Desconexão escrita por Jafs


Capítulo 14
Corações cegos




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Sayaka e Kyouko discutiam no quarto sobre como iriam contactar a Mami. Ainda havia um resquício do entardecer passando pela janela.

Kyouko ainda estava vestida com o uniforme da escola, mas havia retirado o laço vermelho e deixado a gola mais folgada. “Ela mudou os números de celular?”

“Veja. Todos eles.” Sayaka mostrou a agenda de contatos registrados no celular dela. “Quando liguei uma vez para o número da Madoka que eu ainda lembrava, adivinha quem atendeu?”

“Credo.” Kyouko retirou o laço preto que prendia seu cabelo, foi até o espelho da penteadeira par ver como estava. As longas mechas chegavam até o joelho. Vou ter que dar uma aparada. “E email? Será que dá?”

Sayaka balançou a cabeça. “Não. Eu nem acesso mais a Internet, pois ela parece saber quando uso.”

Kyouko estava colocando o laço de volta. “Agora ela é nerd também? Sei que ela tinha jeito com mecânica, um pouco de eletrônica, mas computadores?”

Sayaka sentou na sua cama, suspirando. “Não vai ser fácil.”

Kyouko olhou para Sayaka. “Acho que vamos ter que ficar com o correio secreto então.”

Pensativa, Sayaka estava de cabeça baixa. ”É, mas seria um tiro no escuro. ‘Se’ chegar nas mãos da Mami-san. ‘Se’ ela chegar a ler. Ainda assim pode não dar certo. A carta teria que ser muito bem escrita e convincente, além disso as instruções para mantermos contato tem que estar bem claras.”

Kyouko colocou ambas as mãos atrás da cabeça. “Hum... Por que a gente não tira umas fotos hein? Dizem que uma imagem vale por mil palavras. Heh.”

“Imagem...” Os olhos de Sayaka iam de um lado para outro. Então se arregalaram. Ela levantou da cama em um pulo, bateu palmas e apontou para Kyouko. “É! Isso...”

Kyouko alegrou-se. “Opa! Gostei de ver. Teve uma idéia.”

“Sim!” Sayaka andava de um lado para o outro no quarto. “Precisamos de bastante impacto. Só preciso me lembrar... ah!” Ela correu até o armário, abriu a última gaveta de cima para baixo e retirou um grande pote retangular tampado.

Kyouko ficou curiosa. “O que é isso aí?”

Sayaka chegou perto da Kyouko, com o pote, e o abriu.

Tiras de tecidos de várias texturas e cores, botões, alfinetes, agulhas, rolos de fio, tesoura... Um conjunto completo de corte e costura.

Aquilo surpreendeu Kyouko. “Não conhecia esse seu lado.”

O olhar de Sayaka se perdeu em lembranças. “Faz tempo. Eu usava para fazer roupas para minhas bonecas e consertar meus vestidos. Sabe. Minha família no passado não tinha tantos recursos. Eles deram muito duro para chegar aqui.”

“Sei como é.” Kyouko apertou os lábios. “Mas... voltando ao que a gente tava fazendo. O que cê pretende com isso?”

Sayaka voltou a si. Sorriu. “Você vai ver. E Kyouko...” A chamou.

“Oi?”

“Está pronta para a fama?”

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Aula com a Saotome, a última antes do almoço, a última antes de colocar o plano em ação.

Sayaka e Kyouko aguardavam o sinal na ponta das suas cadeiras.

“Pronta?” Sayaka cochichou.

Kyouko afirmou fazendo um aceno com a cabeça.

Quando tocou, as duas saíram em disparada.

“Sem corr...”

Antes de Saotome completar a frase as duas já estavam longe, dobrando uma esquina.

“Acha que vai dar certo, Sayaka?” Kyouko tentava acompanhar Sayaka, evitando trombar com os estudantes que estavam saindo das salas.

“Não posso garantir, mas é bem menos arriscado do que entregar diretamente a ela.” Sayaka respondeu.

As duas subiram um lance de escadas, antes de pararem.

“Vamos esperar aqui um pouco. Tenho certeza que aquela lá vai seguir Madoka até o refeitório.” Sayaka abriu a mala e pegou um objeto lá dentro.

“Mas não vamos esperar muito tempo né? Senão a pessoa que a gente quer ver vai embora também.” Kyouko ficou observando estudantes que passavam por ali.

“Não muito, mas eu a conheço, ela é um pouco devagar.”

“Será que esse papo vai colar?”

Sayaka fechou a mão, escondendo o objeto debaixo dos dedos. “Com certeza. Deixa comigo.”

Passado dois minutos, as duas desceram as escadas, dobraram a esquina e retornaram a sala de aula.

Assim como previra, Sayaka avistou Hitomi Shizuki no corredor, retirando seu celular no armarinho pessoal.

“Oi Hitomi.” Sayaka acenou.

Hitomi estava surpresa. “Hã? Ah... Olá Sayaka-san, Sakura-san. Esqueceram algo na sala?”

“Não...não...” Sayaka balançou a cabeça. “É que eu e a Kyouko encontramos isso aqui no chão.” Ela estendeu a mão que estava fechada e abriu.

Hitomi analisou aquele objeto. “Um pendrive?”

Sayaka sorriu. “Sim. Eu acho que alguém andou perdendo.”

Hitomi pegou o pendrive e leu atentamente a etiqueta que estava colada nele. “Ma...Mami Tomoe...”

“Essa deve ser a dona.” Disse Sayaka.

“É.” Hitomi também sorriu. “Se deixar lá na seção de achados e perdidos, com certeza ela vai encontrar.”

“Não!” Sayaka gesticulou desesperadamente.

“Hum?”

“Você confia no pessoal do achados e perdidos? Vai que eles acessem o que estiver aí dentro?” Sayaka apontou para o pendrive.

“Imagina se tiver algo indecente? Aposto como vão colocar na internet.” Kyouko complementou, resultando em uma cotovelada da Sayaka. “Ei.”

“I-indecente?!” Hitomi foi ficando vermelha.

“Ah! Minha prima só está brincando. Hehehe...” Sayaka ficou coçando a cabeça. “Mas realmente pode conter informações pessoais e sensíveis. Eu confio a você Hitomi, a nossa respeitável representante de classe, que vai entregar isso para sua dona sem incidentes.”

“Entendo. Fico feliz em ouvir isso, mas...” Hitomi baixou o olhar. “Você só me vê agora como representante de classe?”

“Hã?” Sayaka ficara atônita.

Hitomi deu um singelo sorriso. “Eu devia ter esperado por isso. Desde que comecei meu relacionamento com o Kyousuke, eu e você ficamos distantes.”

“Ah...” Sayaka abriu e fechou a boca algumas vezes, procurando o que dizer. “E-está tudo bem. Haha. Eu estou feliz que vocês estejam juntos e tenho a Kyouko como companhia.”

“É...” Kyouko sentiu a dor no tom de voz empregado pela Sayaka. Aquilo a deixou preocupada.

Hitomi suspirou. “Ainda assim... Eu sinto falta de você, Sayaka-san. Mesmo com você na minha frente agora, eu tenho essa sensação. Esquisito, não? Huhu.” Terminou com um riso sem graça.

“Hitomi...” Sayaka sentiu algo vazio e frio se espalhando pelo corpo. Sua pele arrepiou-se.

“Isso é pior nesses dias em que ele tem faltado as manhãs de aula por causa dos ensaios. Ultimamente tem sido mais freqüente. Eu devia aproveitar esses momentos para voltarmos...” Hitomi é interrompida pelo som de um violino. Ela olhou no celular. “Ah! Deve ser ele me chamando para almoçarmos juntos.”

“Sayaka...” Kyouko a chamou em um tom baixo.

Sayaka estava suando e tremendo muito.

Hitomi atendeu. “Oi amorzinho! Eu estava com saudades sabia?”

Sayaka virou e correu.

“Tch...” Kyouko pensou em segui-la. No entanto ela não sabia como Hitomi iria reagir aquilo. Como Hitomi tinha posse do pendrive, isso era muito relevante.

“Oh? Vai ficar no ensaio o dia todo? Uhum... entendo. Eu vou organizar as anotações das aulas para você. Ok? Tchau amor. Beijo, beijo.” Hitomi desligou o celular, triste.

“O rapaz não vem né?” Kyouko comentou.

“Ele anda muito ocupado...” Hitomi respondeu.

Kyouko desconfiou. “Fica de olho hein? Vai que ele tá com outra por aí.”

Hitomi ficou boquiaberta. “N-não! Ele é um rapaz direito, nunca faria uma coisa dessas.”

“Cê que sabe...” Disse Kyouko.

Hitomi procurou mudar de assunto. “O que houve com a Sayaka-san? Ela parecia estar passando mal.”

“Ah! Aquilo? Sabe né...” Kyouko passou a mão no ventre. “Cólicas.”

Hitomi tampou a boca com a mão. Depois se aproximou de Kyouko. “Eu também tenho umas crises horríveis de vez em quando.”

“Aham...” Kyouko apenas balançou a cabeça.

Cochichando, Hitomi continuou. “Ela não tem analgésicos?”

“É... bem...” Kyouko ficou brincando com o seu rabo de cavalo. “É que o dela é muito irregular... e ela esquece.. e pá.”

“Ah sim.” Hitomi sorriu. “Eu devo ter algum na minha bolsa, posso deixar contigo?”

“Se não vai fazer falta...” Kyouko de uma piscadela, sorrindo.

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Correr.

Sayaka gostaria de fazer isso para sempre. Ficar o mais longe possível da mágoa, do arrependimento. Contudo, seu uniforme estava ficando encharcado e ela sabia que não era pelo suor.

Entrou no primeiro banheiro que avistou. Manteve sua cabeça baixa para evitar quem estivesse lá dentro e se trancou em um dos boxes. Abriu a tampa do vaso, não conseguia mais segurar...

Vomitou, mas não era o café da manhã e sim litros e litros de água cristalina. O vaso quase transbordou.

Pálida e ainda tremendo, Sayaka questionava as suas próprias afirmações. Hitomi não era boa demais para o Kyousuke? Ele não era águas passadas? Por que suas emoções lhe traíam?

“Não é justo! nÃO É JusTO!!!” Sayaka deu soco contra a parede. Fragmentos caíram pelo chão.

Sayaka espantou-se com aquilo, levantou a cabeça e viu que sua manopla de ferro havia rachado a parede.

O...nÃo...” O desespero de Sayaka crescia a cada segundo que olhava para as suas mãos.

Então o que sucedeu foi um puxão, mas não do seu corpo. A armadura que se instalara evarou em uma cortina de fumaça negra. Ao mesmo tempo, seu espírito turvo e pesado foi se restaurando.

A fumaça saía do boxe através da porta. Sayaka sabia o que estava acontecendo, era uma sensação de alívio e nojo.

O som da tranca se abrindo.

Sayaka, abraçada ao vaso, olhou para a porta. Isso não fazia parte da rotina.

Ao abrir da porta, a figura de Homura Akemi foi revelada. “Estragou o meu almoço.”

“Maldita...” Sayaka disse em tom baixo, ainda estava muito zonza e fraca.

Homura, vendo a rachadura na parede, adentrou-se. “Ora! Querendo redecorar a escola? Oktavia.”

“Não me chame assim!” Com o auxílio da fúria, Sayaka ergueu-se, porém não teve tempo para reagir. Homura a empurrou, fazendo-a cair sentada sobre o vaso.

“Então não devia ter escolhido esse caminho.” Homura respondeu com seriedade.

Depois do acesso de raiva, os músculos não respondiam. Sayaka não tinha certeza se ainda era fraqueza ou algum truque da Homura. “Vai... apaga a minha mente logo.”

Homura estendeu a mão esquerda com a palma aberta.

Sayaka notou um familiar brilho violeta nos olhos dela. Não havia mais nada a se fazer.

Fechando a mão, Homura disse. “Pronto. Como se fosse novo.”

Sayaka virou e viu que a rachadura na parede havia sumido.

Homura suspirou. “Do que adianta? Amanhã você já estaria olhando atravessado para mim de novo. Aliás, isso não resolve sua condição.”

Sayaka voltou a fitar Homura, sua raiva era evidente.

Homura prosseguiu. “Se eu não estivesse aqui para te purificar, você estaria fora de controle. Estaria matando inocentes. O que Madoka acharia disso? Hum?”

“Cínica!” Sayaka vociferou. “Isso é tudo culpa sua!”

“Não!” Homura apontou para Sayaka. “Você tomou essa decisão sem pensar. Abraçou a sua maldição. Fez isso só para me irritar, como uma criança birrenta.”

Sayaka estremeceu.

“Você escolheu sofrer...” Homura pousou a mão em seu peito. “Mas ainda posso ajudá-la.”

“Eu não quero nada vindo de você.” Sayaka disse com firmeza.

“É?” Homura cutucou seu queixo. “Mesmo se for referente ao Kyousuke Kamijou?”

Sayaka arregalou os olhos.

Homura foi enfática. “Ele é o cerne da sua maldição. A amizade que você tem com a Shizuki-san havia sido mantida, mas você se distanciou dela por causa disso.”

“O que... você vai fazer?” Sayaka estava temerosa.

“Eu vou terminar o relacionamento dos dois.”

Aquilo apenas confirmara o que Sayaka já sabia. “Sua desgraçada! Brincando com a vida dos outros... você é a pura maldade.”

“Eu sei.” Homura fechou os olhos. “Porém esse não é o caso.”

“Como é?” Sayaka questionou, irritada.

“Você tem consciência de como anda o relacionamento deles. Kamijou não é muito atencioso em relação Shizuki-san.”

Sayaka desviou olhar. “A maior paixão dele é a música, mas Hitomi sabia disso e...”

“Está enganada.” Homura interrompeu. “Tem algo que ele ama mais que a música, o violino, a partitura.”

Homura voltara abrir os olhos e deu um sorriso singelo.

Sayaka estava confusa e curiosa.

Homura prosseguiu. “Já ouviu falar no ditado onde a pessoa só reconhece o valor de algo depois que o perde?”

Sayaka continuava sem palavras.

“Ah sim! Esqueci que tenho que ser mais direta contigo.” Homura pendeu a cabeça de lado, a gema violeta em seu brinco balançara.

“Ele ama você, Miki-san.”

Aquilo foi como uma mão entrando em seu peito e esmagando o coração. Sayaka rangeu os dentes. “Mentira! Mentiramentiramentiramentira...”

Homura balançou a cabeça em sinal de desaprovação. “É isso o que acontece quando dois idiotas não têm a coragem de expressar seus sentimentos...”

“Mentira!” Falou Sayaka, com as veias saltando da sua têmpora. “Ele só me vê como uma amiga.”

“Não.” Homura riu. “Fufu. Sabia que ele tem um curioso caso de sonambulismo?”

“Hã?”

Homura aproximou-se do rosto da Sayaka e falou em tom baixo. “Ele fica chamando ‘Sayaka...Sayaka...Sayaka...’. Ele também fica estendo a mão para um ponto vazio ao lado cama. Deve sonhar com aquelas tardes no hospital com você ao lado.”

“Ah...ah...” Lágrimas começaram a cair dos olhos da Sayaka.

Homura então se afastou. “Eu posso apagar as memórias dele, mas os sentimentos é algo mais... elusivo. O inconsciente dele está perturbado, confuso. Isso está afetando o seu desempenho musical e ele tem tentado compensar inutilmente com mais ensaios. É amor. Eu garanto, sou perita nesse assunto. Fufu.”

“Por favor.” Sayaka disse chorando. “Deixa eles em paz.”

Homura irritou-se. “Você ouviu o que eu disse? O relacionamento deles está condenado. CONDENADO! Se não fosse minha intervenção, isso já teria terminado. Acredita que eles ainda se chamavam apenas pelo sobrenome? Isso já devia estar assim quando você foi levada pela lei dos ciclos.”

Sayaka escondeu o rosto. “Eu não quero... o Kyousuke.”

“Se acha que vou entregá-lo para você, equivocou-se.” Homura jogou seu cabelo para trás com a cabeça. “Eu apenas farei todos esquecerem que os dois estiveram juntos. Será como se nada tivesse acontecido entre eles, o que não deixa de ser verdade. Você querer se aproximar dele ou não, é problema seu. Considere isso uma nova chance de tomar a decisão correta.”

“E a Hitomi?” Sayaka perguntou. “Ela o ama.”

“Sim. Ela nutre sentimentos por ele.” Homura juntou as mãos, entrelaçando os dedos. “Contudo, caso ela confesse, ele a rejeitará devido aos sentimentos aflorados dele por você. Ela vai sentir dor, mas vai ser bem menor do que sentiria.” Sorriu. “Não se preocupe. Shizuki-san é popular com os rapazes, terá outras oportunidades. Além disso...” E foi ficando mais largo. “Ela terá mais tempo para formar amizades, quem sabe ela não se torna amiga da nossa estudante transferida. Hum?”

Sayaka revelou seu rosto, seus olhos pareciam que iam sair dos seus respectivos orifícios. “VAI PRO INFERNO!!!”

“Eu já estou lá.” Disse Homura, com um sorriso escancarado que deixava seus dentes a mostra. “Mesmo com esse seu péssimo comportamento, você tem a Sakura-san e agora poderá ter o violinista. Não estou sendo generosa? Imagine então se você aceitasse tudo o que eu fiz, poderia voltar a ser amiga dela também. Eu vou lhe dar um tempo, pense bem.”

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Correr.

Kyouko não gostaria de fazer isso para sempre, mas faria se isso bastasse para encontrar Sayaka.

Droga! Onde foi que cê se meteu?

Ela não havia encontrado no banheiro mais próximo da sala. Sua aposta é que Sayaka estaria ao menos em um no mesmo andar.

Eu nem sei se já visitei todos que haviam aqui...

Sua cadeia de pensamentos terminou ao avistar Homura saindo de um banheiro. Infelizmente já estava próxima demais para evitá-la.

“Oh! Sakura-san. Procurando por sua amiga?” Homura perguntou.

Kyouko respondeu, um pouco ofegante. “Ela é minha prima.”

“Bem lembrado.” Homura sorriu. “Ela se encontra lá dentro.”

“Valeu.” Apesar da palavra, a voz de Kyouko não expressava gratidão.

Homura fez menção que ia dar as costas, mas parou no meio do caminho. A gema no brinco balançando. “Ah! Por acaso tem importunado a Kaname-san?”

“Não.” Kyouko falou sem rodeios.

“Ótimo. Continue assim.” Homura disse, observando Kyouko pelo canto do olho, antes de partir.

Quando eu pegar tu de jeito, quero ver se vai ter peito pra falar assim comigo. Pensou Kyouko enquanto Homura sumia da sua vista. Tomara que a Sayaka esteja bem.

Antes que alcançasse a porta, Sayaka saiu. Estava com péssimo ânimo.

“Sayaka? Tudo ok?” Kyouko o colocou a mão no ombro da sua amiga.

Sayaka não respondeu, nem sequer olhou para Kyouko.

Apesar de Homura ter sumido, Kyouko cochichou. Era melhor não arriscar. “Ei... Aguenta firme que isso não vai durar muito mais tempo. A representante de classe lá disse que vai entregar pessoalmente pra Mami.”

“Esqueça...”

“Oi?”

Sayaka fitou Kyouko com rancor. “Esqueça a Mami-san.”

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Já era hora de dormir na casa dos Kaname.

“Takkun! Fique parado, senão eu não consigo por seu pijama.” Madoka se encontrava no quarto do seu irmão. Enquanto sua mãe estava ausente, ela e seu pai revezavam nessa rotina.

O que ela não sabia é que havia uma admiradora.

Sentado em um galho de uma árvore, próxima a janela daquele quarto, Homura Akemi contemplava a sua obra. A cauda de seu vestido negro tremulava com a brisa da noite. Senão fosse sua magia, Madoka a teria notado sob a luz do luar.

“Será que ela me observava assim também?” Pensou alto.

“Sim.”

Ouvindo aquela afirmação, Homura encontrou Nagisa sentada dentro de uma bolha flutuante. Estava vestindo seu traje de garota mágica e suas feições humanas apresentavam um leve sorriso.

“Quem lhe deu permissão para sair?” Homura semicerrou os olhos.

Nagisa já esperava por aquela pergunta. “Eu vi que você iria caçar demônios aqui na cidade. Então perguntei para as suas crianças e elas me mostraram onde você estava.”

Homura franziu a testa. “Eu não esperava que vocês pudessem se entender tão bem...”

Nagisa tocou na superfície da bolha com as mãos e a desfazendo.

“Espere!” Homura estendeu a mão, temia que o galho não fosse capaz de suportar o peso das duas.

Nagisa, com graça, pousou os pés no galho sem balançá-lo.

“Você é mais leve do que pensei.” Homura comentou.

Nagisa passou a mão na sua saia inflável. “Isso aqui ajuda. Hihi.”

Homura usava novamente um tom mais sério. “Mesmo sabendo onde eu estava, não significa que pode sair.”

“Ah... mas eu queria passar mais tempo contigo, Homura-chan. Você sempre está com pressa e ocupada, é tão raro vê-la assim.” Nagisa olhou para casa dos Kanames. “E eu nem chegaria perto daqui se você não estivesse. Esse deve ser o lugar mais vigiado de todo o mundo.”

“Você é muito boa em constatar o óbvio, bruxa.” Homura fechou os olhos. “Uma pena que Miki-san não compartilhe dessa habilidade.”

“Ela veio aqui?” Indagou Nagisa.

Homura começou a contar nos dedos. “Umas cinco vezes, eu acho.”

“Nossa...” Algo que Nagisa sempre reconheceu em Sayaka era a sua teimosia. Mesmo que fosse dever da Madoka, a garota de cabelos azuis sempre protestava contra o resgate da Homura. Quando Homura pôs as mãos em Madoka e a separou da lei dos ciclos, por um momento Nagisa deu razão para Sayaka. No entanto, vendo Madoka colocando seu irmãozinho pequeno para dormir, ela agora tinha certeza que a sua companheira de missão estava errada. “É... O Takkun está crescendo.”

Aquilo chamou a atenção de Homura.

E Nagisa percebeu. “Madoka me mostrou muitas coisas.”

“Hum... Vocês duas eram bem próximas”

“É...” Nagisa andou pelo galho até Homura, sentou e recostou nela.

Homura retraiu-se. “O que está fazendo?”

Nagisa sorriu. “O sereno da noite... Não sente frio com esse vestido?”

“O diabo não sente frio.” Homura relaxou e voltou a prestar atenção no quarto. Madoka estava dando um ataque de cócegas na barriga do Tatsuya.

“Ehihi.”

Pelo canto do olho, Homura via a expressão risonha de Nagisa. Estava absorvida com aquela cena, nem sequer piscava o olho.

“Charlotte.”

“Sim Homura-chan.” Nagisa voltou a sua atenção.

“Eu tenho que lhe confessar algo.” Homura virou a cara, motivado por um sentimento de culpa. “Aceitei que você ficasse comigo porque eu acreditava que iria usar essa oportunidade para me trair. Assim eu não teria remorso em acabar contigo, já que você não tinha cometido nada desde então.”

Houve um momento onde só se ouvia o som de grilos. Então Nagisa falou. “Tudo bem. Você tinha me avisado. É natural que você tema perder isso que está a nossa frente. É por esse mesmo motivo que eu digo novamente não trairei sua confiança.”

Ela não sabia se foram aquelas palavras ou uma mera questão de tempo. Homura poderia não sentir frio, mas aquele calor era aconchegante.

Será que posso confiar na resposta que ela dará? Havia chegado o momento em que Homura poderia resolver uma de suas maiores dúvidas. Uma verdade que estava além do alcance de seus poderes. “Eu... quero perguntar mais uma coisa.”

Nagisa sentia-se feliz em ser útil. “Claro Homura-chan.”

“Eu quero que olhe para mim e diga.” Homura fitou aqueles olhos belos como o fim de uma tarde de verão à beira da praia. “Como é a lei dos ciclos? Como é ser levada?”

“Eu vou contar, mas...hum...” Nagisa fez um biquinho. “Pode assustar um pouco.”

“Minha época de sustos já passou.” Homura falou com uma frieza forçada.

“Ok.” Nagisa prosseguiu. “Eu me lembro que tinha me escondido em uma sala escura e vazia no hospital. Eu estava chorando. Então ‘plim’!”

Nagisa fez um gesto, abrindo as mãos. “Era uma luz rosa bem forte e sabe quem estava lá?”

Homura sorriu. “Madoka.”

“Uhum.” Nagisa começou a empolgar. “Estava vestindo o uniforme de garota mágica dela e na mão segura a minha gema da alma. Eu havia deixado para trás e estava completamente escura.”

Homura ouvia atentamente. Até aquela parte ela já tinha uma idéia de como era, o importante era o que viria agora.

“Então ela me disse que ia cuidar de mim, que não precisava ter medo. Aí...aí...” Nagisa piscou olhos, procurando se lembrar. “Ela fez a minha gema voltar a brilhar de novo antes de... desaparecer. Eu sei que me senti mais leve antes de ficar tudo branco.”

“Branco?”

“Sim. Tudo havia ficado branco. Uma luz branca.” Nagisa continuou. “Quando me dei conta, ela estava me segurando pelo braço. Estávamos flutuando, indo para algum lugar.”

“Parece ser uma experiência boa.” Homura comentou.

“Talvez, mas comigo não foi.” Nagisa apertou os lábios. “Eu agradeci ela por aliviar a dor, mas eu queria voltar, queria ver a minha mãe. Ela disse que eu não poderia.”

Nagisa começou a falar mais rápido.

“Então me debati, mas ela segurava firme e... e... aí eu mordi e arranquei o braço dela.”

Os olhos arregalados expressavam o espanto de Homura. “C-como disse?”

“Haha...É verdade...” Nagisa ficou sem jeito. “Eu disse que podia assustar um pouco...”

“Hum... prossiga.”

“Naquele momento eu não sabia, mas eu já devia ser uma bruxa. Nem sei o que aconteceu com o braço dela, acho que engoli e nem senti o gosto...”

“Abstenha-se desses detalhes.” Homura a interrompeu.

“Ah! Claro.” Nagisa balançava as suas pernas com o nervosismo. “Eu estava maior, provavelmente na minha forma mais horrível. Então apareceram várias garotas mágicas. Elas protegeram a Madoka e me cercaram.”

“Elas lutaram contigo?”

Nagisa fechou os olhos com força. “Eu não me lembro muito dessa parte, acho que me nocautearam. Sei que quando acordei, eu estava sentada em uma mesa e tinha um monte de doces envolta.”

“Sua barreira?”

“Uhum... Madoka estava sentada à mesa também. Os olhos dela eram dourados e estava com aquele vestido lindo, todo branco. Ah! E o braço dela estava lá. Hehe.”

“Que bom...” Homura disse com pouco entusiasmo.

Nagisa ficara com um semblante triste. “Ela disse que sentia muito pela minha mãe e que ela não poderia substituí-la, mas viria me visitar para comer sobremesa comigo. Também me explicou o que eu havia me tornado.”

“E as outras garotas? Também eram bruxas?”

Nagisa desviou o olhar. “Tenho quase certeza que sim.”

“Fufu.”

Aquele riso fez Nagisa voltar a prestar atenção em Homura.

“Está querendo me dizer que a lei dos ciclos é um paraíso de bruxas?”

Nagisa respondeu. “Paraíso? Se você vê assim...”

Homura olhou para o céu e deslizou os dedos em seus lábios. “É que algo me intriga. Você disse que preferia morrer que voltar para lá...”

“Sabe.” Nagisa segurou o tecido da sua saia com força. “Quando fomos resgatar você, uma coisa que gostei muito de ver foi como vocês garotas trabalhavam juntas.”

Homura cerrou a mão que estava próxima a sua boca. “Aquilo era uma mera ilusão. O relacionamento com elas na verdade se resume em uma teia de mentiras, infortúnios e disputas.”

“Mesmo assim. Mesmo se fossem rivais!” Nagisa disse com um fundo de desespero. “Ainda vocês se conheceram. Ainda havia algo em comum para compartilhar: vocês eram garotas mágicas.” Ela baixou a cabeça, fazendo os pom-poms conectados na sua touca balançarem. “Eu não tive essa oportunidade. Deixei este mundo sozinha.”

“Se eu tivesse banido você...” Homura havia entendido.

“Você diz que é um paraíso, mas a minha única companhia lá seria as minhas mágoas. Sem Madoka para me visitar eu... não sei o que seria de mim.”

Passando as mãos no cabelo de Nagisa, Homura garantiu. “Não se preocupe. Isso nunca irá acontecer.”

“Obrigada.” Nagisa, em resposta, passou a mão no cabelo de Homura. “Ah Homura-chan... esse seu cabelo é fantástico.” Disse alegremente.

Fechando os olhos, Homura falou. “Não há nada demais nele, o seu é tão comprido quanto.”

Toda atenção de Nagisa agora estava voltada para aquelas longas madeichas negras. “O meu é comprido, mas é crespo e arcado. O seu é como seda. Olha como desliza...”

Enquanto seu cabelo era puxado, Homura perdia-se em seus pensamentos. Então esse é o fruto do seu desejo? Fez um bom trabalho Madoka, nunca imaginei que estaria ao lado dessa bruxa. Nunca imaginei que eu... eu...

Homura abriu os olhos, confusa. A mente prega peças quando nos deixamos levar pelos pensamentos, mas e o coração? Ele pode ser enganado, mas pode mentir?

Sob o peso dessas idéias, Homura percebeu que o quarto de Tatsuya já estava com as luzes apagadas.

“Charlotte, eles foram dorm...” Homura congelou ao testemunhar Nagisa trançando o seu cabelo.

Diante da reação de Homura, Nagisa o soltou e seu trabalho foi sendo desfeito.

Homura ficou de pé sobre o galho. “V-vamos para casa.”


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Notas finais do capítulo

Normalmente não coloco imagens, mas abrirei uma exceção. Encontrar imagens de Nagisa é fácil. De Homura então... Agora uma imagem de Akuma Homura e Nagisa, somente as duas, juntas? Boa sorte.
Agradeço ao autor(http://www.pixiv.net/member_illust.php?mode=medium&illust_id=46666501) pela imagem se encaixar tão bem com o final desse capítulo. Quando construí o enredo dessa fanfic, o maior desafio seria produzir uma narrativa convincente desse relacionamento inusitado. Espero estar alcançando esse objetivo.
Próximo capítulo: Castelo de cartas



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