Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho
Notas iniciais do capítulo
Chegando ao 7º capítulo de Chamem os Bombeiros!
Antes, quero agradecer o Tommy Adams que nos deu a 2ª recomendação!
Obrigada, meu lindo!!
Chego em casa, com fome, meus pés estourados em bolhas, e morrendo de vontade de fazer xixi. E irada! Muito irada! Assim que abro a porta do apartamento, praticamente nem cumprimento Ernesto, largo a mochila e corro para o banheiro. Mas antes, volto e bato a porta e fecho, correndo como se não houvesse amanhã. Quase piso no bichano que exige a minha atenção. E aí sim, sento-me no vaso e quando começo a fazer xixi... O interfone toca. Sério isso? Nossa, quase vou ter uma síncope nervosa! E de novo, o interfone toca com urgência. Ernesto aparece na porta do banheiro e mia.
“Será que você é surda, humana? Pare de fazer xixi e vá atender”.
Concentro-me para não estourar com o gato. Vamos, Gi, concentre-se. O interfone vai esperar, não vai? Pronto, consegui e ele de novo pede a minha atenção. Nem para lavar as mãos tenho tempo? De novo dou um mortal por cima do meu gato para ir correndo até a cozinha, onde fica o interfone.
— Sim?
— Giovanna? Sua mãe está aqui. A senhora Eliana.
Suspiro e reviro os meus olhos. E qual outra alternativa tenho?
— Pode subir!
Ótimo, era tudo que merecia num dia tumultuado como esse. Primeiro, quase me engalfinho com a maldita da Melissa. Mas, disse quase porque o Felipe foi mais rápido e se jogou na frente. E o Júlio? O Júlio ficou lá assistindo a tudo e não fez absolutamente nada! Imagina como cobri a votação do Paulo Maluf. Rezo para que aquela maledeta não me venha ferrar no trabalho. Porque, né? Foi erro do jornal, mas o que ela tinha que mostrar a panca para cima de mim? E ainda reforçada com aquele estúpido fotógrafo. Omisso, ordinário, hipster. Irie xingá-lo até o fim dos meus dias.
Dá tempo de lavar as minhas mãos, meu rosto e o gato continua miado na porta do banheiro.
“Ei, você! Nem falou boa-tarde, não troca a minha água e fica aí se fazendo de rainha da cocada preta! O que está esperando para me atender?”.
Me abaixo e quando vou acariciá-lo... Primeiro ele me olha com desdém e sai. A campainha toca. Sei que agora será a parte do segundo round. E francamente, meu humor está azedo como limão.
— Fiiiiiiiiiiilha!!! – diz minha mãe abrindo os braços.
Olha, ela é muito bonita, mas quando começou a chegar aos cinquenta, se transformou em uma perua de marca cheia! Hoje, Eliana Strambolli está com 57 anos, mas aposto e ganho que a quantidade de botox e outros tratamentos relacionados antiage ultrapassam brincando sua idade.
Ela está com saia branca justíssima, uma sandália de saltos enormes que a torna uma giganta perto de mim. A blusa puxada para o salmão se abre em mangas bufantes e uma profusão de lacinhos costurados. Ah, sim, não posso me esquecer de seus cabelos. Ela tem adotado um estilo a la Feiticeira, aquele seriado com a Elizabeth Montgomery. Tingidos de louro e com uma ondulação feita diariamente no cabeleireiro. Mamãe tem olhos azuis, coisa que não puxei. Meus olhos são do meu pai. Amendoados e castanhos. Gosto deles, mas confesso que tenho uma pitada de inveja do meu irmão mais velho que os conseguiu. Presente da genética.
— Tudo bem, mãe? – a abraço e sinto que Ernesto está grudado na minha perna e mia.
“Ei, quando você vai colocar água nova na minha tigelinha?”.
— Ah, esse gato! Tem tanto de você!
“Não tenho nada, sua perua! Sou mais inteligente que ela. E afinal... O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?”.
Agora o Ernesto mia de um jeito que... Bem quando ele faz isso, provavelmente está com fome, calor ou... Sede! É isso! Não tinha trocado a água do bichano. Porque é a primeira coisa que faço quando chego em casa.
Solto a minha mãe e a convido para entrar. Olha, eu a adoro, mas sei que quando ela vem em casa, nem sempre é para fazer visitas. Provavelmente é para pedir dinheiro emprestado, porque estourou o cartão de crédito do meu pai, ou porque viu uma bolsa deslumbrante pela “bagatela” de 700 reais, porém só tem 500. E não saberá continuar a viver sem ela. Acertou, minha mãe é uma consumidora compulsiva! Algo que poderia deixar até Becky Bloom constrangida.
Mas não é só isso... Ela é cleptomaníaca. Portanto, enquanto converso com ela, parece que está bem atenta a cada palavra que digo. Mas basta virar as costas, bem... Se minha mãe gosta de um objeto, não pensa duas vezes antes de pegá-lo. Pensa que nós da família não a alertamos, tentamos levá-la ao médico? Claro que sim, mas ela insiste que é um tique bobo, que “um dia passa.”
— E como foi seu dia, filhinha? – me indaga enquanto coloca em cima da mesa da copa um embrulho. Certamente é um bolo de maçã que gosto, e que comprou em uma loja do bairro, mas insiste que foi ela quem fez.
— Corrido! Aliás, foram tantas coisas que aconteceram hoje, que nem sei por onde começar.
— Mas você conseguiu votar? – pergunta-me com as mãos na cintura. Do mesmo modo que fosse uma garotinha que fugisse das tarefas escolares.
— Sim, ma...
O telefone toca. E não é o celular, é o residencial mesmo. Sério, hoje minha irritação está a mil e querendo agarrar alguém pelo pescoço. Se bem que iria apenas oferecer um café expresso para mamãe ou um chá gelado.
Francamente, quanto quer apostar que é alguém do banco, querendo vender alguma TV por assinatura, ou mesmo pedindo uma doação? Tudo bem que é domingo, mas viver em São Paulo, para os operadores de telemarketing, é apenas um pretexto para conseguir “um minutinho de sua atenção”. Dá vontade de falar, nem dois, meu caro!
— Só um minutinho, mãe.
Vou até o telefone que está perto da janela, mas ainda sou rodeada por Ernesto. Afinal, não consegui trocar a água da tigelinha dele.
— Mãe! Faz o favor de trocar a água do Ernesto?
Quando atendo o telefone, ela coloca a cabeça para fora da copa, como estivesse aprontando, e pergunta:
— O que você disse?
— Alô? Só um minuto! – coloco a mão no bocal do telefone e digo quase sussurrando: - Troque a água do Ernesto para mim, por favor?
O gato me encara com olhar de “deixa-a ir embora que nós iremos conversar”. E volto ao telefone:
— Alô?
— Giovanna?
Não, não, não! Isso não é possível, não está acontecendo. O maldito do outro lado do telefone é o Júlio!
— Gi? Está aí?
— Como você conseguiu o número da minha casa? – indago quase atropelando as palavras.
— Bem, foi no jornal, né? Mas não entendo porque você está tão brava se tenho o número do seu celular, não?
— E por que você não ligou no celular?
Conversa mais sem pé nem cabeça essa. Sério, o que ele quer? Enquanto isso, ouço uns barulhos estranhos vindos da cozinha. O Ernesto está quieto. E sinceramente, não sei se isso é bom ou mau sinal.
— Bem – ele fala sem-jeito – Porque ligo, ligo e nada de você atender. Será que acabou a bateria?
E quem esse maldito é para vim falar da minha bateria do meu celular?
— Só um minuto.
Largo o telefone irritadíssima e vou atrás da minha mochila que está próxima ao banheiro. Também na correria a deixei ali e nem ao menos a recolhi. E não sei como minha mãe não reclamou. Ela pensa que ainda manda em mim. Orra, sou que pago as minhas contas, dá licença?
Abro a mochila e lá está ele. Morto e descarregado. É, realmente, a bateria do celular tinha terminado. Vou até o quarto e deixou num canto a mochila e procuro pelo recarregador. Quando vou colocá-lo na tomada, mais barulhos na copa.
— Mãe? Tudo bem aí?
Ela aparece mais uma vez na porta da cozinha e avisa:
— Tudo, meu amor! Nem se incomo... Mas, Giovanna Strambolli! Vai deixar que a pessoa no telefone fique esperando? – me repreende, alisando a saia.
Há algo muito estranho nisso. Espero que ela não esteja passando a mão em alguma coisa minha. Se sentir falta, quando terminar a ligação com aquele energúmeno, ela vai ver só! Hoje sou capaz de ir à delegacia para dar parte nela! Te juro!
Volto para sala, sento-me no sofá. E volto a pegar o telefone. Confesso que a primeira coisa que tenho vontade de fazer é desligar esse maldito telefone. Mas...
— Fala! O que você quer?
Por um momento fica um leve silêncio do outro lado. Agora não sei se ele tinha desligado ou ficou surpreso com a minha entonação. Tanto faz, que se ferre!
— Queria conversar com você o que aconteceu no campo...
— Conversar? Não tem o que conversar! – digo com a voz mais alta acima da média. – Até porque foi erro do jornal, certo?
— Mas o jeito que você tratou a Melissa... Você e o...
— Vai ao inferno, Júlio! – agora foi! Pronto, falei! – Ela não tinha que se meter onde não era chamada. Bastasse conversar numa boa com a gente! Aliás, iria falar para nós ligarmos para o jornal a fim...
— Você a maltratou e isso não é....
— Não é o quê? Porque, né? Você ficou bem omisso na situação, senhor Sardinha, patê de peixe e o catso!
— Oh! Oh, oh! Oh, mocinha! Eu apenas…
— Apenas o quê?
Agora nossa discussão esquentou. Caramba, será que ele não viu que o peguei secando a bunda da Melissa, enquanto o pau comia solto?
— Olha, Gi! Não estou aqui para brigar com você! Também não curto a Melissa! Mas não precisava ser tão radical! Você é meiga ao seu modo...
— Júlio, aonde você quer chegar?
Silêncio de alguns minutos... E aí o ouço respirar profundamente e retorna a falar:
— Gi, você está de cabeça quente. Faz o seguinte, tome um banho, relaxe...
Nessa hora, me deu uma vontade de completar: “E aí vou até seu apartamento para dar um escalpe como a Beatrix Kiddo faz com a O-Ren Ishii em Kill Bill”.
Outros ruídos vindos da minha cozinha chamam minha atenção, agora acompanhados com miados do Ernesto. O que minha querida mãe está aprontando? Nem escuto o que o Júlio está falando, afinal quero despachá-lo logo para ir ver o que está acontecendo.
— Tá! Tá! Bom descanso! – e nem o deixo terminar. Desligo o telefone.
Corro até a cozinha e pego a minha mãe em cima de uma das cadeiras “surrupiando” duas taças de cristal. Enquanto isso, o Ernesto está sentadinho na pia, se matando de comer uma lata de atum sólido, que aliás, iria usá-lo para fazer a minha pizza de frigideira, mais à noite. Agora entendi os miados! Eram para agradecer a ladra da minha mãe.
— Não é nada disso do que você está pensando! – ela retruca.
************
Desligo o telefone, e aposto e ganho que ela não escutou nada do que disse. Pô, a Gi não é assim! Ela tem a cabeça no lugar, mas ficou inflamada quando viu a Melissa. Concordo que a Melissa é a maior larápia em termos jornalísticos. Mas não precisava agir com a menina.
Mozart me abana o rabo, dá uma volta em torno de si mesmo. E senta-se com olhar tristonho para mim.
— É, amigão! As mulheres são verdadeiras incógnitas!
Ele boceja e volta me olhar. Largo o telefone no recarregador. E vou até a cozinha para apanhar uma cerveja. Sério, hoje preciso! Acompanhar a Melissa é um saco! Parece que ela está mais num evento social do que na cobertura das eleições. Bem que podia ser o Jura, o motorista, mas foi o Cristovão, que é mais calado do que uma múmia paralítica.
Coço a cabeça enquanto dou o primeiro gole da bebida que está gelada e acalma minha mente que está fervendo. Pô, e o Felipe adora colocar lenha na fogueira. E se conheço a Melissa, amanhã vai ter fofoca correndo na redação. É, essa menina é um inferno. O que tem de gostosa, tem uma língua ferina e afiada como espada. Para se ter uma ideia, a Carla, a repórter mais antiga da redação, a acolheu assim que entrou no jornal como estagiária. Ensinou todos os macetes, e quando a Melissa tinha pegado as manhas, comeu as beiradas para derrubar a Carla.
É, ela é traíra. E quem se envolve com ela, pode ter certeza, é rua, é judiciário ou no mínimo sai chamuscado. Bem, quer saber? Vou defender a Gi! Na moita, mas vou proteger. Mas vou nem estar aí para o Felipe. Porque se ele fosse sensato, poderia ter me chamado do lado e resolvido com o povo lá do jornal. Mas, fazer o quê?
Olha, fiquei tão irritado com a situação que vou tomar um banho, me jogar na cama e começar a explorar a guitarra que comprei lá na Rua Teodoro Sampaio. E que se lixe os vizinhos, hoje preciso desencanar e relaxar!
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Vamos ao glossário:
*maledeta – maldita em italiano.
*creme antiage- creme anti-idade. XD
* Elizabeth Montgomery – atriz que protagonizou o seriado A Feiticeira.
* Becky Bloom – personagem principal do livro Delírios de Consumo de Becky Bloom de Sophie Kinsella – ela é uma consumidora compulsiva.
*cleptomaníaca – rouba as coisas dos outros por prazer, ou por pura compulsão.
* catso – órgão sexual masculino em italiano.
* “(...)Beatrix Kiddo faz com a O-Ren Ishii em Kill Bill” – cena do filme Kill Bill, dirigido por Quentin Tarantino, onde a principal Beatrix Kiddo (interpretada por Uma Thruman) dá um escalpe em O-Ren Ishii (interpretada por Lucy Liu), ex-colega de trabalho. O-Ren participou de emboscada para matar Beatrix a mando do chefe de todos eles: Bill (interpretado por David Carradine).
Obrigada, mas muito obrigada pelos comentários divertidíssimos que vocês têm me mandado! Estou me divertindo horrores para escrever e espero que você sintam esse mesmo prazer ao ler. Nos vemos no domingo com novo capítulo^^
Beijinhos para vocês :*