Desconexão escrita por Jafs


Capítulo 6
Um adeus




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Sol a pino. Esse é um bom motivo para não freqüentar o espaço descoberto no topo da escola no horário do almoço. A maioria dos alunos prefere a sombra das árvores no pátio para comer e tirar conversa fora.

Quem tiver coragem de enfrentar o calor, porém, terá uma visão privilegiada da cidade. Além disso os arquitetos e engenheiros que projetaram o prédio deram um toque especial naquele lugar: o acesso ao topo é adornado com belíssimas torres de design gótico, semelhante as antigas igrejas construídas na idade média.

A hora do almoço estava chegando ao fim e o pátio começava a esvaziar. Logo todos os alunos estariam na sala de aula. Contudo uma pessoa que estava sozinha no topo não pretendia sair de lá, ainda mais que ela não estava usando o uniforme da escola.

Mami havia contemplado com nostalgia suas vestimentas. Sua camisa branca com um lacinho amarelo amarrado na gola. Seu espartilho marrom sobre a camisa, valorizando seu busto. A saia amarelo pastel. A boina marrom com uma pluma branca. A botina e a meia calça combinando. Seu uniforme de garota mágica em toda sua glória.

E, claro, a gema da alma. Ela estava na palma da mão de sua dona com o seu brilho amarelo um pouco apagado devido o uso recente de magia.

Mesmo usando luvas nas palmas, que eram antiderrapantes, Mami quase deixou cair a gema no chão. Ela estava tremendo. Iria ficar cara a cara novamente com Homura. Lembranças da enfermaria apertavam seu coração.

Mami segurou com força sua gema. Ela não podia voltar atrás. Não fazia sentido voltar atrás. Cedo ou tarde Homura descobriria. Era inevitável.

Sentiu um puxão no seu braço direito. Lá estava amarrado um laço que se estendia, passando por cima da grade de proteção nas bordas do topo e descia. Ele avisava que havia terminado o serviço.

Mami fez um gesto e o laço começou a ser puxado, como se ela estivesse usando carretel automático. Enquanto isso ela levou sua gema até a cabeça e colocou-a no centro de uma jóia dourada, em formato de flor e que servia de pino para o cabelo. Ela respirou fundo, não podia demonstrar medo, precisava acreditar em cada palavra que fosse dizer.

Logo a outra ponta daquele laço surgiu, revelando uma pessoa enfaixada nele. Os longos cabelos escuros já revelavam que era Homura. Ela passou por cima da grade e caiu no chão quente como se fosse um saco de batatas.

Homura, caída, ficou com os cabelos esparramados, como um leque. Seus olhos violetas logo encontraram com os da Mami.

Mami juntou as palmas e sorriu. “Ora! Que peixe grande que eu fisguei...” Quando separou as duas mãos, entre elas ia surgindo uma arma. Era um longo mosquete de metal escuro, com adornos e coronha de prata.

Empunhando-o, Mami se aproximou e pressionou a boca da arma na testa de Homura. Com o dedo no gatilho, ela expressava um olhar confiante.

Homura apenas fechou os olhos. Mexendo a cabeça, ela esfregava a testa contra arma. Deu largo sorriso, como se aquilo fosse uma forma de carinho.

Mami recolheu a arma. “Agora estamos quites.”

Homura abriu os olhos e falou em tom de descontentamento. “Estaremos quites se você me soltar.”

“Você teve a sua chance Akemi-san.” Mami falou serenamente.

Homura revirou os olhos. “Então só vai me soltar se a gente tiver a sua conversa.”

Houve uma pausa, onde Mami ficou olhando e sentindo os relevos da sua arma com os dedos. “Talvez.”

“Fufufu.” O corpo de Homura se contraia enquanto ela segurava uma gargalhada.

“Sabe.” Mami voltou a olhar para Homura com um sorriso tenro. “Eu nunca tinha visto você rir tanto. Eu fico realmente feliz com isso.”

Homura fechou a cara. “Bem... Vamos conversar então. Eu começo.” Olhou para o Sol. Ela manteve os olhos abertos, não parecia que ele a cegava. “Belo dia não? O clima está excelente hoje.”

“Assim como ontem e anteontem.” Mami adquiriu uma expressão mais séria. “E todos os dias anteriores. No seu mundo não chove?”

Homura contraiu a face, uma veia soltou para fora em sua têmpora. “Chuva só traz melancolia e más lembranças.”

“E apagando elas você acha que seremos felizes?” Mami respondeu prontamente.

Homura voltou olhar para Mami. “Tomoe-san. Se eu pudesse... eu traria seus pais de volta.”

Agora foi a vez de Mami de contrair a face.

Homura continuou. “Então busquei uma alternativa. Algo menos traumático. Um vôo que desaparecesse no meio do oceano, sem deixar vestígios, soou como uma boa idéia.”

Mami rangeu os dentes.

Homura sorriu. “Dezesseis de março. O dia do desaparecimento. Ainda se lembra?”

Mami colocou a mão na cabeça, sua respiração começou a ficar curta.

“Você foi até a praia com dois crisântemos. Você sussurrou algo para aquelas flores, uma mensagem para os seus pais.” A malícia na voz de Homura era cada vez mais crescente. “Você ainda acreditava que um dia veria seus pais novamen...”

“PARAAA!!! Isso não aconteceu! Isso é mentiraaaa!!” Mami balançava a cabeça e contraia as pálpebras com força. Ela berrava. “Pare de brincar com o que não é SEU!!!”

Homura, decepcionada, pronunciou. “Nossa. Tsc tsc. Quanta deselegância Tomoe-san. Isso ainda é uma conversa?”

Mami parou completamente, inclusive a respiração. Um frio na barriga começou a se espalhar. Aquela Homura, mesmo no chão e amarrada, ainda conseguiu atingi-la.

“Eu estou fazendo isso com a melhor das intenções. Eu lhe garanto. Fufu.” Homura continuou. “Mas se não quiser isso, você pode me matar agora.”

Mami buscava se acalmar, buscava o auto-controle. “Eu disse que não sou sua inimiga. O que acha que Kaname-san pensaria se eu fizesse isso?”

“Madoka...”

Homura fechou os olhos. Uma lufada de vento espalhou ainda mais o cabelo dela.

“Você criou isso tudo por ela.” Mami afirmou o que já sabia.

“Hmmm..” Homura voltou a abrir os olhos. “Quer saber por que eu não quis ser levada?”

Mami não esboçou nenhuma resposta.

“Ela tinha a voz da Madoka, parecia com a Madoka, mas não era a Madoka. Ah não...” Homura balançou a cabeça. “Era apenas um conceito, uma lei.”

“A lei dos ciclos.” Disse Mami.

“A Madoka que eu te falei, as das minhas lembranças, era bem diferente. Ela não era uma divindade e mesmo assim era mais importante que tudo.” A expressão de Homura reluzia em felicidade. “Você viu como ela realmente é quando esteve em minha barreira Tomoe-san.”

“Pessoas mudam Akemi-san. Se eu me lembro bem, você também era diferente lá.” Mami respondeu com serenidade. A conversa estava rendendo frutos, Homura estava se abr...

“E ACHA QUE TENHO ORGULHO DO QUE SOU HOJE???” Homura esbravejou. Depois se recompôs. “Mas quando tive a oportunidade, eu não hesitei, e não hesitaria em fazer de novo se isso dá a vida que Madoka merece.”

“Você é tão devota a ela...” Mami percebeu que aquela era hora de obter a resposta que ela não encontrara. “...por que ela está sozinha então?”

“Como?”

“Eu sei que ela agora é uma estudante transferida e não conhece ninguém.” Mami começou a colocar as cartas na mesa. “Eu entendo que você não queira que ela se misture conosco, você não quer que ela se lembre, mas por que você não está com ela?”

“E-ela não está sozinha!” Homura levantou a voz. “Ela tem um pai, uma mãe e um irmão pequeno. Todos eles a amam muito.”

“Por que você não está junto a ela?” Mami agora falava como se fosse uma mãe querendo descobrir o que sua filha estava escondendo.

Homura ficou em silêncio. Virou a cabeça para fugir do olhar da Mami.

“Akemi-san??”

“Isso não é um interrogatório. Eu falo o que quiser e quando eu quiser.” Homura voltou a se virar para Mami, agora estava impaciente. “Está satisfeita? Logo vai bater o sinal e eu não quero chegar atrasada para aula.”

Mami mordeu os lábios. Ela não havia conseguido uma resposta concreta. Ela apenas sabia que aquele assunto incomodou Homura ao ponto de ela se fechar novamente. “Ainda não. Eu quero saber até quando.”

“O que quer dizer com isso?” Homura ficou confusa.

“Meses? Anos?” Mami começou contar com os dedos. “Décadas talvez? Por quanto tempo vai ficar assim?”

Homura ficou em silêncio.

Mami deu um sorriso. “Hoje você está na mesma sala de aula de Kaname-san. E depois? Um dia ela vai para faculdade.” Mami olhou para céu azul e começou a imaginar. “Ela passou uns anos no ocidente não? Talvez ela volte a viajar. Vai segui-la? Um dia ela conhece alguém. Formar uma família.”

“Fufu...”

“Será que ela pode envelhecer? Afinal ela existe desde que universo foi criado.”

“...fufufwahahAHAHAHAHAHAHAHAH!!!”

As idéias de Mami foram interrompidas pela gargalhada de Homura.

“HAHAHAhahaaahhh...” Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Homura até molhar o chão. “Ai ai. Eu ganhei o dia com essa piada.”

Mami ficou irritada. “Akemi-san, isso não é...” Ela não terminou a frase, ao ver o riso escancarado e malicioso de Homura.

“Eu vou recompensá-la por isso. Vou lhe revelar algo bem simples de entender. Você que sempre ‘lidou muito bem’ com a verdade.” Homura falou em tom de sarcasmo que até o maior dos ignorantes notaria. Uma aura de cor violeta começou a rodeá-la.

Mami pode sentir a magia absurda que estava sendo liberada naquele momento.

“Eu TRAÍ TODAS vocês!”

O que se sucedeu foi uma explosão de energia.

“AAAHHHH!” Mami protegeu os olhos como pôde dos fragmentos de laços que voaram para tudo quanto é lado.

Quando voltou a enxergar, Mami ficou espantada: A sombra de Homura estava voando diante dela. Não! Não era uma sombra! Era a própria Homura, que estava com um vestido e asas de cor preta. “A-akemi-san?! O que aconteceu com você?”

Homura abriu os braços e levantou o queixo, olhando com desdém para Mami. “Você pode negar que é a minha inimiga o quanto quiser, mas eu SOU!”

Mami não esperava que a Homura houvesse mudado tão drasticamente. Aquilo era surreal! E estava ficando ainda mais surreal quando Mami notara que céu estava ficando violeta. Olhou para o Sol. A lua estava eclipsando ele, ao menos a metade que ainda restava.

“Ah sim...” Homura sorriu.”É a hora da punição.”

“P-punição?!” O coração de Mami parecia estar na garganta. O mosquete que ela segurava tremia que nem um bambu no meio de um terremoto.

“Oh??” Homura pronunciou em um tom sarcástico. “Você não achou, depois de tudo o que fez hoje, que eu ia deixar passar batido. Hum?”

Nesse momento uma revoada de estranhos pássaros de asas negras surgiu no céu. Eram centenas de milhares, senão milhões deles, passando sobre a escola. O breu tomava conta e começou uma chuva de penas.

Homura posou os dedos de uma das mãos no seu queixo. “Hmm... Não vai me agradecer pela conversa que tivemos? Essa é a sua última oportunidade. Fufu.”

Eu vou lutar para que nós sejamos felizes.

Mami segurou com força a sua arma. A promessa que ela fez para Nagisa ecoava em sua mente que se fortalecia.

Eu vou lutar.

Dois laços circundaram seu mosquete. Eles brilharam em um amarelo intenso.Quando luz diminui, a arma já era outra: um mini-canhão. Empunhando com as duas mãos, Mami apontou-o em direção a Homura.

Contudo Homura não parecia muito preocupada.

Com um estrondo, o canhão disparou uma bola de laços. Enquanto voava em direção a Homura, ela se desabrochou e revelou ser um grande lençol de laços entrelaçados.

“Ainda vai tentar me prender? Tolice.” Faíscas de cor violeta começaram a pular entre os dedos da mão de Homura. Golpeou aquele lençol como se tivesse garras e o despedaçou.

Homura quis revelar seu sorriso triunfante, mas Mami havia desaparecido. Nessa hora ela se deu conta: o lençol não era para prendê-la, mas para bloquear seu campo de visão como nos truques de mágica.

Onde?

Uma luz amarela irradiou de um ponto mais alto de onde Homura estava. Levantou a cabeça e viu que Mami havia dado um super salto e invocado um enorme canhão. Tinha seis metros de comprimento e um calibre de 300 milímetros!

Tiro...

Mas ele não estava apontado para Homura.

FINALE!

E nada aconteceu.

Mami ficou perplexa, por um momento acreditou que o tempo havia parado, mas as penas negras que continuavam a cair envolta diziam o contrário. Então ouviu um estranho som de dentro do canhão. Algo estava prestes a sair.

Tomates.

Em várias formas e tamanhos, mas todos vermelhos, começaram a sair pela boca do canhão. No começo eram algumas dezenas, mas logo virou uma torrente. Espatifavam no chão, manchando de vermelho o topo da escola. Mami não tinha palavras para o que estava testemunhando.

“Você foi ousada.” Homura começou falar. “Disparar contra o pátio vazio. A explosão provavelmente ia estilhaçar metade das vidraças da escola.”

Mami olhou para Homura. Tomates continuavam a cair e já estavam formando uma montanha.

“Você ia ter uma grande platéia, não? Ia me dar muito trabalho. Só que sou eu que decido quando o show termina.” Homura fez um estalo com os dedos.

O canhão desapareceu. Mami voltou ao seu uniforme escolar e começou a cair.

Lutar era inútil. Essa foi a realização de Mami. Homura não era meramente muito poderosa, ela literalmente tinha as chaves da realidade. Contra isso nada podia ser feito.

Mami mergulhou fundo naquele monte de tomates.

“Fufu.” Homura riu do som que aquele evento gerou.

Lambuzada, Mami saiu com dificuldade e escorregando do meio da montanha. As penas negras começaram a grudar em seu corpo. E como pesavam! Parecia que cada pena tinha uns vinte quilos senão mais.

Isso era mais um motivo para Mami sair dali o quanto antes. O outro era o fato que ela ainda havia um trunfo: alguém poderia ter ouvido o som do disparo do mini-canhão.

“Aonde você vai Tomoe-san?”

Mami ignorou Homura e tentou correr em direção ao acesso, porém ela acabou escorregando em um tomate e caiu. As penas que estavam no chão acabaram colando nela. Mesmo com muito esforço, ela não conseguia levantar todo aquele peso. Ela tentou tirar com a mão, mas as penas não desgrudavam. Então ela continuou tentando alcançar o acesso se arrastando.

Mais penas caiam sobre ela, aquele peso a estava esmagando. Ela respirava com dificuldade.

Ela pode fazer algo pior. Ela pode...

Mami se lembrou do rosto choroso de Nagisa e do que ela havia dito. Depois vieram as faces de Kyouko, Sayaka e por fim a de Madoka.

“Desculpem. Eu fui uma boba.” Uma solitária lágrima desceu pelo rosto de Mami antes dela sucumbir.

/人 ‿‿ 人\

“Corre cara!”

Dois garotos estavam chegando a escadaria que dava acesso ao topo da escola.

“É sério esse papo de tiro?” Um dos garotos perguntou.

“Sim! Meu avô tem uma coleção de armas. Eu reconheço um som de tiro de longe. Era de calibre grosso. Tenho certeza” O outro que estava mais a frente respondeu.

“Iiiihhh! Mas se a escola ficar sabendo que a gente tá andando com um pessoal armado, nós pegamos suspensão na hora.”

“Só se você abrir o bico.” O garoto a frente retrucou. “Vamos lá! Só precisamos subir a escada.”

/人 ‿‿ 人\

Respire!

Mami escancarou os olhos enquanto puxava o ar com força para os seus pulmões. Ainda estava em um estado deplorável, suja de tomate e com penas em todo corpo, ao menos essas últimas agora pesavam como deveriam ser.

“O que achou da minha punição?”

Mami estava de bruços e procurou se virar. Homura estava voando acima dela, carregava consigo uma pena. Não havia mais pássaros e o eclipse estava chegando ao fim, mas o céu continuava violeta.

“Sem ar não é?” Homura ficou girando a pena em sua mão. “Agora sabe como eu senti em todas as vezes que você me amarrou, me amordaçou, me prendeu.”

Mami não tinha fôlego para responder. Além disso, responder poderia só piorar a situação. Ao menos ainda estava viva.

Homura olhou para Mami e revelou um sorriso malicioso. “Essa punição não foi nada comparado com o que vou fazer com a bruxa.”

Se ela queria uma resposta da Mami, ela tinha conseguido.

“Espere!...Ah...ah...ela não tem...nada haver com isso.”

Homura contraiu o rosto em um ato de pura cólera. “Ela tem TUDO haver. Você é a comprovação disso.”

Mami ficou confusa com o que Homura estava dizendo.

Homura se acalmou e voltou a sorrir. “Não se preocupe Tomoe-san. Você não vai sofrer, pois vou fazer questão de apagar todas as memórias que você tem dela. Será como se ela nunca tivesse existido.”

Mami arregalou os olhos e começou tremer. Tirando o ar de onde não tinha, ela berrou. “NÃO! NÃO MACHUQUE A BEBE!!”

Homura fechou os olhos, parecia que ela ponderava quanto aos apelos de Mami, depois soltou a pena que segurava e disse. “Eu vou dizer ela que você mandou um adeus. Fufufwahaha.”

Em um último ato de desespero, Mami estendeu o braço em direção a Homura, buscando agarrá-la. Antes daquela pena cair sobre seus olhos, a última coisa que viu e ouviu foi a gargalhada de Homura.

Agora, em meio a escuridão, a única coisa que Mami ainda podia fazer era se agarrar as suas lembranças como toda a sua força que ainda restava. A textura daqueles longos cabelos prateados, o calor do abraço. Quando aqueles curiosos olhos alaranjados apareciam na cozinha querendo saber o que ela estava preparando. Ou quando ela mostrava catálogos os sobre inúmeros tipos de plantas usados para chá, procurando ensinar a sua protegida aquela arte. Até mesmo as lembranças mais perturbadoras, como quando acordava no meio da noite por causa do som de grunhidos vindo do outro quarto e então encontrava Nagisa com a face transformada, chorando por causa de um pesadelo onde ela dizia que havia machucado alguém que ela amava muito.

Mas, mesmo sendo aos poucos, aquele som, imagem e cheiros se desvaneciam e não se podia mais distingui-los em relação a escuridão do vazio.

“NNNNÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁHHHHHHHHHH!!!!!!!!”

/人 ‿‿ 人\

Depois de vencerem o último lance de escada, os garotos abriram a porta que dava acesso ao topo da escola.

Só havia o Sol e o céu de azul límpido.

“Eu jurava que o tiro vinha daqui.”

O sinal toca.

“S-seu vacilão! Agora a gente tem que correr para aula senão vamos ter que limpar a sala depois.”

/人 ‿‿ 人\

“Tchau Nagisa-chan!”

“Tchau Ayako-chan. Até amanhã!”

Na frente do portão da escola, Ayako foi até a sua mãe, deixando Nagisa para trás.

Nagisa teve que engolir o excesso de saliva na sua boca.

“Ai ai. Cupcake...”

Aquela tentação lhe fez lembrar do recente incidente no banheiro. Ela precisava se policiar sempre, não podia trair a confiança que Madoka havia posto sobre ela quando foram resgatar Homura.

Contudo lá ela ficava a maior parte do tempo com a Mami. Nesse mundo de agora a tortura era muito grande. A escola era como um enorme pote de vidro cheio de coisas gostosas.

Nagisa estava perdida nesses pensamentos quando foi acometida por um vento forte que fez seu cabelo esvoaçar em seu rosto, obrigando ela a proteger os olhos.

Quando a ventania ficou mais branda, Nagisa abriu os olhos e viu as luzes dos prédios modernos de Mitakihara. Era um vista familiar, mas o ângulo não: ela estava um ponto acima daqueles prédios. Ela estava voando? A lua, cortada pela metade, estava alto no céu estrelado. Por que já era noite? Um instante atrás ainda era claro.

Quando Nagisa olhou para o chão, procurando se localizar, viu que estava de frente a um precipício. Um mero passo a frente e ela cairia no vazio.

“Bem vinda, Charlotte.”

Se aquela situação já era assustadora para Nagisa, aquela voz era ainda mais. Ela se virou e viu Homura, com um vestido negro revelador e asas de penas escuras. Aquela era Homura mesmo?

O sangue parecia ter fugido do corpo de Nagisa. Ela começou a suar frio ao testemunhar um sorriso se formando na face de Homura.

“O-oi? Q-quem é v-você? Quem é C-charlotte? Hehe. Eh.. Meu nome é Nagi...”

Homura deu um tapa no rosto de Nagisa tão forte que a derrubou. Ela quase caiu no desfiladeiro.

“Aqui não é lugar para mentiras, bruxa.” Homura falou em um tom frio.

Nagisa estava caída de bruços e não se movia.

“Vai fingir que desmaiou?” Homura revirou os olhos. “Se você está querendo ganhar tempo para Mami. Não adianta. Eu já cuidei dela.”

Nagisa fechou os punhos. “Você...”

“Ela mandou um adeus para você. Fufu.” Homura disse.

Nagisa se levantou. Sua face tinha se transformado na da bruxa Charlotte. Seu olhar colorido, fixo em Homura, era de puro ódio e fazia questão de mostrar seus dentes afiados.

Homura riu. “Hohohoho! Agora sim.”

O corpo de Nagisa por um instante irradiou uma forte luz alaranjada e então sua roupa havia mudado. Ela usava uma touca de cor chocolate escuro, decorado com um par falso de orelha de gato e pom-poms dependurados na ponta de longos fios. Usava um xale de cor laranja sobre um top escuro, sua barriga ficava exposta. Outra peça que também era da cor chocolate era sua saia inflável com suspensórios, uma gema de cor lavanda na forma de um bombom ficava na fivela do cinto. E, como não podia deixar de ser, usava uma meia calça marrom de bolinhas para completar seu uniforme de garota mágica... quando fora uma.

Nagisa se posicionou, pronta para começar uma luta, mesmo se aquela poderia ser sua última.

Mas Homura não demonstrava estar ali para isso. “Ela está bem.”

Nagisa não relaxou sua posição.

Homura continuou. “Bem... Ela vai precisar de um banho. Sabe. Tomates.”

Nagisa pendeu a cabeça para o lado e deu um grunhido. “Hã?”

“Ela não é o problema que tenho que resolver.” Homura apontou o dedo para Nagisa. “Você é.”

Nagisa relaxou a sua postura e começou a apontar para si mesma.

“Sim. Talvez não esteja a par, mas a sua colega Miki-san tem me causado problemas.” Homura disse, ficando mais séria. “Ela sempre está recuperando as memórias dela. Hoje ela está... domesticada, mas ainda é uma ameaça.”

“Por que está me dizendo isso?” Nagisa falou com sua voz distorcida.

Homura olhou para sua mão esquerda. ”Não entende? O que vocês duas tem em comum? Hum?”

Nagisa não chegou a responder a pergunta, mas sua expressão já indicava que ela havia entendido.

“Eu formulei uma teoria. Chama-se hierarquia do desejo.” Homura estendeu sua mão esquerda. “Primeiro vem as ingênuas garotas mágicas.” Começou a levantá-la. “Quando vêem que seu desejo só lhe trará dor, elas amadurecem e se tornam bruxas.” E levantá-la e quando parou um brilho violeta logo surgiu sobre aquela mão.

Na luz apareceu uma gema da alma, mas diferente: era uma esfera lilás dentro de ornamento de ébano que tinha o formato de uma coroa. Nagisa nunca havia visto nada igual.

“E por fim vem eu. A que transcendeu tudo isso.” A gema desapareceu e Homura abaixou o braço. “Porém vocês bruxas estão próximas a mim nessa hierarquia e parecem serem capazes de resistir ao meu poder.”

Homura voltou a olhar para Nagisa. “Infelizmente eu não posso eliminar Sayaka Miki. Ela era amiga de infância de Madoka.”

O coração de Nagisa começou a palpitar, ela já previa aonde Homura queria chegar.

“Mas você?” Homura deu um largo sorriso. “Ainda mais agora que eu sei que é capaz de recuperar as memórias da Tomoe-san.”

Nagisa abaixou e acabou deixando escapar sua grande língua para fora, tendo que puxá-la de volta. Havia sido ela que tinha trazido Mami de volta, mesmo se não tivesse sido a intenção. A ligação que as duas tinham formado, ainda dentro da barreira de Homura durante o resgate, era muito forte.

“Você vai... me matar?”

“Matar você?” Homura respondeu incrédula. “Não. Já fiz isso inúmeras vezes. Eu pensei em algo mais útil. Eu irei bani-la.”

Nagisa levantou a cabeça. “Me banir...”

Homura continuou. “Você deixará meu mundo e voltará para lei dos ciclos. É assim que vocês chamam lá? Enfim... você vai dizer para o que ou quem estiver lá que Madoka está muito bem aqui. Fufu.”

Nagisa ficou de quatro e colocou a cara no chão. “NÃO! Eu não quero ir para lá!”

Homura levantou as sobrancelhas. “Eu lhe dei escolha?”

Nagisa começou a soluçar. Ela emitia um som que parecia o ganir de um cachorro. Ela mostrou a face: lágrimas roxas desciam e contrastavam com pele branca do rosto.

“Lágrimas de uma bruxa? Que comovente.” Homura deu um sorrisinho sarcástico.

“E-eu voltei a ser uma menina. Eu me comportei bem. Sniff. Eu fiz até amigos na escola. Eu sou feliz aqui.” As lágrimas continuavam a cair.

“Eu não posso deixar você com a Tomoe-san.” Homura respondeu entediada.

“Eu faço qualquer coisa!” Nagisa novamente se abaixou. “Prefiro MORRER a voltar para lá!!!”

Homura ficou assustada com aquela afirmação. Memórias de um passado recente povoaram a sua mente. Memórias de um campo florido.

Eu jamais iria querer ir para um lugar onde eu poderia nunca mais ver vocês novamente.

“Charlotte.” Homura pausou, seus lábios tremiam. “Você dá valor ao mundo? Você considera a estabilidade e a ordem mais importante que o desejo?”

/人 ‿‿ 人\

Mais uma manhã em Mitakihara.

Mami Tomoe estava a caminho da escola, correndo. Normalmente era uma das primeiras a chegar na classe, mas hoje o dia havia começado com o pé esquerdo. Ela havia acordado cheirando a tomate! Teve que tomar um bom banho, quase trinta minutos apenas para lavar os cabelos.

No caminho ela passou próxima a uma mesa com um guarda-sol escuro sem notar, não que ela pudesse se estivesse com menos pressa.

Homura, sentada em uma das cadeiras disponíveis naquela mesa e vestindo o uniforme da escola, ficou observando Mami.

“Como eu disse. Ela está bem.” Homura dirigiu essas palavras para a outra pessoa sentada a mesa.

Nagisa continuou olhando para Mami até que esta atravessou os portões da escola.

“E ela vai continuar assim, desde que você não se aproxime dela. Estamos de acordo?” Homura apoiou sua cabeça sobre suas mãos.

Os olhos laranja de Nagisa evitaram Homura. Sua boca fazia menção que iria abrir para falar algo.

“O que foi Charlotte?” Homura perguntou.

“O-obrigada A-akemi-san...”

“Não agradeça.” Homura falou em um tom frio. “Eu não fiz isso por você e sim pelo que eu acredito.”

Nesse momento Madoka, sem notar, passa próxima a mesa também.

“Bem... a aula já vai começar.” Homura sorriu. “Vamos?”


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Terra de inúteis