Ophelia escrita por Dope Friends


Capítulo 4
Fim




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Depois da situação intensa, decidi tirar uma semana de folga no colégio, afirmando estar com problemas de doença na família. Por um momento, pareceu-me mais vantajoso realmente ter alguma doença que ter que olhar para o rosto de decepção de Anabelle todos os dias. Ficamos alguns dias fingindo que tudo estava normal, trocando beijos amargos e estranhos vivendo naquela rotina de acordar, comer e ficar o resto da tarde lendo jornal.

Era Anabelle agora que teria sofrido uma mudança extrema. Nem se quer lembrava qual era a última vez que teria visto seu sorriso iluminar seu rosto; mas como uma vingança de Deus, sentia-me atraído pelo seu rosto redondo e delicado. Seus olhos estavam sempre cercados por rímel e lápis marrom, além de ter trocado seu corte de cabelo para algo mais cativante. Duplicou suas aulas particulares de esculturas e pintura e começou á usar mais o carro para viagens próximas.

Aquela situação era sufocante. Agora, deitado na cama, só conseguia fantasiar-me com Ophelia morta, agarrando seu próprio peito de tanta dor, assim como só sentia o cheiro de minha mulher nos lençóis limpos. Eu estava voltando á sentir-me apaixonado por Anabelle, mas ela estava cada vez mais distante e fria; e por mais que ás vezes sentia-me tentado á chamar Ophelia (mesmo a odiando), algo dentro de mim me impedia.

Os dias daquela semana foram tão longos e quentes que parecia enlouquecer com meu paradoxo de amar duas mulheres ao mesmo tempo, além de desejar o pior para ambas. Foram essas duas, essa ruiva e essa morena que sugaram minha vontade de viver e minha paixão por aquela escola. Queria ficar todos os dias deitado, com as cobertas escondendo meu rosto velho.

Então, comecei a ter imagens loucas de Anabelle com outro. Ela divertia-se com novos homens, com novos toques e sorrisos mais seguros que o meu. Eu conseguia sentir o cheiro masculino dos garotos dela e um arrepio de ódio e ciúmes; e isto não ajudou a situação, apenas a piorou. Por fim, compreendi que era de extrema verdade os meus sonhos com Anabelle: ela deveras estava me traindo.

Meu coração, já estragado por causa da ruiva, agora desaparecera do meu peito de tanta agonia. Anabelle chegava em casa com seus cabelos bagunçados, sem o seu batom e com perfume masculino em seu corpo, fazendo-me pagar com a mesma moeda pelos meus atos infiéis. Só Deus conhece a dor que nasceu em mim depois daquilo; meu arrependimento e tristeza.

Anabelle via-me sofrer, mas ainda assim, ela queria mais. Pediu viagens, presentes, fez-me pobre para voltar o seu amor. Mas cada dia juntos era como se alguém roubasse meu oxigênio com as mãos, e eu quis pela primeira vez voltar ao tempo para evitar Ophelia e continuar feliz como não sabia que era. Anabelle, minha querida mulher, estava completamente certa e forte, enquanto eu me jogava no chão sujo e infiel.

Eu estava morrendo por dentro. Com todo o arrependimento que alguém poderia me causar, quase não lembrei-me que deveria voltar para a escola. Na manhã seguinte, estava com olheiras fundas e com uma barba mal feita no rosto — mostrando para todos o quão cansado estava daquela situação. Normalmente, peguei meu carro e fui até o trabalho, passando por aquela mesma rua narrada nos primeiros parágrafos da minha entediante história. Todavia, a rua agora era seca e opaca, nem se quer era quente como as outras ruas, mas sim parada e triste. Abafada e escura.

St. Joseph. St era o pior lugar para se passar todos os dias, mas ainda cultivei minha dor e meus pensamentos obscuros passando vagarosamente pelas casas azuis com cercas pequenas e brancas — imaginando "n" coisas que poderia ter evitado em minha vida. Um extremo desconforto aparecia em meu estômago toda vez que se quer imaginava o rosto de Ophelia novamente, e quis atrasar cada minuto mais próximo ao colégio.

Ao passar na minha agoniante lentidão por aquela rua, observei entre uma árvore seca que a casa onde Ophelia morava, irradiando sua beleza vermelha, estava á venda. Aquilo poderia ser um bom ou mal sinal, talvez porque poderia ser um indicador que as coisas não estavam bem na escola, mas também como um retorno para minha vida normal.

Ophelia teria ido embora. E por mais que eu quisesse ir até seu jardim, chorar no gramado verde coberto por folhas douradas, segui meu caminho com meus olhos perdidos no vazio. Cheguei até a escola mais cansado que o habitual, e me dirigi para aqueles corredores cinzas e barulhentos, forçando um sorriso para os alunos que me cumprimentavam.

Provavelmente, entrando numa lista privada de piores sensações que já sentira, o sinal teria sido o barulho mais ensurdecedor daquela escola. Ele veio baixo e surdo, mas depois aumentou-se como uma sirene que espalhava desprezo e recusa á vida; aquele sinal mandava-me como um animal para a turma do segundo ano, onde Ophelia sentava-se na primeira carteira da segunda fileira.

Quando adentrei na sala, que deveria ser uma das quintas salas do segundo ano, meus pés pararam firmes como chumbo; e eu fiquei derrotado por aqueles adolescentes calmos. Ophelia não estava em pé, ou sentada em alguma carteira conversando com suas amigas, nem se quer veio correndo com alguma de suas piadas ridículas para me contar. Todos estavam calmos, respeitando o vazio que cada um sentia no momento.

A aula teria sido degastante, e passei cada minuto desejando correr de volta para casa, mas quanto mais desejava, mas longo e perturbador era o dia. Observava atento aquela carteira vazia, sufocando-me com a quietude da turma. Então, as aulas foram se passando, anunciando que eu deveria me conformar com a situação que eu mesmo criei. Quando o último sinal tocou, gritando para todos que tínhamos a permissão de ir para casa, corri até meu carro num desespero interno de chegar em casa.

Passei novamente por aquela rua, no entanto, dessa vez com uma pressa desgraçada que fazia com que meu sangue bombeasse mais forte e quente pelo meu corpo. Entretanto, eu não consegui — não, não consegui — conter-me daquele vazio. Parei o carro com pressa, um pouco distante da casa da Ophelia e corri até seu jardim sereno.

Observei quieto a janela do segundo andar: imaginando a ruiva com seus cabelos bagunçados na manhã quente de outono, lançando para o mundo o seu melhor sorriso entre as cortinas transparentes do quarto. Ela mordiscou seus lábios nervosa, colocando seus cabelos para trás da orelha, lançando-me seu olhar topázio cativante para mim. Os raios solares alcançaram os vidros da janela, deixando-me cego e fazendo o dourado espalhar-se para todas as direções.

Ophelia teria ido embora.

Meus lábios caíram pesados e minhas sobrancelhas arquearam-se de dor. Fazia muito tempo que não chorava por algo tão intenso — tanto tempo que o amor não me fazia tão mal. Ophelia, diga-me garota, o que lhe fiz? O que fiz para ter-te apenas para mim e depois deixar-ti ir tão facilmente, como areia branca que escorre e foge dos meus dedos? Passei minhas mãos suadas nos olhos para enxugar aquelas poucas lágrimas que escorriam e decidi que deveria voltar para casa.

Anabelle me esperava. Ela vestia sobre um vestido vermelho e pintado com pequenos círculos brancos um avental sujo de terra. Minha mulher tirou suas luvas para cuidar do jardim e as jogou na mesa mais próxima, correndo seus braços pelo meu pescoço e sussurrando em meu ouvido:

"Amor, estou grávida"

A abracei de volta, correndo meus braços fracos por suas costas delicadas e enfiando meu rosto em seu ombro. Minhas mãos seguraram forte sua roupa e deixei com que as lágrimas caíssem reiteradas, molhando sua roupa. Ela abraçou-me fraca, deixando com que eu expressasse meu arrependimento e tristeza sobre a situação. No fundo, algo dizia-me que aquele filho preso em sua barriga não era meu, mas ela contou-me contente no almoço que fora daquela vez que comemoramos juntos. E era este mesmo "algo" que sussurrava em meus ouvidos que deveria aceitar o presente e não tomar mais alguma ação irracional.

No fim, devo dizer que me conformei com aquilo rapidamente e comecei uma nova etapa mais gostosa em minha vida. Eu troquei de escola, fui para uma que valorizava ainda mais meu ensino e não passava perto daquela rua vazia, assim como Anabelle ganhou dinheiro suficiente para fazer uma reforma na casa. Alguns dias, eu a ajudava cuidar dos jardins e comemorávamos o nascimento do nosso futuro filho.

Minha vida mudou-se completamente. E parei de ter aquele ódio por minha mulher ou por Ophelia, pensando naquilo como uma fase necessária para o meu amadurecimento. Minhas aulas também tornaram-se mais produtivas e engraçadas, e as garotas de 16 anos agora pareciam apenas garotas, por mais bonitas que fossem, ou engraçadas, não sentia nem um ponto se quer de atração.

Descobrimos no seu nascimento que era uma garota, e por mais que eu desejasse um filho, fiquei tão contente que fiz o quarto de minha filha com todo carinho possível, cercado de rosa e bichos de pelúcia. Eu queria entregar-lhe tudo o que era bom, queria poder ensinar para ela sobre a literatura e contar-lhe de como conheci sua mãe. Anabelle estava tão animada quanto eu, fazendo chás de bebê e outros eventos gostosos para dar boas vindas á criança.

Lembro-me que, enquanto imaginávamos a aparência física de nossa garota, ela perguntou-me qual seria o nome dela. Eu pensei por alguns minutos que eu estava prestes á ter a garota mais bonita do mundo, e ela merecia nada mais que um nome que representasse isso.

"— Ophelia."


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