A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 2
O Menino e o Livro


Notas iniciais do capítulo

"— Parem! Parem com isso!" Pete, o Pequeno.



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Bem, essa é uma história bem longa, com muitos acontecimentos importantes. Eu sei que todos vocês são moleques que acham que o tempo é vagaroso demais, e querem ouvir logo como Arthur e Mark fugiram das catacumbas do Rei Elfo, ou quão magnífica foi a luta da Ruiva com o Dragão das Sombras, mas eu sou um exímio Contador de Histórias, e mais do que isso, sou um dos únicos a conhecer as particularidades dessa história por completo. E é por eu ser um exímio contador de histórias, que devo me demorar contando detalhes minuciosos, falar das partes mais entediantes, e contar as partes menos importantes. Uma história boa, é a história que conta tudo, parte por parte, desde o começo, então se vocês crianças não tem paciência para ouvi-la inteira, é melhor que saíam logo antes de começar a me interromper. Vão ficar? Ótimo, então permitam-me começar. E começarei pela parte menos importante de todas, falando daquele que ninguém acreditava. Pete.

Era esse seu nome, Pete, apenas Pete. Na época, era um baixinho magricela, com ranho escorrendo do nariz e a cara suja de lama. Devia ter uns onze, doze anos, e tudo que sabia do mundo era que ele podia ser muito cruel as vezes. Sabia isso, pois já havia vivenciado muitas coisas tristes para alguém da idade dele. Primeiro de tudo, foi a morte de seu pai, quando esse foi junto das tropas de Adria para o outro continente. Quando um soldado bateu em sua porta um dia, entregando a espada do pai dele para sua mãe, ele não entendeu o que estava acontecendo. Só antes de dormir, que o irmão mais velho foi lhe explicar do jeito mais cuidadoso possível que o pai deles havia morrido em batalha. O garoto Pete deve ter chorado uma noite e um dia até se recuperar. Foram tristes cinco meses até conseguir rir de novo. E enquanto passava os dias chorando num canto do quarto, o irmão havia se tornado o homem da casa. Trabalhava em todo o emprego que conseguia arranjar, carregando caixotes de peixe, ou ajudando os fazendeiros a encher as carroças com a colheita do mês, para ir vender na cidade. Foi o irmão que botou a comida na mesa naquela época.

O segundo acontecimento mais triste de sua vida, foi num belo dia de primavera. O sol brilhava forte, sem nuvem alguma no céu. Seu irmão havia arranjado um emprego fixo alguns dias atrás, de ajudante de marceneiro, e ganhava dinheiro suficiente para sustentar a casa. Claro, a rotina de trabalho era dura e longa, por isso o irmão sempre saia cedo e voltava tarde. Então, durante o dia, Pete e sua mãe acordavam cedo para cuidar das tarefas da casa. Pegavam baldes de água no riacho, compravam leite com o fazendeiro Rick, compravam pão com o padeiro Loy, e enquanto a mãe dele ficava preparando o queijo, Pete preparava o almoço. Isso não era uma rotina, muitas vezes ele ia fazer alguma outra tarefa que a mãe o pedia, enquanto ela substituía o filho no preparo do almoço. Aquele foi um desses dias.

A mãe dele havia mandado Pete ir até o padeiro Loy, comprar mais alguns pães, pois teriam um visitante aquele dia. Assim o garoto fez. Ida e volta dava uns dez minutos mais ou menos, não era muito, mas era suficiente para o visitante chegar. Quando Pete voltou, não encontrou sua mãe na cozinha, nem no quarto, nem na sala e nem no banheiro. Não estava no quintal, ou atrás da casa. Na cozinha, uma chaleira assoviava enquanto saía vapor e os vegetais ainda esperavam que terminassem de cortá-los. Só restava um único lugar onde procurar, no porão. E para lá Pete saiu apressado, gritando: “Mãe! Mãe! Já voltei!”, mas dela não se escutava resposta. Pobre do garoto quando desceu o pequeno lance de escadas e viu aquela cena. O visitante já havia chego, feito o que tinha para fazer, e ido embora. O visitante, meus caros ouvintes, era a morte. Vendo a mãe pendurada pelo pescoço, Pete permaneceu encolhido num canto do porão, chorando em silêncio. Quando seu irmão chegou, foi direto para lá, como se soubesse que havia algo errado. Lá encontrou o pequeno irmão encolhido num canto, e a mãe já falecida. Vendo aquilo, ele não chorou, provavelmente queria chorar, mas não podia. Ele simplesmente abraçou o irmão, enquanto falava palavras de conforto. Foi dignamente forte.

Depois disso, mais tragédias aconteceram. Um mercador ganancioso e de palavra doce prometeu aos dois que os ajudaria. O maldito em menos de uma semana deu um jeito de roubar a casa e a herança que os dois garotos tinham. Sem casa e dinheiro, não havia mais nada para Pete e seu irmão. Então, só restou à eles seguir em frente. E claro, foi o irmão de Pete quem tomou conta dele. Resolveram abandonar o vilarejo e seguir para a cidade, tentar retomar as rédeas da vida. Por um momento, conseguiram. Veja, por exemplo, se hoje não fosse hoje, e sim muitos anos atrás, nesse exato momento, Pete estaria caminhando por uma viela da cidade, vestido com roupas sujas, carregando nos braços um livro.

— Vejam só, se não é Pete medroso! – falou um garoto, que surgiu na mesma viela do pobre Pete. E logo atrás, outros garotos já surgiam.

Antes que me interrompam, não, eles não eram amigos de Pete. Era exatamente o contrário. E quando Pete viu aqueles garotos, ele só podia pensar em uma coisa: Tenho que fugir!, e foi o que fez o nosso bravo herói. Deu meia volta e saiu correndo. E os garotos foram atrás, gritando xingamentos e rindo.

Acreditem, não parece, mas aquilo era muito amedrontador para Pete, e era todo o santo dia! E não, ele não tinha coragem para virar e enfrentar aqueles garotos. E era melhor que não tivesse, se tivesse, eles provavelmente iriam machuca-lo mais do que o comum. Mas parem de me interromper, vamos continuar com a história. Onde eu estava? Ah, sim.

Pete estava correndo pela viela com seus agressores logo atrás. Ele tinha aprendido que o melhor que podia fazer naquelas situações era correr sem olhar para trás, torcendo para que eles desistissem. Mas eles normalmente não desistiam, então tinha que correr rápido. Depois de tantas fugas, tinha descoberto que essa era sua melhor qualidade. Fugir. A cada surra, encontrava melhores esconderijos, seus olhos encontravam mais rápido as melhores rotas de fuga, e, nas vezes que fugir não adiantava, pelos menos já tinha aprendido a proteger a cabeça. No entanto aquele dia não era um dia muito bom para fugir. Pete sentia fome e estava fraco. E além de tudo, carregava um pesado livro consigo. Então foi só uma questão de tempo até que fosse alcançado e jogado no chão. O livro escapou das mãos dele, mas isso não importava. Tinha que proteger a cabeça. Primeiro, sentiu um chute nas costelas, em seguida, mais pontapés. Gritava e chorava com cada pancada, e eles não paravam.

— Parem! Parem com isso! – implorou o pequeno Pete, mas aqueles garotos eram malvados demais para ter pena.

Foi então que, por algum motivo, eles atenderam ao pedido de Pete. Ele, claro, não entendeu no começo, mas quando levantou a cabeça e a imagem retornou ao foco, compreendeu o que estava acontecendo. Bem diante dele, seu irmão mais velho, alto e forte, encarava a cena com os braços cruzados e o cenho franzido, muito furioso. Os garotos começaram a recuar, e alguns até tiveram o ímpeto para uma fuga. Mas ele não deixou, quando o líder do grupo de arruaceiros percebeu o que estava acontecendo, o irmão de Pete já tinha derrubado quatro deles, e avançava para o próximo. Não durou nem trinta segundos, e todos os garotos estavam caídos no chão, gemendo.

— Se tocarem nele de novo, eu vou voltar, e vou fazer pior – disse o irmão de Pete. O líder do grupo apressou-se em concordar com um aceno de cabeça, implorando para que não batesse mais nele. Provavelmente, estava pensando em se vingar no Pete quando tivesse chance. Se, tivesse chance.

— Obrigado irmão – disse Pete, sorrindo, enquanto levantava. O irmão se aproximou dele e pôs a mão em seu ombro, olhando-o sério.

— Não tem nada quebrado? – falou, acocorando-se para a altura dele. Levantou um braço de Pete, apertou suas costelas, e fez uma porção de exames enquanto perguntava ao irmão mais novo, e as respostas eram sempre “Não, estou bem, não quebrei nada”. Só depois disso, o irmão de Pete deu-se por satisfeito e sorriu para ele. — Eles te pegaram dessa vez em? Por que não fugiu como nas outras vezes?

Pete lembrou-se do motivo, e correu até o livro no chão. Recolheu-o e voltou até o irmão, indo mostrar o que atrasou sua corrida.

— Lembra disso? – mostrou o livro. Na capa tinha a figura de dois coelhos e um menino apontando para o céu azul, sentados no gramado. O garoto da capa tinha os pés enfiados num rio, e os coelhos pareciam prestar atenção no que ele falava. Logo acima da gravura, um título em letras douradas garrafais “Os Contos de Terry, na terra dos coelhos falantes” se destacava.

O irmão de Pete agarrou o livro com uma mão e sorriu. Não sei no que ele pensou, mas provavelmente eram memórias que voltavam a sua mente. Memórias de um tempo alegre e feliz. Ele levantou-se e pôs a mão na cabeça do irmão mais novo.

— Mamãe lia isso para gente toda noite, antes de irmos dormir. Eu nem lembro direito como é a história – falou, olhando para a capa do livro.

— Vi na vitrine de uma loja dois meses atrás. Estou economizando trocados desde quando eu vi, para comprar. Eu estava voltando para casa carregando ele, quando eles me pegaram – falou Pete, olhando para o chão, parecendo um pouco envergonhado.

O irmão de Pete ficou olhando o livro durante alguns segundos, e então deu uma risada. Botou o livro debaixo do braço e desarrumou o cabelo do pequeno. Então, seguiu caminhando, deixando Pete para trás. O garoto ficou parado, vendo o irmão seguir seu caminho e parar uns metros adiante, olhando para trás.

— Você não vem? – disse sorrindo, um sorriso que Pete respondeu com outro, correndo para seu lado. Deu a mão para o irmão, e rindo ambos voltaram para casa.

Bem, era uma casa, mas não era uma casa. Vou explicar para vocês, quando eles chegaram na cidade, oito anos atrás. Eu sei que não foram exatamente oito anos, Rui seu mongoloide, eu arredondei. Vai deixar eu contar a história? Ótimo. Quando eles chegaram, há sete anos e três meses, na cidade, eles foram encontrar abrigo com uma velhinha e um velhinho, ambos donos de uma pensão, que não viam clientes a muito tempo. Era um casal muito bonzinho, como os bons senhor e senhora Flitchwook, do outro lado da rua. E vendo duas crianças desamparadas, os dois concordaram em deixar que dormissem num quarto, se ajudassem a cuidar da pensão. Não era muita coisa para fazer, e então os irmãos aceitaram. Passaram a dividir um quarto um tanto apertado, mas aconchegante. Era melhor que dormir na rua, vocês não concordam? Concordam.

Bem, eles então voltaram para seu quarto na pensão Lua Saltitante. Lá, enquanto Pete ajudava a senhora Blinston com o jantar, o irmão dele ajudava o senhor Blinston com a lenha. O irmão de pete era um jovem alto e forte, com um cabelo curto e arrepiado. O trabalho braçal havia transformado ele em um homem musculoso e alto. Uma barba já crescia em seu rosto há muito tempo, mas ele não gostava de barba, então raspava sempre que achava ela grande demais. Jantaram um belo pernil que o irmão de Pete havia comprado, e de noitezinha, antes dos dois irem dormir, Pete ouviu algo que iria fazer sua vida ficar de cabeça para baixo.

— Pete – começou o irmão —, preciso te falar uma coisa importante, e quero que preste atenção – suas palavras tinham muita seriedade. E por isso, Pete olhou e ouviu atentamente.

— Fale, estou prestando atenção – sentado na cama, curvou-se, olhando o irmão mais velho, esperando que ele falasse uma coisa qualquer. Mas não foi assim.

— Amanhã, eu vou embora.


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Notas finais do capítulo

Desculpem os erros da primeira versão, culpa minha. :S
Não vai acontecer de novo! o/ ~ Ookuna