A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 9
Ela


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi! Aqui estou mais uma vez.
"Por que esse sacana está postando outro capítulo, se ainda nem respondeu meu comentário?"
Calma, vou explicar. Estou aproveitando as férias para poder escrever bem. É o terceiro capítulo que estou postando essa semana, e a fic vai acabar em breve... Acho que no máximo faltam apenas cinco capítulos além desse.
E sim, tenho respondido os comentários. É que alguns são enormes (coraçãozinho que não dá pra colocar), e precisam de mais tempo para serem respondidos decentemente.
Agradeço, a todos, de verdade. Pelo comentário, por todo o reconhecimento. Eu juro que não esperava tanto de vocês. Cada um de vocês foi meu combustível. E meu motivo para melhorar mais e mais. Boa leitura!



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Concentração, língua para fora, respiração suspensa e click. Mais uma foto era tirada pelas lentes da câmera profissional. Havia tido muito trabalho para arrumar um ângulo onde o Sol não atrapalhasse. A casa era bem bonita, com um sótão, e teto em forma de V deitado. Tinha um pequeno jardim na frente, e uma cerca branca baixa.

Jenny chamou aquela casa de Sr. Binckermann. Porque bem, ela tinha cara de Sr. Binckermann. Ainda mais com aquele chapéu de velho que fica o dia todo na cadeira se balançando. A garota entortou os lábios, franziu o cenho e olhou para a foto da casa anterior. Arregalou os olhos e abriu a boca, inspirando fundo para falar em bom tom.

— Sr. Binckermann! Você sabia que combina muito com a Sra Dinliger? Ela é uma casa muito bonita. Tem bonitos olhos – e soltou um sorriso arteiro para a casa.

— O quê? O senhor já está muito velho pra casar? Que nada! – Jenny deu uma risada gostosa e revirou os olhos. — Aposto que suas paredes estão muito bem rebocadas. Por acaso o senhor já foi um tanque na Segunda Guerra? Nããão? Ah, tudo bem. Eu vou falar pra Sra Dinliger que o senhor não é nada cavalheiro!

E virou-se de costas, o rosto emburrado. Cruzou os braços e suspirou, então deu um sorriso de lado e olhou novamente para a casa.

— Finalmente! Eu vou avisar pra ela, não se preocupe.

E caminhou até o carro branco, de faróis redondos. Entrou e trancou a porta, revendo as imagens das casas. Contou, e percebeu que ainda faltavam seis casas. Segurando a câmera, viu o anel no dedo. O anel que carregava tantas lembranças, que ela estava disposta a deixar para trás.

Guardou a câmera na mochila velha e cheia de retalhos, e alisou o anel.

— Ah, Dylan... o que aconteceu conosco? Eu pensei que tudo ia ser perfeito entre nós, mas onde que nós erramos? Qual sonho esquecemos de sonhar? Qual dragão esquecemos de matar?

Ela inspirou fundo, com os olhos já marejados, e retirou uma foto pequena da mochila. Ali, os dois sorriam, e Jenny puxava a orelha dele. Aquela foto não era tão antiga. Havia sido um dia depois de Dylan ter ido pedir ela em namoro formalmente.

“— Acha que eles vão aceitar bem a notícia?

Perguntou Dylan, encarando Jenny. Ambos estavam na porta da casa dos pais dela. Jenny sorriu e ajeitou o colarinho da blusa azul dele.

Não se preocupe, ele não tem uma espingarda como os outros sogros.

Dylan suspirou aliviado. — Ainda bem.

Mas ele tem um taco de baseball pendurado na sala. O máximo que ele vai tentar fazer é explodir sua testa, nada demais.

Dylan arregalou os olhos, mas antes de protestar, o dedo fino de Jenny já tocava a campainha. Jenny usava a roupa habitual. Camiseta e short jeans até abaixo do joelho. Dylan já era mais rigoroso com o que vestia. A porta se abriu, e quem apareceu foi Margareth. Ela cerrou os olhos para as visitas.

Quem são vocês?

Jenny estreitou os olhos e colocou as mãos na cintura.

Ué, velha. Já tá tendo problema de memória?

Dylan ergueu as sobrancelhas e puxou Jenny pelo braço, sussurrando. — Jenny, ela está brincando. Não fale assim com sua mãe.

A garota de olhos de café olhou pra ele, então pra ela, confusa. — Ah... eu sabia. – e forçou um sorriso de quem era inteligente.

Jenny não era burra. Nem um pouco burra. Mas acontece que a inteligência dela às vezes era... singela demais. Não, mentira. Às vezes ela era realmente muito estranha.

Finalmente me mostrou que é um homem de bom senso, Dylan. Entrem.

Os dois entraram, e Jenny deu um beijo na bochecha da mãe, recebendo um sorriso de volta.

Venham, seu pai já está na mesa de jantar. Me perguntou se caso vocês não viessem, ele poderia jogar a comida no vizinho que quebrou a nossa cerca no mês passado.

A senhora suspirou, e concluiu. — Eu estou rodeada de doidos.

Jenny guiou o namorado até a cozinha. Ali, na ponta da grande mesa retangular, duas mãos seguravam um jornal que cobriam o rosto do pai dela. Dylan se sentou na outra ponta da mesa. E ao fazer isso, o jornal caiu.

Olá, Dylan. – os olhos de café expresso encararam ele como se fossem duas armas disparadoras de raio. Ele tinha cabelos já acinzentados e pra cima, arrepiados.

Dylan o encarou, estático, dizendo para si mesmo em pensamento, como se fosse um mantra. “Ele não pode matar”.

Olá, Sr. Murray.

O pai de Jenny sorriu, bebendo um pouco de vinho, e observando o líquido na taça na altura do rosto, falou como se fosse um espião, ou um mafioso da família do Dom Vito.

Pode me chamar de Isaac.

Isaac? – exclamaram Jenny e Margareth.

Mas você ontem disse que se chamava Charles.

O suposto Isaac assentiu. — Decidi mudar de ideia. Hoje serei Isaac Asimov. – então lançou outro olhar para Dylan. — Mas nada me obriga a seguir as três leis.

Depois disso, a conversa se desenrolou até que Jenny chamou “pai”. Um silêncio se fez.

Dylan quer falar algo com o senhor.

Isaac, cujo nome verdadeiro era Robert, olhou para Dylan. — Pode falar, rapaz.

Bom... todos sabemos porque estamos aqui e – foi interrompido com a mão erguida do sogro, ou possivelmente futuro ex-sogro.

Eu não sei porque o senhor está aqui. Por que você está aqui? Estou lhe devendo dinheiro?

Dylan negou veemente. — Eu vim formalmente pedir sua filha em namoro.

Ao ouvir a palavra “filha” e “pedir em namoro” na mesma frase, Robert ergueu as mãos para o alto, olhos arregalados e semblante desesperado, gritando um alto, muito alto “Ai meu Deus!”. E acabou virando a cadeira para trás, sendo possível ver apenas suas pernas balançarem.

Pai! – gritou Jenny.

Robert girou no chão, logo se levantando, com um semblante furioso e apontando para Dylan como se o pudesse esfaquear.

Você quer roubar minha filha! – gritou. - Ladrão! Rápido Margareth! Pegue meu bastão de baseball! Eu vou estourar sua testa!

A essa altura os dois jovens já estavam de pé, olhando para ele com um olhar assustado. Margareth permanecia indiferente, como se já estivesse acostumada às esquisitices do marido.

Dessa vez foi Dylan a falar alto.

Eu não vou roubar sua filha!

Não vaaaaai!? – exclamou o senhor.

Claro que não!

Estúpido! Você tem que roubar mesmo! Tá achando que vai morar conosco? Que você roube ela e morem juntos, se casem. – e ao terminar a frase, Robert já estava rindo, erguendo a cadeira.

Você viu a cara dele, Margie? Eu dei um baita susto nele. Acho que serei o melhor sogro do mundo.

Sentados novamente, Dylan tentava disfarçar seu rosto pálido assustado.

Esse vinho é muito bom, onde você comprou querida? – perguntou o pai de Jenny.

Margareth o olhou. — Foi você que comprou.

Ah, por isso é tão bom.

Dylan olhou pra Jenny, e tudo que ela pôde fazer foi dar de ombros, sorrindo e um olhar que dizia exatamente assim: quem mandou se envolver comigo? Agora tem que aguentar.”

Jenny ligou o carro e começou a dirigir. Tinha de afastar aquela sensação para longe, embora soubesse que de noite o confronto com o auge dessa situação iria ser impossível de se evitar. Mas ela se esforçaria para ao menos não se abalar durante seu trabalho, que ela amava indiscutivelmente.

Os pássaros dela passeavam na frente do carro, bicando a lataria.

— Estão achando que tem alguma minhoca aí? Deixem de ser bobos. – e então sorriu, virando a esquina.

Mas ao virar a esquina, uma van que estava vindo na pista certa, derrapou e entrou na contramão, indo direto contra o carro de Jenny.

Por pouco eles não se chocaram. Jenny foi rápida o suficiente para puxar o carro para cima da calçada. E saiu, logo em seguida. Só pra ver a van se afastando.

— Louco! Inconsequente!

Ela havia escapado de um grande acidente. Tirou alguns fios de cabelo da boca, que haviam se soltado do rabo de cavalo, e entrou no carro novamente. Dessa vez, bem atenta. Ela não conseguia entender porque as pessoas conseguiam ser tão inconsequentes.

Instantes depois chegou de frente à outra casa, e ao vê-la, se lembrou da primeira vez que havia visto Dylan desenhar a planta de um imóvel. Se aproximou bem perto do ouvido dele e sussurrou “você está desenhando essa casa porque quer brincar de casinha de boneca, mas tem vergonha de comprar uma? Eu posso comprar uma e a gente brinca.”

É interessante ressaltar que Dylan nunca descobriu se ela estava sendo zombeteira, ou se realmente falava sério. Jenny era mestra em se contorcer de risadas por dentro, e por fora permanecer com um olhar calmo e inocente.

Mas no dia seguinte ela comprou uma casa de bonecas.

O fato era que nos últimos meses, o relacionamento dos dois havia se tornado um pouco maçante para ela. Ela nunca havia passado por situações assim. Já estiveram inúmeras vezes a ponto de brigar, quando inicialmente deveria ser um diálogo. E ela se sentia presa com isso.

Nas últimas semanas, principalmente. O trabalho o esgotava quase todos os dias, e nem sempre ele estava com vontade de entender a relação entre minhocas azuis e gelatinas de morango, que ela havia percebido outro dia. Às vezes ele se mostrava mais interessado na conversa que tinha com os amigos. E Jenny se perguntava se eles eram mais interessantes que ela.

A dúvida se ela devia dar mais uma chance ou não se desfez naquela manhã mesmo. Em meio aos berros dele achando que ela era um fantasma, Jenny havia percebido que os pássaros não pousavam mais nos ombros dele. Aquilo havia sido o sinal. Ela iria terminar com ele hoje.

Ela não queria, com certeza não queria. Mas a cabeça dela não era como a das outras pessoas. Ela não estava acostumada a tanta coisa. Não estava acostumada com a mente super racional das pessoas, e nem conseguia entendê-las. Assim como poucas cabeças conseguiam entender a dela.

O Dylan entendeu, por um tempo. Mas só por um tempo. Aos poucos o trabalho e as responsabilidades o obrigaram a se tornar um robô. Um robô que parecia não saber amar mais. Que havia se esquecido de como as pequenas coisas eram bonitas, e que sempre existiam duendes detrás dos objetos.

Ele havia se esquecido que mesmo sabendo ser adulta, Jenny ainda era uma criança, e que precisava ser cuidada como tal quando estivesse frágil. Mas ela dizia a si mesma que não podia ficar cobrando isso dele. Pessoas adultas não precisam cuidar de outras pessoas adultas que se portam como crianças. Assim ela pensava.

Às vezes até as coisas mais legais acabam. Ela havia entendido isso com cinco anos de idade, quando havia ganhado sua primeira caixa de cereais verdes e azuis. Pensou que ali havia cereais infinitos, mas acabou em uma semana.

As coisas acabam, Jenny. As coisas acabam.

E talvez estivesse na hora de crescer e entender isso.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram da Jenny? Espero que sim! Críticas, sugestões? Não deixem de comentar!
Ah, se possível vai ter mais capítulos no fim de semana c: