Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho
Notas iniciais do capítulo
E chegamos ao capítulo 24 com o POV bem bacana... Quem será (solta o começo da 5ª Sinfonia de Beethoven, produção!). XD
O calor à noite, continua tão insuportável como o de dia. O ar-condicionado no talo, e ainda assim, não resolve muito. Acontece que Brasília é um lugar muito quente e extremamente seco. O nariz coça e arde ao mesmo tempo. Já bebi centenas de garrafinhas de água. O pior é que o hotel cobra por cada uma R$ 4,00. Vou ficar endividado por água. Já basta estar assim em São Paulo, seca eterna e tirar do bolso R$ 4,00 por cada garrafinha de água, no mínimo, um absurdo! Isso me lembra àquele filme, o Mad Max.
Me viro na cama procurando a melhor posição para dormir. Tento não fazer barulho, porque posso acordar o Júlio e...
Espera aí! Ele está com o corpo estendido, de barriga para cima e as mãos cruzadas. Meu Deus! Os olhos fixos para o teto! Será que ele morreu? Acendo o abajur e o chamo:
— Júlio?
Ele se vira para mim com olhar assustado, como tivesse saído de um pesadelo.
— Você está bem?
O fotógrafo afirma com a cabeça ao mesmo tempo em que dá um longo suspiro. Sento-me na cama irritado.
— Me desculpa, Júlio, mas na boa? Já saiu de moda dar uma de Álvares de Azevedo!
Pela primeira vez, ele abre a boca para dizer:
— E o que você quer que faça, Murilo? Acabou, entendeu? Acabou!
Ele levanta-se da cama e vai para o banheiro. Vou atrás. O hipster para na porta do banheiro e diz:
— Não preciso que chacoalhem para mim!
Não sei o que me dá, mas o pego pela camisa do pijama e o jogo contra a parede.
— Escuta aqui, energúmeno! A Giovanna deve estar sofrendo ou enlouquecendo tanto quanto você.
— Ah, é? Ela não me atendeu o dia inteiro! – responde em alto e bom som!
Nesse momento percebo que o Júlio tem os olhos marejados. Ele realmente gosta da garota!
O solto e digo:
— Vai ao banheiro que na volta vamos dar um jeito.
— O quê? Não preciso de sua...
— Cala a boca que você já tá me irritando! Vai que na volta, vamos dar um jeito!
— Porra, são duas horas da manhã!
— Sei que são duas horas da manhã, estúpido! Vai lá que tenho um plano!
Cara, como alguém pode ser tão irritante?
— Oh, santo padroeiro dos namoros perdidos, qual é o seu...
Não o deixo terminar a frase e o empurro para dentro do banheiro, fechando a porta.
— Vai mijar, seu puta chato!
Logo depois, escuto que ele tranca a porta. Vou em direção à minha mala para procurar o celular, cujo número é da equipe de rua. Sei que tenho mordomias, principalmente pelo fato do Edgar ser meu tio, e que sou um agente de informações para o jornal. Essas regalias são sempre bem-vindas, mas está na hora de ajudar esses dois porque é algo que tem me zangado de modo profundo. Quando era mais novo, deixei escapar uma garota sensacional pelo meu orgulho. Não que ela não fosse petulante. Foi também. Tanto a teimosia como a criancice nos separou. E agora, vejo que o Júlio e a Giovanna estão fazendo o mesmo jogo.
No instante que acho o celular, a porta do banheiro se abre.
— Lavou o rosto? – pergunto.
— Sim, mamãe! – responde o fotógrafo.
— E não é mamãe! É papai! Aliás, observe o papaizinho aqui!
Ele senta-se na beirada da cama, enquanto me olha com ar de zombeteiro e cruza os braços. Ao ver que estou com um celular na mão:
— Oh, o senhor irá ligar para a Giovanna? – com um leve rastejar no erre. - Quanta gentileza! Mas ela não vai atender até porque...
— Ah, vai! Oh, se vai!
Saco um chip que é reserva e troco pelo que está dentro do celular.
— Perai, que troço é esse?
— Um chip!
— Tá, mas... Como você vai encontrar o contato da Giovanna aí? Sem contar que ela não vai atender porque o número é desconhecido! E tem mais! São duas...
— Fique quieto e observe. – ordeno.
Acontece que esse chip é o segundo número do Edgar cadastrado para o pessoal da redação e reportagem. É o efeito furacão, quando se recebe uma ligação desse número, lá vem bomba! O tio me emprestou para... Bem, acredito que é melhor não contar. Afinal, ele me pediu sigilo.
Assim que encontro o contato da Giovanna, aciono a opção ligar. Uma, duas, três chamadas... Ela atende com a voz pastosa de sono.
— Alô?
Empurro o telefone para o Júlio. Ele fica perplexo, enquanto me encara descrente.
— Chefe? – escuto a voz da jornalista do outro lado. E aproveito para colocar no viva-voz. E não é por xeretice ou curiosidade. Vou intermediar esse dois palermas.
— Não é o chefe, sou eu. – ele fala com a voz incerta e até medrosa.
— Como você conseguiu esse número!? – grita a garota do outro lado.
— Gi, se acalme! Antes de desligar ouça o Júlio tem a dizer! – falo com firmeza.
— Perai! O Murilo está aí com você? – indaga.
— Estou! – falo alto.
Nisso o Júlio me olha com os olhos fuzilando. Daí dispara:
— Posso falar com a minha garota?
— Quem é a sua garota!? Tem alguma chapinha ou medalha pendurada no meu pescoço dizendo: “propriedade de Júlio Sardinha”? Ou melhor... “ de Júlio Schiavon?”.
Só vejo o fotógrafo prender a respiração. Ele é um Schiavon? Olha só, o sacana tem mais dinheiro do que eu e ainda se faz de pobrinho!
— Gi, me ouça!
— Ouço, nada! Vou dormir! E boa-noi...
Arranco o celular das mãos do Júlio e falo com ela:
— Giovanna Strambolli, pare de ser uma garota mimada e egocêntrica, pois você não é assim! Escute o que esse estúpido, que ficou chorando por você, tem a dizer! E se um de vocês desligar o telefone... JURO QUE MATO VOCÊS DOIS!
O telefone do quarto toca. Ops, acho que estamos fazendo barulho demais.
— Que telefone é esse? – pergunta a Gi do outro lado da linha.
— Perai! – ordeno.
Largo o celular nas mãos do Júlio e corro para atender o telefone do nosso quarto.
— Boa-noite, senhor! Ou melhor... bom-dia! Aqui é da recepção e recebemos uma reclamação que está ocorrendo um tumulto. Gostaríamos de avisar ...
— Tá, tá, tá! São assuntos de Estado!
— Estado, senhor? – pergunta incrédulo o recepcionista.
— Sim! Mas procuraremos fazer menos barulho! Sabe como que é... Mesmo governo, novas mudanças.
Vejo o Júlio levantar os ombros e fazer um careta como quem dissesse: “Do que você está falando?”.
— Júlio? Júlio! Vou desligar! – ouço a Gi dizendo do outro lado do telefone.
— Vai nada! – berro, enquanto tampo o bocal do telefone do quarto. Volto-me para o rapaz do outro lado da linha e digo:
— Desculpe o incômodo! Iremos procurar não fazer tanto barulho.
— Por favor, senhor! Senão os senhores levarão uma multa de...
— Multa? – indago. – Oh, pois não! Vamos tomar mais cuidado! Prometo! Você tem a minha palavra. – digo. Nessa hora me sinto um daqueles deputados que tomou posse hoje.
— Hum. Hum. É o que esperamos! – foram as últimas palavras do recepcionista antes desligar.
Suspiro, mas agora o meu foco são esses dois. Oh, céus! Dizem que do jeito que você começa o ano, terminará da mesma maneira. Será que até o final de 2015 vou ficar apagando o incêndio? Em vez de gritarem: “Chamem os bombeiros!”, será: “Chamem o Murilo!”. É o fim da picada!
— Vamos lá! – digo enquanto sento-me perto do Júlio.
— Não acredito que está na viva-voz! – diz a Gi do outro lado da linha. – E como conseguiram a segunda linha do chefe? – indaga.
Agora o Júlio me olha com ar interrogativo e desconfiado. Qual é? Só quero ajudar, cacete!
— Gi, agora não é hora de frescurice. – digo. – Vamos fazer o seguinte? Amanhã pela manhã, o Júlio chega em São Paulo. Vocês marcam em algum lugar para conver...
— Eu não quero conversar! – gritam os dois juntos.
Suspiro profundamente, cansado de tudo aquilo. Que saco! Deveria cobrar pela terapia do casal.
— Não, não... Vocês não precisam conversar, mesmo! Vocês precisam é trepar!!! – falo em alto e bom som.
O Júlio me olha estupefato e a Gi fica em silêncio.
— Ótimo! Quem cala consente! Vamos lá! Vocês marcam para conversar e depois trepam! Assim, resolve essa maldita tensão sexual. Chatice! Bem, que horas e lugar? Querem que escolha ou vocês escolhem?
O fotógrafo hipster continua me olhando não acreditando no que digo, mas aí...
— Tudo bem! – a Gi diz incerta. – Você está correto, Murilo. Precisamos conversar...
E aí o Júlio se volta ao celular e indaga:
— Onde e que horas? – com a voz em tom normal, mesmo que um fio de insegurança.
— Jú, acho que pode ser aquela casa de doce que nós gostamos, né?
— Na Melo Alves? Aquela de doces alemães?
— Isso! Mas vou querer um chá gelado.
— Eu também. – ele diz.
Me jogo para trás com os braços abertos e só posso dizer:
— Aleluia, senhor! É para glorificar a igreja de pé!
*****
Desligo o telefone e respiro aliviada. Amanhã vou encontrar o Júlio. Ou melhor, daqui algumas horas vou vê-lo. Ajeito os travesseiros e deito. E sinto o Ernesto se enroscando entre as minhas pernas.
— Você não tem calor, não? Ernesto, se quiser deitar, fique aqui do lado.
O gato estica a cabeça e me olha com desdém. Levanta, se espreguiça e pula da cama.
— Isso vá para sua caminha!
Ele volta e me encara.
“Sua grossa! Você fica aí choramingando e eu aqui tentando te fazer esquecer aquele babaca. E o que você faz? Me toca da cama! Fique aí!”.
Me dá as costas e vai embora.
Bufo, porque não é possível um bicho querer mandar em mim. Adoro o Ernesto, mas tem vezes que ele me dá nos nervos. Não tem aquela piada: “Pra quê marido se tenho um cachorro que late, um gato que chega tarde em casa e um periquito que canta de galo”? Pois é, com a diferença que não tenho nem o cachorro, nem o periquito e é raro o Ernesto sair de casa. Mas, o maledeto pensa que manda em mim. Francamente!
Deito resignada e suspiro com raiva. Ajeito de novo os travesseiros, e tento dormir. Mas basta fechar os olhos que a minha mente perversa começa a me questionar.
“Vai ter DR, Giovanna!”, “Ele dirá que passaram mulheres mais interessantes do que você na vida dele”. Viro do lado tentando afastar os pensamentos. “Ele vai falar: ‘É melhor pararmos por aqui! Não temos nada em comum!’”. Viro do outro, mexendo a cabeça tentando afastar esses malditos pensamentos. Ajeito mais uma vez os travesseiros. Além do calor, ainda tenho que aguentar a minha mente trazendo à tona todo tipo de medo?
“Ele dirá que você é a garota mais sem-graça que passou na vida dele!”. “O Júlio foi legal por educação... Afinal, ele estava perto do Murilo”.
— Quieta! – grito para minha própria mente.
E o Ernesto volta ao quarto e para bem na porta.
“Não acredito! Está doida, é? Quer que os vizinhos venham reclamar? Francamente! Precisa ser mais silenciosa, humana. Ou vão chama-la de maluca. Se bem que você já é...”.
E irritada, jogo um travesseiro contra o gato, que sai correndo.
— Quieto você também!
****
A hora fatal está chegando. Estou aqui fazendo os últimos retoques na maquiagem. E como estou suando, meu Deus! Agora não sei se é por causa do calor infernal na cidade ou porque estou nervosa. No fim, deve ser pelas duas coisas. Trago o ventilador para o banheiro e o Ernesto quando vê, se senta na pia, quase derrubando as minhas maquiagens.
“Hum, se maquiando, humana?”, mio. “Aposto e ganho que é para o barbudinho. Não aprende mesmo...”.
— Ernesto, não é bom você ficar na frente do ventilador. Você pode ficar doente.
“Você que irá me deixar doente, humana! Maquia-se, mas não se esqueça de me abastecer de água e comida”.
O bicho me olha com curiosidade, mia, e pula da pia, indo em direção da porta para sair. Tenta sair com jeito para não se enroscar no fio do ventilador. Para na porta e me encara.
“Boa sorte, humana! Até que você está bem bonita”.
Tudo pronto, água, comida, até atum para o Ernesto, caixinha de areia, janelas fechadas. E tudo mais. Só deixei uma frestinha na área de serviço porque está muito quente.
Os saltos da minha sandália fazem barulho no assoalho. Isso me irrita. Devo trocá-los? Mas não irá dar tempo. Me resigno, apanho o meu celular e procuro o aplicativo para chamar o táxi. Aciono o serviço, enquanto fecho a porta. O Ernesto mia e aí falo:
— Tchau, meu querido! E deseje boa sorte para mamãe!
“Já te disse, cricri! Vá atrás do barbudinho! Vá! Assim você chora menos! Hunf!”.
*****
O táxi para na porta da doçaria às 17 horas, na rua Doutor Melo Alves. Me dá um frio na barriga, olhando para a entrada do estabelecimento.
— São R$ 36 e 90 centavos. – diz o taxista e completa: - Mas preciso calcular o novo valor pela tabela.
— Tô! – passo uma nota de R$ 50. – e fique com o troco.
— Mas, moça...
Nem o deixo terminar de falar, pulo para fora do carro e fecho a porta. Fico, por um tempo, paralisada na frente à doçaria e o vejo... De longe, sentado em uma mesa com olhar perdido em uma revista. Meu coração vai para boca. Agora é hora da verdade, ou a gente fica junto ou.... Respiro mais fundo do que a ansiedade me permite.
— Ei, moça! O troco! – berra o taxista.
— Já disse que não precisa! – viro para o motorista com olhar fuzilando. Saco! Não disse que ele poderia ficar com troco? E vou pensar em TROCO EM UMA HORA DESSAS?
Volto-me à frente e encontro o olhar do fotógrafo fixo em mim. Do ângulo que estou, dá para ver direitinho como ele reage assim que me vê. Maldito taxista, precisava berrar tão alto? Tomo coragem, coloco o pé no primeiro degrau. Ele endireita as costas como fosse se levantar.
Ficamos por um tempo nos olhando, o clima é de expectativa. Subo o segundo e terceiro degraus e adentro o lugar. E aí... Ele me desarma com um sorriso. Será que vai dar tudo certo?
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E aí? Não é pura fofura esses dois? E eu não havia dito que o Murilo iria surpreender? Pois aí está ele! Para começar, vamos agradecer à Aninha Gamer que deixou reviews muito fofis, a Ys Wanderer, sempre marcando presença e a Lups que está acompanhando a história! Muito obrigada, suas lindas!
Bora para o glossário?
Glossário – Chamem os Bombeiros
Um Estranho Casal – filme norte-americano de 1968, com a famosa dupla Jack Lemmon e Walther Matthau, baseado em uma peça do maravilhoso Neil Simon. O filme conta a história de dois homens divorciados com personalidades diferentes de forma gritante, que deverão conviver debaixo do mesmo teto.
Mad Max – Filme australiano estrelado por Mel Gibson e dirigido por George Miller. O filme de 1980 apresenta uma Austrália pós-apocalíptica que não oferece nem o mínimo para sobreviver, inclusive a água. No meio do caos, surgem brigas entre gangues de motoqueiros. Mel Gibson é Max Rockatansky, guarda rodoviário, personagem principal da história.
Álvares de Azevedo – escritor e poeta que viveu entre 1831 a 1852, falecendo aos 21 anos. Ele é o ícone do movimento Ultrarromântico, dentro do Romantismo. Uma de suas obras mais famosas é Noite na Taverna, que foi publicada após sua morte, em 1855.
“— Na Melo Alves? Aquela de doces alemães?” – Essa doçaria realmente existe e oferece de bolos e doces alemães. Seu nome? Leckhaus.
DR – Uma sigla usada para “Discutir a Relação”. Algo que os homens (e algumas mulheres) abominam.
E no sábado que vem... acompanharemos a conversa entre a Gi e o Jú. E agora? Ou vai ou racha? Beijos e até lá!