Youth escrita por Nikki Meyers


Capítulo 1
Someone




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/554417/chapter/1

JANEIRO DE 1987

Naquele dia fatídico, as palavras machucaram mais que seus estranhos gestos. Eles nunca foram feitos para aquilo, para o que houve logo depois, para aquele funesto e precioso amanhecer. Nunca deveriam ter se levantado ou, ao menos, se encontrado. Mas o destino os pegou em uma peça, daquelas em que todos os protagonistas entrariam em uma grande tragédia sem fim. Não teriam um ponto final ou uma pequena palavra vazia para terminá-la, apenas um grande e onipresente vácuo, um vácuo em que ficariam perdidos para o resto de suas miseráveis vidas, se um dia chegassem a ter alguma. Eles transbordaram das linhas e mergulharam para fora de suas restrições. Contudo, isso não os impediu de continuar seus afazeres como em qualquer outra manhã. Apesar de tudo, eles nunca se arrependeram, nem mesmo um pouco.

Quem são estes adolescentes na fotografia?

A estranha menina dos cabelos pintados não havia se arrependido ao entrar uma outra madrugada pela pequena janela do apartamento do pai, nem mesmo pelo erros cometidos na noite passada ou pelas horas que não possuiria de sono, até o momento que teria de fingir estar revigorada após ter tido uma noite de sono. Porém ela sorriria para aquele homem e talvez até mesmo para mulher que estaria em sua cama aquela noite. Sorriria para todos e diria que estava tudo bem, que não se importava; que realmente não se importava nem um pouco com aquilo, então no dia seguinte ela desapareceria novamente e na madrugada seguinte encontraria a mesma peça odiosa, apenas feita com novos protagonistas. Contudo, apenas interpretaria seu velho papel, seria apenas a pequena filha problemática que encontrava apenas uma nova mulher na cama de seu pai, de novo, de novo e de novo. Ela não poderia gritar nem mesmo uma única palavra. Naquele tempo, Agatha Leslie Wright possuía apenas doze anos, não saberia diferenciar um mentiroso de outro facilmente, mas com o tempo ela aprenderia, sempre aprendeu rápido. Sempre quis gritar que estava ali, que precisava muito de apenas um pouco de atenção. Os adultos são os que deveriam cuidar de seus filhos, não o contrário.

Mas algumas vezes era assim, você poderia fugir dessa obrigação, poderia apenas cortar seus laços para com eles, todos e completamente, ou você poderia lhes dirigir algumas palavras amistosas, tratá-los como amigos distantes e fingir-lhes um sorriso amargo. A menina havia escolhido a segunda opção. Ele não se importava com ela o suficiente, mas era tudo o que havia lhe restado; sua única e tediosa família. Teria de aguentar feriados passados em lojinhas escuras e aniversários esquecidos para todo o sempre.

Com quatorze anos, a única lembrança que sempre teria de sua mãe antes de ela abandona-la era de um sorriso triste e um pedido de desculpas. A mulher havia os deixado, desaparecendo sem mesmo uma última palavra e retornando sem uma única explicação, até que um dia partiu-se para sempre. Seu pai falou que aquilo fora a melhor coisa que acontecera em suas vidas, mas as lágrimas desceriam silenciosamente por seu rosto em uma escuridão sepulcral e a pequena garota se sentiria sozinha pela primeira vez. Depois vieram as crises, os ataques ao meio dia e a bebida roubada nas madrugadas escuras, vieram as meias três quartos e seus primeiros beijos, os primeiros cigarros e as promessas quebradas. Encontraria seus únicos amigos e sua música fúnebre, e depois de tudo isso ele a encontraria. Seu próprio silêncio, sufocando-a pouco e lentamente, até que a engolisse por completo.

De fato, isso teria acontecido. Mas talvez não estivessem sozinhos naquele mundo perdido; encontraria uma mão na sua e um sorriso risonho, jaquetas de couro e suas Lápis-lazúli. Ela sorriu, e a partir desse momento fora feita de sorrisos, comentários sarcásticos e escapadelas sem rumo. Fora contrária à maré, chutando seus traseiros podres.

Mas estes foram apenas pequenos fatos que a levaram ao que era naquele dia, e não eram nem mesmo o prólogo de seu destino sem fim. Tinha apenas dezesseis anos e o mundo sempre seria seu, sempre seria deles e de mais ninguém.

Ela os conquistou em seu primeiro "Olá" e os perdeu em suas penúltimas palavras. Era a que mais temia ser abandonada, mas que não hesitava nem mesmo um segundo antes de abandonar-te.

São apenas adolescentes que ficaram bem em uma foto.

O menino com uma coroa amarelada em seus cabelos e uma mortalha a ser queimada em outra ocasião a amava por isso. Fora ela quem o havia ensinado a dizer “Até logo", e a odiar pequenos adeuses. Quem a conhecera em um bar, e a encontrara novamente em outro. Era ele quem exagerava nas palavras e em suas doses de bebida. Fora quem a acompanhava com os olhos ao seguir sua estranha rotina, e sorria ao menor sinal de seus comentários malcriados. Fora seu primeiro ombro amigo e seu primeiro coração partido. Fora quem a afastara com suas últimas palavras e a fizera se apaixonar por elas. E as noites não seriam mais passadas tão sozinha, ao abrir sua pequena janela e observar os incríveis cabelos cor do céu naquela perfeita delinquente juvenil. Ele era de todos e de ninguém, era aquela pequena passagem de tempo no meio do infinito. Em um dia era Miles, no outro Adam, amanhã poderia ser Quentin. Atualmente, estava sendo James. Outro dia não seria ninguém. Você nunca o conheceria o suficiente para ter coragem para roubar-lhe o coração. Ela teve, a outra. A menina com os olhos da cor do céu, e os cabelos negros como a noite.

Você teria de fazer um juramento antes que ele lhe dissesse outra coisa; não faça isso, a menos que queria mesmo descobri-lo, então apenas aceite com um sonoro e delicioso sim.

Você sente falta deles?

O menino franzino que a seguia também não havia se arrependido de seus erros, de seus acertos marcados ou de suas crises de bebedeira até o dia nascer novamente. Seu parceiro de crimes sem fim. Esse possuía madeixas tão pretas como a jaqueta que o cobria, e os assuntos mais bizarros dos quais alguém já pôde falar, sem contar com seus olhos tão profundos quanto as galáxias das quais adorava. Mas sem nunca dizer uma só palavra sobre sua própria vida, a realidade perderia a graça para todos, contudo, começaria a soltá-la depois de uma boa dose de álcool e charme de alguma garota. Ele era apenas um adolescente perturbado de uma casa da esquina, que tivera seus sonhos jogados no lixo. Era apenas alguém que odiava ser chamado de Nicholas, mas que tivera uma história tão triste quanto todas as outras. Ele gostava de gritar com as paredes, e refererir-se a si mesmo na terceira pessoa. Mas não é nem um pouco louco, nem de perto. Pelo menos para si próprio, não sei dizer quanto ao resto do mundo.

E a realidade era mesmo, às vezes, desapontante, tão desapontante quanto a vida que ele levaria, mas ele não se arrependeu no final de tudo. Não se arrependeu de todas as brigas ou das fugas espalhafatosas de altas sirenes.

Não.

Ella Humphrey não se arrependeu de seus quilos a mais ou do modo como tentara perdê-los. Não se arrependeu de ser quem era. Passou a valorizar um rosto que possuía tantas espinhas quanto segredos, porém o odiava ao fita-lo no espelho, como uma doença apenas dela, talvez até mesmo uma de suas fobias. Ela era bastante inteligente, provavelmente deveria ter sabido de mais coisas, deveria tê-los desvendado como desvendaria um dos mistérios de Agatha. Era feita de músicas altas e livro antigos. Seus cabelos ruivos eram apenas uma estranha ironia em sua opinião, nunca fora ao menos próxima da palavra perfeita. O que era o completo oposto de Charlie; apesar de serem gêmeos, eram estranhamente diferentes, sendo os cabelos e os faiscantes olhos verdes as únicas coisas que os faziam reconhecerem-se do mesmo sangue. Charlie fora bastante magro, ao contrário da irmã, um sorriso sedutor e uma garota pela qual daria sua vida cercada por seus braços; contudo, sempre uma nova em cada manhã. Possuía um incrível gosto por piadas infames e gestos maliciosos, o que por mais estranho que parecesse não se aplicava para com a irmã. Talvez isso tenha sido pelo fato de serem irmãos, mas ele a defendia com todas as suas forças e ela lhe agradecia por aquilo. Até que finalmente as piadas sobre seu peso e seu cabelo se reduziram a mínimos cochichos pela escola ou um comentário zombeteiro.

Você os conhecia?

Shelley Carter possuía um péssimo nome e várias vítimas indefesas. Era as roupas curtas que vestia e olhos que poderiam desvendar-te em pequeno segundos, era aquela garota que você sempre quis ser e aquela menina que sempre quebraria o seu coração. Em suas escapadelas pela madrugada não houve ao menos uma em que não havia feito um confidente. Confiava nas pessoas cegamente e colocaria suas mãos no fogo por cada uma delas. Acreditava que a humanidade poderia ser melhorada e que cada alma poderia ser salva. Mas não a dela, nunca a dela.

Tinha um gosto por delinquentes, e um gosto ainda maior por quebrar seus corações. Era as bandas que gostava de ouvir e as músicas que gostava de cantarolar. Houve uma vez em que até mesmo fizera o grande raio de seu astro por seu rosto em uma manhã na escola, porém isso apenas gerou gargalhadas e alguns melhores amigos.

Os últimos foram eles. Os que quebravam seu coração e o consertavam em cada passo. Foram os que a destruíam em cada madrugada e a consertavam em cada manhã, eles apenas foram.
E apesar de tudo, não se arrependeu nem mesmo um pouco de tê-los conhecido. O pior momento foi quando a destruíram completamente, e ela teve de continuar sorrindo. Sempre sorrindo.

Um pouco, talvez muito.

Já lhes aviso que essa não vai ser uma história de amor em que as pessoas se quebram e reconstroem a cada palavra, longe disso. Elas permanecem quebradas, todas e completamente. Não foi diferente com eles, a única diferença foi que eles sempre estiveram quebrados.
Você vai ver lágrimas e sorrisos em cada página, mas as lágrimas não vão ser de felicidade, ou os sorrisos, de alegria, apenas marcas de tristeza impressas cada vez mais fundo em nós.

Quando você as finge, está enganando a si próprio, mas eles precisaram fazê-lo. Cada lágrima escondida e cada sorriso lançado, algum deles foram demasiados dramáticos em cada lágrima falsa que rolou por seus rostos jovens e cada sorriso escondido de mim. Eles apenas aceitaram-me como uma velha e boa amiga, sorrindo para mim com seus rostos ao sol. Eles serão eternamente jovens agora, para sempre ou nunca.

Quem é você? Ainda não me disse seu nome.

Eles me fizeram acreditar em algo, no que vocês chamam de amor, e em para sempres. Aquele romance que terminamos de ler com um gosto ruim em nossas bocas e um sorriso em nossos rostos. Nós o terminamos, eles me terminaram. Eles me fizeram acreditar em mim mesmo. Eles foram apenas pessoas boas que tiveram um final nada confiável, mas fizeram seus anos valerem a pena. Foram apenas pessoas que me fizeram acreditar em mim mesmo, e que acabam ensinando até mesmo pessoas que sabiam de coisas sobre as quais nem imaginavam. Fizeram-me ter uma ideia sobre a vida e a morte, e fizeram-me acreditar em finais felizes. Mesmo que eles próprios não tenho tido um. Contudo, um final sempre precisa ser verdadeiro.

Eles, de fato, não existiram em um só momento, apenas viveram. Essa não é a minha história ou a história sobre seres inimagináveis que alguém irremediavelmente tentou colocar nos papéis, não é a história sobre a pequena garotinha feliz que teve seus sonhos estragados, mas que receberia no final um radiante sorriso de sua sorte. Não é a história daquela garota que havia perdido a memória, ou de suas brilhantes histórias de detetive com um final parecido com outras. Esta história não fala de boas pessoas, tanto quanto não fala de más pessoas, elas não existem; existe apenas uma definição para cada uma delas e ela varia irremediavelmente para cada ser humano vivente. Esta é apenas uma história sobre pessoas com problemas o suficiente para se afogarem em seus próprios caos. Não tenha pena deles, sei que o agradeceriam por isso.

Sou apenas alguém que você nunca conheceu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!