Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho


Capítulo 23
Boa posse, Vossa Excelência!


Notas iniciais do capítulo

Antes de iniciar a história, gostaria de agradecer à Naiara Cristina. Ela que me orientou sobre diversos aspectos sobre Brasília, já que vamos tomar rumo à Capital do país! Vamos acompanhar a posse da Dilma. Mas, nada daquela coisa maçante que os jornais, revistas, rádio, TV e internet. São os bastidores. E se tem a turma da Gi, com certeza, vai ter confusão! Bora para história?



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Disco o número dela e só chama. Tento de novo e é a mesma ladainha.

— Não atende! – digo irritado.

— Lá da redação, Júlio? Mas a Juliana disse que só vamos entrar todos no ar às 13 ho...

— Não é isso! – respondo irritado para aquele galã metido a jornalista. Ele não é má pessoa, mas o Murilo é intrometido, ponto.

— É que ele tá nervosinho porque não fala com a diva Gi. Não é barbudinho? – diz aquele fotógrafo afetado, o Felipe. Ah qual é? Poderiam trazer qualquer outro. Por mim poderia ser o Décio. O cara é bom no que faz e entende realmente o trabalho. Mas não, trazem a equipe mais farofeira. Mas diante da declaração infame, ignoro-o solenemente.

São seis e meia da manhã do dia 1º de janeiro de 2015. Estou no aeroporto de Congonhas com a trupe do jornal para cobrir a posse da presidente Dilma. Poderia ficar puto da vida, mas são os ossos do ofício. Mas com que realmente fico puto é não conseguir falar com a Gi. E estamos naquela fase que não sabemos muito bem, o que somos, apenas o que sentimos um pelo outro.

Não passamos o Natal juntos, isso porque fui para a minha cidade depois de conseguir alguns dias de folga. Afinal, faz um bom tempo que não via a minha família. A minha vida é muito corrida e sinto saudades de casa. Apesar de ser um homem feito, faz falta a voz carinhosa de minha mãe, ou mesmo as brincadeiras absurdas de minhas irmãs. As duas cursam faculdade em Campinas. E esperava sinceramente que fossem para São Paulo. Sei que sou chato e com certo apreço em conservar o meu território. E para falar a verdade, não sei se as aceitaria em casa. Eu e Mozart já convivemos muito bem, obrigado.

Tento mais uma vez ligar para minha... o que ela é mesmo? Mas não consigo. Acho que ela está brava comigo. Não nos falamos desde uma semana antes do Natal. Estava tudo indo muito bem... Até... Poxa, ela precisa entender, né? Família, sabe como é! O sinal sonoro nos avisa que nosso avião rumo a Brasília vai decolar.

O voo não levará mais que uma hora e meia, portanto, o jeito é se contentar em tentar quando chegar lá. No avião, nos servem algumas barrinhas de cereais e olha lá. O combinado é que vamos tomar café no hotel que iremos nos hospedar. E amanhã voltamos a São Paulo.

O Murilo começa a se achar o nosso editor e nos instrui:

— Muito bem, despachamos as malas, tomamos café, seguimos a sucursal de Brasília e...

— Negativo! Vamos direto para Catedral Metropolitana e acampamos por lá! Parece até que você nunca veio para a Capital! A cidade tem um trânsito horrível! – dou a minha patada básica.

— Ai, que exagero! Mas a Dilma só irá sair às 14 e 40 de lá, não é? – interfere o Felipe.

— Que exagero nada! Felipe, você por acaso ainda é estagiário? – indago de modo ferino.

— Ah, chato! Vai ter o show da Maria Vai Casoutras e queria tanto ir!

— Felipe, antes que esqueça, vá à merda! Estamos para cobrir a posse da Dilma, não como telespectadores!

— Grosso!

Minha vontade foi responder: — Quer comprovar se é grosso? Mas deixo quieto. Admito que o meu humor não seja dos melhores hoje.

— Passou o Natal na casa dos seus pais, Júlio? – indaga o Murilo para descontrair o clima.

— Passei! Há quase um ano não via meus pais e...

— E nem para passar o Natal com a Gi! Espero sinceramente que ela tenha fervido divinamente em algum clube por aí! – reclama o Felipe.

Encaro o fotógrafo e antes que eu abra a boca, nos é anunciado que o avião irá pousar.

Chegamos ao hotel que fica às margens do Lago Paranoá e foi projetado pelo Oscar Niemeyer. Não que seja fã desse arquiteto, acredito até que ele criou alguns bons “elefantes brancos”, como o Memorial da América Latina, mas o hotel até que nos acolhe. É amplo, com muitos recursos e serviços. Algo que não estamos acostumados nas reportagens. Para mim, tem dedo do Murilo na jogada, mas ainda não entendi o que seria.

Daqui teremos que sair bem antes do previsto, até porque estamos a seis quilômetros e meio da Catedral e do Congresso Nacional.

Descubro que vou ficar no mesmo quarto do Murilo. Que inferno! Logo com ele! Mas paciência, estou aqui a trabalho e... Por que a Gi não me responde? Mando uma mensagem pelo whatsApp para ela. Minutos depois, nada.

Enquanto coloco as minhas roupas nos cabides para guarda-las no armário, o Murilo está sentado na cama e descalça os sapatos (sim, ele é um coxinha! Por que não poderia ter vindo de tênis? Vamos correr para lá e para cá, oras!). Olha bem para minha cara e declara:

— Não é para ficar apreensivo, seu idiota!

Viro e o encaro. Não gosto nada do jeito que ele fala comigo.

— Do que está falando?

— Da Gi...

Ele simplesmente continua tirando a gravata e arregaça as mangas até a altura dos cotovelos, como se estivesse num casual friday daqueles escritórios metidos.

— Não entendi sua observação.

O jornalista me encara, espreita os olhos e declara:

— Ela é louca por você, Júlio. Só um idiota não repararia isso! E te digo mais, se você está assim, é porque realmente está apaixonado por ela. Acho mais que vocês deveriam assumir de vez esse namoro.

— Como você sabe que estamos juntos?

Ele vira de novo e com aquele olhar de peixe morto me fala:

— É evidente! De uns tempos para cá, vocês somem! Tá na cara que procuram algum lugarzinho para dar uns amassos. Acertei?

Paro o cabide com a minha calça no ar. Ele nos seguiu? Por um momento fico sem palavras. Ele se volta e diz:

— Ela foi cobrir a posse do Geraldo Alckmin não sabia? E foi com Décio.

Afrouxo o meu braço com cabide e coloco-o dentro do armário.

— Mas ela não me disse.

— Júlio, por que você está tão inseguro?

Assim que ele acaba de fazer a pergunta, ouço três batidinhas na porta e a voz do Felipe:

— Hein, seus garanhões, tem tempo para vocês fazerem festinhas particulares até amanhã! Vamos comer! Uhuuuu!

Descemos até a sala de refeições para o café da manhã. Até que não é nada mal, mesmo com o serviço meio perdido. Também, Brasília fica agitada quando tem posse de presidente. Há turistas, mas a maciça maioria são os jornalistas que vieram acompanhar o evento, sem contar as autoridades de todos os cantos do mundo.

A equipe é a seguinte: eu, o Murilo e o Felipe acompanharemos ponta a ponta a trajetória de posse da presidente. Enquanto isso, o pessoal da sucursal vem para cobrir com vídeos e outras multimídias para o site e serviços de celular do jornal. Me escolheram como o cabeça das fotos, porque já tenho todas as manhas nesses eventos.

O evento corre mais ou menos assim: a presidente sai da Catedral Metropolitana, segue para o Congresso Nacional, onde tem a cerimônia de posse e um discurso e daí ela vai para o Palácio do Planalto. Lá irá subir a rampa escoltada pelos Dragões da Independência e será passada a faixa presidencial. O pessoal se amontoa na frente da Praça dos Três Poderes, que poderia ser bem chamada como a Praça dos Pombos. Fico imaginando o Mozart ali correndo atrás das aves... Pobres criaturas!

O meu celular toca e todo ansioso, saco rápido do bolso para atendê-lo. Penso que é a Gi, mas é da sucursal da cidade.

— Júlio? Aqui é o Everton da sucursal! Beleza? Vocês já estão saindo? Estamos por aqui cobrindo a posse dos deputados no Congresso.

Meu desapontamento é tão grande em saber que quem do outro lado da linha não é quem queria que fosse, que só posso dizer:

— Já, já, Everton! Estamos terminando de tomar café e zarpamos para lá.

— A Juliana já está indo para redação. Acho que a cobertura promete!

— Coloca no viva-voz, barbudinho! É da sucursal, não é? – me pergunta o Felipe.

Afinal, ele tem ouvido supersônico?

— É o que esperamos – digo.

Terminamos o café, trocamos de roupa, pegamos os equipamentos e vamos para a Catedral. Quem conhece, acha um lugar muito estranho. Nem mil anos, o local tem cara de religioso. Mas por dentro, é bonita, aliás, bem bonita.

Chegamos e o local está bem cheio. Turistas, gente a passeio, moradores e algumas pessoas, que provavelmente, foram contratadas pelo partido para aumentar o número de espectadores. Sem contar, os jornalistas que aos poucos começam a chegar. E são de várias línguas e idiomas.

— O gostoso do Obama não vem, né? – indaga o Felipe, com suas peculiares observações...

— Não! Vem o vice, o Joe Biden e... – explica o Murilo, mas é cortado por mais um daqueles adendos:

— Chato! O Barack tem toda aquela malemolência...

Não! Não mesmo! O fotógrafo começa a se remexer. Sério que mereço? O bom é que logo depois chega o Everton para nos saudar.

— E aí como está, Júlio?

— Beleza, Everton? Este é o Murilo, que vai acompanhar e mandar as notícias minuto a minuto pelo whatsApp, e o Felipe que irá me cobrir ...

— De beijos! E aí fofo? Como vai? – ele se aproxima do Everton e o abraça dando um beijo.

E o rádio nos chama todos ao mesmo tempo:

— E aí, cambada? Bora para o espetáculo?

Quem mais poderia chegar assim nesse estardalhaço todo?

— Juliana? – indaga Everton.

— A própria! Juliana Rizzuto a seu dispor! Bora para festa!

— Ju, a gente já está cobrindo a posse dos malditos. – informa o Everton.

— The walking dead? Nossa, esse congresso está uma espelunca! Já está terminando a cerimônia fúnebre... Ops, de posse? – indaga.

— Já! E olha que coisa mais chata! – reclama o Everton.

— Chata é apelido! É um porre! A posse da Dilma será bem mais divertida, vai por mim. Sempre em posse de presidente acontece uma gafe. Ou vai vir dela ou de algum jornalista ou convidado.

— Aí sim! Adoro babados em eventos! – fala o Felipe.

“Bem, se vê”, penso. Mas eis que a Juliana diz um nome que pode me paralisar à distância:

— Juju, querido! Sabe quem passou aqui de manhã para deixar todo o material da posse do Alckmin? Seu amor, a Giovanna!

A atenção se volta para mim, e fico sem saber o que fazer. A princípio iria ignorar a informação, mas diante das feições do Murilo, como quem dissesse: “pergunta! Pergunta mais, oras!”, não tive outra alternativa em falar:

— E como foi?

— Sem graça como ele! Não é à toa que ele tem o apelido de picolé de chuchu. – e dá uma gargalhada. – A propósito, ela perguntou de você e isso é o interessante.

E todo mundo continua com a atenção em mim. Eles não têm o que fazer? E para meu desespero a Juliana reforça:

— Ela parecia bem chateada, Ju! Não aprontou nada com ela, né? A garota não merece isso! A Gi é uma das bacanas aqui no jornal, espero que você não tenha machucado o pobre coraçãozinho porque....

— Ela está assim porque não passamos o Natal juntos, pronto!

Eu e minha boca grande! E povo continua me fitando naquela expectativa de: “conta mais!”.

— Hum... Bem, cortando o assunto, acho que já está mais que na hora dos senhores começarem a transmissão para alimentar nosso site e redes sociais, não acham?

E aí todo mundo acorda para vida e começa a tomar seus postos. Respiro resignado e agradeço, mentalmente, à Juliana.

*****

O celular me avisa que está na hora de levantar. São 6 e 20 da manhã do dia 1º de janeiro de 2015. Passei réveillon com os meus pais, mais o Márcio, a Ana e lógico, o Ernesto. Como a festa acabou tarde, acabei dormindo na casa deles. Mas já avisei que teria que trabalhar e “não teria conversa”.

Hoje, vou cobrir a posse do governado Geraldo Alckmin junto com o Décio. E como a cerimônia começa às 10 horas, pelo menos tenho que estar lá pelas 8 e 30 ou 9 horas. Ainda bem que vai o Jura conosco, ao menos, o trabalho fica mais divertido.

Levanto e vejo o Ernesto deitadinho de costas para mim, na sua cama. Parece um rei e nem está aí se a dona dele vai trabalhar. Aliás, acho que ninguém está aí para mim... Nem sei mais o que pensar sobre tantas coisas... O dia começa a raiar, mas está relativamente escuro. E até o tempo está nublado. Um bom jeito de começar o ano. Sem contar, o meu coração apertado.

Vou ao banheiro devagarinho e quando estou saindo do quarto, o celular toca. Volto, o apanho e verifico a chamada. Lá está ele... O canalha que não me assume como namorada. Coloco no mudo e ignoro. Sinceramente? Se atender amaldiçoarei o Júlio Sardinha até a sua quinta geração. E não quero, não quero ouvir a voz desse desgraçado!

Saio do quarto, irritada, e por pouco não bato a porta com força. Ops, mas não estou em casa, não é? Bem, munida com todos os meus aparatos sigo para o banheiro. Enquanto tomo banho me lembro de todas as vezes que ele me beijou. Possessa, quase derrubo o xampu entre as mãos. Raiva, raiva daquele canalha!

No tempo que estivemos juntos, acreditava que o relacionamento só iria para frente, mas empacou. Um pouco por ele, um pouco por mim, admito. No mesmo dia da briga, estava bastante insegura, sem contar aquele sonho maldito que ficou por dias na memória. Não nos falamos desde uma semana antes do Natal. Ele me ligou, naturalmente, mas não atendi. E sempre ligava tarde. Será que era para aproveitar alguma promoção de tarifa mais barata? Ou por que ele mantém outra mulher como stand-by? Gosto dele, gosto mesmo. Mas não sei o que esperar e me sinto muito insegura. Talvez seja fruto de outros relacionamentos que tive, todos fracassados.

Volto para o quarto, me troco. Verifico o celular e tem várias ligações perdidas... do maldito hipster! Vou até a cozinha e minha mãe está de robe e prepara o café.

— Com fome?

— Não muito, mãe. Só vou comer porque...

— O dia é longo e promete, filha. Vamos! – e empurra duas fatias de torrada com um potinho de geleia, ovos e suco de caju.

E quando vejo o tal suco, me dá um nó na garganta. “Sou ridícula? Sim, sou!”, penso. “Onde já se viu, querer chorar por causa de um detalhe que te lembra um tal barbudinho?”.

— Você está amuada, filha. Alguma coisa aconteceu? Aliás, desde o Natal você está assim! Está escondendo algo? Está grávida?

Nego todas as perguntas. Grávida? Aonde? Só se fosse do Espírito Santo! Também, como vou contar daquele final de tarde fatídico? Aquele que me desmoronou e estou aqui, remoendo e me irritando com cada minuto passado.

E cá estou eu, aqui, diante de um suco de caju, quase chorando de saudades daquele idiota. Mas como sou orgulhosa, não vou atendê-lo se ligar no celular! Não vou mesmo!

— Filha? – minha mãe me chama de volta à realidade. – Aquele barbudinho te magoou?

Tenho vontade de abrir o berreiro. Mas, estou maquiada e nem todos os itens, que uso, são à prova d’água. Portanto, respiro resignada e com os olhos marejando faço sim com a cabeça. De repente, numa rompante, ela me abraça. E esfrega a mão nas minhas costas, como fazia quando era pequena, caía e raspava os joelhos. Não caio mais, mas continuo pequena.

— Deixe que ele venha atrás de você! Se ele prestar, virá falar com você. Senão... – e aí me solta, pega as minhas mãos, me encara e fala: - Senão mande à merda porque tem aquele bonitão que parece o Thiago Lacerda lá na redação! E esse sim, vale a pena investir!

E de modo inesperado, dou uma risada.

Minutos depois, estou na portaria do prédio. Com a mochila de trabalho, preparada para cobrir a posse do governador reeleito. O Jura me espera do lado de fora do carro. E quando me vê, me abraça e diz:

— Feliz Ano-Novo.

Entro no carro e o Décio faz o mesmo. E aí me diz:

— E aí, pequena valente, vamos dar um pontapé na bunda daquela equipe que está em Brasília? – me desafia.

E só respondo:

— Vamos!

E seguimos rumo aos nossos trabalhos.


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Notas finais do capítulo

Ai, ai, ai, esses dois... Quer que eu te diga? Dá uma hora de gritar: beijam logo!
Bora para o glossário?
Glossário – Chamem os Bombeiros
Maria Vai Casoutras – É um grupo de percussão formado exclusivamente por mulheres. Elas realmente animaram a posse da Dilma.
casual Friday – Um tipo de costume que começou nos Estados Unidos. Às sextas-feiras, os homens que trabalham de terno e gravata recebem permissão para ir com trajes bem mais informais.
Barack Obama – presidente atual dos Estados Unidos.
The Walking Dead – série televisiva protagonizada por Andrew Linconln que interpretar Rick Grimes, um vice-xerife que retorna de um coma profundo e despertar em um mundo pós-apocalíptico dominado por zumbis. A partir daí, ele vai atrás de sua família e no meio do caminho encontra outros sobreviventes. O título da série refere-se aos sobreviventes, ao contrário que todo mundo imagina que seja os zumbis.
E sábado que vem... Será que esses dois engrenam? Será que vai rolar gafe? OMFG, não vá me dizer que... Felipe conseguiu uma foto da Dilma de calcinha? Então, a gente se vê! Até lá e muito obrigada por acompanhar, comentar e favoritar a história! Mil beijinhos!



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