A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 2
O telefonema


Notas iniciais do capítulo

Eu realmente estou maravilhado com o feedback que eu tive no primeiro capítulo. 17 comentários e 30 acompanhamentos. Nunca pensei que teria isso! Nem ambiciei a metade disso, então podem imaginar como estou me sentindo.
Eu realmente espero não decepcionar em nada. Agradeço a todos vocês que estão lendo isso, vocês são muito importantes para mim. Boa leitura.



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Ao ver a noiva deitada do seu lado, Dylan deu um pulo sobrenatural, indo da cama até se chocar contra a parede. Um salto que só um padre especializado em exorcismos poderia explicar. Não teve muita diferença entre ele e um gato assustado.

— Fantasma! – ele berrou alto. — Fantasma, fantasma, fantasma!

— Deus do céu! – ela também berrou assustada, já se sentando, encarando ele em uma mistura de torpor sonolento e confusão.

O homenzinho se encolheu contra a parede, olhos arregalados, como se pudesse ultrapassar aquela barreira sólida, ou se fundir à pintura. Naquele momento, até a barba estava arrepiada. O que era aquilo que ele estava vendo? Céus, o que era aquilo?

— O que deu em você!? Está maluco? Parece uma criança! Cresça! – olhos femininos de um castanho escuro o encaravam com muita raiva. — Olha como você está branco, Dylan!

Ela poderia xingar até a mãe dele se quisesse, não se importaria. Na verdade, ele nem estava escutando. Apenas fitava ela, tentando ouvir os pensamentos confusos e gritantes.

Ela não tinha morrido? Sim, ela tinha! Só morremos uma vez, não dá pra voltar. Mas ela está ali! Ali! Na minha frente!”

Jennifer tinha mania de dormir com o cabelo amarrado, e duas mechas laterais caíam sobre seu rosto fino e branco. Um cabelo liso e castanho escuro, quase da mesma cor que os olhos.

O pobre rapaz havia enlouquecido. Desejou tanto ter sua noiva de volta que agora estava vendo ela. Tinha três opções: ou ela havia realmente voltado, ou ela era uma assombração, ou ele havia ficado louco de vez. Queria realmente acreditar na primeira, mas tudo indicava apenas uma coisa.

“Eu realmente pirei na batatinha.”

A cara dele de desespero e angústia fez Jenny se perguntar se ele havia tido um pesadelo, e estava ainda delirando. Certo, certo. Ele não poderia ficar pasmo a vida toda ali na parede, precisava pensar.

Pense, Dylan.

Sua noiva morreu, e agora estava ali, viva. Louco, afirmou novamente. Perdeu o juízo. E o que fazer quando se está louco de vez e não quer que isso piore? Pular pela janela, é claro!

Boa ideia, Dylan.

Correu para a janela, que infelizmente – ou felizmente – ficava no lado da cama onde Jenny estava. Enquanto ele passava por ela, a moça colocou as pernas pra fora da cama, se sentando, e isso fez com que o assombrado soltasse um grunhido assustado, se apertando contra a parede novamente, para logo em seguida abrir a janela, subindo desajeitado no parapeito.

— Estou indo, Jennifer. Entendi o seu recado. Vamos nos encontrar do outro lado.

— Mas é muito demente mesmo! – ela berrou e puxou ele pela cintura.

Ele gritou outra vez, mas de surpresa. As mãos dela não haviam deixado nenhum tipo de gosma fedida nele, nem estavam com dedos faltando. Eram duas mãos normais, bem cuidadas, pequenas.

De carne e osso.

Levou uma tapa no rosto pra ficar bem esperto, e concluiu que a mão dela era mais osso que carne. Osso dói. Agora, encostado na parede, era fitado por ela. Ele de calça, ela de camiseta branca e short de algodão. Jennifer segurou o rosto dele com as mãos.

— Seja lá o que você tenha passado, foi só um sonho, entendeu? Só um sonho. Não me faça querer te levar a um psiquiatra. Eu não quero me casar...

A voz dela hesitou um pouco.

— ... Com um doido.

Ao terminar a frase, passou a mão no rosto, deu as costas e contornou a cama, abrindo a porta do banheiro e entrando. Ao fechar a porta, gritou lá de dentro.

E se você se aproximar dessa janela novamente, eu vou enfiar minha escova de dente na sua orelha até estourar seu tímpano!

E deu um soco na porta. Um amor de pessoa.

Jenny não era assim sempre. Na verdade, ela era bem calma e reservada. Mas havia aprendido que para impor limites em pessoas como o Dylan, o melhor era usar um pouco de delicadeza bruta. Mas de uns tempos para cá, isso estava desgastando-a.

Dylan se sentou na cama e inspirou fundo. Relaxou, e começou a rir nervoso. Havia sido apenas um sonho. Um sonho. Levantou-se, vestindo uma camisa branca, e foi para a cozinha. Instantes depois, a cafeteira estava cheia de café forte. O vapor impregnava o ar com seu cheiro levemente amargo. A cozinha não era tão sofisticada. Na verdade, nada ali era exagerado. O apartamento não era grande. Eles não queriam nada assim. Desejaram conforto e economia. Isso é o tipo de coisa que todo casal pensa no começo do relacionamento.

Ele já bebia o café numa caneca branca quando ela apareceu. O cabelo ainda preso da mesma forma. Passou por ele um pouco alheia, com o braço erguido em horizontal. Sussurrava coisas.

Falava com os pássaros.

Pássaros que só ela via. E que apenas ela entendia. Dylan já tratava isso naturalmente. Na verdade, ele precisou primeiro conhecer os pássaros dela, para depois conseguir conhecer ela. Não foi uma tarefa fácil. Após os pássaros aparentemente pousarem na pia, ela começou a lavar uma caneca para si. Dylan a observava, com os braços encostados na mesa de madeira clara.

Jenny usava uma camiseta branca de algodão e um short jeans meio amassado que ia até os joelhos. Gostava do jeito dela. Combinava tanto com ela. Ela não era do tipo que tinha curvas. Seios pequenos, cujas bordas mal apareciam em uma camiseta decotada. Não tinha coxas grossas, o short até ficava um pouco folgado. Do mesmo jeito nos glúteos. Mas as panturrilhas eram bem contornadas. O corpo dela sempre chamava a atenção dele. Havia algo nela. Algo que o prendia, e o fascinava. Tinha uma pele branca, mas não do tipo pálida. A moça se virou, indo pegar a cafeteira no canto. Ele a seguiu com os olhos. Olhos cor de grãos escuros de café.

Tinha uma boca grande, e isso ficava evidente quando ela sorria. Dois arcos se formavam nos cantos da boca, e leves linhas de expressão apareciam no canto dos olhos. O queixo era firme e passava a sensação de mulher firme e centrada. De perfil, logo se notava o nariz arrebitado. Ele não combinava com o resto do seu rosto. Quebrava a harmonia dos traços. Mas para ele, ela era linda. Ainda mais agora.

Ainda mais agora.

Entre devaneios de uma ex-sonolência, os detalhes físicos dela saltavam aos seus olhos. Nunca tinha sido tão detalhista, demorou meses para poder observar tudo isso nela. Foi descobrindo aos poucos. Nunca havia sido atencioso em poucas coisas. E pensar nisso o incomodou. Mas agora ele observava bem. O sonho havia sido real, e o sentimento de perda ainda pairava em seu íntimo, mas provavelmente até o fim da noite isso seria esquecido. A vida voltaria ao normal. Evitaria comer coisas pesadas de noite, e até tomar algum remédio que ajudasse no sono. Não queria mais pesadelos.

— O que disse? – ele perguntou, piscando os olhos.

— Perguntei se não irá trabalhar hoje. Já está tarde e você nem está arrumado. – ela se sentou na cadeira, sobre a perna.

— Ah, não. Eu ganhei folga por causa...

Da morte dela?

— Droga!

Ele se levantou rápido e foi correndo de volta para o quarto. Logo se enfiando no banheiro. Sua vida havia voltado ao normal. Na verdade, nunca deixara de ser normal. Em poucos segundos estava tomando banho e tentando pensar em uma desculpa convincente para o seu atraso. Ninguém iria querer saber de seu sonho.

Algo inquietava Jennifer. Mas é claro que Dylan não percebeu. Há muito tempo ele havia deixado de notar as coisas pequenas. Tinha um olhar pensativo, pensando em diálogos imaginários, e na ponta de sua língua, palavras que ainda não poderiam ser ditas. Caminhou até o quarto, e pela porta do banheiro, ouvia o chuveiro ligado.

— Dy-Dylan?

— Sim? – ele gritou lá de dentro, com a cabeça dentro do chuveiro.

— Quando eu voltar do trabalho, será que podemos conversar?

— Conversar? Sobre o quê? Aconteceu algo?

— Não, não aconteceu.

— Mas é algo importante, então tente chegar cedo, tá certo?

— Claro.

Após isso, ele não ouviu mais ela. Ao sair do banho, se questionava sobre o que poderia ser. Muitas vezes ela gostava de conversar coisas sem sentido. Ou coisas infantis, ou até desenho. Uma parte dela ainda era criança. E ele nem sempre tinha paciência para ouvir tudo. Nunca negou, mas quase sempre apenas concordava com o que ela dizia, e falava algumas coisas que não lembraria depois. Talvez ela quisesse ir a algum lugar.

Já vestido, se olhou no espelho. Olhos castanhos, rosto firme, orgulhoso da barba completa. Seu cabelo era liso e não era penteado há alguns anos. Mas não ficava do tipo garoto rebelde. Deus o livrasse disso. Ficava algo mais social, que poderia ser usado em qualquer lugar.

O telefone na parede da cozinha tocou, e ele correu para atender, enquanto olhava o horário no relógio de pulso. Provavelmente seria Jenny, dizendo que esqueceu as chaves. De novo.

— Acho que vou ser demitido... – atendeu o telefone. — Alô?

Aquilo não foi só um sonho.

Silêncio.

— ... C-como?

Dylan franziu o cenho, e novamente uma areia de confusão foi jogada em seus pensamentos por causa daquela voz masculina e aparentemente, de alguém com uma idade avançada.

Ela estava morta até ontem. Você não sonhou.

O coração dele acelerou. Se sentia tragado ao passado recente novamente. Ele não queria isso.

— Quem está falando?

A questão, Dylan, não é quem sou eu. Mas sim, quem é você agora, e quem será você quando anoitecer.

— Eu não estou entendendo o que você está falando? Se isso for algum tipo de brincadeira – ele foi interrompido no meio da frase pela outra voz: — Olhe no relógio da parede.

Olhou para o alto, um relógio quadrado, branco e digital. Mostrava as horas e no canto da tela, a data. Observou o horário. 7:47. O que havia de... então olhou a data.

18/07

O coração de Dylan agora bombeava gelo no lugar de sangue. Estava nervoso.

Isso não é brincadeira Dylan. E cada segundo conta.

— Espere.

A voz dele estava hesitante. Enfiou a mão livre no bolso e retirou seu celular digital do bolso. Destravou a tela e digitou um número. Seus dedos tremiam. Afastou o telefone do rosto e encostou o celular. Dava passos de um lado para o outro.

— Atende, atende... Alô! Jordan?

Dylan? Alô, não devia estar indo pro trabalho? Fiquei sabendo que...

— Não, Jordan, escuta. Preciso que me diga que data é hoje.

Dia 18. Por que?

— Você tem certeza?

Claro, é o aniversário de minha esposa. Você está bem?

— Pergunte para ela que dia é hoje. Rápido, é importante.

Um segundo se passou.

Ela respondeu 18 também.

— Obrigado. Nos vemos mais tarde.

Desligou o celular e guardou no bolso novamente. Olhou para o telefone, como se pudesse ver o rosto de quem estava do outro lado da linha, ou como se essa outra pessoa pudesse estar observando ele, e se divertindo com isso. Aproximou o telefone do ouvido novamente.

— Acho que você acredita agora.

Onde ele havia se metido? O que era tudo isso que estava acontecendo?

— Sim... dia dezoito...

Ele estava com medo.

Exato. O dia da morte dela.

— O que você fez?

O que importa não é o que eu fiz, mas o que você fará.

Droga, pare de falar assim! Seja direto!

Ele tinha lágrimas nos olhos. Quando as emoções se misturam em confusão, elas transbordam. Mesmo que não sejam identificadas.

Você está revivendo o dia da morte dela. Acho que já percebeu isso.

Por algum motivo, Dylan sentia que aquela voz falava a verdade.

— Isso quer dizer que eu vou passar pela morte dela de novo, é isso?

Isso depende.

— Depende do quê? – ele disparou. Agarrava aquela chance com todas as forças.

De você.

— Mas eu não quero que ela morra.

Não, ele com certeza não queria.

Não é tão fácil assim. Vai depender de teus esforços. Você conseguirá mudar algumas coisas. Outras não. Não sei o que você vai fazer.

A calma absurda da voz o deixava incomodado.

— E... o que eu preciso fazer? Me diga, o tempo está passando.

Ah... vejo que finalmente aprendeu. Muito bem, eu vou te dizer as regras.

Ouviu atentamente por longos minutos. Não podia deixar escapar nenhum detalhe. Estava assustado, temeroso. Nunca pensou que passaria por algo parecido. Mas quem imaginaria que passaria por algo parecido?

Manterei contato. Boa sorte na sua empreitada, Dylan.

Após colocar o telefone no gancho, procurou uma cadeira para se sentar. Apoiando os cotovelos nos joelhos, e afundando o rosto nas mãos. Chorou. Mas algo momentâneo. Chorou por medo, mas logo parou. Estava com medo de reviver um futuro que já havia acontecido. Um futuro nada bom.

Uma coisa era criar o próprio dia, se encaixar nas situações adversas que aparecerem. Outra coisa totalmente diferente era mudar os fatos. Droga, tudo era tão complicado, e qualquer passo errado... ele já sabia o que o esperava ao cair da noite. Ele precisava agir. Logo.

Retirou o celular do bolso e olhou a imagem de Jenny. Admirou. Se sentia preso por cordas muito curtas. Então discou o número de outro colega de trabalho.

— Alô, Matt? Preciso que avise que não irei trabalhar hoje. Depois eu mando um relatório e falo com o chefe. Eu sei que ele não vai gostar, mas há algo importante a ser feito.

Algo essencial.


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Notas finais do capítulo

Espero que não tenham se decepcionado, e caso isso tenha acontecido, por favor, deixe sua crítica para que esse escritor possa melhorar mais e mais. E se não tiver críticas, comente também. Irei responder com toda a atenção do mundo. Até mais!