Maybe Someday escrita por SomeKilljoy


Capítulo 13
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

PERSONAS, É REAL, EU TÔ ATUALIZANDO A FIC SEM TER DADO UM MÊS AINDA, NÃO SEI O QUE ACONTECEU. QUEM SOU EU E O QUE EU FIZ COMIGO MESMO? (◐ o ◑ ) (◐ o ◑ ) (◐ o ◑ )
Tudo graças ao nanowrimo, sadlç de projeto que está quase me induzindo a vender minha alma ao capiroto para ver se consigo bater essa meta de 50k em um mês :'D Eu particularmente acho impossível para mim, né, mas nunca escrevi tanto em uma semana (comecei fic nova, até, socorro), então valeu, nano. ◟(◔ั₀◔ั )◞ ༘♡

Antes de continuar o falatório de sempre, sou obrigada a agradecer, mais uma vez, à cheirosa da Little Jess pela recomendação! Graças a você, tô postando o cap mais cedo, ó, dedico ele principalmente a ti ♡✧。 (⋈◍>◡<◍)。✧♡
À Lariez também porque ela é uma diva que aguenta as minhas crises e, ó, não sei o que seria dessa fic sem ela ∩(´∀`∩) melhor pessoua
E aos outros leitores no geral too, of course (●´∀`)ノ♡

Eu fiz de tudo para que esse capítulo não ficasse gigantonorme e não superasse os 7K. Mas acabou ficando grandinho sim, principalmente a última parte. Fiquei de cortar alguma coisa, mas como tudo tinha alguma influência na reta da fic, estava de mãos atadas ;__; Espero que entendam.
Well, notícia boa: CONSEGUI ESCREVER NO POV DO GRAY, YASSS ✧*。٩(ˊᗜˋ*)و✧*。 E devo admitir que estava, definitivamente, com saudades disso. Acho bem mais fácil escrever sob a ótica do Thay, sei lá, soa mais natural, mas acho que nesse cap deu para explorar ainda mais a personalidade do Gray e aaaa Além disso, ALERTA PERSONAGEM NOVA, YAY. Lembram da priminha do Gray? Então XD
Vou calar a boca agora :x
Boa leitura!~



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Gray tinha que admitir: estava surpreso com a espontaneidade recém-revelada de Tyler.

E estava adorando-a.

Era enlevante presenciar o processo paulatino que era Tyler deixando de se conter. Ele já havia o visto assim em alguma anterioridade, mas, agora, parecia mais verossímil; imaginava que era porque estavam mais próximos agora. Um Tyler à vontade significava um Tyler mais sincero, participativo e autêntico, e, aparentemente, sem medo de dizer – e até fazer – o que lhe viesse na telha.

E, como um amante de imprevisibilidades, não tinha como reclamar, tinha?

Claro, não podia simplesmente esperar que ele fosse deixar de se constranger com algumas coisas, mas ou ele subitamente dominara a faculdade do disfarce da vergonha, ou essas coisas haviam sido fracionadas em poucas, minimizadas gradualmente. Pelo menos, desde o incidente com a ladeira – ele não podia evitar achar graça toda vez que pensava nele; como aquilo sequer ocorrera? –, era assim que parecia estar transcorrendo tudo. Houvera até mesmo uma réstia de petulância em algumas de suas ações, com direito a provocações sem rubores e a diálogos mais abertos, e, se fosse para ele escolher, adoraria se continuasse assim pelo tempo que fosse necessário.

No entanto, quando voltou à mesa no fundo do restaurante, sua mente automaticamente captara que alguma coisa estava barbaramente errada.

Havia acabado de rever alguns velhos amigos, ou alguma coisa no limiar entre a definição de amizade e "conhecidos". Talvez colegas fosse a palavra ideal; afinal, eles já haviam lhe rendido alguns momentos de descontração, mas nada a longo prazo ou relevante.

A postura de Tyler estava um tanto tensa e forçosamente ereta, como se alguém houvesse acabado de depor uma acusação de um delito que não cometera contra ele.

A princípio, Gray decidira não questioná-lo sobre isso e apenas fingir que não se apercebera de nenhuma mudança no jeito em que se portava. Podia não ser nada, afinal.

— Seus amigos parecem legais — observou Tyler conforme se sentava, deixando-o satisfeito por não ter que ser o primeiro a falar dessa vez.

— Como eu disse, não sou muito próximo, mas é gente boa — certificou, sorrindo. Contudo, logo percebeu que a atenção de Tyler no que dizia havia sofrido uma interferência a partir desse ponto, como se alguém tivesse cortado um dos fios principais da afiação em sua cabeça. Ele nem parecia mais naquele planeta; Gray sempre se surpreendia com a capacidade de se ausentar substancialmente dele, entrando em alguma espécie superficial e fugaz de transe.

Mas não se tratava de apenas divagações fortuitas; quando Tyler transitava pro estado pensativo-contemplativo, ficava com uma total cara de paisagem. Agora, suas expressões moldavam o rosto lívido como se seus pensamentos o ferissem, a boca crispada, o cenho franzido.

Ele o chamou, mas não foi escutado. Passou a mão na frente do seu rosto, como quem tenta desembaçar a bruma de uma janela. Nada, nenhuma reação. Que tipo de pensamentos beligerantes poderiam criar um conflito mental tão grande quanto o que parecia, imaginou, com uma pontada de preocupação, a qual agravou-se drasticamente quando Tyler fechou os olhos com firmeza e passou a gerir respirações profundas e consecutivas em pequenos intervalos de tempo.

— Tyler, você está bem? Está praticamente hiperventilando — disse, arrastando a cadeira para mais perto para conseguir segurá-lo pelos ombros. Ele abriu os olhos; os de um tom cor-de-mel mais intenso que já vira, que parecia ser capaz de exercer algum tipo de magnetismo sobre ele, assim como o próprio mel atrai passionalmente as abelhas.

Um silêncio aflitivo se fez presente naquele espaço de tempo de nanossegundos.

— Acho que Lana sabe sobre nós — anunciou, a voz roufenha e arranhada. Tyler limpou a garganta e tossiu, a mão em punho em frente à boca.

Ele piscou, atônito, para a resposta, tentando processá-la.

— Não — disse, convicto. — Não, como poderia?

Mas ele se lembrou, bem no momento em que proferia tais palavras; lembrou-se de Lana abordando-o e alegando que juntaria as peças do quebra-cabeça, de como ela parecia confusa e perdida na própria interpretação, e de como provavelmente recebera a informação errada — ou ao menos distorcida — da própria irmã. Agora, se perguntava se ela já havia recebido a edição completa e correta da história toda agora, e se era justamente por isso que resolvera querer saber a versão de Tyler dos fatos.

"Tyler não pode saber que eu mencionei alguma coisa a Sue. Isso foi uma mancada." pensou, se corroendo de culpa.

Porque a culpa era dele se não conseguia monitorar quais palavras saíam pela própria boca, nem bloquear as adversas. Era culpa dele que alguém estava sabendo sobre os dois.

Assim como era culpa dele Tyler estar reagindo dessa forma. Uma coisa sempre levava a outra.

Era sempre assim, não era? Sua vida era uma reação em cadeia.

Tyler soltou o ar pela boca, mas era claro como água que ainda estava abalado. Ele pegou o celular, destravou-o, parou para ler alguma coisa e entregou o aparelho a Gray, mostrando-lhe uma caixa de mensagens. Havia três mais recentes, de Lana.

Lana: O que é que tem entre você e o Gray, hein?

Aliás, esquece. Não é da minha conta.

Tyler, tá aí? Esquece que eu perguntei isso, sério. Não quero causar problemas.

A segunda rodada de mensagens havia sido enviada depois de um intervalo de vários minutos silenciosos, em que aparentemente Lana havia esperado impaciente e nervosamente por uma resposta irrealizada.

— Ei. — Pegou sua mão por baixo da mesa, onde ninguém podia ver. Os nós dos dedos do garoto estavam retesados. — Não acho que isso signifique que ela saiba.

— Ela perguntou o que há entre a gente, Gray — redarguiu ele, cotovelos sobre a mesa, uma vez retirada a mão direita do acolhimento insuficiente das suas. Ele afundou o rosto nas mãos, os dedos esguios acortinando sua expressão, e sua voz soou meio abafada em virtude desse fator. — Tá na cara que desconfia.

Silêncio.

— Você... você acha que mais alguém pensa assim? — inqueriu Tyler, inseguro.

Gray queria tanto poder assegurá-lo de que não havia por que se inquietar; e, ao mesmo tempo, desejava poder contar a verdade, contar que Lana tinha chances de estar sabendo apenas por sua causa, contar que falara para alguém sem nem pensar duas vezes.

Antes havia achado que superara esse erro. Afinal, não era alguém de armazenar arrependimentos. Odiava remoer o passado. Errou, errou; não tinha como desfazer o que já tinha sido feito. Chorar sobre o leite derramado era uma perda de tempo regada por autocomiseração e inutilidade.

Mas agora via que definitivamente não devia ter feito aquilo. Não devia ter revelado para Sue. Não só por ele. Ele já havia passado por grande parte destas crises existenciais, e tivera alguém com ele para ajudá-lo. Já Tyler... Não sabia qual era a extensão da experiência dele quanto a isso.

Gray lembrava-se da paranoia inicial, do medo de alguém acabar flagrando-o. Claro que ainda o sentia, mas menos. Menos, porque ele não queria mais se importar com a opinião das outras pessoas, não depois de tudo. Menos, porque, quando temia isso ao extremo, era horrível. Era sufocante. É sufocante ter que esconder quem você é, e ambicionar nunca mais ter que fazer isso, enquanto, ao mesmo tempo, você tem medo de simplesmente tirar o véu. É querer testar quanto tempo consegue resistir em baixo da água: você permanece submerso, até seus pulmões estarem próximos a sucumbir e você saber que precisa irromper pro ar o mais rápido possível, mas, simultaneamente, você quer conhecer o próprio limite, quer ver a si mesmo suportando mais, e mais, e mais, até que chega em um ponto insustentável e você não tem mais escolha.

Gray não sabia se Tyler já tinha se sentido desse jeito.

E, se não tivesse, provavelmente estava agora.

Gray havia formulado, tempos atrás, uma linha de pensamento que gostaria de seguir algum dia.

Podia haver perigos e flagelos sobre a superfície, mas também havia alívio. Podia torná-lo vulnerável, mas também podia livrá-lo do cárcere asfixiante que era ter que se mascarar.

À medida que o tempo passasse e a pessoa não percebesse isso, no entanto, o sufoco se agigantaria sobre ela, sem escrúpulos, e seria uma sombra ocultando qualquer feixe de esperança restante.

— Tyler... — começou, mas se interrompeu. Não sabia o que dizer. O dia tinha sido incrível, Gray evitara outros assuntos para não estragá-lo, e agora os dois estavam falando sobre isso? Ali? Quando era suposto que simplesmente aproveitassem? — Podemos falar sobre isso uma outra hora, sabe.

Tyler se pôs a falar, num tom sussurrado, porém determinado.

— Não, não podemos. Olha, Gray, eu gosto de você. — Pôde ver seu pomo-de-adão subir e descer quando ele engoliu em seco, como se não acreditasse que estivesse dizendo isso. — Mas não dá para oficializar, se é assim. Você sabe... Não estamos namorando ainda. Estaríamos a partir de hoje, acho que pode-se dizer assim, porque, uh, eu teria aceitado, mas agora... Não sei. Talvez seja mesmo rápido demais. E, bom... — Ele olhou para as próprias mãos. Sua voz adquiriu um tom ainda mais baixo. — Não sei se estou pronto para lidar com isso.

Era justo, supôs.

Sob as circunstâncias atuais, provavelmente seria pedir demais outra resposta senão esta. Tinha sido pego de surpresa, claro – quem diria que as coisas se desenrolariam daquele jeito? –, mas o que poderia fazer? Lutar para demover Tyler? Podia estar até com vontade, e estar frustrado, mas não faria isto. Livre-arbítrio ou não, não era algo sob seu controle, não era ele quem decidia.

— Ok, desculpe por isso. Ignora. Tenho certeza de que devo estar exagerando — desculpou-se Tyler, recolhendo cuidadosamente o celular das mãos de Gray – que nem percebera que ainda o segurava. Divisou a tela longamente, e depois tornou a embolsar o aparelho. — Respondo ela mais tarde — falou, para ninguém em particular.

— Tudo bem, tudo bem, eu entendo.

Tyler o olhou de soslaio, e um sorriso impotente e apologético brincou em seus lábios.

— Mantenho minhas palavras, por enquanto. Acho que... Acho que devia ter pensado melhor de início. Não pensar tem lá suas vantagens — agora seu sorriso era de pesar —, mas...

— Não acho que pensar mais vá servir alguma coisa — palpitou, sem conseguir se refrear. — Quero dizer, a menos que você realmente não queira, só está adiando. — "Ou se privando", emendou mentalmente.

— Eu sei. — Tyler disse, com certa rispidez. Debruçou-se sobre a superfície da mesa, como uma criança chateada, o que teria sido engraçadinho se visto por uma ótica diferente da que Gray detinha no momento. Depois de permanecer com o rosto escondido dentre os braços e por baixo dos cabelos, levantou a cabeça e apoiou o queixo numa das mãos, com um ar emburrado. — É, eu sei. Por que acha que, quando aceitei pela primeira vez, disse não ter pensado?

"Verdade", pensou. "Eu tinha mesmo que inventar esse negócio de 'confirmação memorável', né? Parabéns, Gray, você acaba de ganhar o prêmio da maior ação de forçar barra do mundo."

— Só preciso pôr uma ordem nos meus pensamentos. — Tyler massageou as têmporas. — Foi mal estragar tudo com essa crise.

— Não estragou. E não é culpa sua — interviu, ainda que se amargurasse intimamente por isso um pouco, sim. — Pelo menos agora você tá mais calmo, né?

— É, acho que sim — murmurou, tamborilando os dedos sobre a mesa. — Hm, você quer pedir mais alguma coisa? Ou podemos fechar a conta?

O pedido por trás daquelas palavras era óbvio: "Podemos ir embora agora?"

Não podia processá-lo por isso. No momento atual, não devia ser um prospecto apelativo permanecer ali por muito mais tempo.

Gray reprimiu um suspiro.

— Podemos, claro, sem problema.

Provavelmente em virtude da decaída ostensiva de ânimos nos últimos minutos, não houve nenhuma dança ou enrolação para chegar à conclusão de quem ficaria responsável por pagar a conta – acabou que cada um pagou o equivalente à sua parte, sem rodeios.

— Eu gostaria de ficar para ver até o final do show — confessou Tyler, um tanto amuado, depois de já terem se levantado e se dirigido à saída do estabelecimento. — Mas também acho que seria melhor eu ir para casa agora. O dia foi incrível, eu apreciei cada segundo e agradeço por tudo o que você fez para torná-lo assim, mas sempre tem um momento de despedida, certo? — disse ele, num tom implicitamente apologético e ligeiramente lamuriante.

— Certo — respondeu, tentando providenciar alento suficiente para conseguir transmiti-lo a Tyler e exortá-lo, que parecia estar precisando mais do que ele, mas sem êxito. — Eu posso te acompanhar até sua casa, se quiser.

— Não é necessário. Vou simplesmente pegar um táxi até ela... obrigado, de novo, por esse dia, Gray.

— Quê isso. Eu que agradeço.

O garoto sorriu, o que Gray supôs ser uma forma mais eficiente de agradecimento. Quando chegaram à calçada e um táxi estacionou à frente deles em resposta ao aceno à guisa de pedido feito por Tyler, o mesmo pareceu ingressar em um dilema sobre como reforçar a despedida além do breve “Até” que oferecera, mas, em vez de engajar em mais algum contato físico de qualquer tipo, aparentemente optou por apenas acenar, antes de abrir a porta traseira e adentrar a cabine do veículo.

Gray retribuiu o aceno, quando Tyler desceu o vidro do carro.

— Te vejo segunda — anunciou como últimas palavras dirigidas a ele naquela noite. O taxista deu partida no motor, e, alguns segundos mais tarde, perdeu de vista tanto o automóvel, quanto Tyler.


 

Ou pelo menos Gray pensara que fossem ser as últimas palavras dirigidas a ele naquela noite.

Após pegar um táxi para regressar ao seu prédio, entrar no apartamento, perceber que seus pais ainda não haviam retornado – provavelmente estavam em alguma reunião de trabalho em algum restaurante suntuoso ou algo assim –, dizer oi pros cachorros, se trancar no quarto e ouvir alguns álbuns de música alternativa no spotify, a primeira coisa que lhe chamara atenção fora uma chamada telefônica de Tyler. Sorriu ao ver a foto dele como a de contato no ecrã – que havia tirado furtivamente e sem ele perceber durante o passeio pelo parque, fazendo jus ao ar totalmente distraído e aéreo que detinha na própria foto –, e atendeu à ligação.

— Uau, essa foi rápida. Já quer deixar marcado um segundo encontro? Porque por mim tudo bem — gracejou, mas logo se arrependeu; não parecia ser uma boa hora. Expulsou qualquer sinal de troça da voz e disse: — Tá tudo bem, tá melhor agora?

É o seguinte — começou Tyler, no outro lado da linha, direto ao ponto, o que pareceu como se estivesse traçando planos para um feito mirabolante. — Eu estou bem, mas tinha uma viatura da polícia bem em frente à minha casa quando eu cheguei aqui. Não sei por que tô te ligando, mas me pareceu uma boa ideia na hora porque sei lá talvez falar com você fosse–

— Ei, espera aí — solicitou, enquanto se sentava ereto na cama em que estava espraiado desleixadamente segundos atrás, alarmando-se. — O que aconteceu?

Não sei direito. A viatura já foi embora, meus pais já resolveram isso. Aparentemente, teve uma comoção bastante audível aqui em casa... e, bom, um dos vizinhos ouviu, estranhou e ligou para a polícia, embora não tenha sido nada demais. Pelo menos, foi o que minha mãe disse. Eu estou surpreso, porque a polícia não costuma agir lá muito depressa em casos assim, costuma? A menos que seja sério, né?

Gray esperou por mais; no entanto, houve um grande intervalo de silêncio na outra linha.

— Tyler? O que está pensando?

Não sei. Eu posso perguntar para Esther, mas não quero incomodá-la com isso, pelo menos não agora. Mas... eu acho que pode ter acontecido.

Acontecido? Acontecido o quê?

Pôde ouvir Tyler respirar fundo.

Acho que meu pai bateu na minha mãe.

Gray engoliu em seco, e correu os dedos pelos fios de cabelo, sentindo uma pontadinha de estresse. Apesar de todos os problemas com os pais, nunca tivera de se sujeitar a esse tipo de experiência. Segurou o aparelho celular com mais firmeza.

Por que acha isso? Já aconteceu antes? Seu pai é do tipo violento?

Silêncio.

— Bom, ele fica violento quando bebe — declarou depois de algum tempo, relutante.

Seu pai é alcoólatra? — aterrou-se, estupefato.

Não! Não. Eu só lembrei de uma vez que...

— Uma vez que...?

Mais uma vez, silêncio.

— Deixa para lá. — disse, por fim, e Gray não insistiu. — E não, nunca aconteceu. Essa seria a primeira vez, pelo o que sei. Mas meus pais vêm discutindo e eu, sei lá, só tenho medo de isso ter de fato acontecido, porque... — Interpelou-se no meio da frase. — E eu não sei qual seria o motivo da briga dessa vez! ‘Tava tudo bem esses últimos dias. Mas por qual outro motivo teria sido necessário chamar a polícia?

— Tyler, fica calmo. Não estou dizendo para minimizar a situação, mas tenta, hm, conversar com sua mãe antes de tudo. Saiba melhor o que aconteceu. É melhor do que tirar conclusões precipitadas, não acha?

Ouviu um suspiro exaurido por parte do outro.

— Tem razão. Sim, você tem razão. Desculpe.

Gray se exasperou.

— Não peça desculpas por–

— Eu não devia te incomodar com uma coisas dessas. Quer dizer, se ao menos fosse algo sério... desculpa.

— Tyler! Agh. Chega. Para de se desculpar. Tá tudo bem.

Desculpe — murmurou o outro, baixinho.

Pigarreou.

Ok, desculpe por esse “desculpe”. E por mais esse. E, tecnicamente, por esse também... ah, foda-se! — Ele deu uma risadinha nervosa que fez Gray abrir um sorriso. — Obrigado. Por, você sabe, me ouvir e essas coisas. E desculpe de novo.

— Tyler — advertiu.

Tyler deu uma risada – mas dessa vez uma genuína, e considere que é bem difícil identificar risadas genuínas através de chamadas telefônicas.

— Bom, vou indo. Tchau, Gray.

— Tchau, Thay.

 

# # #

 

Depois da fatídica ligação, não recebeu mais notícias de Tyler durante o fim de semana, mas resolveu não se perturbar por isso – afinal, tudo provavelmente já tinha se resolvido. Se tivesse se transmutado em algo mais grave, contava com a suposição de que Tyler teria o avisado. Tampouco queria encher o saco alheio perguntando sobre o que acontecera o tempo inteiro, então esperaria até contatá-lo segunda-feira.

Assim sendo, o sábado passou em um piscar de olhos, mesmo preenchido por atividades nem perto de grandiosas, como seria típico de todo sábado; e dessa forma, eis que era a vez do domingo de se instalar.

E, como qualquer pessoa mentalmente sã a seus olhos, Gray odiava domingos.

Ele simplesmente amanheceria mal-humorado e com um latejamento latente nas têmporas, por ter ficado acordado até muito tarde na noite anterior. Esticaria o braço para seu criado-mudo, tateando o tampo cegamente até sentir seu celular, apanharia o aparelho e checaria as horas, com olhos semicerrados em virtude da luminosidade dos pixels cegante demais, e se desesperaria por ter mandado pelo menos metade do dia por água a baixo ao dormir demais. E pela montanha de afazeres adiada pra última hora.

Sentar-se-ia ao pé da cama, com uma pilha de livros didáticos do seu lado, ainda grogue e com a cara achatada por ter acabado de sair da cama, para se livrar daquilo de uma vez; e selecionaria e filtraria cada uma das tarefas ao seu bel-prazer em três conjuntos: "fazer agora", "fazer mais tarde", e, claro, "não fazer", priorizando aquelas que tachava ou de "necessárias-para-cognição", ou de "podem-me-render-alguns-pontos", e ignorando as "já-sei-sobre-isso" e as "invenção-de-moda-do-professor".

E começaria o dia assim, com uma sessão de tortura auto-induzida, e ele se arrastaria com um Gray enfastiado e indisposto, no qual sua única redenção seria alguns minutos de caminhada com seus cachorros e um pouco de ar fresco.

Aquele domingo não havia sido lá muito diferente, exceto por um fator: ele recebera um ligação no FaceTime de alguém com quem não mantinha contato havia um tempo razoável.

— Clary! Que surpresa. Como você está? — Gray perguntou assim que atendeu à chamada, erguendo o Ipod um pouco mais enquanto se ajeitava na cama em uma posição sentada; havia estado estirado ali como um cadáver pelo o que poderia ter sido éons. O relógio de cabeceira mostrava o horário de 18h. Domingos detinham essa característica intrínseca e inequiparável para os outros dias da semana: contraproducência, que fazia-o seguir os ditames de ficar vegetando, matutando sobre insignificâncias e se deprimindo pelo tédio e pelo descontentamento iminente do dia seguinte. Toda sua condição enérgica anterior havia sumido magicamente.

Clary sorriu e acenou, colocando as mechas iridescentes do cabelo para o lado e ajustando a haste do óculos de grau nas orelhas, vivaz. Gray gostava disso nela; ela podia já ser uma adulta, mas todo o seu estilo esbanjava juventude.

Ela o contatava obviamente via computador, e a paisagem vespertina se assomava atrás dela, estando na sacada de seu apartamento.

— Estou bem. E quanto a você? Bastante tempo, uh?

— Realmente. — Gray tentou pontuar quanto com exatidão, mas falhou miseravelmente. Apenas conseguia se lembrar de que, na última vez, fora agraciado por um diálogo de quase duas horas de duração que envolvera desde compartilhamentos de questões pessoais a debates sobre ideologias anarquistas. — Você sabe, eu ainda não te perdoei por não ter passado aqui no Halloween.

Houvera uma época em que eles se viam pessoalmente no mínimo uma vez por mês, mas, desde que a prima se mudara para o condado adjacente, essas ocasiões estavam cada vez mais raras. Não era exatamente adepto a saudosismos – até porque aquela época fora, de fato, problemática e nem um pouco saudosa para ele –, mas às vezes sentia falta desses detalhes.

Agora, fazia tempo desde a última vez. Provavelmente, já completara um ano. Clary, por motivos óbvios, estava totalmente relegada ao resto da família e, assim, não o via nos eventos familiares comuns; ela podia vir nas datas comemorativas, mas era sempre de passagem, e nunca se reunia aos outros parentes por vontade própria de qualquer forma (e, sinceramente, nem ele o faria, se tivesse escolha).

— O quê, você queria que eu fosse pedir “Doces ou travessuras” com você nas ruas? — escarneceu, rindo. Gray comentou algo como “Quem sabe, sua destruidora de sonhos infantis”, e Clary ergueu as mãos em capitulação. — Tudo bem, mas você sabe que tenho andado ocupada. E cansada.

Era fato consumado. Apesar de todos os traços juvenis, os olhos cinzentos de Clary estavam emoldurados por olheiras, sinal de que andava passando noites em claro.

— Ok, ok, verdade. Como as coisas estão, ahn, progredindo? Já está em que página?

Clary entendeu sobre ao que se referia de imediato. Por conseguinte, sua animação despontou, e ela começou a falar enfaticamente até demais.

— Ah, até que estão indo bem! Eu acabei de superar um bloqueio criativo de dois meses e agora estou pondo a mão na massa. Não lembro em que página estamos... duzentas e dez, talvez. Capítulo dezoito. Mas eu decidi mudar uma especificidade no rumo da história, então terei que reescrever algumas coisas.

Gray assoviou, impressionado.

— Isso é bem legal. Não sou um fã fervoroso de romances policiais, mas depois eu quero ler, viu?

— Pode deixar. — Ela sorriu. — Eu te mando uma cópia antes de conseguir publicá-lo. — Enquanto a maioria das pessoas usava a palavra “tentar”, ela partia direto para “conseguir”. Ele a admirava por isso. — Vai ser o primeiro a ler, juro.

Gray ergueu uma sobrancelha com ceticismo.

— Ah, é mesmo? E quanto a Tyria?

Clary gesticulou como quem não dá importância ao tópico.

— Ela não vale. É obrigatoriamente quem revisa o que escrevo e me dá os puxões de orelha que vivo precisando.

Ele sorriu.

— Por falar nisso, como ela está? — Gray nutria tanto apreço por Tyria, namorada de Clary, quanto o fazia pela prima. As duas já haviam sido de deveras ajuda várias vezes para ele. Sinceramente, não sabia o que teria sido dele sem elas algum tempo atrás. Afinal...

Não. Ele havia feito um voto de nunca pensar naquilo que jamais cogitaria descumprir.

— Ah, também vai bem. Está pensando em empreender uma própria oficina terapêutica, até. Ela está cochilando agora. Ficou de vigília essa noite revirando uns papéis. — Ela suspirou, como quem diz “Ela realmente não tem jeito”, como se estivesse no direito de dizer alguma coisa. — Mas enfim, liguei para avisar que vou sim dar uma passada aí no dia de Ações de Graças, só não com uma semana de antecedência como eu tinha prometido. Pelo menos eu tô indo esse ano, né? Desculpe.

— Tsc, tsc, tsc. — Fez um muxoxo de desaprovação, balançando a cabeça negativamente. — Você me decepciona.

— Não precisa ser tão cruel. Mas, ei, tenho que ir. Da próxima vez, quero que me mantenha em dia com tudo, viu? Espero novidades. — Ela lhe deu uma piscadela. — Até mais!

O garoto se despediu, e a chamada se deu por encerrada.

Não estava exatamente ansioso para contar detalhes sobre sua vida pessoal – e amorosa, claro, porque esses assuntos estavam religiosamente incluídos quando Clary começava com essa ladainha de “novidades” –, mas pelo menos tinha alguma razão para estar ansioso para os dias que estavam por vir. Sorriu, e decidiu parar de ser preconceituoso com domingos no geral. Eles podiam sim oferecer coisas boas, afinal.

 

# # #

 

Tyler não foi à aula segunda-feira, e, quando Gray lhe enviou um torpedo querendo saber o motivo, o mais casualmente possível, recebera a resposta horas depois.

Tyler: Minha irmã me passou um resfriado, por isso não fui. Não se preocupe, tá tudo ok aqui.

Ainda que um pouco hesitante, Gray seguiu seu conselho: não se preocupou, mas que ansiava por ter notícias e por vê-lo novamente, ansiava, sim, e muito.

 

# # #

 

Lana até que era uma pessoa legal.

Não havia ido muito com a cara dela anteriormente, verdade, mas não era como se pudesse simpatizar com todas as pessoas à primeira vista, ou ao primeiro contato. E, bom, ele tinha seus motivos. Todo mundo pré-conceitua de vez em quando. Gray não era exceção. Todavia, ele estava, sim, aberto a rever seus conceitos prévios uma vez que ganhasse a chance de conhecer determinada pessoa melhor; e se ela pudesse provar a ele o oposto do que considerara, estaria disposto a enxergar isso. Como que para comprovar personalidades. Como algum tipo de empirista.

Lana fizera justamente isso.

Havia fatores que contribuíram para que ele chegasse a essa percepção holística, no entanto.

E não era como se eles fossem essencialmente agradáveis. Um deles era, inclusive, aquele projeto-escolar-anual-nem-um-pouco-funcional-que-pretensamente-seria-como-um-clube-de-estudos-mas-que-na-verdade-não-servia-pra-nada. Gray havia sido designado a compor uma dupla com Lana, e, por insistência da última através de mensagens vagas ou um ou outro comunicado em pessoa – ela tampouco parecia gostar muito dele –, decidiram a antecipar a ruminação de ideias de como poderiam apresentá-lo, ao longo daqueles últimos dias. Se fosse por ele, fariam tudo no último minuto de prazo – o que por conseguinte constataria por ser uma péssima ideia também no último minuto –, então não contestou.

Dessa forma, naquela segunda, haviam combinado de se reunir apenas em face daquele projeto escolar. Gray, de fato, não teria imaginado que alguma amizade pudesse ser construída a partir dali.

Havia sugerido um café situado ao lado de seu prédio, numa faixa de horário lá para o começo do período vespertino, para que não tivesse que ser na casa da garota por motivos óbvios. Seus pais estariam fora, como esperado: Gray nunca soube muito bem por que o trabalho de ambos exigia tanto tempo, uma vez que mal tinha conhecimento do que exatamente se tratava – algo relacionado à administração, provavelmente –, visto que seu interesse acerca disso era nulo. No entanto, imaginava que não seria um prospecto confortável se fosse em seu apartamento a sós, então optar por um lugar recorrente a vários outros estudantes fora a solução escolhida por unanimidade.

Fazia aproximadamente quinze minutos desde que estava no recinto, um estabelecimento acolhedor de aspecto vintage com fragrância de café e mesas de madeira descascando, quando finalmente avistou Lana chegando através da vidraça, rumando até a entrada do lugar. A sineta da porta badalou quando ela entrou, o cabelo preso em um longo rabo-de-cavalo, sobraçando o que parecia um livro azul-marinho e com a alça de uma mochila pequena em volta do ombro, e parou logo após a soleira da porta, esquadrinhando a área à sua procura. Gray levantou o braço e ela acenou quando o viu, aproximando-se, acomodando-se no assento em frente ao seu e deixando sobre a mesa o mini-laptop que à distância confundira com um livro, e a mochila, cujo tecido era pontilhado por dezenas de bottons personalizados de séries, bandas e sabe-se lá o que mais. Não era capaz de distinguir nem a metade. Por algum motivo, Gray achou cômica a perspectiva de Lana ser uma espécie de fangirl; então repensou e se viu assimilando aquilo como algo que era bem a sua cara.

— Olá — disse ela, assim que terminou de se ajeitar. — Bem?

Yup — respondeu, empenhando-se para soar o mais descontraído possível. — Qual é a do mini-laptop?

Ela deu uma sacudidela de ombros.

— Caso precisemos tomar notas de qualquer coisa ou navegar na internet, tá aí. — Ela se interrompeu; uma garçonete havia se achegado para atendê-los e anotar seus pedidos, segurando uma caderneta e uma caneta. — Vai pedir alguma coisa, Gray?

Ele meneou a cabeça negativamente.

Ela pegou o cardápio plastificado que estava sobre a mesa e passou os olhos pelas opções; depois de apenas um segundo de escaneamento, voltou-se para a moça.

— Um cappuccino médio e um quiche vegetariano, por gentileza.

A moça foi embora com seus pedidos.

— Legal isso de você ser vegetariana — glosou Gray alguns segundos depois, meditativo. — Já tentei seguir isso uma vez, mas... falhei miseravelmente, admito. Acho que não é para mim.

Lana sorriu, compreensiva. Enquanto tirava um caderno de espiral da mochila – ele não conseguia decifrar o porquê, mas talvez ele que estivesse errado em não ter trazido nada –, respondeu, casualmente:

— Só para constar, nem todo mundo que pede comida vegetariana em cafés é vegetariano.

— Eu só intuí, mas agora que parei para pensar, isso é verdade — apercebeu-se Gray. — Então quer dizer que você não é?

Ela explicou que era, sim, só havia falado por falar. Quando perguntou há quanto tempo, informou-lhe alguma coisa entre três anos e três anos e meio, por aí.

Ele assoviou, impressionado. Após alguns minutos de um silêncio frugal, a mesma garçonete apareceu com os pedidos e a menina agradeceu; nesse meio-tempo, o computador de Lana iniciava o windows depois de ela tê-lo ligado.

O rapaz estava feliz em poder adjetivar o fluxo do diálogo como natural, nada muito forçado; até que não era difícil conversar com Lana, e provavelmente havia superestimado a antipatia que pensara que a menina nutria por ele.

Ela ergueu a xícara de porcelana cautelosamente, soprou de leve o líquido e bebericou o cappuccino; depois fez um trejeito hilário por ter, provavelmente, queimado a língua, colocando a xícara de volta sobre a mesa e praguejando.

Tornando-se o responsável por romper o silêncio que agora não parecia mais tão sutil assim, Gray perguntou:

— E então, tem alguma ideia de como a gente vai fazer esse projeto?

Lana terminou de se recompor; com algumas lágrimas involuntárias marejando os olhos e um traço mínimo de frustração pelo incidente com a língua queimada – Gray sabia como era –, respondeu:

— Na verdade, eu ia te perguntar a mesma coisa.

Suas esperanças de não ter que quebrar a cabeça e se diligenciar muito em nome daquele projeto foram drenadas dele.

— Droga.

— Pois é. — Ela suspirou. — Eu ainda não entendi por que os professores insistem em complicar as coisas. Mas, hm, suponho que não seja tão difícil assim. Quero dizer, é só um suposto clube, ou melhor, dupla de estudos idiota.

Gray coçou a nuca e deu um sorriso sem-graça.

— Digamos que eu meio que estava sonhando acordado na hora e não captei quase nenhuma palavra da explicação sobre do que esse trabalho se tratava... Mas, bom, consideremos que é humanamente impossível assistir a aula do, agh, eu nunca lembro o nome dele, sem morrer de tédio ou de sono.

Lana mostrou concordância e, apiedando-se dele, lhe esclareceu de modo sucinto a preleção sobre qual era a exata função do projeto; depois, os dois discutiram sobre as matérias que mais tinham dificuldade – ambos coincidiram com uma em comum, química, o que intrincava um pouco o procedimento esperado das coisas, uma vez que deviam se ajudar, e não lamentar sobre a matéria na qual eram igualmente uma droga – e que medidas tomariam para alterar isso. Então o tópico transitou para quais hobbies cada um mantinha, se praticavam exercício físico ou cursavam classes extracurriculares: Gray apenas disse que caminhava quase todos os dias e que, uh, tinha o costume de ler bastante, "Isso pode ser considerado um hobby, né?"; Lana, por sua vez, apresentou que praticava vôlei e que tinha um blog de resenhas de séries e livros, e, quando Gray inquerira "E daí se você tem um blog?", ainda que achasse interessante, se defendera com o argumento de que, da última vez que checara, aquilo valia alguma coisa. Gray não estava convencido, mas não contestou. Nenhum dos materiais que Lana trouxera se mostraram úteis em nenhum momento e, no fim, ela concluíra que seria melhor desligar o computador mesmo; enquanto isso, terminava de comer seu quiche e beber o cappuccino.

Estava até surpreso com a produtividade da discussão; parecia que estavam mesmo convergindo a algum lugar. Aquela reunião não havia sido um desperdício, afinal.

Mas, no fim, os dois foram se enfadando do assunto escolar e, quando se deram conta, confabulavam sobre coisas totalmente díspares às de antes, rindo e galhofando em conjunto. Gray estava abissalmente surpreso em relação ao quanto estavam se dando bem. Chegava a ser intrigante.

E estava fluindo assim, num clima totalmente amigável e suave, que elevava seu bom-humor, um assunto levando a outro, mal percebendo o tempo passar, até que, em meio a todas amenidades, algo um pouco mais significativo impôs seu advento. Começou com Gray perguntando a Lana se o blog que administrava compreendia algo além de resenhas, e ela lhe respondeu que até tivera uma ideia de envolver alguma coisa sobre aprender a desenhar, com tutoriais e coisas do gênero, mas que havia desistido por se resignar ao fato de que simplesmente não nascera para ser esse tipo de artista. E, com um comentário inócuo, "Quem desenha bem mesmo é Tyler", Gray, de chofre, evocou aquele fim-de-semana. E simplesmente não pôde evitar levantar algumas questões.

— Por falar em Tyler — engatou, tentando manter o tom despojado da voz; Lana, em contrapartida, pareceu apreensiva de imediato —, eu me pergunto se você já conseguiu sanar suas dúvidas.

Lana pareceu compreender o que queria dizer no mesmo momento, o que o surpreendeu um pouco.

— Suponho que você ficou sabendo daquelas mensagens? — disse, quase num sussurro.

Gray aquiesceu.

Ela suspirou, e, vagarosamente, desprendeu os fios de cabelo do rabo-de-cavalo, parecendo repentinamente tensa. Ela ficou brincando com as madeixas castanhas enquanto falava, mantendo o olhar baixo, e Gray se sentiu levemente incomodado por isso — preferia que o olhassem nos olhos quando conversavam com ele.

— Em primeiro lugar, quero que saiba que me arrependi no momento em que enviei a mensagem; ele ainda não me respondeu, a propósito. Eu sei que é chato eu ficar me intrometendo dessa forma, mas eu só queria ter, sei lá, algum tipo de notícia, e eu já estava me corroendo de curiosidade desde o início; você lembra quando eu falei com você, no mesmo dia que passaram esse trabalho, não lembra? — Ele fez um sinal afirmativo, e ela prosseguiu. — E a propósito, foi mal por aquilo. Enfim... bom, se isso está incomodando tanto assim, eu vou parar de querer me meter onde não devo, juro. É só que... Tyler se afastou do nada, entende? Eu sei que o jeito dele é ser introspectivo e tal, mas pareceu repentino demais, achei que talvez estivesse abalado por problemas pessoais, e tinha você envolvido, e além de querer apenas saber o que 'tá acontecendo eu meio que quero que ele saiba que ele pode contar comigo para essas coisas, entende? E...

— Ei, calma! — interveio ele, antes que o desabafo de Lana se transmutasse em um relato numa sessão terapêutica completa. — Vamos uma coisa de cada vez, que tal? Olha, antes eu não tinha gostado muito de você por ter se intrometido, verdade, mas eu não te culpo por nada, ok? Então relaxa.

Lana deu um riso sem-graça e murmurou um "Desculpe".

— Sei lá, talvez ele não confie em mim, também.

Gray ergueu uma sobrancelha.

— Ei, não precisa levar para o lado pessoal. Tenho certeza que Tyler não se afastou de propósito.

Ela o examinou atentamente por alguns segundos, os olhos verdes perscrutadores, antes de perguntar:

— Como é que você sabe?

— Eu o conheço — declarou, simplista.

Ela abriu a boca para dizer algo, mas tornou a fechá-la, mudando de ideia.

Gray achava louvável toda aquela preocupação pelo amigo por parte de Lana, mas gostaria de poder aconselhá-la a calibrar aquilo, até porque parecia exagerado: preocupação demais não faz bem a ninguém, e não serve para nada se não cabe a você resolver dada questão. Ainda assim, graças a isso, havia parado inteiramente de antagonizá-la, e estava quase vendo-a como uma amiga agora. Afinal, ele se identificava. Houvera uma época em que fora justamente assim, e era exatamente por isso que havia mudado tanto e formulado aquele modo de pensar.

Alguma coisa dentro dele pareceu implorar para sair, suplicando para que verbalizasse, insistindo que não havia por que esconder mais, pelo menos não dela.

— Eu me pergunto como você pôde conhecê-lo tão bem de uma hora para outra — comentou ela, como quem não quer nada.

Gray se remexeu no assento, mas não tão desconfortável como teria ficado anteriormente por uma insinuação daquelas.

Por algum motivo, não o incomodava mais.

"Eu posso confiar nela", foi o que pensou.

— Não é tão difícil assim chegar a uma conclusão, é? — deixou escapar, por fim, num tom amigável.

Lana refletiu por alguns segundos.

— Na verdade, não — confessou, mas encolheu os ombros —, a menos que eu esteja desentendendo tudo, aí fica difícil dizer. É o que estou pensando?

— Talvez. — Houve uma pausa. — E talvez sua irmã possa esclarecer para você.

A garota ergueu tanto as sobrancelhas que elas quase desapareceram sob seu cabelo.

— O que Sue tem a ver com isso? — questionou, estupefata.

Gray riu de sua reação.

— Bom, nada, acredite. Ela só pode ter uma resposta. — Ela fez um esgar de confusão que o divertiu. — Olha... eu apreciaria se nenhuma das duas contasse a absolutamente ninguém, tipo, sem exceção, ok? E, me lembrando do que tinha me dito aquele dia... peça desculpas para ela por mim. Não devia ter sido, sei lá, grosso, embora não tenha sido minha intenção.

Lana correu os dedos pelo cabelo.

— Então ela realmente escondeu uma parte da história de mim, uh?

Ele assentiu. Ela parou para raciocinar, assimilando tudo, somando dois mais dois; quase eram visíveis as engrenagens postas para funcionar em sua cabeça. Então, deu um sorriso, o entendimento clareando seus olhos verdes.

— Você é um cara legal, Gray. Acho que entendi tudo agora, não?

Encolhendo os ombros, murmurou um "Creio que sim" em resposta.

Ela estendeu-lhe a mão por sobre a mesa, e ele a apertou. A menina fez como se firmassem um contrato, muito seriamente.

— Não se preocupe — assegurou. — Esse segredo morre comigo se quiser.

Ele sorriu, comovido pela hipérbole.

— Ainda assim — iniciou ela, com certa cautela, medindo as palavras —, sugiro que você devesse consultar Tyler antes de dizer a mais alguém sobre vocês. Ele não sabe que Sue, e agora eu, sabemos, certo?

Gray sentiu um arroubo atroz de culpa se apoderar dele.

“Eu fiz de novo. Eu fiz de novo”, se submeteu ao mesmo pensamento várias vezes, que ecoava, como um mantra.

— Sim... você tem razão. — Tentou contornar o peso na consciência e disfarçou. — Vou contar a verdade para ele assim que puder.

— Bom, isso é legal.

— O quê? — inqueriu, confuso com o súbito desvio da conversa.

— Agora que estou pensando, vocês fazem um belo casal.

Ambos riram.

— Não somos exatamente um casal porque... ah, deixa para lá. Eu agradeço.

— Então, mais alguém sabe? Seus pais?

Sacudiu a cabeça avidamente.

— Ah, não, não mesmo, nope, no, nai, non...

— Ok, ok, já saquei, não precisa de tanto ênfase — riu-se ela. — Hm... e quanto a Cameron?

Também negou.

— Por mim, tudo bem ele saber — admitiu, e considerou se era uma boa ideia dizer a próxima parte que estava pensando. — Tyler que teme alguma reação negativa e não quer, bem, que ninguém saiba.

— Cameron não reagiria negativamente, não — replicou ela.

— Como pode ter tanta certeza? — indagou, ressabiado.

— Ah, qual é. Em primeiro lugar, ele é amigo de vocês — disse ela, num tom de voz que sugeria que estava elucidando o óbvio —, e não é idiota para julgá-los por uma coisa dessas. Em segundo lugar, acho que ele desconfia, assim como eu desconfiava. E em terceiro lugar... bom, não sei se você sabe, mas Cameron tem um irmão mais velho que já saiu de casa há um tempo que é bi, se não me engano, e ele convive super bem com isso.

Como é que você sabe disso?

— Ele é meu amigo também, sabe... — disse casualmente, e estava deixando o olhar planar ao redor até que ele pousasse no relógio no pulso de Gray, e ela se sobressaltasse. — Meu Deus, olha a hora! Há quanto tempo a gente tá aqui?

Gray conferiu o horário também e sua reação quase se equiparou a de Lana; numa correria para voltar para casa o mais rápido possível, os dois se despediram, disseram que havia sido boa a conversa e coisas do gênero, e, alguns minutos mais tarde, Gray, enfim, estava em casa novamente.

Sinceramente, havia apreciado a experiência. Lana era, de fato, uma pessoa legal.

Entretanto, agora se via remoendo um pormenor incansavelmente, analisando em retrospecto aquele diálogo: agora duas pessoas sabiam sobre ele e Tyler, e o último não tinha a mínima ciência disso.

Gray se sentia mal por isso. Péssimo.

Mesmo assim, considerou não mentir, mas omitir isso dele por mais um tempo. Podia esperar, não podia?

Podia, concluiu. Não haveria consequências graves se aguardasse o momento mais propício para deixá-lo a par disso. Só esperaria a poeira assentar, só esperaria o tempo realizar seu trabalho com êxito, e então tomaria alguma atitude quanto a isso.

É, parecia uma boa ideia.

Parecia.


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Notas finais do capítulo

Eu espero que tenham gostado, really. Foi meio dificinho no começo, mas acabou que adorei escrever um capítulo do Gray. No entanto, ainda estou inseguro com algumas partes, especialmente esse diálogo escalafobético dele com a Lana x.x E as filosofias na primeira parte do cap too. Por isso, apreciaria muitíssimo se vocês comentassem o que acharam! ≧(´▽`)≦ Se tiverem ficado com alguma dúvida, também, não se esqueçam de perguntar, ok? Ficarei feliz em responder!
Vocês viram que gracinha o Thay se abrindo pro Gray? ;-; Meu bebê tá crescendo, que orgulho.
Só quero realçar que eu tive muita vontade de estrangular o Gray em dado momento e mandar ele ser menas, sorry not sorry. SEJE MENAS GRAY, N TE CRIEI PRA ISSO ;3;
Queria poder dizer com certeza que o próximo cap será dele também, ou quando ele virá, mas, srsly, só sei que nada sei. Sócrates me representa.
Revisei meio que às pressas, então me avisem se virem qualquer errinho, ok?~
Well, see you guys soon!
Até!



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