John tamborilava os dedos nervosamente na janela do táxi.

Mike tinha ligado, e parecia bem desesperado, quase lhe implorando para ir ao laboratório de St. Barts. “Acabou de ter alta e já estava com problemas de novo?”, pensou.

O loiro estava nervoso. Sentia que tinha algo a mais que o amigo não tinha lhe contado. Talvez o verdadeiro motivo de tudo aquilo. Mike não o chamaria por nada.

A curiosidade quase o corroía por dentro, e o engarrafamento não ajudava em nada. Há quase 40 minutos John estava dentro daquele táxi, e toda a sua paciência começava a se esgotar.

Virando-se para a janela, John fechou os olhos. Quando abriu-os novamente, já não estava mais no veículo.

John suspirou. Lá vamos nós de novo...

O loiro não fazia ideia de onde estava. Era um grande vazio. Uma imensidão de branco total, sem sequer uma indicação de fim. Em contrapartida, ainda que parecesse infinito, John sentia como se estivesse entre quatro paredes.

A única coisa visível era uma silhueta feminina, que John sabia exatamente a quem pertencia. Dominatrix veio caminhando lentamente.

–- Acho que já está na hora de devolver suas memórias...

–- Como é que é?

Dominatrix abriu um vidrinho, de onde saiu um fio prateado, que cintilava delicadamente. Em um segundo, toda a calmaria do espaço branco se foi, e várias imagens saltaram diante de seus olhos, como um filme.

Mas o que diabos é isso?

Encontros e desencontros, momentos felizes, e tristes. Sofrimento, dor, felicidade, risadas e... amor. Ah, um amor incondicional. Um amor tão singelo, tão profundo...

John entendeu tudo.

Entendeu o buraco negro que ocupava o lugar de seu coração. Aquelas imagens realmente aconteceriam. Todas elas.

Dominatrix pigarreou.

–- Você sabe que existem vários universos, versões diferentes desse em que vivemos. E se algo deixa de acontecer em um, algo que não poderia de jeito nenhum deixar de acontecer, todos os outros sentem. Os universos estão entrando em colapso, John. Por isso todos acham tão importante. Essa informação foi plantada em todos os envolvidos com a situação. Um encontro igual a muitos outros milhões que diariamente acontecem por esse mundo, das mais variadas formas, envolvendo pessoas tão diferentes e tão diversas que jamais aconteceriam de uma forma convencional... Entende o quão essencial isso é?

John ficou em silêncio. Ainda não tinha se recuperado. Tantas memórias, ao mesmo tempo, trazendo consigo os mais diversos sentimentos...

–- Agora vá e acorde. Nós chegamos.

O cenário todo deu um solavanco, e John abriu os olhos de supetão. Ainda em choque, pagou a corrida de táxi, e agradeceu ao motorista.

Olhou para cima, encarando o edifício. Era agora.

Respirando fundo, entrou, em direção ao laboratório, onde tudo ia terminar, e recomeçar.

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Sherlock estava atordoado. Ficava andando em círculos, murmurando seus pensamentos em voz alta, na tentativa de ordená-los (obviamente, sem sucesso.).

Dominatrix entrou no laboratório. Mike andou até ela, e disse, baixinho:

–- Ele está ficando louco... Mais do que já é! Tem certeza de que isso realmente é necessário? Só apresente-os, e acabou!

–- Você não vê, Mike? Você é quem tem que fazer isso!

Sherlock se aproximou.

–- Eu finalmente vi a luz! E eu finalmente percebi o que você quer dizer. – Sherlock se dirigiu à Dominatrix. – E agora eu preciso saber se isso é amor verdadeiro ou é só loucura.¹

Dominatrix sorriu, satisfeita.

–- Você já sabe.

–- E quando eu lembro de todas as brigas malucas que tivemos, é como se um tipo de loucura estivesse tomando o controle, sim. E agora eu finalmente vi! E eu finalmente percebi do que preciso.

–- Você entendeu tudo, Mr. Holmes. Entendeu que não pode cometer o mesmo erro. Entendeu que, de forma alguma deve deixá-lo ir.

Sherlock sentou-se, pondo as mãos sobre a cabeça.

–- Entre, John. Acho que temos algumas coisas para resolver.

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O médico entrou no laboratório, hesitante. E seus olhos imediatamente se prenderam na figura do homem que embaralhava não só seus sonhos, como também sua sanidade.

–- Sherlock... – murmurou, atônito.

–- O que eu devo fazer agora? – Mike murmurou para Dominatrix, que revirou os olhos.

–- Só a sua presença já ajuda. Apenas cale a boca!

Mike assentiu.

Sherlock levantou a cabeça, e encarou o homem à sua frente. Exatamente do mesmo jeito que imaginara, com todos os detalhes. O loiro o fitava com um misto de curiosidade e surpresa.

–- John...

Os dois deixaram tudo de lado. Apenas correram e se abraçaram. Um abraço apaixonado, um abraço de reencontro, mas um encontro que nunca tinha acontecido, realmente. Sherlock podia sentir as batidas do coração de John sob seu suéter. O loiro apertou ainda mais o abraço, como se estivesse segurando em seus braços a coisa mais importante de todas (e realmente era).

Era impressionante a sintonia. Os dois realmente se completavam.

Enquanto sentia o abraço de Sherlock, John pensava como tudo se encaixava. Sua cor favorita era o azul dos olhos de Sherlock. Sua senha do cartão,7437, é o equivalente a SHER.² E tudo à sua volta parecia conspirar para que os dois se conhecessem. Até Donovan, que era tão cismada com os dois.

Enquanto isso, Sherlock também estava absorto em seus pensamentos. De todas as lembranças, uma em especial, mereceu sua atenção. "A amargura é um paralítico. O amor é um motivador muito mais cruel”, ele próprio dissera, em sonho.

E na memória mostrada por Dominatrix, Sherlock atirou em Charles Augustus Magnussen, cumprindo assim seu último voto³, para garantir a segurança de John e Mary, a suposta esposa de John, desistindo de tudo no processo. O olhar firme para John, as lágrimas em seus olhos, o momento em que decide: fará qualquer coisa por John Hamish Watson.

Os dois finalmente se soltaram, deixando seus respectivos cheiros no outro.

–- Eu finalmente vi o fim. Não estou esperando que você se importe, mas eu finalmente vi a luz, e eu finalmente percebi que eu preciso de seu amor... Eu não posso estar errado...

–- Cale essa boca! – John riu, e puxou-o para um beijo.

Os dois queriam passar o resto de suas vidas ali, desfrutando um do amor do outro. O toque dos lábios rubros de Sherlock eram delicados e ousados ao mesmo tempo. Por um momento, não existia mais laboratório, não existia mais nada e nem ninguém que não fosse o homem ali em sua frente.

–- Sabe... Gosto mais dos sonhos do futuro do que da história do passado.*

Sherlock sorriu, e suspirou.

–- Ainda que, nesse momento, eles sejam as mesma coisas.

John revirou os olhos.

–- Passei anos de minha vida sentindo que faltava alguma coisa, e isso me frustrava, porque eu não fazia ideia do que era. – Sherlock disse. – Agora eu sei. Era você. O tempo todo você.

John sorriu, completamente surpreso.

–- Oh, Sherlock...

–- Desculpem interromper o reencontro, mas infelizmente vocês tem poucos minutos até esquecerem todo, e a situação original acontecer.

–- Mas...

–- Sinto muito, meninos. É o que deve ser feito.

Os dois se entreolharam, e John segurou as mãos de Sherlock, olhando bem dentro de seus olhos.

–- Sherlock, antes de qualquer coisa, eu só quero que saiba que eu não me importo, e nunca me importei realmente com o que as pessoas falavam. Eu te amo.

O detetive consultor não tinha palavras, então só abraçou o loiro.

–- Eu também, John. Muito...

Dominatrix sorriu, entristecida, e olhou para seu relógio de pulso.

–- Chegou a hora, meninos... Boa sorte daqui para frente.

Subitamente, o mundo virou, e Sherlock, John e Mike mergulharam para uma escuridão sem fim.