uma dos sete que compõem o Flagelo. Ela está a caminho, mas você não estará aqui para ver. Em três dias, um membro da nobreza chega a Balran e esse membro... Bem, é ela. Sempre bem infiltrada, não duvido que este lugar caia em breve, e eu não estarei aqui para ver também. Não me meto com o Flagelo, garoto, e você foi errado em... — Ficou em silêncio por um momento. O vento agitou-se com força e as árvores tiveram suas folhas balançadas de forma selvagem.

Zael ergueu a lâmina e uma outra se chocou contra ela. O possuidor era um homem que aparentava ter a mesma idade de Damon, ou talvez um ou dois anos a mais. Era esguio e tinha cabelos pretos completamente rebeldes de tamanho médio. O sorriso vitorioso em seu rosto foi o que mais assustou o caçador.

— Ei, ei — disse ele, sorrindo para Zael. — Você não é um pouco velho para sair das histórias de ninar não?

O assassino empurrou a lâmina do recém chegado e tentou chutá-lo no peito, mas este já havia se afastado para longe. Manteve a guarda, olhando-o com o cenho franzido.

— Quem é você? — perguntou, como se fosse um rosnado.

— O Poderoso e Heróico Zen, Salvador de Balran, Domador de Cavaleiras e... AI! — A mulher loira havia lhe dado um fortíssimo murro na cabeça que encheu seus olhos d'água. — Companheiro da Cavaleira... — corrigiu ele, e levou outro golpe. — ARGH, JÁ ENTENDI... PATRULHEIRO!

"Cavaleira?!", Damon repetiu mentalmente, alarmado. Se continuasse ali, seria preso nas masmorras de Balran e isso não estava em seus planos. "Merda! Como eles me acharam?!" Começou a se levantar, pronto para correr, mas a espada em sua garganta o fez parar. A mulher o agarrou pelo colarinho e virou-o de costas, puxando um rolo de cordas para amarrar suas mãos. Não conseguia caminhar, então não havia como fugir. Tinha que aceitar seu destino. "Merda!", foi seu último pensamento antes de ficar imobilizado.

— Garoto... Não conte à ninguém sobre a mulher que procuras. — As sombras pareceram envolvê-lo por um breve momento e então, desapareceu do pátio. O rapaz de cabelos pretos pareceu frustrado com a fuga do assassino, e a Cavaleira mais ainda. Agarrou as cordas de Damon e puxou-o, segurando-o nas costas.

— Você merecia ser arrastado. — Resmungou ela, enquanto carregava-o sem parecer se importar muito com o peso.

— Não fiz nada, fui atacado por esse cara! — Retrucou Damon, referindo-se à Zael. — Só estava colhendo frutas para a minha doce avó e...

— Cala a boca, o Rato nos contou o que precisávamos! Você é o tal Danon que anda reunindo os degenerados para formar um esquadrão.

— É Damon, sua burra. — Lilian girou o braço e lançou-o contra a parede, aplicando-lhe um ou dois murros na boca para que ficasse calado. Agora, repensando na decisão, começou a arrastá-lo. Não mais iria carregar o rapaz. — Ouch... Você bate igual o zumbi da entrada...

— Ei, Lilian — Zen começou. Ele olhava para o rapaz com curiosidade, não tinha medo e nem aversão a ele. — Esse cara é mesmo um bandido que mata a sangue frio? Ele parece mais um patrulheiro — ele enfiou as mãos nos bolsos. — Um dos nossos.

— Quem decide isso sou eu, não você. — Respondeu a outra, fria.

— Tá bom, mas... Ele rastreou Zael sozinho, não acha que os talentos dele tem utilidade? — Seus olhos se desviaram para cima, como se estivesse longe, pensando.

— Sim, ele terá. Nas masmorras, sendo interrogado.

— Mas... — Tentou falar mais uma vez.

— Calado, Zen.


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