A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 4
Déjà vus


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá!
É com muita alegria que estou aqui mais uma vez. Vocês estão sendo maravilhosos leitores. Nunca pensei que eu teria um feedback tão perfeito! Estou amando essa experiência, não só de ter leitores, mas em escrever a história. Saibam que essa será minha primeira história concluída, o resto está pela metade, mas terminarei quando possível.
Às pessoas que comentaram e ainda não foram respondidas, peço perdão. Tenho tido pouco tempo essa semana, mas saibam que eu trato vocês com muito carinho em cada resposta. Então não deixe de comentar porque eu demorei. Prometo responder todos. Nos vemos lá embaixo.



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Dylan encarava fixamente os números dos andares no elevador. A luz ia acendendo individualmente em cada círculo numerado, lentamente, como se dissesse a ele que o tempo estava sendo gasto. Ele não gostava disso. Nos primeiros minutos, não parava de olhar os ponteiros do relógio no pulso. Mas logo percebeu que isso seria apenas uma tortura mental, e que o atrasaria.

Sempre havia lido livros com timing. Gostava dos de Dan Brown. O professor de universidade, Robert Langdon, se enfiava sem querer em uma situação perigosa, e tinha os segundos contados para poder agir. Mas ele tinha o conhecimento e a perspicácia necessária.

Dylan não.

Ele não era alguém psicologicamente preparado para situações adversas. Ainda mais com um timing tão curto, e nem tinha ideia por onde começar. Teve a sorte de entrar numa empresa nova de arquitetura. Não ganhava lá essas coisas, mas aprendeu que para se crescer nisso, precisaria de paciência. Não gostava nem um pouco do que estava acontecendo. Sim, ele iria repetir isso mentalmente várias vezes. Não podia calcular, não podia definir os ângulos, não podia colocar o espaço em números. Não podia escolher um teto, um chão, uma base firme.

Eu não gosto disso.

Seu corpo estava tenso. Os músculos rígidos e o pescoço duro como ferro. Estava em uma corrida. Com o adversário mais impiedoso e imparcial que poderia ter. O tempo. Mas se não bastasse apenas isso, havia alguém mais nas costas do tempo. A morte.

Pensar nisso fez com que tivesse um arrepio, enquanto o elevador se abria já no estacionamento logo abaixo do solo. Durante o trajeto até o carro, a passos rápidos, se perdeu em pensamentos. Seria aquele homem a morte? Mas desde quando a morte ligava para as pessoas? Isso era ridículo, pensou rindo de si mesmo. Porém o dia estava sendo completamente ridículo. Tudo isso parecia mais uma alucinação. E ele esperava que fosse.

Esperava realmente que fosse.

Interessante como as pessoas são extremamente adaptáveis. O dia estranho mal havia começado e Dylan já havia se conformado com a situação, e agora havia entrado no jogo.

Jogo?

Que maneira mais ridícula de descrever a situação, pensou. Não era um jogo, muito menos uma brincadeira. Se não levasse isso a sério, em breve ele estaria indo a outro funeral. Da mesma pessoa. O que consequentemente seria o dele mesmo. Morrer e continuar existindo, quem suportaria?

Retirou as chaves do bolso e encaixou na porta do carro. Nesse momento, ouviu um barulho de sacolas e olhou para o outro lado do estacionamento. Uma senhora estava tendo problemas em colocar algumas coisas dentro do porta-malas do veículo. Ele observou aquilo por alguns instantes. Olhou para o relógio, suspirou, e foi até ela.

— Posso ajudar?

A senhora de olhos atentos, cabelo grisalho e óculos enormes o encarou por um momento, depois sorriu. Provavelmente reconheceu-o como morador dali.

— Ah, querido. Eu tentei abrir isso aqui para pegar algumas coisas, e as sacolas simplesmente caíram.

Ela sorria, mais para si mesmo do que pra ele, enquanto tentava arrumar um espaço.

— É o carro do meu filho. Ele ficou até tarde ontem comprando essas coisas para minha casa, então não acordei ele. Achei que pudesse fazer isso sozinha. Ah, ser velha é muito chato.

Ela deu uma risada inocente, como se já tivesse se conformado com aquilo. Mas aquele xale vermelho chamou a atenção dele. Tinha a nítida impressão de que já conhecia aquela senhora, mas não sabia onde, nem quando.

O jovem arquiteto se ofereceu para ajudar, colocando todas as sacolas dentro do porta-malas novamente. Ela agradeceu e voltou para o elevador, carregando algumas coisas nas mãos.

Após isso, Dylan entrou no carro, não era um carro luxuoso, mas também não era do tipo popular. Havia recebido metade do valor do pai, e a outra parte estava parcelando. O que importava era que por dentro era confortável e silencioso, e na cor que ele gostava. Preto. Por instinto, olhou novamente para o veículo da senhora e então tudo se clareou em sua mente.

“Segunda regra. Você não se lembrará do que aconteceu exatamente naquele dia. Só saberá que ela morreu, mas não saberá como, quando, nem onde. Ou você consegue? Não? É assim que tem que ser, não discuta. Mas você se lembrará dos acontecimentos, depois de ter vivido eles novamente. Prepare-se para muitos déjà vus.”

Era isso!

Não é que ele conhecesse a senhora de outros dias, mas sim, havia conhecido ela no dia 18. No dia da morte da Jenny, ele havia visto a idosa, e ajudou com as compras. Por um momento, ele inspirou fundo. Sentia-se mais confiante agora. Conseguiu entender algo. Conseguiu entender uma regra. Não que tivesse muito valor agora, pois ainda se sentia perdido, mas já era um começo. Um primeiro passo, e nem saiu do prédio. Mesmo assim, um pensamento não muito bom aconteceu.

Se ele se lembrava daquela senhora, era porque havia visto ela no outro dia. E se havia visto ela, era porque estava atrasado também. Com certeza ele havia acordado e agido diferente. Não teve surto de pânico, nem telefonema, mas mesmo assim havia se atrasado.

Terceira regra. Alguns acontecimentos não poderão ser evitados. Não importa o seu esforço.”

Segurando o volante com as duas mãos, bateu a testa nele. Cerrou os dentes e fechou bem os olhos. Certo Dylan, certo Dylan. Ainda é manhã. Tem até a noite para agir. Ou seria até a tarde? Que horas ela havia morrido? Ótimo, mais perguntas para se sentir perdido.

Os detalhes da vida mais importantes só nos saltam aos olhos quando estamos perto de perdê-los. Deveríamos refletir sobre a vida e a morte todos os dias. Do acordar, ao adormecer. Afinal, vida e morte não dançam em uma valsa macabra e bela em torno de nós, todos os minutos? Tudo não gira à nossa volta, e estamos sempre cegos? Tempo, morte, vida, velhice, nascimento, tristeza, alegria... Vivemos entre os deuses das poesias gregas e nem nos damos conta disso.

Tolos humanos.

Percebendo que estava pensando em algo que poderia ser feito depois, colocou o pé no acelerador e dirigiu para fora do estacionamento.

Hell’s Kitchen. De nome assustador, mas o lugar preferido das gravações cinematográficas. Volta e meia era possível encontrar câmeras e sets improvisados de filmagens nas ruas e calçadas. Era um lugar belo, com uma mistura entre novo e antigo. Mas ver as gravações foi o que marcou a infância de Dylan, que vinha aqui com o pai.

Ironicamente, agora era ele que estava vivendo uma verdadeira história para colocar em cartaz em qualquer cinema de quinta por aí. Seria muito cômico se tudo isso não passasse de encenação, como um filme antigo do Jim Carrey. E no fim das contas, ele se perguntava isso. Talvez iria perguntar isso a si mesmo até o fim da vida.

O que é isso que está acontecendo hoje?

De Hell’s Kitchen para Nolita era um espaço muito curto, se você fosse a pé. Mas de carro, parecia esticar um pouco. O trânsito que por vezes fluía bem, e por vezes estagnava, causava uma sutil inquietação. Tempo jogado fora. Parecia que tudo naquele dia estava começando a conspirar contra ele. Todavia, ele percebeu que era tudo paranoia. Todos os dias eram assim.

Mas não era todo dia que ele precisava salvar a vida de uma pessoa.

Quando estacionou o carro na frente da agência de fotografia, conferiu o relógio. 9:17. Ótimo, não parecia tão difícil. Tudo o que ele precisava fazer agora era entrar lá dentro, e fazer com que Jenny ficasse com ele até a noite. Impedir que algo aconteça com ela. Desceu do carro, e fechou a porta, travando com um clique.

Enquanto dava a volta no veículo e subia a calçada, deslizou seus olhos para o lado e viu algumas mesas pequenas e redondas, com pessoas tomando café. É interessante como uma parte de nossas memórias ficam no canto de nossa mente, bem esquecidas, mas com apenas um estímulo externo, um cheiro, uma palavra, uma sensação ou até um sabor, elas voltam tão vivas que simplesmente se projetam diante de nossos olhos. Como visões. Foi isso o que aconteceu com Dylan naquele momento.


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Notas finais do capítulo

Antes que alguém brigue comigo, deixe-me explicar. Eu sei que esse capítulo foi pequeno, mas tem um motivo. Essa lembrança que ele teve, tomará o tamanho de um capítulo. Eu preferi separar até para que as pessoas não fiquem mais confusas ainda. Então espero que me entendam. Ah, e até o fim da semana, postarei mais dois capítulos para compensar meu atraso. Espero que gostem, e não deixem de opinar.