Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho


Capítulo 19
Sob a batuta do maestro


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é especialmente dedicado ao leitor que nos deu a 3ª recomendação à história: Lucão! Beijos para você, meu querido e muito, muito obrigada!



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Olho-me no espelho e penso: “nada mal... nada mal mesmo!”. Dou um belo sorriso à minha própria imagem. Pode ser idiota, mas a mim é como fosse um exercício de autoestima. Pego a minha pasta, os últimos papéis, e avanço em direção à porta.

O trânsito está caótico. Estamos às vésperas do Natal e parece que todos ficam insanos. Nunca entendi essa época, justamente por isso. O mundo irá acabar? Será que é preciso fazer tudo antes que o ano termine? Não, né? Não mesmo!

Antes de ir ao trabalho, passo em uma cafeteria famosa. Aquela que virou uma febre desde que chegou a São Paulo. Soube que há muitas fics de garotas que escrevem sobre bandas e é sempre a mesma coisa: menina sonsa vai a uma dessas cafeterias, esbarra com seu ídolo. A princípio se odeiam. No capítulo seguinte é uma casa, filhos e cachorro.

A fila é relativamente grande, mas não arredo o pé. Adolescentes tiram selfies com seu nome estampado nas canecas de papelão. Chega a minha vez:

— Capuccino grande com leite de soja e essência de amêndoas.

— Algo para comer?

— Dois pães de queijo multigrãos para viagem.

— Ótimo! Seu nome, por favor.

— Murilo!

O atendimento é até rápido. Adoço o cappuccino, volto ao carro e o coloco no porta-copos e sigo o caminho, enquanto saboreio também meus pães de queijo.

Chego ao estacionamento do jornal, e dou bom-dia para o Farofa, um dos porteiros. Assim que estaciono o carro, vejo uma Vespa chegar ligeira. Logo reconheço, é o Júlio, um de nossos fotógrafos. Desço do carro e assim que vou bater a porta, ouço:

— Bom-dia, Murilo!

A princípio fico meio atordoado. Demora para cair a ficha e perceber que é o Júlio que me cumprimenta.

— Ah, bom-dia! – digo de modo vago e não acreditando o que está acontecendo.

Desde que cheguei aqui no jornal, ele não foi com a minha cara. Mas não sou fotógrafo. E aos poucos percebi que Júlio tem ciúmes da Giovanna, uma de nossas melhores repórteres. Por mais que tentasse disfarçar, era evidente a atração que ele tem por ela. E a recíproca é verdadeira. Sempre achei que os dois combinassem. Creio que ele acredita piamente que sou uma ameaça. Acho a Giovanna uma graça, mas ela não faz meu tipo.

Ele se aproxima e indaga:

— Tudo bem com você?

Ligo o alarme e o sigo. Mesmo não acredito na cena non sense respondo:

— Sim e você?

— Ótimo! – e sorri.

Se tivesse mais amizade com Júlio, com certeza, colocaria a costa da mão na sua testa e perguntaria se está com febre. Ando em silêncio, mas ele não para de tagarelar. Algo aconteceu... Definitivamente aconteceu... Medo de morrer? Talvez! E tem ficado cada vez mais simpático desde o episódio do broncoespasmo.

Percebo que ele leva com cuidado dois embrulhos e um porta-copos com duas canecas: uma de papelão, semelhantes ao que experimentei há pouco, e outra de plástico, com líquido de cor verde. O cheiro do cappuccino me invade. Não adianta! Sou louco por café! Minha curiosidade me tortura para perguntar para quem é o segundo copo. E do nada ele me diz:

— Adoraria te oferecer, mas os dois estão comprometidos...

“Mas não perguntei nada!”, penso. Descemos juntos, e mais uma vez ele me surpreende dizendo:

— Tchau! Bom trabalho!

Só posso dizer:

— Para você também.

Começo a seguir para redação, mas nasce uma pulga atrás da orelha: “para quem é uma daquelas bebidas?”. A princípio temos aí várias possibilidades... Tem a Melissa, a Priscila. Mas parece que o Júlio deu um chega para lá na menina. Tem a Juliana, mas acho que ela tem falado muito comigo. E suspeito que ela está mais de olho em mim do que dele. Só se for...

— Isso! É pra Giovanna! – me pego falando sozinho.

— O que você disse, bonitão?

Quando me dou por mim, lá está o Felipe. Esse fotógrafo afetado que tem tanta amizade com a Gi deve saber algo... Mas e a coragem para perguntar?

— Nada! Pensando alto!

E sigo para redação. Ele faz um biquinho e dá uma jogada para trás em dos ombros.

A redação é toda feita em divisoras, algumas são parecidas com salas e até alguns vidros que isolam de certa forma a loucura das conversas e a correria da pauta. Abro a minha sala e deixo a pasta em cima da mesa. E vejo ao longe a Giovanna sentada na sala dos repórteres, pensativa. Não, ela não parece triste. Distante, é a palavra certa. E quando ela encara a pauta do dia, para perto de um dos vidros e sorri. Encosta de forma repentina o papel no peito e abre um sorriso maior.

— Algo está definitivamente estranho!

— O que foi Murilo?

Sou pego no pulo de novo. Quando vejo é a Juliana com seus óculos de aros vermelhos que combinam com a cor do seu cabelo. Ela é uma das redatoras mais precisas. Começou como repórter de rua e já atuou na parte mais espinhosa do jornal: o caderno de política. Já tentou de todas as maneiras arrancar os segredos do Paulo Maluf, entrevistou e veio nos contar horrores sobre Marta Suplicy e o tanto que ela odeia os jornalistas e por aí vai.

— Nada!

Quando volto a minha atenção à Gi... Lá está ele... O Júlio. Ele entra na sala dos repórteres, sorri e mostra o saquinho. Ela retribui o sorriso tão facilmente que espanto.

Volto à realidade com a Juliana dizendo:

— Até ontem eles estavam se pegando com faca e foice! Será que rolou?

A vejo atravessar a minha saleta e se dirigir à janela fake. Digo isso que é uma janela que desemboca do nada e não dá em lugar nenhum. Acredito que a função foi justamente para xeretar os colegas.

Ela se encosta de forma sorrateira e tenta se esconder ao máximo, atrás da palmeira, perto da minha mesa. Não sei o que me dá que faço o mesmo.

A sala está vazia, aliás, só tem os dois lá. A Giovanna foi a primeira a chegar. Sendo que os outros repórteres foram convocados para mais tarde. E aí está o evento perfeito para que o Júlio se aproxime dela. Ele chega mais perto e retira do porta-copo uma das canequinhas.

— Murilo!

— Hum

— O Júlio veio de Vespa, né?

— Veio!

— Então... como ele conseguiu trazer um porta-copos com duas canequinhas do Starbucks?

E eu todo tempo não querendo fazer marketing da cafeteria... Veja só!

— Bem, ele tem aquele baú, né?

— Isso é! – diz enquanto digita algo no celular.

— O que está fazendo?

— Mandando uma mensagem no whatsApp para o Décio! Isso ele precisa saber.

Saber o quê? Que o Júlio trouxe café para Gi? Mas eis que... Viro o rosto e o vejo mais próximo, quase grudado nela. E ele alisa os cabelos da repórter com intimidade.

— Eu disse! Rolou alguma coisa!

— O que rolou?

Quando vejo é o Décio entrando na minha sala, sorrateiro e serelepe. E logo mais, ele está ao lado da Juliana.

— Caraca! Rolou! Rolou alguma coisa! – ele exclama.

— Claro que rolou, não te disse? Você me deve uma cocadinha de fita do Mercadão.

— Mas a Gi jurou...

— A Gi jurou que eles não tinham nada! Tá bom, então! O choro é livre, Décio, quero a minha cocadinha de fita!

Pera lá! Quem em sã consciência aposta uma cocadinha de fita do Mercadão Municipal?

— Você disse cocadinha?

Não! Isso não é possível! Agora é a Lilian que entra na minha sala. A sósia da Garcia do Criminal Minds se acocora junto conosco para seguir a cena.

— Oh, Li! Rolou ou não rolou?

Ela se inclina, ajeita os óculos.

— Rolou!!!

— O que rolou?

Puta que pariu! É hoje! É HOJE! Agora quem pergunta é o Felipe.

— Bichas! Vão entregando o babado que oh...

Nessa hora o Júlio dá um beijo bem no cantinho da testa da Gi. Ela apoia uma mão no seu ombro. Eles estão quase abraçados. E parecem tranquilos, e seguros... Como ninguém visse a cena.

— Isso é babado forte! – declara o Felipe se encostando em mim. Duvido e faço o dó que não seja proposital.

— Beija logo, caralho!

— Que beijo?!

A voz é inconfundível, e tão sonora que não tem como ignora-la. E todos viram para trás e dão de cara com...

— Chefe! Como vai o senhor? – indaga o Décio tentando desviar sua atenção, enquanto um tenta não cair sobre o outro.

— Não tão bem quanto vocês que estão reunidos como o clube da patota! E a propósito, Murilo, por favor, venha à minha sala!

Ele começa a sair e dá meia-volta e completa:

— Agora!

O pessoal se tropeça um no outro para sair correndo da sala. E o chefe segue com uma carranca para o seu escritório. Volto à minha cabeça para o local que a cena acontecia. Os dois não estão mais lá.

O que me resta agora? Ir até lá, na sala do chefe.

Dirijo a passos largos, e a vida na redação volta ao normal. E uma ponta de curiosidade me assombra: para onde terão ido aqueles dois?

Bato na porta duas vezes e entro.

— Cacete, pô! Agora sua sala virou bingo?

Fecho a porta e me aproximo de uma das cadeiras e digo:

— Desculpa, tio! É que a Juliana viu uma cena...

— Primeiro, não me chame de tio aqui na redação, correto? Afinal, essas paredes têm ouvidos.

— Mas...

— Pô, Murilo! Ninguém precisa saber que somos parentes. Aliás, já te disse que você é meu braço direito aqui na empresa.

— Sei disso!

— Mas, voltando...Você disse que a Juliana flagrou uma cena. Que cena?

— Bem, acho que o Júlio e a Giovanna se entenderam!

— Puta que pariu! Até que enfim! Isso merece uma comemoração! Você quer um café?

— Bem, eu aceito, tio...

— Murilo! – ele espalma as mãos no ar com jeito de repreensão.

— Desculpe, é força do hábito.

— Bem, espere só um pouco.

Eu achando que ele iria dar um toque no ramal da Lilian para trazer dois cafés. Mas, ele me surpreende se inclinando para debaixo da mesa. Juro que penso que estou no seriado Agente 86 e o escuto remexendo algo enquanto fala comigo. E para piorar o som sai abafado:

— Oh, essa cortesia é só... – e completa a frase, já em pé, com uma máquina de café expresso sendo posta na sua mesa. – para poucos!

E não é qualquer máquina, não! É uma Nespresso.

— Bem, tio, isso que digo ...

— Murilo!

— Ops, desculpe, mas... o senhor quis se personificar como o George Clooney? – indago rindo.

Hunf ! Muito engraçado! Espero só um minuto que vou pegar a cartela de cápsulas.

E o vejo abaixando mais uma vez como fosse o Maxwell Smart em um uma missão. Mais barulhos debaixo da mesa e quase levanto para inclinar e verificar o que está ocorrendo.

Quando tomo coragem, ele me surpreende:

— Achei!

Ele abre uma maleta e me explica o sabor de cada sachê e escolho um que vem das Arábias. Ele separa uma cápsula para mim e outra para ele.

— Bem, não o chamei aqui para saber se finalmente a Giovanna e o Júlio assumiram algo. O que quero saber é... Quais são as trajetórias de marketing que nosso concorrente vai fazer para 2015.

— Sabia que o senhor viria me procurar.

— Pois é! Rapaz, descubra tudo! Se vão criar um aplicativo mais moderno, se irão lançar alguma coleção para segurar o leitor...

— Enfim, o que os desgraçados escondem! – completo.

— Exatamente! – me responde agora, sentado, e com a xícara fumegando nas mãos. – Afinal, você sabe que é meu maior espião dentro daquele jornalzinho mequetrefe e te trouxe para cá...

— Sim, tio, sei que o meu salário triplicou e tenho meus contatos para...

— Primeiro, você tem seus informantes lá dentro e deve saber se até aquele filha da puta do diretor deu um peido! E segundo: para de me chamar de tio, pô! Caraca, tu é surdo?

Saboreio o meu café e digo:

— Sensacional!

— Eu sei! Assim como eu! – me responde convencido, e completa: - Mas... não foi só para isso que o chamei na sala...

— Não?

— Definitivamente, não! Quero você, o Júlio e a Juliana aqui na redação cobrindo a posse da Dilma. E não quero não como resposta.

— Quer dizer que...

— Sim, você e o Júlio vão para lá. E a Juliana fica aqui monitorando com o pessoal e mais a sucursal de Brasília, que vai auxiliar vocês dois. Estamos combinados?

E só penso: “Agora, fodeu!”.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal. E aí, gostaram do POV do Murilo? Sei que ele tem um bom fã-clube^^ E o acho muito bacana. Se ainda você tem dúvidas, só posso te dizer: “espere pelos próximos capítulos” ... Ah, quero agradecer o novo pessoal que tem comentado aqui: beijos para a Lydia Camurati (não suma, hein, garota?), a Ys Wanderer, a Bia Valdez e a Kods. Garotas, sejam bem-vindas! E divertiam-se!
Sei que tem muita gente acompanhando aí, mas não me fala um oi... Isso me deixa triste (momento autora drama queen! Imitando o Tamaki sentada num cantinho). Então, por favor, deixei público o seu acompanhamento, que te mando um beijo! Ou... dê um alô!
Bora para o glossário?
Glossário Chamem os Bombeiros
non sense – algo sem sentido. Sem pé nem cabeça.
Fake – do inglês falso. De mentira.
Starbucks – famosa cafeteria, criada em Seattle, Estados Unidos, em 1971. Virou uma febre entre os brasileiros (hipsters e coxinhas). E ironicamente, é “palco” para fanfics clichês sobre bandas e cantores adolescentes...
Agente 86 – Famoso seriado dos anos 60, criado pelo comediante (e genial) Mel Brooks, cujo nome original é “Get Smart”. O mote é uma tremenda tiração de sarro de filmes e romances de agente secretos. Ele foi escrito bem na época da Guerra Fria, onde mocinhos e bandidos estão no mesmo saco.^^ O principal é Maxwell Smart, um agente atrapalhado e cheio de artimanhas.
Nespresso – Consagrada marca de máquinas de café expresso. O seu garoto-propaganda não é nada mais, nada menos do que o ator, diretor e ativista político (ma-ra-vi-lho-so!) George Clooney. Preciso dizer mais?
E na próxima semana... O que terá acontecido depois do beijo entre a Gi e o Jú? Hum... Então, até sábado! Beijos!



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