Na Melodia do Amor escrita por J R Mamede
Dei um basta nas agressões que Ambre dirigia a mim.
Foi em um dia em que eu estava no pátio na hora do intervalo, lendo meu livro costumeiro em um banco que me dava uma vista privilegiada para o ambiente.
O livro era “Orgulho e Preconceito”, o meu livro favorito de Jane Austen, o qual pertencera a minha mãe.
Minha avó era uma grande fã da autora inglesa, dando, assim, o nome dela para a minha mãe.
A paixão pelos livros de Austen foi passada de geração a geração: minha mãe também tinha um grande apresso pela inglesa.
“Orgulho e Preconceito” fora o meu primeiro romance Austiniano. Minha mãe me dera o volume quando eu ainda nem ao menos sabia ler.
Não me recordo das palavras dela, mas meu pai afirma que ela dissera que queria que eu ficasse com a obra, pois era uma tradição das mulheres da família.
O volume surrado pertencera, primeiramente, a minha bisavó, a qual passou para a minha avó, que passou para a minha mãe e, logo depois, esta deixou aos meus cuidados.
Era para a minha mãe dar o livro quando eu tivesse, no mínimo, quinze anos. Mas por conta da doença, ela pressentia que não podia adiar esse ritual, entregando-o a mim o quanto antes.
Eu não cansava de ler aquele livro velhinho, todo amarelado e cheirando a mofo. Agradecia a minha mãe por tê-lo confiado a mim; sabia da importância daquele objeto para ela.
Eu lia a história romântica de Elizabeth Bennet e do Sr. Darcy tranquilamente, até sentir alguém o puxando de minhas mãos com brutalidade.
Ambre olhava o objeto, avaliando-o, parecendo um chimpanzé ao pegar algo e fitá-lo com curiosidade e desconfiança.
– Devolva-o! – ordenei.
– Nossa! – sorriu Ambre maliciosamente para as suas amigas. – A lésbiquinha ficou bravinha. Será que ela vai chorar?
As duas hienas, Li e Charlotte, riram do comentário esdrúxulo de sua líder.
– Devolva-o, Ambre. Este livro é da minha mãe. – observei , tentando fazer com que a loura se sensibilizasse com o fato do livro pertencer a outra pessoa.
– Que horror! – exclamou, rodopiando a obra no ar e olhando-o com desdém. – Sua mãe é tão patética quanto você. Olha a porcaria que ela gosta.
Não sou de brigar. Não gosto de violência. Mas naquele momento Ambre conseguiu chegar ao limite, libertando a fera que existia dentro de mim.
Eu fui criada por homens, por isso, não sou daquelas menininhas estúpidas que brigam aos tapinhas, puxões de cabelos e arranhões no rosto.
Uma vez, na primeira série, cheguei em casa chorando, pois um menino não parava de me perturbar, chegando até a me empurrar no intervalo.
Meu tio Bill escutara meus relatos com atenção e ira nos olhos, afirmando que aquele garoto não podia ficar impune.
– Vou te ensinar alguns golpes de Boxe. – disse ele com determinação.
No outro dia, quando o pentelho foi me atormentar como de costume, dei-lhe um soco certeiro em seu olho esquerdo. Usei toda a força que possuía; minha mão chegou a latejar, porém, tenho certeza que a dor fora maior no olho do garoto.
– Sua maluca! – choramingava o menino com a mão no rosto.
Naquele dia tive a minha punição, mas o pestinha nunca mais mexeu comigo.
Então, quando Ambre falou aquilo da minha mãe, não pensei duas vezes em meter-lhe um murro bem no meio do seu rosto arrogante.
Cerrei o meu punho direito, o qual foi se encontrar com o nariz da patricinha com toda a força e ódio que eu encontrara.
Ambre caiu sentada no chão com o impacto, colocando as mãos em forma de concha no nariz. Percebi que saia sangue. Li e Charlotte foram acudi-la, abaixando-se ao lado de sua soberana.
– Olha o que você fez! – vociferou a loura. – Meu rosto está deformado! – chorou.
– Nunca mais fale da minha mãe. – ameacei, recolhendo o livro caído no chão.
Saí e deixei Ambre sendo socorrida por suas amigas.
Não demorou muito para a notícia cair nos ouvidos da diretora.
Quando eu já estava na sala de aula, sentada em minha carteira assistindo à aula de Matemática, a senhora apareceu acompanhada por Ambre.
– Senhorita Chiara. – chamou. – Venha a minha sala, imediatamente.
Não precisava ser nenhum gênio para deduzir que eu estava muito encrencada.
– Sente-se. – ordenou a diretora quando eu entrei em sua sala, mostrando-me uma cadeira em frente a sua mesa. – Vamos conversar.
– Sim, senhora. – assenti.
– Senhorita Chiara, - começou a idosa. – soube do seu mau comportamento em relação à senhorita Ambre. – encarou-me para avaliar a minha expressão, esperando uma reação de minha parte. Como esta não veio, ela continuou: - Essas atitudes não são toleradas em Sweet Amoris, portanto, a senhorita será punida pelo o que fez.
Ela me observou, talvez esperando uma contradição, uma explicação, ou até mesmo pedidos de desculpas.
Não fiz nada disso.
Olhei-a com atenção, deixando que o som de suas palavras penetrasse os meus ouvidos.
Percebendo que eu não diria nada em minha defesa, continuou:
– Como a senhorita possui um ótimo histórico, sua punição não será tão severa. – afirmou. – Terá que ficar na escola após as aulas por uma semana, começando por hoje.
Eu me levantei da cadeira, prestes a sair.
– Senhorita Chiara. – chamou-me a diretora.
– Sim, senhora?
– Que isso não se repita.
Com este último aviso, deixei-a sozinha em sua sala e voltei para a aula.
Quando o sinal alertava o fim do dia em Sweet Amoris, todos os alunos estavam indo em direção à saída, exceto eu, que procurava a sala da detenção.
Antes de entrar na sala, encontrei Ambre e suas comparsas no corredor. Ela, obviamente, deu um de seus sorrisos de vitória e satisfação ao me ver.
– Olha, meninas. – riu a garota. – A senhorita Chiara vai ter que ficar depois da aula.
As três riram pateticamente.
– Ei, Ambre. – chamei quando ela já estava virando as costas para mim.
– O que é? – perguntou rispidamente.
– Espero que você encontre um bom cirurgião plástico para consertar esse seu nariz torto.
O castigo valera a pena.
Ao dizer isso, entrei na sala do castigo, deixando Ambre e suas amigas com expressões abobalhadas e furiosas pelo meu comentário.
Ela não me perturbaria mais.
Em casa, ao chegar duas horas mais tarde do que o normal, encontrei meu pai e tio Bill trabalhando.
– Nossa, Jujuba. – falou meu pai olhando para o relógio. – O que aconteceu?
– Fiquei de castigo. – murmurei.
– Castigo? – repetiu meu pai. – Essa é novidade para mim.
Não conseguia encará-lo nos olhos. Pedia internamente que ele não perguntasse o que tinha acontecido.
– O que aconteceu? – perguntou ele, quebrando as minhas expectativas.
– Eu... – suspirei para criar coragem. – Eu dei um soco em uma menina.
– Essa é a minha garota! – comemorou meu tio.
Meu pai o repreendeu com um olhar, fazendo o meu tio Bill desaparecer com o sorriso orgulhoso.
– Um soco? Por que você fez isso, Chiara?
Quando o meu pai me chama pelo nome é porque ele está bravo ou decepcionado comigo. Acho que, naquele momento, eram as duas coisas.
– Porque essa menina não larga do meu pé desde que eu entrei naquele colégio, pai. – disparei. – E ela insultou a minha mãe. – conclui, segurando uma lágrima que queria descer.
O meu pai soltou um suspiro de compreensão e compaixão.
– Eu sei que essa menina não fez certo em insultar a sua mãe. – falou, segurando os meus ombros, obrigando-me a olhá-lo. – Mas você sabe que eu não gosto de violência; você não fez certo em agredi-la, concorda?
Fiz que sim com a cabeça. Realmente, fora excessivo agredir Ambre, mesmo que ela merecesse.
– Então, - continuou. – como um pai sensato que sou, a deixarei de castigo: nada de piano por uma semana.
Eu olhei para ele, e o vi sorrir. Fiz o mesmo, dando-lhe um abraço.
Peguei a minha mochila que havia jogado no sofá, e fui subir as escadas para ir ao meu quarto.
Quando eu estava no terceiro degrau, escutei o meu tio Bill me chamar:
– Ei, Jujuba.
Olhei para traz, vendo-o na base da escada. Então, em um sussurro, perguntou:
– Você fez do jeitinho que eu te ensinei?
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