A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 8
O abismo de Dylan


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, aqui está. Espero que gostem!



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Dylan ainda estava com os olhos inchados e vermelhos quando entrou no túnel que levava para Weehawken. Talvez aquele curto espaço de tempo que ele perderia nesse trajeto fosse um escape. Sim, um escape desesperado. Um túnel de sanidade.

É bem sabido que o cérebro por vezes acha na loucura um escape para a dura a realidade, e para a dor. Ele não queria enlouquecer, e nem achou que podia. A situação por si só já era algo muito confuso de se entender. E ali, o túnel era seu fôlego após ter se afogado – seja em lágrimas ou em dores.

As paredes curvas e iluminadas davam a impressão de que ele estava protegido de tudo e de todos. O rapaz já estava cansado fisicamente, exausto mentalmente, e morto emocionalmente. Mas tudo bem, Dylan. Respire por alguns segundos. Vai te fazer bem.

Bem?”

Olhou para os lados, queria encostar o carro, e pensar mais um pouco. Mas o túnel era apertado, não tinha espaço. Viu que havia carros na sua frente, e também atrás. Outros automóveis corriam na outra mão. Será que eles tinham uma noção do que estava acontecendo? Com certeza não tinham. Não sabiam da necessidade dele em ser ajudado.

Era irônico. Ele iria ser o herói da Jenny, mas agora precisava de outro herói para o salvar de tudo isso. Deixou que o silêncio parcial do lugar pousasse sobre ele. Inspirou fundo e passando o pulso da blusa no nariz, fungou e suspirou. Precisava pensar. Onde procuraria primeiro? Estar perdido só aumentava cada vez mais o desânimo, que também crescia junto com o tempo que se passava. Ainda que fosse dia, ainda que houvesse várias horas a serem gastas, ele sabia que elas iriam passar. Como todos os dias.

Então realmente ele não tinha muito tempo.

Olhou para o lado e viu o saquinho vermelho de moedas caído no banco. Aquilo havia sido ideia da Jenny. Um lugar para guardas os trocados que sempre eram úteis para pagar o pedágio. O segurou e abriu o porta-luvas para guardá-lo, mas um papel havia caído. Estalou a língua e praguejou, se abaixando para pegar o papel, mas com a mão esquerda ainda no volante.

Ao se levantar, olhou a pista e viu que já estava saindo do túnel. Desceu os olhos cansados para o papel e sentiu outra corrente de nostalgia o atingir. Dessa vez morna.

Leu aquilo duas vezes, e inspirou fundo. Mordeu os lábios e sorriu. Não, ele não queria chorar novamente. A recordação desse dia era boa demais para causar qualquer sentimento ruim.

Ah, Dylan lembrava bem. Do dia que Jenny chegou em casa carregando um alce de pelúcia nos braços. O sorriso branco que refletia paz. A paz que ele queria tanto ter de volta.

Lembrou-se também do quadro que havia dado para ela. Não tinha muito sentido para ele, mas a pintura era tão cheia de cores vivas e entrecortadas, que ele tinha plena convicção que ela gostaria. E ele havia acertado. Ela gostou.

E ele havia gostado ainda mais do abraço e do beijo expressivo. Não, na verdade ele tinha amado. Ele amava cada forma de expressão que ela dirigia a ele. Amava o calor dela, porque ele realmente necessitava disso. Ele necessitava de emoção, de uma certa inconsequência lógica. E era isso que Jenny preenchia nele. Porque ele mesmo, até a morte dela, nunca havia se expressado de verdade.

E talvez fosse disso que a mãe dela falava. E talvez fosse sobre isso que Jenny queria falar com ele mais cedo. E talvez fosse esse o seu erro. O seu tiro no pé. O cadafalso perante a forca, que estupidamente não havia notado. Mas agora a corda apertou, e não havia mais chão sob seus pés.

Será que alguém consideraria digno se antes de perder tudo, ele reconhecesse que perdeu? Porque agora ele tinha noção do que estava perdendo. Algo quente e ingênuo, mas que também era iluminado. O amor de Jenny.

Perdido em devaneios, olhando para as letras do papel, e principalmente para a assinatura, não havia percebido que um carro na sua frente havia parado, e bateu sem força. Mas o suficiente para que seu rosto fosse contra o volante e cortasse do lado esquerdo do rosto, acima da sobrancelha.

A tontura súbita afugentou todos seus planos e lembranças, e algo quente escorria pelo seu rosto. Som de buzinas eram ouvidos, e atordoado saiu do carro. O motorista do carro da frente reclamava, alto até. Mas Dylan não conseguia juntar as palavras.

— Jesus, ele está sangrando! Alguém chame um médico. – exclamou uma senhora, que estava no carro detrás.

— Médico? Não... não preciso de um médico. Eu preciso salvar a Jenny... – sussurrou, enquanto via o mundo girar.

As pessoas se aproximavam, obstruindo assim a passagem do túnel. Se amontoavam perto dele, seguravam sua mão. Ele se encolheu no chão. Estavam tomando o tempo dele, estavam bebendo o tempo dele. Ele precisava continuar. Não podia ficar parado. Se levantou e voltou pro carro, cambaleando. O sangue agora sujava sua roupa. O homem do carro da frente o segurou pelo braço.

— Ei, calma, você não está em condições de dirigir. Eu te levo pro hospital.

Dylan olhou pra ele com as sobrancelhas arqueadas.

— Não, moço. Você não entende. Eu preciso encontrar minha noiva, ela precisa de mim. Podem me ajudar procurando ela também. Me solta!

Ele agora gritava, desesperado. As pessoas puxavam ele pra fora. Um pobre coitado que estava alucinando.

— Jenny! – exclamou, o mais alto que pôde. Sem ter uma direção exata. Apenas se contorcia, enquanto era colocado dentro do outro carro. — Jenny, amor! Eu vou salvar você! Eu estou bem, querida, não se preocupe.

As lágrimas agora desciam, se misturando ao sangue que descia pelo queixo. Ele estava bem, é verdade Jenny! Não se importe com aquele sangue, é besteira. Mesmo. Ele vai salvar você, e nada vai impedir. Mas por favor, Jenny. Só continue sorrindo.

Por favor, não ouse tirar aquilo que aquece o coração frio dele. Ainda que ele sangrasse até a morte, não deixe o Dylan ver que você parou de sorrir. Isso seria pior que a morte para ele, não entende? Apenas sorria. Porque é só isso que importa pra ele.

O carro começou a andar, rápido. O casal no banco da frente falava algo, mas Dylan estava longe demais dali. Por que eles estavam indo em outra direção?

Por que eles não entendiam que Jenny precisava de mais ajuda que ele? Por que eles não entendiam que ele nunca fazia nada certo, e estava precisando de ajuda?

Será que não percebiam nos olhos de Dylan o fundo do poço? Será que não notaram que ele estava num abismo? Ele precisava salvar ela. Precisava fazer algo digno ao menos uma vez na vida.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Críticas? Elogios? Apedrejamentos? Aceito de tudo.