Desconexão escrita por Jafs


Capítulo 7
Terra de inúteis




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Quase lá. Pensou Nagisa.

Ela estava subindo o último lance de escada antes de chegar ao acesso do topo da escola. Ao abrir a porta ela viu que Homura já estava lá, próxima a grade de proteção, olhando para as pessoas abaixo indo embora.

Nagisa se aproximou de Homura. “Akemi-san?”

O único movimento que se percebia em Homura era o balançar de seus longos cabelos ao sabor do vento. Até ela começar a falar. “Fez como eu instrui?”

“Sim!” Nagisa respondeu prontamente. “Eu cheguei no último andar pela rampa de serviço e tranquei a porta do acesso. Aqui estão as chaves.” Ela balançou o molho de chaves que estava na sua mão.

“Fique com eles.” Homura olhou para Nagisa. “O acesso ao topo agora é restrito.”

Nagisa olhou para chaves. “Eu pensei que qualquer um podia vir para cá.”

“Mudança de regras.” Homura sorriu.

“Por falar em mudança...” Nagisa disse enquanto guardava as chaves na mochila. “...eu saia junto com uma amiga da escola. A gente sempre se despedia no portão, mas ela nem estranhou que eu sai sozinha da sala.”

Homura esperou que Nagisa voltasse a olhar para ela antes de começar a falar. “Eu tomei algumas medidas necessárias. Ela ainda é sua amiga, não?”

“Ah!? Sim! Sim! Ela ainda é.” Nagisa deu um sorrisinho rápido.

“Ótimo.”

O silêncio tomou conta. Nagisa começou a ficar nervosa, talvez por causa do assovio do vento, talvez olhar penetrante de Homura naquele momento, talvez os dois.

O coração dela começou a bater mais forte quando Homura revelou um largo e malicioso sorriso.

Então Homura começou falar em outra língua, ininteligível para humanos, mas para uma bruxa aquilo era como a língua materna.

“Mostre a sua face, Charlotte.”

Nagisa hesitou, procurando acreditar no que acabara de ouvir. Depois ela cobriu seu rosto com as mãos. Por fim ela revelou a sua face de bruxa.

“RRwwwaaarrr!!”

Homura riu.

Nagisa pigarreou e falou em um tom mais baixo. “Por que quer que eu fique assim? É... assustador. Minha voz fica horrível.”

Uma aura de cor violeta envelopou Homura. Em um flash, seu uniforme escolar fora substituído com um vestido negro. Asas brotaram das suas costas. “Porque é bom saber com o que está lidando. Se isso te incomoda, eu ainda posso bani-la.”

“Não! Eu não me sinto incomodada.” Nagisa gesticulou nervosamente.

“Tem certeza? Esse será um ponto sem volta.” Homura expressou de forma séria. ”Se me trair, eu vou destruir você. Nem Madoka poderá trazê-la de volta.”

“Eu entendo.” Nagisa balançou a cabeça. “Eu juro que não farei isso. Eu serei digna da sua confiança.”

“Veremos.” Homura disse friamente. “Segure a sua mochila e vire-se.”

“Hã?”

“Vire-se.”

Nagisa obedeceu a ordem. Abraçou a sua mochila com força, pensando nas possíveis intenções de Homura, quando então sentiu ser abraçada. Seus olhos arregalaram-se. “Um...Akemi..”

Homura procurou encaixar melhor seu corpo com o de Nagisa. “Nós vamos sempre ir e vir da escola dessa forma.”

Nagisa encolheu os ombros. “C-como? WWHHHOOAAA!!”

As duas saíram do topo da escola voando.

Os veículos e as pessoas agora pareciam respectivamente como baratas e formigas naquela altura. Nagisa notou que, apesar da alta velocidade, não havia um forte fluxo de ar contra elas. “Para onde está me levando?”

“Casa.” Homura respondeu mecanicamente.

Esse era um assunto que não havia sido tocado. Depois da escola, onde ela ficaria? Não poderia mais morar com a Mami. Será que ela moraria com a Homura?

“Chegamos.” Homura pousou suavemente na calçada sem chamar a atenção de quem passava por ali. Era como se elas não existissem.

Elas estavam de frente a uma residência de três andares que ficava no meio de uma bifurcação em Y. Pela arquitetura dela e das construções próximas, ela ficava na parte antiga de Mitakihara. Contudo prédios da parte moderna estavam bem próximos, não mais que um quarteirão dali.

Ao ver que Homura foi em direção a porta, Nagisa perguntou. “Essa é a sua casa?”

Homura recolheu suas asas, cobrindo sua costa nua. “Sim.”

Nagisa ficou olhando para as pessoas que passavam entre elas. “É...Akemi-san.”

“Você pode me chamar de Diabo.” Homura disse enquanto abria a porta.

“Ok.” Nagisa continuou. “Diabo-san, posso chamá-la de Homura-chan? Sabe. Se eu vou morar na sua casa. É... bem... não sei na verdade...”

Homura parou. Era como se ela estivesse esperando a porta se abrir completamente. Quando a porta terminou de abrir, ela virou a cabeça e ficou olhando para o vazio. “Tanto faz. Entre logo Charlotte.”

“Claro.” Nagisa se apressou em colocar a mochilas nas costas e entrou junto com Homura.

As duas ainda não estavam dentro da residência, apenas em um pequeno hall. Nagisa viu que aquele cômodo não levava para lugar algum, apenas um monte de entulho encontrava-se logo a frente. Então tudo ficou claro: a casa não era só antiga como também parecia abandonada. Tudo para despistar os curiosos.

Nagisa notou também que as paredes estavam pichadas. Eram runas, a língua das bruxas. Ela se aproximou de uma parede e começou a ler naturalmente.

HOMURA Mentirosa Fria Egoísta AKEMI Covarde Teimosa Idio..

Um cheiro doce peculiar invadiu as narinas de Nagisa. Isso a fez afastar da parede. Aquelas runas haviam sido escritas com sangue, sangue de uma pessoa.

“O que achou da obra das minhas crianças? Bonita, não?” Homura fechou a porta sorrindo. A escuridão tomou conta do hall, salvo um par de olhos e um brinco que emitiam uma fraca luz violeta.

Nagisa pensou em reconsiderar o conceito de assustador.

“Fique parada.” Homura ordenou.

Nagisa obedeceu e ficou aguardando. Logo uma luz clara surgiu no ar como um grande holograma, iluminando o hall. Aos poucos aquela luz foi ganhando definição formando uma imagem.

Era um losango com uma salamandra negra atrás. Sob a cauda da salamandra havia um par de asas brancas invertidas, como se estivessem caindo.

“Charlotte.” Homura foi em direção a imagem. “Eu vou entrar primeiro. Espere uns vinte a trinta segundos e então entre. Entendeu?”

“Hum..ok.” Nagisa respondeu, sem compreender o motivo daquele procedimento.

“Sem truques.” Homura olhou uma última vez para Nagisa antes de atravessar a imagem que estava no ar e desaparecer completamente.

Nagisa, agora sozinha no hall, ficou contemplando a imagem sabendo muito a sua função: um portal para uma barreira de bruxa. No entanto Homura não era mais uma bruxa, não? Considerando que ela pôde recriar o universo, construir uma barreira seria uma mera brincadeira.

Tendo em mente essa conclusão, Nagisa se aproximou do portal. O que haveria no outro lado? Como seria o trono dessa divindade? Ela engoliu seco, prendeu a respiração e fechou os olhos.

Então atravessou.

O canto e bater de asas de aves foram o sinal que Nagisa estava no outro lado. Abrindo os olhos ela viu que estava no meio de uma nuvem de pó branco. Desesperou-se, aquilo podia ser tóxico. Felizmente ela havia prendido a respiração, infelizmente ela não havia puxado fôlego antes de prender. Não conseguindo mais segurar, aspirou aquele pó. Aquilo tinha cheiro de... giz?

A nuvem começou a dissipar e já era possível discernir que Homura estava parada logo a frente. Ela estava branca da cabeça aos pés, coberta por aquele pó. Haviam vários apagadores de quadro no chão envolta dela.

Já era possível também ver de onde vinha o som das aves. Pássaros negros estavam empoleirados em candelabros em um dos cantos de um grande salão. O chão e as paredes pareciam ter uma tinta que emitia uma fraca luz branca, que contrastavam com um emaranhado de linhas vermelhas. Era como estar dentro de uma enorme teia de aranha.

E lá estavam as crianças de Homura, bem no meio do salão, segurando um comprido cartaz e assoprando línguas de sogras. O cartaz continha runas que diziam:

Bem vinda Vossa Inutilíssima!

Homura virou seu rosto empoeirado e trocou olhares com Nagisa. Fechou os olhos e deu suspiro. Depois voltou para as crianças e bateu palmas, jogando pó para tudo quanto é lado. “Crianças. Venham até mim.”

As crianças deixaram o cartaz e as línguas de sogra. Com um som mecânico vindo de suas articulações, elas se puseram a caminhar em direção a sua mestra.

Nagisa logo reconheceu que elas não eram crianças e sim bonecas. As mesmas bonecas no qual ela enfrentou quando Homura havia virado uma bruxa. Eram feitas de cera branca e tinha vestimentas pretas. Seus olhos espiralavam em tom de azul e branco. A bocas de proporções inumanas expressavam alegria.

De forma ordeira, elas se alinharam diante de Homura.

“Certo.” Homura cruzou os braços. “Quem de vocês teve essa idéia de dar boas vindas? Hum?”

As bonecas começaram a apontar uma para as outras. Algumas também apontavam para Homura e outras para os pássaros.

Homura revirou os olhos. “Eu irei recompensar para quem me disser a verdade.”

As bonecas voltaram a apontar, mas para um lugar diferente de antes. Ainda assim não havia uma concordância. Inclusive uma das bonecas havia apontado para Nagisa.

Foi nessa hora que as bonecas notaram a recém chegada. De forma uníssona elas mecanicamente penderam a cabeça para o lado e fixaram o olhar em Nagisa.

Nagisa deu um passo para trás. Ela sabia que aquelas bonecas eram muito fortes, tanto quanto uma garota mágica. Em um reflexo instintivo, ela revelou seus dentes afiados.

Em resposta aquela atitude, as bonecas mudaram a cor dos olhos. O azul pelo verde, o branco pelo vermelho. E, como se fossem retráteis, uma fileira de dentes similares ao de Nagisa apareceram em suas bocas.

Homura ficou olhando para as bonecas e para Nagisa. “Oh. Fufu. Vejo que já estão se entendendo bem.” Então estendeu o braço para Nagisa. “Não tenha medo. Minhas crianças apenas estão curiosas.”

Nagisa ficou ao lado de Homura, mas evitando chegar muito perto para não se sujar com o pó.

“Elas perguntaram sobre como você se chama, bruxa.” Homura disse.

Nagisa entendeu que Homura estava fazendo o papel de intérprete, mas ela não havia escutado nada. Era alguma espécie de telepatia ou linguagem de sinais? “Oi. Meu nome é..um..Charlotte.”

As bonecas começaram a cochichar entre si.

“Ufufu.”

“O que foi Homura-chan?”

“Ah...” O sorriso de Homura desapareceu, mas logo voltou. “Elas acharam você estranha, inclusive o nome. Então decidiram chamar você de ‘Esquisita’.”

“Bem...obrigada?” Nagisa, com seus grandes dentes, expressou um sorriso sem graça.

“Eu vou apresentá-las.” Homura começou a apontar para cada boneca. “Ibari, Nekura, Usotsuki, Reiketsu, Wagamama, Warukuchi, Noroma, Yakimochi, Namake, Mie, Okubyou, Manuke, Higami, Ganko.”

Homura falou tão rápido que a única informação que Nagisa absorveu era o fato de serem 14 bonecas no total. Felizmente cada boneca tinha uma roupa e cabelo diferente, isso ajudaria quando precisasse identificar cada uma. “Prazer em conhecê-las.”

Homura fez um aceno com cabeça para Nagisa e depois se dirigiu as bonecas. “Crianças, vocês vão ter muito tempo com ela. Agora eu quero que vocês limpem essa bagunça e saiam.”

Bonecas ficaram tristes.

Homura foi mais repreensiva. “Já! Inclusive o cartaz e as línguas de sogras.”

As bonecas começaram a recolher os objetos no chão. Algumas delas pegaram os apagadores e começaram a bater em Homura com eles, levantando novamente uma nuvem de pó.

Nagisa abanou para não pegar aquele pó nela.

Homura colocou os braços na frente do rosto. “Cof! Parem! Cof! Deixem que eu me limpo.”

As bonecas pararam e terminaram de recolher tudo. Juntas, caminharam até uma porta quase invisível, pois tinha uma pintura similar a parede.

Depois que as bonecas foram embora, Homura removeu todo aquele pó em um flash de luz violeta. “Você só esperou 12 segundos...”

“É?” Nagisa não havia chegado a contar o tempo antes de entrar, mas espera parecia ter durado uma eternidade. “D-desculpe. Você não queria que eu visse você desse jeito.”

Homura virou-se para Nagisa. “Claro que não é isso.”

Um cocô de pássaro caiu na cabeça de Homura.

“Só quis evitar que você fosse vítima da brincadeira delas.”

Mais cocôs caíram. Um quase acertou o olho dela.

“Eu queria evitar um incidente. Só isso.”

Nagisa nem estava mais prestando atenção no que Homura estava falando e sim para literal chuva de cocôs que caía sobre ela. Os pássaros que estavam fazendo aquela sujeira vinham de ninhos em um antigo e imenso mecanismo de relógio no teto. As engrenagens e o pêndulo estavam parados e enferrujados.

Com o silêncio de Homura, os pássaros voltaram para suas casas.

E em um novo flash de luz, Homura estava limpa. Ela sorriu. “Ah... estou com fome.”

De repente um dente voador, maior que uma cabeça humana, veio de uma das paredes. Ele tinha uma boca e transportava um copo de vidro em seu topo. Quando parou subitamente próximo a Homura, o copo caiu.

Como se já esperava por isso, Homura pegou o copo em pleno ar e ofereceu para o dente.

O dente então vomitou um líquido marrom escuro, algo que você encontraria em uma latrina mal cuidada. O jato foi enchendo o copo e respingava no chão e em Homura. O cheiro era horrível.

Nagisa ficou de queixo caído.

Com o copo transbordando, o dente parou. Homura alegremente estendeu o copo para Nagisa. “Vitaminas, Aminoácidos, Proteínas... Todas as necessidades diárias estão aqui. Quer um pouco?”

Nagisa fez um aceno negativo com a mão. “Não, obrigada. Hehe.”

Homura deu com os ombros. “Você que sabe.” E bebeu todo conteúdo do copo em poucas goladas. Depois arremessou o copo vazio de volta para o dente.

O dente voador pegou o copo com a boca e mastigou. Mastigou. Mastigou. Até o vidro virar pó e depois voltou para a parede aonde havia saído.

Sem dizer nada, Homura começou a caminhar pelo salão.

Nagisa a acompanhou, procurando evitar a poça de vômito que ficara no chão.

Ao se aproximar de uma parede, Homura parou e, com um gesto com as mãos, fez vários telões aparecerem.

Nagisa viu que os telões estavam passando momentos dela e da Mami, mas sob a perspectiva de uma terceira pessoa. Reconhecendo uma cena de chá com biscoitos no apartamento da Mami, ela percebeu que essa pessoa era Homura.

“Você sempre soube.” Homura disse.

“Hum?” Nagisa questionou.

“No primeiro dia do meu mundo, Miki-san não perdeu as memórias. Você também não, apenas fingiu não é?” Homura olhou para Nagisa.

Nagisa baixou a cabeça.

Homura voltou a olhar para os telões. “Você é esperta. Por isso que vou mantê-la aqui, perto de mim.”

“Eu agora me lembro.” Nagisa levantou a cabeça. “Suas... crianças... elas freqüentavam a escola também.”

Os telões começaram a mostrar as bonecas. “Sim, mas elas são inúteis. Ficavam pregando peças e assustando as pessoas. Causavam-me muitos problemas. Por isso que elas não saem mais daqui.”

Então é assim que está lidando com os problemas. Nagisa pensou enquanto olhava para as linhas vermelhas nas paredes. Isso é uma jaula.

“Globo.”

Após Homura dizer isso, os telões sumiram e um holograma do globo terrestre apareceu sobre as duas.

Nagisa viu o globo rodopiar e revelar manchas escuras sobre algumas regiões do planeta. Duas, uma sobre a China e outra sobre a Índia, eram especialmente grandes.

Homura suspirou. “Como de costume.”

“O que são essas manchas?” Nagisa ficou apontando.

“Demônios.”

Homura e Nagisa ficaram trocando olhares entre si.

Nagisa começou. “E-então é verdade! Mami havia sentido a presença deles, mas depois ela não sentia mais.”

“Infelizmente eles ainda existem. Desapareça.” Com essa palavra, Homura fez o globo sumir. “Bem... Tenho que cuidar disso.”

“RawrrHomura-chan! você vai até lá?!” Nagisa ficou tão surpresa que acabou esquecendo da voz.

“Claro.” Homura deu um grande sorriso. “Pois no meu mundo não existem garotas mágicas.”

Nagisa foi tomada por laranja e mudou para seu uniforme de garota mágica. “Então vou te ajudar. Teheee!”

“NÃO!” Homura fechou a cara.

Nagisa ficou encolhida e fez beicinho.

Homura bufou. “Você só vai me atrasar.” Então começou a caminhar em direção ao portal de saída. “Eu estarei de volta ao amanhecer.”

Nagisa ficou de boca aberta e rodopiou seus olhos. “Hã? Vai passar noite toda fora? Você não dorme?”

Homura parou e olhou para cima, onde ficavam os ninhos de pássaros. “Eu durmo quando der. Agora preste atenção.” Ela apontou para uma das portas na parede. “Ali fica o acesso a sua suíte, não tem erro. Eu recolhi todas as suas coisas no apartamento da Tomoe-san e deixei sobre a cama.” Por fim ela voltou a andar.

“Então é isso?” Nagisa olhou para os lados. “Eu fico esperando você aqui?”

Homura estava prestes a sair, quando olhou para Nagisa. “Já esqueceu? Eu disse as minhas crianças que elas teriam muito tempo com você. Fufufufufu...”

E assim Homura se despediu de Nagisa.

Enquanto imaginava o significado do que Homura acabara de dizer, Nagisa sentiu ser observada. Ao virar viu que as bonecas estavam logo atrás dela. Por onde elas vieram?

Nagisa acenou com a mão. “O-oi. É...O que vocês fazem para passar o tempo?”

As bonecas, juntas, deram um passo a frente.

“Que tal uma brincadeira? Uma que não seja muito perigosa. Hehe.” Nagisa começou a ficar com medo. Então ela sentiu algo cutucar a sua canela.

Era uma criatura muito estranha. Tinha um par de patas e rabo de rato. Seu corpo era redondo e de cor preta com bolinhas vermelhas. Tinha um grande olho no centro, sua íris era feita de círculos concêntricos que alternavam entre azul escuro e amarelo. Entre o corpo e o olho saía um par de orelhas também azuis e uma barbicha que na verdade era um aguçado nariz.

A face de Nagisa iluminou-se. “Pyotr! Como você chegou aqui?”

Nisso Nagisa ouviu o som de estalos mecânicos.

As bonecas tinham o olhar fixo no pyotr e um objeto negro começou a materializar-se na mão delas. Eram alfinetes tão grandes quanto as suas donas.

Antes que Nagisa pudesse compreender as intenções, uma das bonecas golpeou pyotr com a cabeça do alfinete como se fosse uma tacada de golfe.

“Ai. Não!” Nagisa colocou a mão na cabeça.

As bonecas, sorridentes, foram participar da brincadeira. Elas rebatiam o infeliz pyotr entre si em vários estilos. Algumas vezes era golfe, outras vezes beisebol, ou hóquei, ou críquete...

“Parem! Estão machucando eleee!!” Nagisa deixou a mochila no chão e correu atrás.

As bonecas fizeram Nagisa de boba, entre silenciosas gargalhadas. Até que, em um mergulho, Nagisa conseguiu resgatar o pyotr.

Ele estava tremendo e com o rabo entre as pernas. Suas orelhas cobriam seu olho.

Nagisa abraçou-o com carinho. “Eu sei. Elas foram muito cruéis, mas estou com você agora.” E terminou com um beijo.

Os alfinetes evaporaram da mão das bonecas. Elas ficaram olhando com curiosidade.

Nagisa dirigiu-se as bonecas com irritação. “Ele não é brinquedo. Tem que tratar ele com carinho, viu?”

As bonecas penderam a cabeça para o lado e ficaram olhando para chão com uma expressão triste.

Aquela cena mexeu com o coração de Nagisa. Então ela falou com uma das bonecas. “Ei. Quer tentar?”

A boneca ajeitou a cabeça quando viu o pyotr sendo oferecido para ela.

Ele voltou a tremer.

“Dessa vez elas não vão te maltratar.” Nagisa buscou assegurar o pyotr.

Mesmo assim ele continuou tremendo enquanto era segurado pela boneca. Imitando Nagisa, a boneca o abraçou e começou a passar mão nele.

Então ele começou a relaxar.

A boneca olhou para Nagisa e as duas trocaram sorrisos.

Contudo as outras bonecas começaram a ficar agitadas, elas também queriam acariciar.

De bom grado, a boneca arremessou o pyotr para uma das colegas. Ela deu carinho e passou para outra e assim foi. Basquete, handebol, vôlei... Havia passes em todos os estilos.

Nagisa colocou a mão na testa. “Assim também não!”

/人 ‿‿ 人\

Mitakihara estava dando boas vindas ao Sol.

Homura voltava de sua longa caçada. As regiões mais populosas são onde a ocorrência de demônios é maior. Índia e China requeriam visitas semanais.

Já no hall de entrada, enquanto invocava o portal, Homura pensou na bruxa.

Será que ela tentou escapar?

Homura sorriu, nesse caso suas crianças teriam se divertido muito.

Depois de atravessar portal, Homura se deparou com uma cena inusitada: dezenas de pyotr estavam andando de um lado para o outro. Uma grande mesa retangular havia sido montada no meio do salão, as suas crianças estavam sentadas lá assim como Nagisa. Havia uma cadeira vaga em uma das pontas.

Convenientemente, Nagisa estava próxima a essa ponta. “Oi Homura-chan!” Ela fez um aceno, assim como as bonecas.

Homura se aproximou de Nagisa, evitando tropeçar em um dos pyotrs. “Vejo que trouxe seus lacaios, bruxa.”

“Ah! Eles vão seguir aonde eu estiver. Hihi.” Nagisa riu, mas logo depois ficou com uma expressão séria. “Ou eu não posso mantê-los?”

“Não há problema algum, desde que eles não saiam daqui.” Homura disse friamente.

“Obawrr!” Nagisa abriu seu bocão roxo e ergueu os braços. As bonecas fizeram o mesmo em silêncio.

“E parece também que conseguiu fazer amizade com as minhas crianças.” Homura observou que cada boneca tinha um pyotr no colo.

“Sim. Elas me ajudaram a arrumar as minhas coisas no quarto”. Nagisa pegou um copão de 700ml de achocolatado e começou a beber.

“Sério?” Homura ficou perplexa.

Nagisa já havia bebido todo o conteúdo do copo e ficou lambendo os beiços. “Mmmmhh... Foram elas também que trouxeram essa mesa para o salão.”

Nisso Homura jamais duvidaria, tanto a mesa quanto a cadeira eram feitas de ébano. Havia sobre a mesa todo o tipo de bolo, sobremesas e outros quitutes doces. Suas bonecas também estavam comendo ou ao menos pareciam: elas não engoliam a comida, só mastigavam. E mastigavam...

“Eu estava com fome e você não me disse onde ficava a cozinha.” Nagisa colocou um bolo de fubá inteiro em seu prato. “Então eu tive que improvisar.”

Homura ficou com o olhar perdido. “Mesmo se tivesse encontrado, não há nada lá.”

A conversa foi interrompida com a intromissão de uma enfermeira. Na verdade podia se dizer que era uma enfermeira pelo corpo e vestimentas, já que no lugar da cabeça havia apenas um grande olho similar ao do pyotr. Ela carregava uma bandeja com tampa.

Nagisa olhou para a enfermeira. “Oi Polina! O que trouxe de bom?”

Polina colocou bandeja na mesa e tirou a tampa.

Nagisa juntou as mãos. “Nossa! Profiteroles!!”

Homura deu um singelo sorriso. “Você devia ser bem útil para a Tomoe-san.”

“Ela prefere cozinhar. Disse para mim que é como uma terapia.” Nagisa empurrou a bandeja em direção a Homura. “Quer um?”

“Eu não estou com fome.”

“Mas quem disse que se come isso por causa da fome.” Nagisa deu um sorriso de orelha a orelha.

Então Homura pegou com cuidado um dos profiteroles. Aproximou-o da boca e sentiu o cheiro da cobertura de chocolate. Por fim deu uma mordida. Não tardou em dar um suspiro de prazer enquanto mastigava.

“Então? Gostou?” Nagisa perguntou.

Homura engoliu. “É bom.” Disse em um tom educado antes de abocanhar o profiterole por completo.

“Hihi. Quer mais?”

“Mmmhhh.” Homura terminou de engolir aquele pedaço, que era muito maior que o anterior. “Adoraria, mas falta menos de uma hora para começar a aula e eu gostaria de me divertir um pouco antes de ir. Não é, crianças?”

As bonecas viraram para Homura e pareciam estar excitadas.

Nagisa ficou curiosa. “Divertir? É uma brincadeira de vocês?”

“Isso mesmo. Fufu.” Homura começou a estralar os dedos. “Tragam ele.”

As bonecas deixaram seus pyotrs e saíram da mesa. Então uniram as mãos para formar uma roda e começaram uma ciranda. Foram cada vez mais rápidas até que formaram um borrão devido a velocidade e por fim sumiram.

Nagisa ficou impressionada com aquilo. “Quem é ele?”

“Você já vai ver.” Disse Homura, cruzando os braços.

Então o borrão voltou e aos poucos a ciranda foi perdendo velocidade. Em seu centro agora havia um gato branco. Não exatamente um gato, mas mais uma mistura de gato com coelho: Seu corpo, rabo e cabeça eram de um gato, mas seus olhos vermelhos pareciam mais de um coelho. Tinha orelhas de gato, mas de dentro dessas orelhas parecia sair uma orelha comprida e caída de coelho. Essas ‘orelhas de coelho’ eram exóticas, pois tinham uma auréola dourada envolta delas e uma ponta de cor rose com três gemas tão vermelhas quanto seus olhos. Por fim ainda havia um desenho oval vermelho em suas costas.

O gato olhou envolta e viu que estava cercado, mesmo assim ele tentou correr. Porém as bonecas o pegaram facilmente.

Enquanto uma das bonecas o levava até a sua mestra, Nagisa trocou olhares com ele.

“Kyuubey!”

Kyuubey esticou suas orelhas de gato ao ver Nagisa e começou a se debater.

“O que foi Incubator? Não quer combater a entropia hoje?” Homura invocou sua gema que pousou suavemente em sua mão. Ela então mostrou a gema para o Kyuubey e a assoprou.

O assopro fez sair da gema uma espessa névoa negra, como se ela estive empoeirada. A névoa começou a ser absorvida pelo corpo do Kyuubey. Então seu pêlo começou a arrepiar e seus olhos, normalmente estáticos, ficaram esbugalhados. Seu corpo se contorcia em espasmos erráticos e, mesmo que ele não fizesse um som sequer, a dor que ele sentia era evidente.

“Sentindo prazer em salvar o universo? Ah é. Você não sente nada mesmo. FufufwahahahaHAHAHA...” A gargalhada sádica de Homura ecoou pelo salão.

Em resposta, o som de risadas de crianças começou a ser ouvido por Nagisa. Era um som abafado, como se viesse de outro cômodo da casa. Eram as bonecas? Apesar de não haver sincronia com o som, as bonecas visivelmente estavam gargalhando também.

“HAHAHAHAHahahaaa...” Homura notou a expressão de pena de Nagisa. “Está achando muito cruel, bruxa?”

Nagisa desviou o olhar.

“Vejo que Madoka lhe ensinou muito bem.” Então Homura pegou Kyuubey pela cabeça. “Mas eu posso ensinar algo também.”

Homura levou Kyuubey até próximo do rosto de Nagisa. Ele ainda estava sofrendo convulsões.

“Piedade é uma virtude louvável.” Homura falou calmamente, mas logo adquiriu uma expressão de rancor. “Mas somente para aqueles que são capazes de apreciÁ-LA!”

Homura esmagou a cabeça de Kyuubey ao fechar a mão. Seu corpo e suas entranhas caíram sobre o bolo de fubá. Seus olhos saltaram para fora e voaram em direção a Nagisa.

“AAHHH!” Aquilo fez Nagisa cair para trás.

Homura ficou olhando para o que restou de Kyuubey em sua mão, uma mescla de pelagem branca com carne moída. “Aproveite enquanto a cobertura do bolo está fresca.” Ela voltou a olhar para Nagisa. “Se não está mais com fome, então vá para o quarto se arrumar, em meia hora nós partimos.”

Nagisa se levantou e correu para o seu quarto sem dizer mais uma palavra.

Homura olhou para suas bonecas. Elas estavam ansiosas.

“Tragam outro.”


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Prelúdio



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