Maybe Someday escrita por SomeKilljoy


Capítulo 11
Capítulo 11


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, MEUS DEUSES, DESCULPA A DEMORA! Enrolei para escrever o cap, admito. Mas no final ficou desse tamanho, me matem. ;o; Sinto muito por isso também. NÃO ERA PARA SER ASSIM. Tentei encurtar, mas... çwç Bom, pelo menos eu reli (muitas e muitas e muitas vezes) e posso dizer que não ficou uma leitura pesada. :') Espero que achem o mesmo.

Secundariamente, e eu sei que já agradeci uma caralhada de vezes, mas não importa, porque, LARIEZ, SUA DIVA, MUITO OBRIGADO PELA RECOMENDAÇÃO MAIS MARAVILHOSA DE TODAS. Fiquei muito emocionada, cê sabe. *u* A primeira vez ( ( ͡° ͜ʖ ͡°) q) sempre é a mais memorável, e não posso imaginar uma primeira recomendação melhor que essa, sério! sz

Enfim, boa leitura!~



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/553622/chapter/11

Os alunos pensaram que o horário livre se expandiria para o próximo também, já que a falta do professor de Física coincidira de ser no mesmo dia em que teriam duas aulas dele. Ledo engano. Depois de cerca de seis minutos após o horário livre ter sido encerrado, a alegria fugaz por suporem que não haveria dores de cabeça naquele dia levou a um descontentamento geral quando uma professora substituta, que não lhes era estranha, deu o ar de sua graça e anunciou que o professor informara tardiamente seu motivo de atraso, um imprevisto, e passara uma série de exercícios avaliativos como compensação. Obviamente, essa notícia não foi recebida muito bem pelos estudantes, que a coroaram com um sonoro "Ahhhh" de desalento. Nem mesmo Alyssa, uma das únicas ali que tinham algum déficit mental que possibilitava seu gosto anormal pela matéria – embora Tyler concordasse que o professor, sr. Bonner, até conseguisse tornar as aulas divertidamente dinâmicas –, se mostrou satisfeita com isso.

Logo, foram obrigados a colocar um ponto final na baderna e a fingir serem pessoas civilizadas. No entanto, a professora substituta cujo nome Tyler claramente não se lembrava mostrou ter um pouco de compaixão e deixou as escolhas dos lugares a critério dos próprios alunos, contanto que fizessem silêncio. Assim, Gray permaneceu na carteira ao lado pelo resto da aula.

Já era difícil o bastante se concentrar com a eventualidade de no máximo vinte minutos atrás, agora Gray enviar-lhe olhadelas furtivas e sorrisinhos de canto toda vez que ele se aventurava a olhar de relance era basicamente uma deixa para ter de usar o corretivo de cinco em cinco minutos. Tyler estava quase abandonando a caneta esferográfica, que estava sendo totalmente útil para garranchar ainda mais sua caligrafia, e usando uma lapiseira para passar os enunciados das questões a limpo para uma folha avulsa.

Gray, após aquela divulgação de opinião absurda, cismara que uma resposta definitiva no meio daquele tumulto todo era um tanto incongruente e que era preferível ouvi-la no dia seguinte. Tyler nem sequer cogitara sexta-feira – que viabilizaria justamente a oportunidade de dizer aquilo que vinha desejando, caramba – dessa forma. Só tinha... escapado. O sistema límbico simplesmente enviara impulsos imperativos para que ele falasse de uma vez e ele obedecera automaticamente. Ele nunca havia ficado com tanta raiva do seu cérebro como naquele momento.

Ele argumentara que aquilo não fazia sentido. Gray respondera com as seguintes exatas palavras, um tom tão convencional que era como se ele estivesse perguntando as horas:

— Só para ser mais memorável. — Não sabia dizer se o objetivo era soar encorajador, porque não foi exatamente o que aconteceu. Será que Tyler havia deixado inconscientemente subentendido que queria assim? Deus, era tão deprimente ter um índice tão baixo de autoconhecimento. — Afinal, por que ouvir algo só uma vez se eu posso ouvir duas vezes?

Tyler não podia dizer que esperava alguma coisa diferente porque nem lhe ocorrera esboçar uma ideia da possível reação de Gray. Ele era imprevisível, afinal das contas.

Ou seja, reagir adequadamente a isso estava fora de questão.

Depois de um tempo razoável com uma possível cara de tacho, apenas indagara um “Você faz de propósito, não faz?”, os lábios crispados, e escutara uma risada sonora seguida por um “Fazer o quê?” Com isso, de modo a superar aquele maldito conformismo, impulsionado por algum tipo de rebeldia suicida, desafixara a última folha do caderno mais próximo – no caso, seu bloco de desenhos, o qual ele jamais danificaria propositalmente em um momento de lucidez –, amassou-a até moldar um círculo imperfeito e arremessou-a na nuca de Gray. O último, no momento atento como estava em fazer o que todos os alunos deviam estar fazendo em um universo utópico, varreu o perímetro da sala rapidamente com os olhos, em busca de suspeitos, antes de abaixar o corpo para recolher a bolinha caída entre seus pés no chão e voltar-se, com um olhar assassino, para Tyler, que disfarçava assoviando inocentemente e com despretensão orquestrada.

— Você não fez isso. — delatou ele, achatando a bolinha no punho por segurá-la com uma firmeza desnecessária, talvez, só talvez mesmo, com a intenção de parecer ameaçador.

— Fazer o quê? — Tyler perguntou, com santidade; Gray, entendendo a referência, semicerrou os olhos, para em seguida fechá-los, contar até dez baixinho, como se estivesse contendo sua pretensa irritação – o que fez o outro rir –, e então abri-los com um misto de divertimento e desafio.

Um segundo depois, o que era pra ser uma guerra infantil e à toa de bolas de papel paralela dava-se início. Entretanto, por todos estarem naquele clima instintivamente bagunceiro devido ao horário livre anterior e por já estarem de saco cheio da semana que parecia não ter fim, a cada pessoa que resolvia se juntar àquela banalidade, um ser aleatório desafiando outro ser aleatório, aquilo se tornou um combate de outras proporções.

Pela visão periférica, Tyler – que não tivera intenção alguma de ocasionar aquilo, ele jurava – viu a professora substituta, uma quarentona com muitas rugas no canto dos olhos como um indício que sorria bastante e que a deixava com um ar simpático, absorta como estava em umas papeladas desde que terminara de passar os exercícios na lousa, não fazer mais que olhar a situação crítica da sala, agora um mini-campo de batalha, com um misto de descaso e desapontamento, conferir o horário no relógio de pulso, medindo o tempo restante em que teria que tolerar aquilo, e soltar um suspiro, tornando a assinar os papéis posteriormente. O rapaz deduziu que aquele era um bom sinal e que não devia tardar para a aula acabar, visto que havia suposto que pelo menos metade do número total de alunos teria sido posta para fora da sala em outras circunstâncias.

Ele sentiu uma bolinha de papel particularmente grande voar em sua direção e passar de raspante por seu nariz. Depois, uma particularmente maior acertá-lo na têmpora direita. Ele estava bem na mira de uma pessoa em específico – conseguia até mentalizar a imagem de si mesmo com o anúncio “Alvo detectado” sobre ele aos olhos de alguém. Olhou instintivamente para Gray, que se defendia de uma saraivada de bolinhas de papel usando o caderno como uma espécie de escudo, seguindo o exemplo de no mínimo outras quatro pessoas. Não podia ser ele.

No último instante, enquanto ainda fazia os cálculos para chegar a alguma conclusão e poder incriminar alguém como seu oponente, seus reflexos de gato (ou talvez só pura sorte mesmo, vai saber) permitiram com que ele segurasse no ar outra folha de caderno transformada em uma esfera direcionada a ele. Dessa forma, finalmente, pôde desvendar seu inimigo – que era, surpreendentemente, Lana, a duas fileiras e uma carteira de distância.

Eles travaram uma batalha de olhares silenciosa: “Por que você fez isso?”, Tyler perguntou através da expressão ligeiramente exasperada que enviava a ela. “Não importa”, ela parecia responder, contundente. Seu olhar de urgência já conseguia transmitir o que ela queria, mas os lábios mesmo assim desenharam, silenciosamente, as palavras: “Eu preciso falar com você.” Tyler ficou surpreso por eles terem se entendido ao se comunicarem assim, por meio daquele jogo de caras-e-bocas, porque, bem, nem próximos eles estavam. No final, ele fez um gesto displicente com a mão, como se dissesse “A qualquer hora, tanto faz”, no mesmo instante em que o sinal soava. Em uma questão de milissegundos, a onda maciça de estudantes afluía para a saída e o lugar ficava tão vazio quanto um copo de água depois de ser encontrado no meio do deserto por um sedento desesperado.

Tyler não fez muito diferente disso e seguiu a maré, que debandou rapidamente. Pouco tempo depois de pedir para que Lana lhe mandasse uma mensagem em alguma rede social se quisesse conversar, quando ela bloqueara seu caminho, e de despedir-se também de Gray e Cameron – sempre às pressas, conhecendo muito bem a gana do condutor do ônibus escolar de deixar para trás quem o deixasse esperando por muito tempo –, já se encontrava a poucos minutos de casa, acomodado em um dos últimos assentos do veículo, enquanto olhava a paisagem e morria de vontade de chegar logo e acabar de elaborar aquele desenho rascunhado de uma vez. Estava quase roendo as unhas de ansiedade.

Fazia algum tempo que não se sentia assim.

Aquilo era, de alguma forma, um bom presságio.

 

# # #

 

Tyler quase havia se esquecido que o ambiente caseiro não estava lá um dos melhores. Quase.

Era suposto que seu pai estivesse de férias, mas ele mal o via em casa. Aliás, ele sabia que o pai não ficava em casa. Passava em sua cabeça uma sucessão de suposições sobre onde ele poderia estar, mas preferia não ter de eleger uma para a mais provável. Não que o rosto do próprio fosse um rosto amigo ou que o garoto estivesse transbordando de alegria com a perspectiva do pai passasse a estar ali de uma hora para outra, mas o subconsciente já havia ilustrado os próximos dias com uma presença patriarcal um pouco mais constante. A realização disso seria pelo menos reconfortante – uma mudança positiva.

Ele até gostaria de tirar algumas satisfações acerca disso tudo. No entanto, como não queria hostilizar mais ainda a atmosfera entre eles, continuou deixando o império de seu lado passivo-agressivo vigorar, alimentando-o vez ou outra com resmungos injuriosos e inaudíveis (assim ele esperava) endereçados ao seu progenitor. Além do mais, não havia alicerces fixos nos quais se basear – mesmo se alegasse que não via o cara em casa, uma resposta bem eficaz seria algo como “Você fica todo o tempo enfurnado no quarto, como veria?”. Assim, não teria como replicar, e como odiava, odiava mesmo não ser o dono da última fala (por mais que, sim, isso acontecesse com bastante frequência. Tyler realmente não estava preparado para a vida), preferia não arriscar.

Era péssimo agir como um pacifista, mas tudo bem, ele podia lidar com isso. Mark não era o maior problema de todos e nunca seria.

Entretanto, com sua mãe era outra história.

Desde a discussão no carro, a relação mãe-e-filho parecia ter se fragmentado e um sem-número de rachaduras começaram a corromper algo que Tyler considerava bom. Não que nunca houvesse brigado com ela, mas não com aquela gravidade, e sempre surgia alguém com um tom reconciliatório para se prontificar a fazer as pazes – geralmente sua mãe. Dessa vez, nenhum deles parecia ter intenções de se dignar a isso. Talvez fosse cedo demais para dizer, mas ele não sentia muita firmeza em esperar por algo assim, de um jeito ou de outro.

Eles não eram exatamente próximos – Tyler sempre fora um garoto mais fechado e reticente e só se abria nem que minimamente para mãe quando eram muitas as empreitadas dela para saber sobre alguma coisa. Sandra não era nenhum exemplo de mãe-coruja e ele ficava satisfeito com isso. Sua vida não era tão interessante assim, afinal.

Ainda assim... era bom cultivar aquela simpatia mútua, deixar um quê de positividade naquele aspecto de sua vida. Não eram nenhuma família grande e feliz – Tyler ainda ponderava se aquilo não passava de uma fantasia utópica na infantilidade, porque, convenhamos, grande parte das pessoas que conhecia não estava em uma condição familiar muito melhor –, mas era o suficiente. E Esther estava feliz.

Bem, ela não parecia exatamente feliz agora. Não quando ela via com uma expressão tão tristonha os pais e o irmão mal se falarem – Tyler fingia não notar os olhares inquisitivos dela, como se pedisse a ele “Por favor, me conte o que está havendo.” Era praticamente desolador. Um dia, ele sabia, teria de conversar seriamente com ela.

E sim, Tyler sabia que era insensato da parte dele depositar a carga toda de culpa daquela, hm, decadência em somente um indivíduo, porque aquela família não tinha o sustentáculo mais resistente do mundo. Mas não era como se se importasse. E, muito menos, não era como se Mark não possuísse nem um pingo de culpabilidade. Além disso, Tyler não saía anunciando por aí com um megafone a parcela de responsabilidade que pensava que o pai tinha, nem apedrejando-o, nem nada do tipo (OK, até tinha um pouco de vontade de quando em quando, mas não podia levar aquilo a cabo mesmo, de qualquer forma. Isso não resolveria nada. Talvez só o deixasse com algum tipo de satisfação vilanesca e... Não, ele não iria se transformar em um sádico do nada).

“Do jeito que eu penso nisso, parece até que o fim do mundo.” Foi o que passou por sua cabeça assim que notou o rumo pessimista dos pensamentos, ao chegar em casa. “Caramba.” Teve de lembrar a si mesmo que as coisas não estavam tão ruins a ponto de desmoronar, mas, bem, como otimismo nunca fora sua praia mesmo, apenas descartou aquele assunto da cabeça e tentou se concentrar em alguma outra coisa.

Seus olhos se iluminaram ao lembrar-se do que estava deixando-o ansioso durante a trajetória para casa. Destrancou a porta com a chave que tinha com ele e atravessou a soleira da porta; sem se preocupar com uma pausa digna para o almoço e esquecendo-se de fechar a porta de entrada, desembestou escadaria acima, como um doido. Estava passando voando pelo corredor até o quarto quando se deu conta de que havia deixado Esther plantada falando sozinha – mal notara-a em frente à porta do quarto dela, chamando seu nome, animada por ele ter chegado. Derrapando no piso subitamente escorregadio e quase despencando no processo, voltou para onde ela estava. Esther olhou para ele com estranheza e perguntou:

— Por que tá correndo? — Ela ainda estava de pijama: um conjunto de blusa e calças cor bordô que caíam largas nela e pareciam ser de um tecido aveludado. Tyler se perguntou como é que ela aguentava. Aquilo parecia pinicar e, se fosse ele, já estaria se coçando inteiro.

Antes que pudesse se dar o trabalho de responder, Esther espirrou uma, duas, três vezes, a mão tampando a boca. Ela deu uma fungadela, o narizinho afilado vermelho, e Tyler estendeu uma mão para bagunçar os cabelos loiros já despenteados, como se ela houvesse acabado de sair da cama.

— Saúde — desejou, condolente. — Não devia estar se arrumando para escola, Esther?

Esther sorriu, mas era perceptível que não era um daqueles seus sorrisos radiantes e capazes de cegar alguém pego desprevenido. Além disso, sua aura sempre enérgica e altiva parecia meio fatigada, como se estivesse se esgotando, no limbo do limite, e seus olhos sempre cintilantes tinham um brilho mais tênue. Tyler sentiu uma alfinetada de preocupação. Ele forçou a mente a se lembrar: Esther estava nesse mesmo estado na noite anterior?

Babãe deixou eu faltar, porque viu que eu tava indiposta. — explicou, ainda sorridente. Tyler refreou a vontade de gargalhar de sua voz fanhosa em decorrência do nariz congestionado, e, claro, por a irmã ter errado a pronúncia da palavra “indisposta.” Ela esfregou o nariz com indelicadeza. Então, seus olhos – no momento, de um verde amendoado, quando da última vez que Tyler os vira, o tom predominante era o castanho-claro – recobraram uma porção do brilho usual, e ela expôs, com uma entonação de novos ânimos, meio cantarolada, os punhos sendo agitados como dois chocalhos ao lado do corpo: — Vou ficar aqui a taaaarde toda! Você também, né? Isso quer dizer que... que você... pode brincar... comi- — Seu tom de voz foi ficando pastoso gradualmente, adquirindo pequenas pausas, até que ela finalmente foi obrigada a parar de falar. Seus olhos se estreitaram e ela abriu a boca, puxando o ar, e seu rosto pareceu congelar; ficou lá, estático, estampando aquele trejeito tortuoso por longos e torturantes (para Esther, provavelmente) segundos.

Tyler riu dada à graça da situação – o espirro não queria sair, percebeu.

Quando Esther finalmente fez o jato de espirro sair violentamente pela boca, como um projétil, após o que aparentou ser uma eternidade, ela bateu o pé no chão, enfezada.

— Odeio quando isso acontece! — protestou.

Tyler riu mais uma vez, quase chegando a gargalhar. Esther fez uma careta pra ele, estirando a língua, mas depois, como se não resistisse ao bom-humor do irmão, se pôs a rir também – e quando ela ria e as risadas pareciam repercutir por todo espaço, era como se nada pudesse detê-la, muito menos um resfriado fútil daquele.

Ou quase isso, porque, um minuto depois, lá estava ela tendo de interromper o riso por conta de mais um espirro inoportuno.

— Que coisa! — reclamou Esther novamente, fazendo bico. Tyler previu um possível faniquito por conta daquela crise de rinite, como da última vez em que a garota teve um acesso de soluços e começou a dar um piti pela inconveniência daquilo. Foi bem engraçadinho no começo, uma pessoa em miniatura esperneando e choramingando por ter que passar por aquilo, mas depois se tornou tão irritante que fora coagido a dar-lhe um baita de um susto para cessar aquela crise de soluços. Como não queria rebobinar o episódio, decidiu animá-la. Esther, quando “mal espiritualmente”, possuía tendências escandalosas e ele não podia exatamente caracterizar aquilo como “agradável”.

Por fim, afagou o topo de sua cabeça mais uma vez num gesto carinhoso, e perguntou:

— Hey. Que tal uma sessão de desenhos?

 

 

Precisava admitir: uma “sessão de desenhos” com Esther não se encontrava exatamente no topo de sua lista de “atividades divertidas para se executar numa quinta-feira”.

Em primeiro lugar, Tyler se sentia um completo crianção fazendo algo assim. Era realmente desnecessário se sentir assim, afinal, só estava passando um tempo a mais com a irmã caçula, ele tentava se lembrar; mas, verdade seja dita, ele podia estar muito bem gastando mais sabiamente a tarde de uma quinta-feira. (Como, por exemplo, estar estudando pro teste de semana que vem. Havia se esquecido completamente sobre esse detalhe.) E, acima de tudo, aquilo era basicamente uma permanência de sua infância, uma que irrisoriamente não conseguia de fato abdicar. O que o preocupava – daqui a pouco estaria assistindo “Barney e Seus Amigos” em companhia de Esther, enfiado num pijama com estampa de ursinhos e calçando pantufas felpudas de coelhinhos cor-de-rosa.

Em segundo lugar, a concentração costumava se despedir dele e virar a esquina toda vez que a irmã começava a matraquear: o que era, numa estimativa bem aproximada, de dois em dois minutos. Uma penca de curiosidades irrelevantes e cotidianas jorrava de sua boca como se saídos de uma fonte inexaurível: “Thay, você sabia que [insira aqui nome de algum ser aleatório] fez [insira aqui alguma realização igualmente aleatória]?” E, por mais que Tyler lhe desse vários gelos responsivos como “Hm, sei, legal”, Esther não se deixava abater – na verdade, não parecia se importar, e continuava a tagarelar.

Essa “sessão de desenhos” originalmente consistia em Tyler e Esther dando asas à imaginação com um lápis e um papel, quando inventaram de batizar afetuosamente esse momento esporádico que tinham daquela forma, na época em que Esther mal havia saído das fraldas. Ainda não entedia muito bem porque levava a diante, sendo que, durante aquilo, muito comumente, Esther só sabia falar na sua cabeça o tempo todo e fazer apenas alguns rabiscos em seu caderno enquanto ele ficava se corroendo por dentro por não conseguir fazer sair nada que prestasse do grafite.

Tudo bem, fazia muito tempo que não levava a cabo essa tal de sessão de desenhos, e uma delas nunca durava mais que uma hora. A última vez que uma ocorrera fora há um pouco mais de um ano, se não se enganava. Ele estava devendo uma dessas a Esther a qualquer hora mesmo, e por que não num dia em que a inspiração finalmente decidia bater-lhe à porta?

Ou era assim que ele esperava, porque, no momento, depois de toda uma luta para transcrever artisticamente o que tinha em mente pro papel e de não uma, mas várias falhas miseráveis, se encontrava literalmente num estado lastimável de “Inspiração? O que é isso, é de comer?”

Frustrado consigo mesmo e com uma crise de desistência sendo perigosamente fermentada na periferia da mente, assassinou brutal e impiedosamente o atual esboço no qual trabalhava, como se este fosse o assassino de um ente querido seu ou algo assim, amassando o papel furiosamente e arremessando-o para longe por sobre o ombro.

Esther, que bafejava em seu pescoço há um tempo considerável, soltou uma clara nota de indignação.

— Por que fez isso?! Eu não acredito! ‘Tava perfeito!

Ela havia abandonado o que quer que estivesse colorindo no caderno e passara a assistir seu processo desenhista, o que parecia fazê-lo desenvolver algum tipo de atrofiação nos dedos que impedia-o de traçar uma linha apropriadamente.

“Por. Que. Eu. Me. Torturo. Tanto?”, forçou-se a refletir, deixando o rosto cair e colidir com a superfície da escrivaninha e sentindo uma fisgada de dor no nariz, por ele ter sido, obviamente, o primeiro a sofrer o impacto. “Au. Só falta ter quebrado.”

Mal podia acreditar que minutos atrás suas estatísticas de força de vontade somadas com uma suposta inspiração estavam lá no alto.

Decadência. Decadência total.

— Não, não estava. — disse, sumariamente, erguendo a cabeça. Foi conferir o horário no pulso, até se lembrar que ele usar relógio era uma raridade, então apanhou o celular do bolso traseiro, lamentando-se por ter se sentado em cima do aparelho, e viu que fazia menos de meia hora que estava afundado naquele impasse. Endireitou a coluna e ouviu as costas estalarem. Esther balançou a cabeça em descrença, num gesto que claramente visibilizava que pensava que o irmão era um sem-noção, e, tornando a se sentar na banqueta ao lado da sua, voltou sua atenção para o desenho abstrato que dava cores à folha sulfite. Ela começou a cantarolar baixinho, com uma empolgação invejável (principalmente para alguém adoecido), e Tyler se sentiu mal por o que diria a seguir: — Hm, Esther, você se importa se parássemos por aqui?

Esther parou de cantarolar, aquela mesma empolgação murchando perceptivelmente, como se aquela simples frase fosse capaz de minar sua energia positiva. Olhou para ele e, sem tentar disfarçar o descontentamento, disse, com uma voz persuasivamente manhosa:

— Por quê? ‘Tava tão legal!

Ele abriu a boca; no entanto, mesmo sem discutir, fechou-a e se deu por vencido. Não queria ter que se sentir culpado por arruinar aquele momento para Esther depois, afinal.

— Não, esquece. Pode continuar. — se contradisse, descansando a cabeça na mão, o antebraço sustentado pelo cotovelo sobre a superfície amadeirada do móvel. Esther abriu um sorriso e retornou ao que fazia, soltando eventuais espirros. Tyler pegou o bloco de desenhos, aberto na página do rascunho que fizera mais cedo, que havia deixado ali para possíveis consultas, e vincou a testa. Okay, era um mero rascunho; logo, não tinha acabamento nenhum... Mas, meu Deus, como ele sequer pôde gostar daquilo na hora que o fez? Devia estar com algum tipo de visão distorcida, só não sabia se agora ou anteriormente. Talvez devesse providenciar um óculos – ou lentes de contato, automaticamente se corrigiu, pensando que em hipótese nenhuma ficaria bem de óculos.

Ele ficou naquela ambivalência de desenho, não desenho, desenho, não desenho por tempo o suficiente para começar a inflamar-lhe os nervos. Por fim, decidiu guardar os materiais de desenho e adiar o momento em que decidiria se poderia classificar definitivamente aquilo pelo o que passava como “bloqueio criativo” ou como “incompetência”.

Enquanto isso, Esther coloria fervorosamente o papel de vermelho, o cenho franzido em concentração numa careta cômica, imprimindo tanta força no ato que Tyler não fazia ideia de como o pobre lápis ainda não tinha se partido ao meio.

O garoto deixou os pés para cima, encostados na borda do tampo da escrivaninha, esparramando-se na banqueta com algum cuidado comedido para não acabar se estatelando no chão depois. Acabou adquirindo um olhar de dúvida da irmã, como se ela perguntasse se aquilo era uma ideia – ela provavelmente sabia que aquela posição podia acabar resultando um dano físico depois. Pegou o celular e foi ao bloco de notas, o aplicativo mais útil que podia-se existir para alguém que realizava a proeza de esquecer-se de quase tudo como ele, onde anotava com palavras abreviadas que só ele entendia (ou nem ele, em algumas ocasiões) as obrigações pendentes.

Quando, após ver que elas já estavam se acumulando de novo, Tyler choramingou, baixinho, um “Que preguiça”, Esther escutou e ralhou com ele, como se ele fosse o ser mais contraproducente do mundo (o que podia ser verdade). Assim, com aquele puxão da orelha que a irmã fizera-lhe o favor de dar, decidiu terminar de uma vez aquelas questões avaliativas de física, mesmo elas sendo para semana que vem. E sentiu pena de si mesmo.

E ele estava indo mesmo fazer aquilo, jurava, jurava mesmo, chegando até a bloquear o ecrã do Smartphone. Entretanto, a notificação que sinalizava uma nova mensagem recebida quis dar as caras, e Tyler não pôde evitar ir checar quem e sobre o que era.

Para sua surpresa, era Cameron, com quem não conversava via mensagens há um bom tempo.

Cameron: Heeeeey, cara!

Ele até pôde ouvir a saudação calorosa e gritada bem rente ao ouvido, o que quase fez os tímpanos doerem. Também pôde sentir a chave-de-braço no pescoço que Cameron lhe daria caso estivesse ali.

Tyler: Ahn, oi.

Cameron: Você sumiu.

Tyler: Cara, como assim? Como eu posso ter sumido se você me viu ainda hoje, criatura?

Você tá bem? Sofreu alguma concussão, tá com alguma sequela cerebral?

Cameron: Não quis dizer isso, mas esquece.

Enfim... você, uh, tem o número da Lana? Será que pode me passar?

Tyler: Da Lana?

Cameron: É, da Lana.

Antes eu tinha, mas troquei de celular, você sabe, e não salvei os contatos do antigo.

Tyler: E lembrou do meu número?

Assim eu me sinto honrado.

Cameron: Claro, né. Nós somos amigos de infância e você nunca trocou de número de celular. O desmemoriado aqui é você, não eu.

Tyler: Au. Essa doeu.

Cameron: Haha

O garoto sentiu uma breve crispação de irritação. “Haha” era, na sua humilde opinião, a reprodução de risada mais insossa existente da internet. E Cameron sabia que ele pensava assim. Aquele infeliz.

Cameron: Então, você tem? Ela ficou de me ensinar alguns truques no baralho, e eu tô curioso, admito. Aliás, você sabia que ela é super ardilosa nesses jogos? É quase impossível derrotá-la neles!

Tyler: Espera. Então o lance de você passar a se interessar por baralho foi por influência dela?

Que loucura.

Eu não fazia ideia que vocês estavam, sei lá, se comunicando.

Cameron: Érr... Bom, faz pouco tempo, mas acho que você pode dizer que já somos amigos.

E você fala como se viéssemos de planetas diferentes e distantes um do outro.

Tyler: Na minha concepção, é bem isso mesmo.

Cameron: Cara, só me passa o número logo. Antes que você esqueça.

Tyler: Ahn, eu não sei de cor.

Cameron: É claro.

Tyler: Quieto.

Espera aí, vou pegar.

Não foi muito difícil encontrar o número da amiga no celular, já que ele não tinha a lista de contatos mais extensa do mundo. Depois de ter informado a Cameron o que ele queria saber, já foi se despedindo, pois não gostaria de protelar ainda mais quanto ao que tinha que fazer para acabar abrindo mão no final.

Mas, claro, como ele não tinha paz nunca, Cameron voltou a contatá-lo. Como Tyler estava planejando ignorá-lo, amaldiçoou-o mentalmente por ele conseguir prender sua atenção e despertar seu interesse já no primeiro torpedo.

Cameron: Thay, eu e Kylie terminamos.

Ele refreou a vontade ascendente de digitar um “GRAÇAS A DEUS” por não conseguir adivinhar o estado emocional do amigo a respeito do ocorrido. E porque não queria, claro, deixá-lo emburrado.

Tyler: Oh.

Que pena? Ou... que bom?

Cameron: Acho que ‘que bom’.

Tyler: Por quê...?

Cameron: Ela era grudenta demais.

Tyler: Só ela? Certeza?

Cameron: É, okay, nós dois éramos no começo. Acontece que cansa, sabe?

Mas não foi só por isso que a gente desatou!

A gente tava se desentendendo o tempo todo por motivos bestas, e nenhum dos dois estava satisfeito. Em uma das discussões, terminamos.

Tyler: Quanto tempo durou esse pseudo-relacionamento?

Cameron: Hm... uns dois meses?

Tyler: Legal, sobrevivi por dois meses.

Cameron: Você realmente não era simpatizante dela, não?

Tyler: Ei, só tô brincando

Mas sei lá, só acho que você ficaria melhor com outra pessoa.

Cameron: Okay, vou considerar isso como só uma maneira mais fria e concisa de dizer que você acha que eu sou demais, e, portanto, mereço mais que isso.

Tyler: Como você gosta de pegar no pé, Jesus.

Pensando bem, quem é digna do título de “sobrevivente” aqui é a Kylie, por ser capaz de te aguentar por exaustivos dois meses.

Okay, cara, tenho que ir. Terminar umas questões de física aqui.

Cameron: Ai, passaram essas questões pra minha turma segunda-feira e eu não fiz nem metade.

Tudo bem, vai lá.

Ah, peraí! Me passa a resposta da questão 7, pelo amor de Deus, tô quebrando a cabeça por causa dessa maldição.

Tyler: Tá tudo no módulo que a gente tá estudando, larga de preguiça e vai procurar direito que você acha a resposta.

Okay, okay, eu te passo.

Mas só com uma condição: você me ajudar na questão 15.

Cameron: Quanto oportunismo.

Fechado.

 

# # #

 

No final, Tyler pôde se regozijar por conseguir finalizar aquelas duas dúzias de perguntas, que, basicamente, só faziam você se martirizar tentando solucionar problemas situacionais de diferentes formas. Também acabara auxiliando Cameron com o seu conhecimento em mais de uma questão, e o amigo, em contrapartida, também oferecera sua contribuição para ele. Tomando o cuidado de parafrasear as respostas um do outro para não ficarem idênticas, eles opinaram e trocaram ideias até a última linha da última resposta, o que talvez não mais qualificasse o trabalho como individual – detalhe.

Pensando melhor, Tyler começou a entender o que o amigo quisera dizer com “Você sumiu”, por mais que não fosse colocar naquelas palavras se fosse ele. Mas era fato consumado de que não estava mais tão próximo de Cameron quanto costumava ser em tempos passados. Não era a primeira vez que isso ocorria, no entanto. Não que achasse que estava chegando a algum extremo, mas “afastar-se”, às vezes, era meio inevitável para ele. Inevitável e involuntário, como o batimento do miocárdio, que não podemos controlar.

Com isso, ele também notou que não havia se distanciado não só de Cameron, mas de Lana também, assim como algumas outras pessoas a quem poderia estar, nem que minimamente, vinculado. Quase como se ele fosse incapaz de concentrar-se em mais de um ser ao mesmo tempo. Como se ele estivesse, de fato, interessado apenas em uma única pessoa.

Isso era, de alguma forma, meio melancólico. Saber quem era essa pessoa tampouco era de grande ajuda..

“Vou ter que maneirar isso” se viu pensando, balançando a cabeça em auto-desaprovação. “Gray não é o centro do meu universo... eu devia aprender a repartir minha atenção melhor.”

Ainda mais agora, que eles estavam juntos. Ou quase lá. Tyler, inconscientemente, estremeceu. “Juntos.” Aquela denotação de estado era um tanto pesada para ele. Como se... como se não fosse para ser assim. Não parecia ser idílico. Não, pelo menos, agora.

Era até de se surpreender que aquelas dúvidas não tivessem vindo ao ataque mais cedo, mas agora ali estavam elas, marcando presença, armas a postos. Ele estava certo em não ter pensado sobre aquilo mais seriamente, não estava? Esse fato deixara-o mais despreocupado e surtira um efeito positivo em sua decisão. Ou será que o efeito na verdade era negativo? Ou...?

“Chega” restringiu-se, atabalhoado. “Se eu não pensei nisso antes, não vou pensar nisso agora.”

Decidiu parar de desmerecer a presença de sua companhia atual.

Esther, naquele meio-tempo, havia colorido inteiramente duas folhas de papel sulfite de vermelho, sem deixar um espaço em branco. O lápis agora mal passava de um toco fino de madeira, e as lascas de ponta de lápis estavam espalhadas ao redor do papel como uma bagunça monumental. Quando Tyler perguntou qual era a finalidade daquilo, a irmã disse que era surpresa, com um tom de voz que sugeria que aquela era uma informação perigosamente sigilosa e que, se ela realizasse qualquer tipo de inconfidência, os dois estariam fadados a destinos cruéis. Por esse motivo, resolveu não investir e deixar quieto.

Depois de algum tempo, seu quarto tomado por um silêncio sepulcral, Esther começou a reclamar de náusea e frio. Quando Tyler foi checar sua temperatura, pousando a mão em sua testa, era como se sua pele tivesse acabado de ser banhada por água fervente. Tentando não se desesperar – ele não era tão prestativo para cuidar de outras pessoas, diga-se de passagem – ao mesmo tempo em que corria atrás de medicamentos e conferia o estado da irmã com o termômetro, que mostrava 38º graus, foi inevitável pensar que seria legal se sua mãe estivesse ali, sabe, só pra dar uma mãozinha. Sandra havia saído para trabalhar há um tempo quase sem se despedir, e o pai, bem, Tyler não fazia ideia de onde ele podia estar.

— E aí, tudo bem? Está se sentindo melhor? — perguntou, atencioso. Depois de Esther também começar a se queixar de tontura, finalmente conseguira convencê-la a descansar. Ela fez que sim com a cabeça, afundando confortavelmente no travesseiro de algodão, as mãozinhas segurando a borda do cobertor de linho. Tyler estava agachado ao lado e de frente para a cama de dossel. O quarto da irmã tinha aquele ar de pureza infantil, mobiliado de forma que os móveis não ocupassem muito espaço. A televisão ficava no centro de um conjunto armado à parede de armários de compensado branco em frente à cama. Um tapete ovalado e felpudo vermelho centralizava o cômodo, e as paredes claras eram ornamentadas por adesivos de borboletas adejando por aí e corações multicoloridos flutuantes, além de haver uma estante lotada de bichos de pelúcia diversos em um canto, desde ursos a dinossauros. As bonecas ficavam guardadas no armário do quarto há algum tempo, porque Esther dizia que elas lhe causavam arrepios de noite. O que era um tanto sinistro, mas tudo bem.

— Thay... Posso te perguntar uma coisa? — Pelo tom inseguro que Esther incorporava à voz, imaginou que se tratasse dos seus pais ou de algo assim. Mesmo não gostando do rumo que aquilo poderia tomar, Tyler encorajou-a com um aceno de cabeça. — O que... o que é ser gay?

O garoto piscou, atônito. Antes que pudesse superar a bigorna recém-jogada no estômago e reagir, a menina continuou, cautelosa:

— É que... eu ouvi uns garotos mais velhos chamando outro menino disso e de outras coisas... coisas que a mamãe não gostaria de me ouvir falando. Mas eu não sabia o que significa. — Ela o encarou, esperançosa. — O que é?

Tyler de imediato rememorou da vez em que a irmã inquerira, aberta e inadvertidamente, durante a janta, sobre que era o ato sexual. Era uma das poucas ocasiões em que estava toda a família reunida. Lembrava-se de Mark espalmando a mão na mesa e cobrindo a boca com o punho enquanto tossia afetadamente, roxo, e da mãe sorrindo forçosamente, sem saber o que fazer. Ficara tão sem-reação quanto estava agora. No entanto, naquela situação ele tivera o alívio de poder transferir a obrigação de responder ao incômodo à mãe. Agora, nem isso.

“O que eu faço? Explico? Falo que converso sobre isso com ela mais tarde? Mando ela perguntar à minha mãe? Digo que ela é nova demais pra saber disso?” a mente em disparada, a boca repentinamente seca, tudo o que ele mais queria, no momento, era sumir.

— Thay?

— Olha, Esther — disse, suspirando e tomando uma decisão. Era bom conscientizá-la sobre isso, assim como começar a instrui-la a ter uma mente aberta. O único problema era que não sabia se os pais deles entravam em um consenso com ele nesse caso. — Não tem nada de errado em ser gay.

Esther apenas esperou que continuasse. Tyler escolheu as palavras com cuidado.

— Quando um garoto, em vez de gostar do sexo oposto, ou seja, de garotas, gosta de outros meninos, isso quer dizer que ele é gay. Entende?

— Oh... Mas, então, por que aqueles meninos estavam xingando o outro por ser gay?

— Acontece que algumas pessoas não concordam com isso, nem respeitam, muito embora não seja uma escolha. Você não escolhe por quem vai gostar, não é? — Tyler sorriu quando a irmã murmurou um “Verdade”, assertiva. — Muita gente passa por esse preconceito, sabe?

— Que ridículo! — exclamou Esther, pegando-o de surpresa. — Por quê? Isso não é certo. Se alguém gosta de alguém, e daí se for menino ou menina?

Tyler ficava muito, mas muito feliz por saber que a irmã pensava assim.

Ele abriu um sorriso sincero para ela, e acarinhou-lhe o topo da cabeça.

— Eu sei, Esther. Você tem toda razão. Mas é uma questão delicada. E polêmica. Por isso, você não pode sair falando disso por aí. Me promete que não vai fazer isso?

Depois de um instante, Esther assentiu.

— Ótimo. — Ele se inclinou e lhe deu um beijo na testa antes de se levantar. — Hey, quer que eu ligue a TV?

— Não, valeu. Dormi mal essa noite. Tô com sono. — Ela bocejou, como que para comprovar a afirmação.

— Tudo bem, então. Durma bem, Esther.

 

# # #

 

Tyler teve uma boa noite de sono.

No dia seguinte, ele saíra da cama já totalmente animado, como se tivesse tomado alguma substância ilícita que fazia com que você se sentisse revitalizado. Se bem que adoraria acordar todo dia assim, e não como uma múmia mal-humorada recém-saída do sarcófago.

O resto do dia anterior passara com uma leveza surpreendente e, de noite, recebera algumas mensagens de Gray. Sorrindo, Tyler pôde se lembrar das altas taxas de palermice extrema contidas na conversa dos dois, que tardou para convergir em alguma coisa real, mas que foi totalmente divertida, cada linha dela.

Gray: Oi! O que tá fazendo?

Tyler: Oi. Fazendo nada.

Gray: Não, vou perguntar de novo:

Tá fazendo o quê?

Tyler: Hm, se é assim, estou observando uma colônia de formigas subir a parede do meu quarto. Legal, né?

Gray: Fascinante.

Tyler: De fato. E você?

Gray: Estou assistindo o Dr. Doofenshmirtz gritar que odeia Perry, o Ornitorrinco.

Tyler: Sério?

Gray: Não.

Tyler havia gargalhado feito um aparvalhado por causa disso, e foi mais ou menos assim, sem conteúdo, que se seguiu o diálogo via mensagens até Gray perguntar se ele estava livre no dia seguinte, tecnicamente, inteiro. Automaticamente, havia dito que sim. Agora, esperava que nenhum contratempo contrariasse sua resposta. Não obstante, já havia avisado à mãe que pretendia ficar fora de casa durante um bom tempo, e ela dissera que estava tudo bem. Ela parecia ter desejado saber mais sobre isso; porém, permanecera neutra. O clima continuava tenso entre eles, mas como se viam todo dia e era sempre necessário trocar algumas palavras, havia esperanças, ao contrário do que pensara anteriormente.

Ele não gostaria de ter de admitir, mas o colégio fora apenas um estorvo, um longo e aparentemente infindável estorvo. E a aula nem tinha sido as das mais desinteressantes – na verdade, ele até tentara ouvir o que o professor tinha a dizer, mas, no final, todas as palavras saídas de sua boca assemelhavam-se tanto com jargões estrangeiros ininteligíveis que teve de desistir.

Entretanto, apesar disso, ir à escola apresentou ter utilidades e, nela, recebera informações um pouco mais detalhadas sobre o itinerário do encontro que teriam dali a algumas horas. Gray pedira desculpas, dizendo que sua falta de criatividade era um motivo de retratação, mas que seria divertido, e Tyler não duvidava. Ele também havia dito que, se ficasse cansativo devido à extensão de duração, eles poderiam deixar a última parte para um outro dia; no entanto, Tyler já fora cortando-o, alegando que podiam não ter uma oportunidade do tipo tão cedo e que a tarde/noite tinha tudo para ser ótima.

Realmente tinha. Isso se, claro, não acabasse estragando tudo.

Não havia percebido o quão ansioso estava para aquele encontro até aquela manhã, e isso era preocupante. E se uma nuança dessa ansiedade se transmutasse em um nervosismo ostensivo mais tarde? E se ele não conseguisse se portar como um cidadão civilizado? E se não tivesse suplantado toda aquela vergonha inicial?

Tyler precisava mesmo dar um jeito naqueles pensamentos negativos. Trancafiá-los num baú a sete chaves. Mandá-los às favas. Enterrá-los numa cova nos recônditos subterrâneos do Planeta Terra.

De qualquer maneira, quando retornara para casa, fora direto conferir o estado da irmã, a fim de divergir suas preocupações.

Esther estava bem o suficiente para não ter que faltar à escola novamente, o que era um alívio. Embora houvesse quem cuidar dela caso qualquer coisa, preferia não precisar deixá-la em casa sem ele ou sua mãe, ainda mais com a possibilidade de ser acometida por febre ou qualquer outra enfermidade mirabolante.

“Certo, sem quaisquer impedimentos. Condição psicológica, estou contando com você. É melhor não me deixar na mão” pensou com seus botões, sabendo que ele devia ser algum tipo exótico de maluco para fazer aquele tipo de apelação.

O rapaz resolveu não se martirizar simplesmente esperando o tempo passar. Desse modo, torcendo para que o mesmo lhe desse uma trégua, foi tentar espairecer com videogames e latinhas de refrigerante ao mesmo tempo em que ignorava o tiquetaquear monocórdio do relógio de cabeceira do quarto, cujos ponteiros pareciam caçoar dele com sua lentidão aparentemente deliberada toda vez que checava o horário com algo próximo à sofreguidão.

Com pouco mais de uma hora de antecedência, começou a se aprontar, e, depois de um banho revigorante, chegou-se a aterrorizante hora de eleger roupas apresentáveis do vestuário. Esperando que não aparentasse ser casual demais, separara calças jeans – como sempre – e uma camisa de mangas compridas – já que não estava fazendo calor lá fora – clara com os dizeres em uma fonte angulosa que passava a impressão de tinta escorrendo: “ART; THE SOUL LIVES”, que tivera a sorte de descobrir ao revirar os confins inexplorados do guarda-roupa.

Em torno das 15h50, a casa totalmente vazia, ele estando pronto há um bom tempo (o que era uma surpresa até para ele – estava até orgulhoso pela sua pontualidade), Tyler corria de um lado para o outro para certificar-se de que havia fechado todas as janelas. Estava prestes a ir verificar pela terceira vez se a porta dos fundos, que desembocava no jardim, estava trancada quando ele ouviu latidos e a campainha tocar e, por conseguinte, não pôde reprimir um sorriso.

Gritou um “Já vai” ansioso, encaminhando-se até a entrada principal da casa, enfiou ambas as mãos nos bolsos da calça numa busca ávida até apalpar as chaves de casa e a carteira e, só então, tentando relaxar, que pôde atender à porta, palpitações descompassadas abalando a estrutura de sua caixa torácica.

Era agora, ele sabia, que estaria começando uma tarde e tanto e, por que não dizer, incrivelmente memorável.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, gente, eu juro, JURO MESMO, que tava planejando escrever o encontro dos dois nesse cap, tinha até feito um roteiro para ele, mas aí fui escrevendo até ver onde ia dar e essa merda saiu de forma nenhuma, OLHA QUE LINDO sz
[frustration intensifies]
(ok, n foi bem assim, mas whatevs -q)
E, embora tenha ficado meio grande e tenha havido pouco GrayxTyler agr (mas convenhamos, tá quase a história toda assim, vai ser o próximo cap todo assim, vamos variar um pouco plmdds HAUSHSUHS), eu espero que tenham gostado. De qualquer forma, eu apreciaria se comentassem, porque eu estava MUITO inseguro por causa desse capítulo :') E ainda estou, né... çwç
Eu ia colocar o começo do encontro deles nesse cap ainda, mas eu vi que estava me empolgando demais. Aí tive que deixar esse final tosco mesmo. -q
Não vou poder escrever nessas próximas duas semanas, já que vou estar viajando ~aehooo~, e depois disso vou ter que correr atrás do prejuízo de matéria perdida na escola :’) Vou sofrer? Vou sim. Mas se Deus quiser na quarta semana já vou estar tirando um tempinho pra escrever, ainda mais que, tecnicamente, o capítulo 12 já tá todo pronto na minha mente, só falta passar pro papel mesmo sdhfsdfkdsf E eu tenho muita coisa dele no caderno já ^.^
Até lá, then
Obrigada a todos que leram até aqui e que continuam comigo, mesmo eu sendo a pessoa mais lerda e sem-noção do mundo em termos de atualizações! sz

Ps. Vocês viram que MS trocou de capa, né? O que acharam dela? Da Lariez também, essa goxtosa. Te devo minha alma, guria, socorro! sz