A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 3
Sonho de uma manhã de outono - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Não vou falar muito, não quero dar spoilers ou insinuações, então deixarei tudo para as notas finais. Espero que gostem. Boa leitura, e eu gostaria de dar um obrigado ao tamanho do mundo pois duas leitoras maravilhas fizeram recomendações. Miss Layla e Small EyesS, saibam que vocês tem espaço reservado nesse meu coração de escritor.



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Os móveis do quarto eram brancos e as paredes de uma cor clara, quase um bege. O Sol da manhã agradável tentava invadir o ambiente através das cortinas finas e alvas. Na cama, uma garotinha com não mais que dez anos, se perdia em seus pensamentos, coberta até a barriga. Os olhos fechados, lábios levemente rosados cerrados com suavidade, transmitiam serenidade. Não ouvia a conversa na sala. Pais preocupados por ter uma filha que estava delirando coisas.

Jennifer dormia.

E sonhava.

Estava numa praia. O cabelo se agitava no vento forte, os pés descalços sentiam a areia molhada. Atrás de si, as ondas estavam agitadas, e leves borrifadas de água salgada tocavam-lhe os braços e as costas nuas. Usava um simples vestido branco.

Ela não se lembrava de como havia chegado ali. O céu estava cinza, com nuvens carregadas e ameaçadoras. À frente, uma densa floresta se erguia, com árvores onipotentes que iam tão alto que dava vertigem encarar as copas por muito tempo. Em seu coração havia certo temor em adentrar aquele desconhecido lugar. Algo dizia que podia ser perigoso.

Olhou em volta, e também sentiu medo em estar sozinha. Queria voltar pra casa. Começou a correr, não para a floresta, mas pela faixa de terra. Sua garganta tinha um nó. Talvez de medo, de frio, ou os dois. Correu, correu, correu. Lembrando sempre das histórias que sua mãe contava quando ela era mais nova. Que crianças não podiam andar sozinhas, ou algo ruim poderia acontecer com elas.

Ela estava andando sozinha, e sentia que algo ruim poderia acontecer com ela.

Correu por algo que pareceu uma eternidade, ou um ínfimo instante. O tempo não importava ali. Logo viu suas próprias pegadas, e percebeu que havia dado uma volta em toda a ilha. O que parecia impossível, pois a faixa de terra ia distante em ambas as direções.

Ela então voltou a encarar a floresta. Com o olhar desconfiado de uma criança. Não sabia nadar, mas sabia correr, então teria mais chance de sobreviver à floresta do que o mar. Exceto se ela conseguisse derrubar uma árvore e com a madeira criar uma pequena jangada, que a levasse de volta para sua casa.

Sim, era uma ótima ideia. Mas como derrubar?

Começou a andar, analisando bem as árvores, a madeira, a aparência de resistente. Ela era bem esperta, afinal. E quando decidiu a árvore que ia ser derrubada, correu até ela e começou a empurrar. Empurrou, empurrou, empurrou. Mas a árvore não caiu. Por pura teimosia, continuou. E quando já estava cansada, caiu no chão, arfando. Olhou para o alto, para o céu, onde as copas das árvores quase se misturavam com as nuvens. Fazer isso deu a sensação de que tudo girava.

— Não vai conseguir derrubar uma árvore assim.

Jenny logo se levantou, ainda um pouco tonta, olhando para a floresta, à procura do dono da voz.

— Quem está aí? Eu ordeno que apareça! – ela exclamou, mais assustada do que autoritária.

De uma forma tímida, um castor de dentes grandes e com metade do tamanho dela, saiu de trás dos arbustos. Tinha o pelo bem marrom, olhos negros, brilhantes e afetuosos.

— Princesa, é uma honra conhecê-la. – e fez uma reverência.

Jenny olhou pra ele, pensativa, com o cenho franzido. Ele falava engraçado. Tinha lábios finos e escuros, e quando dizia algo, o C, quando tinha som de S, no caso Ce e Ci, tinha som de CH, e o S tinha som de algo parecido com um J. Princheja.

— Princesa?

— Sim, princesa Jena. – ele sorriu. — Esperamos muito por você, alguns até perderam a esperança.

Ela colocou as mãos sobre a cintura.

— Esperança de que eu aparecesse? Por que?

— Para nos salvar, é claro. Ah, me perdoe, você era tão pequenina na época.

Ele se aproximou, devagar.

— Eu ainda sou pequenina. Mas mamãe me diz que sou muito inteligente e esperta. Também diz que sou levada, embora eu nunca tenha entendido bem o que isso significa. Acho que é quando eu durmo na sala e meu pai me leva para o quarto.

Ela sorriu, como se tivesse descoberto um segredo muito secreto.

— É claro! Sou uma ótima detetive!

— Não duvido de suas habilidades, alteza. Mas devemos nos apressar.

— Apressar? Pra quê? Por que? Pra onde? Por quem? De quem? Você parece meio assustado. Eu assusto você?

— Não, de forma alguma. Até me sinto seguro perto de você, mas o exército opressor está na floresta. Temos que chegar ao nosso esconderijo antes que nos achem.

Ele segurou a mão dela, e começou a andar para dentro da floresta.

— Espere! Não quero entrar aí!

— Confie em mim – ele disse, meticuloso. — Conheço cada pedaço dessa floresta.

Sons agudos de aves que ela nunca ouviu, rastejar de coisas grotescas que ela nunca imaginou. Os sons daquela floresta eram assustadores. Não de uma forma totalmente ruim, mas nós naturalmente temos medo do desconhecido. Ainda mais quando nem sequer sabemos como chegamos a tal lugar. Essa era a situação dela. Seus pés delicados tocavam o chão ora úmido, ora seco. Ora limpo, ora cheio de folhas caídas e envelhecidas.

O sentimento de que algo ruim se esgueirava por entre as árvores e arbustos só crescia a cada passo que ela dava para o interior da floresta. Mas por que aquele castor não estava amedrontado também? Ele parecia tão frágil, não tinha muito como se defender.

— O que esse exército ameaçador faz?

Opressor. Eles ficaram sabendo que você viria para nos libertar.

— Libertar? De quem?

Ela não tinha ideia do que fazer. Se considerava quase uma adulta, mas nesse momento, ela queria muito ir pro colo da mãe.

— Da Normalidade.

Ela parou por um momento, piscando os olhos.

— Normalidade? Desde quando o normal é ruim?

Ele voltou a puxar a mão dela.

— Desde quando ela quer matar tudo aquilo que não for igual a ela.

— Isso é... horrível.

— Sim. Mandamos os Pássaros do Limite irem até você, mas ela prendeu eles. Graças aos Céus você apareceu mesmo assim.

Nesse momento, o barulho de cascos de cavalo foi ouvido. O castor logo deu um pulo de susto, olhando para os lados com os olhos arregalados.

— Precisamos nos esconder! Venha!

Correram, com o coração saindo pela boca, até que encontraram uma árvore com uma raiz grossa e retorcida, com um buraco de terra embaixo. Ali ficaram, calados. Os cascos se aproximaram mais e mais.

— Eu quero aquela pirralha morta! – esganiçou uma voz tão infantil quanto a dela, só que um pouco mais abusada, pensou Jenny.

— Nós iremos encontrá-la, Alteza Normalidade.

— Nós não podemos deixá-la ir muito longe, muito menos ir atrás dos pássaros. Não deixarei que a estranheza dela tome meu reino. Nunca!

E com um relincho dos cavalos, galoparam para longe. Então ambos perceberam que estavam prendendo a respiração todo o tempo.

— Você viu, princesa Jena? Ela é cruel. Vamos, foram para longe. Chegaremos na toca até a noite.

E segurando novamente a mão dela, voltaram a andar pela floresta. Cautelosos, assustados. Jenny estava com medo. Não queria ser oprimida pela Normalidade. Ela só queria se sentir bem.


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Notas finais do capítulo

Não sei se aqui está o que vocês esperavam. Peço desculpas se alguém se decepcionou, mas eu não podia ignorar isso. Já que é uma parte profunda da personalidade de Jenny. Esse sonho explicará algumas coisas.
Quero dizer que me inspirei em Sandman, uma obra que faz parte do alicerce da minha escrita e das minhas criações. Se nunca leu, é só pedir o link, que dá pra ler ele online.
Agradeço a todos que estão acompanhando essa história fielmente, mesmo que sejam fantasmas! Críticas? Sugestões? Elogios? Se sintam à vontade.