Anjos e demônios.

11° Dia.

Lysandre está na sacada conversando tristemente com sua "Esposa", já estava lá a bons dez minutos e falava baixo para eu não ouvir.

Preciso comentar que eu estou no quarto ao lado, com um copo na parede para tentar ouvir nem que seja uma frase? E que por sinal está um pouco dificil, o velho fofoqueiro do meu vizinho está com uma música depressiva no volume máximo.

Ele parou de sussurrar e aumentou a voz, parecendo ter ficado com raiva de algo. Meu vizinho desligou a música e finalmente conseguir ouvir perfeitamente. Lys estava conversando em português, o que era ótima já que ainda tenho um pouco de dificuldades de entender o Frances perfeitamente e Russo nunca foi minha praia.

–E o que você quer que eu faça, fique feliz por você? Não acredito que não me contou isso antes de eu vir aqui! Eu vou voltar e... Como assim "Não se preocupar"?

Ouvi um barulho forte de como se fosse algo batendo na mureta da sacada. O que está acontecendo afinal?

–Certo, mas vou te ligar pelo menos uma vez ao dia. Não, certo eu vou entregar assim que lembrar onde coloquei. Toma cuidado porra, eu juro que se não se cuidar eu volto no primeiro voo e vou te dar o maior sermão do mundo e você sabe muito bem que eu consigo. Bom, isso foi gay mas também te amo.

Ouço um "Tchau" e depois a porta do sacada abrindo e fechando. Antes mesmo que eu pudesse largar o copo e correr, Lysandre aparece na porta me encarando com um maldito sorriso nos lábios.

–Que coisa feia...

–Não me olhe assim, tenho certeza que no meu lugar faria o mesmo!

–Não faria não.

–É, eu sei que não...

–Agora que notei, você esta loira novamente. Está linda.

–Obrigada...- Lys vai em direção as prateleiras e pega um livro de couro preto, me entregou e ficou com o olhar um pouco triste.

–Isso é o diário da sua mãe, ela me mandou te entregar assim que te encontrasse. Desculpe não ter feito isso, estava a tanto tempo guardado que não me recordava que existia.

–Acha que eu devia ler?

–Você quer ter respostas?

–Não mais. - Coloco o diário em cima da cômoda e sinto o corpo de Cupcake na minha perna a pedido de carinho. - Você sabia que mamãe morava aqui antes de ir para o Brasil? Quando cheguei, ainda havia várias fotos e coisas esquecidas para trás. Ela era uma mulher tão linda e alegre... Parecia ter vários amigos e bem feliz.

–O que aconteceu com ela então?

–Eu realmente não quero saber. Tenho a sensação que as respostas não serão boas.

–Você devia ao menos ler um capitulo ou dois e... - Um barulho de algo caindo tirou nossa atenção e vimos Cupcake, que tinha apenas derrubado o diário no chão. Lysandre se afastou do gato e ficou um pouco pálido, era engraçado o fato de ainda ter medo dele embora Cup simplesmente o adore.- Como ele chegou em cima da cômodo tão rápido?

–Ele sempre faz esses tipos de coisas como se trata de "Chamar desesperadamente a atenção da minha dona". -Levantei e quando peguei o diário do chão, caiu uma folha avulsa um pouco suja de com vários rabiscos frascos. Coloquei ela contra a luz para tentar visualizar melhor, mas ainda era quase impossível.

–Me deixe tentar. - Lys virou a folha e a colocou em vários posições diferentes, até ter uma que fazia algum sentindo. - É a localização de algo... Uma pedra estranhamente pontuda, um "X", flores...

–Tem uma pedra pontuda perto do riacho da floresta. Sei disso por que é lá onde pego amélias para vender.

–Quer ir até lá ver se encontra algo?

(...)

Está garoando e a nebrina um tanto tensa, a floresta estava silenciosa e era onze horas da noite. Um "ótimo" cenário para se cometar suicídio ou assassinado.

Estou com um lambião velho em uma das mãos e o diário em outra, parecia aquelas psicopatas procurando uma nova vitima.

–Você está bonita. - Lys pegou a lanterna e apontou para os meus seios que estavam quase saindo do vestido.

–Ei! Eu não ia me arrumar apenas para descer uma colina estupida, colocar as botas já foi um sacrifício, imagina me trocar toda? E além do mais, é uma das minhas camisolas preferidas. - Era velha mas ainda sim confortável, a seda é vermelha como sangue, colado ao corpo e com alças finas. E se ainda não bastasse, com um decote em "V" grande quase chegando na costelas e a barra acaba no meio das minhas coxas.

–Eu me lembro dela... Quando tínhamos dezesseis anos! Meu deus, você sabia que seu corpo mudou muito desde então? - Lys estava evitando olhar para meu corpo, eu sabia que a roupa ia mexer de algum jeito com ele. Sei que é errado, mas aposto que muitas outras mulheres também querem descobrir se seus Ex's a acham atraente ainda.

Lysandre tirou a blusa de moletom escura com capuz e me entregou, ficando apenas de regata preta e uma calça folgada que é conjunto da blusa. Ainda não me encarava e parecia um pouco mais vermelho do que de costume.

–Coloca, está ficando muito frio e esse pedaço de pano não esquenta nada.

–O-obrigada Lys, isso foi muito gentil. - Coloquei a blusa, ainda está bem quentinha e tem o perfume dele. Avistei a rocha de dois metros ao norte, parecia um pouco mais suja do que de costume. - Estou vendo a rocha, aquela sombra ali na frente.

–Temos que ir rápido, a chuva vai aumentar e o riacho vai transbordar.

Chegamos finalmente a pedra e Lys começou a procurar alguma coisa anormal com a lanterna. Tentei olhar o "Mapa" novamente, mas a escuridão estava dificultando muito aquilo.

–Amélia, achei algo. - Lysandre apontou com a luz da lanterna uma pá velha cravada na terra, perto das amélias e um pouco distante da água. - Você podia ter lido o diário e ver se havia alguma coisa escrita sobre isso, ia nos poupar tempo.

–Sem chance, a folha estava na primeira página e acho que Marie queria que achássemos isso antes.

–Por favor, não me diga que vou ter que cavar?

–Bom, uma pá não estaria no meio do nada... É óbvio que terá que cavar ali.

Lysandre começou a cavar e falar palavrões em russo que tenho medo de descobrir quais são. Ficou apenas alguns minutos antes de ouvirmos um barulho da pá encostando em metal.

–Seja lá o que for Amélia, a pessoa não se importou em esconder muito bem.

–Ou queria logo se livrar. - Lysandre se abaixou e pegou uma caixa grande retangular de metal, estava enferrujada e parecia ter estado lá a anos.- Que merda tem ai dentro?

–Não sei, mas não está assim tão pesada quando parece.

Ele depositou a caixa delicadamente perto dos meus pés e sentamos ao lado, com o lampião iluminando nossos rostos e corpos molhados da chuva que aumentou. Lys me encara um pouco sujo e com o olhar um pouco triste, como se soubesse que iria acontecer algo horrível a qualquer momento. Abri a caixa rapidamente e um pouco voraz, como com curativo.

Eu grito tão alto que nunca tinha gritado antes, lágrimas já desciam mu rosto sem nem percebe. Corri o mais rápido possível com todas as minhas forças.

Meu choro está alto e os soluços começaram, eu nunca fiquei tão assutada na minha vida, nem mesmo com Anastasya. A chuva já estava quase virando uma tempestade e ouvi Lys correndo para me acompanhar.

Finalmente chego em casa e vou em direção a estufa, a luz ainda estava apagada e mal consigo enxergar a mim mesma. Meus soluços só pioravam e as lágrimas já tinham aumentando.

Vou desesperadamente ao final da estufa, derrubando uma planta e arranhando meu braço. Quando senti a parede, cai no chão sentada com os joelhos dobrados e comecei a bater no chão com força.

Por que? Por que? POR QUE?

A luz se acendeu e Lysandre apareceu, ofegante e sujo e lama. Veio até mim e me abraçou fortemente. Pela primeira vez, não me senti segura.

Ficamos naquela posição durante muito tempo, a chuva já estava parando e minhas lágrimas também. Me sentia perdida e confusa, e principalmente com muito ódio de Marie.

Na caixa havia muitos ossos pequenos e gravado na tampa:

"Aqui jaz meus anjos, Nathaniel e Amélia."

(...)

"Querido diário,

Desculpe não estar escrevendo em você ultimamente mas... O Brasil é tão incrível! Mas não tão incrível quanto Ivan...

Eu já perdi as contas de quantas vezes fui até a livraria com a desculpa de querer ler algo apenas para ler. Não tenho culpa, a primeira vez que eu o vi o mundo parou e foi como se apenas existisse ele.

Ele é tão gentil e me olha de um jeito romântico, não como os outros rapazes me olham. Sinto que temos uma ligassem especial.

–Marie."

"Querido diário,
Ivan estava me mostrando um livro novo e sem querer sua mão encostou na minha... E ele não tirou! Embora tenha ficado vermelho como um pimentão, ainda estava fofo e lindo."

.

"Querido diário,

Ivan me convidou para sair. Foi tão bom descobrir novas coisas sobre ele! Ele canta e toca Jazz, ama pintar, é quieto mas ainda sim um cavalheiro. Acho que estou apaixonada por aquele boboca."

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"Querido diário,

Meus pais não querem aceitar nosso namoro, acham que ele é apenas um cara idiota que nunca vai me amar de verdade. Ivan ficou arrasado quando soube disso mas disse que não vai me impedir de voltar."

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"Querido diário,
Eu tentei de verdade, mas não consegui! Meu amor por ele é forte de mais e não consigo passar um minuto sequer sem pensar nos seus beijos, abraços.. Eu vou fugir daqui! Quero uma nova vida, e tem que ser com ele. "

.

"Querido diário,

Ivan ficou assustado quando me viu novamente, mas não conseguiu conter a felicidade. Me prometeu que faria de tudo para me deixar feliz e que me amaria incondicionalmente, Ivan disse que sou sua princesa e que ele é meu cantor de Jazz. "

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"Querido diário,

Tivemos nossa primeira vez a um mês, foi mágico! Era como se o mundo não importa mais, meus pais e todos os nossos problemas desapareceram, eu pude sentir que Ivan me amava tanto quanto eu o amava. Mas minha menstruação ainda não veio e estou preocupada."

.

"Querido diário,

Estou grávida, nunca estive tão assutada e feliz na minha vida! Fiquei com medo de Ivan não aceitar e me largar, mas ficou ainda mais feliz que eu mesma! Nosso amor está mais forte que nunca. Meus pais finalmente aceitaram e me enviaram dinheiro ontem, podemos finalmente comprar uma casa melhor com um quarto para meu lindo anjinho que vai nascer."

.

"Querido diário,

Não vai ser um quarto... E sim dois! Estou grávida de gêmeos, uma linda menina e um lindo menino. Mas os médicos disseram que a gravidez é de risco e pode haver complicações sérias. Ivan disse que não importa o que acontecer, ele vai sempre me amar. Escolhemos os nomes, Amélia e Nathaniel."

.

"Querido diário,

Tivemos uma briga feia, ele tinha chegado tarde novamente por causa da "Blue", dissemos nomes feios um para o outro. Eu não sei muito bem o que me deu, mas foi como se outra pessoa estivesse no meu corpo! A faca estava próxima e, Oh Céus!

Ivan me perdoou, disse que deve ter sido a gravidez... Ele não merece alguém como eu, meu Amor não merece isso."

.

"Meus bebês... Meus anjinhos... A gravidez era muito arriscada, ele teve que escolher entre eu ou eles... Meus bebê... Perdi meus amores... O hospital não queria entregar os corpos, mas eu os roubei.
Ivan disse que estava tudo bem e que iriamos conseguir seguir em frente...

MENTIRAS!

EU SEI QUE ELE SE ARREPENDEU DE TER ME ESCOLHIDO! EU SEI COMO ELE ME OLHA!

Ele disse que vai a uma viagem de negócios e só vai voltar em noves messes. Ele vai me abandonar! Vai se casar com outra! Vou ficar sozinha... Meu amor não me que mais...

EU TENHO QUE BOLAR UM PLANO! QUERO MEUS ANJOS DE VOLTA, QUERO MEU QUERIDO DE VOLTA. Antes dele viajar, vamos fazer amor! Assim posso dizer que fiquei grávida e adorar alguma criança ou algo assim. ISSO TEM QUE FUNCIONAR!"

.

"Céus, eu vou arder no inferno.

Não sei o que aconteceu, novamente eu não era mais a mesma! Era apenas uma prostituta drogada que ficou grávida de algum cliente, os bebês iriam morrer! Ela gritou e chorou falando para eu devolver seus filhos, que eram a sua "Pollyanna" e seu "Paul"... Mas eu não consegui. Eram tão parecidos comigo e com Ivan! Agora são meus novos anjos, vamos ser uma família novamente."

.

"Querido diário,

A quanto tempo não escrevo em você? Cinco anos?

Minha vida estava perfeita, mas Ivan descobriu tudo! Eu não sei como, mas ele me chamou de monstro e que tínhamos que fazer algo a respeito, que iria me entregar. Mas ele não conseguiu, Ivan me ama demais.

Gritou consigo mesmo por ser tão fraco, queria ir embora mas eu ameacei o matar e cometer suicídio depois. Ele não quer mais fugir.

Eu sei que ele ainda me ama, eu sei disso! Eu sou sua princesa, certo? Ele ainda me ama. Meus filhos ainda me amam. Certo? CERTO? "

Joguei o diário longe com toda força que consegui. Ainda tinha várias páginas de diário, mas não conseguia avançar

Amélia? Ponyo? Pollyanna?

QUEM SOU EU?!?