Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho


Capítulo 12
Lata d’água na cabeça, lá vai Maria


Notas iniciais do capítulo

Opa, dedico esse capítulo aos meus queridos fantasminhas, que às vezes, dá as caras



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O calor da manhã está de rachar até coco verde. Estou dentro do veículo, com Jura ao volante, o Murilo que segue empolgado falando de outros trabalhos que fez, e o Júlio entretido com seu maquinário como fosse uma criança que ganhou um novo autorama. Sei lá, será que isso ainda existe? Por outro lado, sinto-me zonza e sem forças. Isso acontece comigo em dias muito quentes.

Iremos a dois bairros: Vila Mariana e Sumaré. Mas com a ajuda do bom Deus isso irá terminar até a hora do almoço. Acredito eu!

— Pronto, garotada! Chegamos – anuncia o Juraez.

Vou entrevistar a dona Filomena Flores, uma senhora que, junto com o marido, criou várias engenhocas para reutilizar a água, inclusive a de chuva. Logo de cara, a residência parece com aquelas casas de campo. Tudo combina em pura harmonia, inclusive o portão alto. Do lado direito há um jardim com vários tipos de flores: bromélias, brincos-de-princesa, orquídeas. Todas tratadas com esmero e carinho. Em meio a elas, há uma cirandinha de gnomos, que lembram o mesmo estilo que a Amélie Poulin emprestou para uma amiga aeromoça e tirou fotos dele em diversas paisagens pelo mundo. Só que esses são menores, e mais delicados.

A parede é forrada de trepadeiras, que pegam uma parte do portão. O lado esquerdo apresenta uma passagem de pedras delicadas que fazem um caminho que termina em outro portão. Acredito que lá seja a garagem. Toco a campainha e todos da equipe estão tranquilos, menos o Júlio, para variar. Parece mais mal-humorado do que eu em dias de TPM.

Sou atendida por uma voz feminina e com tom de senhorinha.

— Quem é?

— Bom-dia! Dona Filomena? Sou eu, a repórter que tenho entrevista com a senhora, Giovanna Strambolli. Estou acompanhada pelo fotógrafo e mais um colega de trabalho.

— Oh, sim, querida! Estávamos à sua espera. Só um minutinho!

— Será que ela irá nos servir algo para comer? – cochicha Murilo.

Dou meio-sorriso e levanto os ombros, divertida. Enquanto isso, o hipster menstruado faz um “tsc!” com a boca.

Não se passa meio minuto, e a porta principal se abre. Dela sai um cachorrinho preto, muito simpático. Parece um poodle, mas apresenta os pelos mais enroladinhos, compridos e bagunçados. A princípio ele late, depois circula pelas grades do portão abandonando o rabo. E depois fica em pé, pedindo carinho, logo para mim. Sorrio e quando agacho para lhe fazer cafuné, ouço.

— Ele gostou de você! Isso é bom! Cachorros veem as almas das pessoas.

Quando levanto a cabeça vejo uma senhorinha muito simpática abrindo o portão da casa. Ela é bem pequena, com cabelinhos grisalhos, mas muito bem cortadinhos. Usa óculos de aros fininhos, e tem um semblante de avó. Lembra até a Dona Palmirinha.

— Tudo bem, meus queridos? – pergunta e se inclina para beijar o meu rosto. E retribuo com outro.

O Murilo estende a mão, mas de jeito divertido, ela recusa e o puxa para beijar o rosto. E dispara:

— Você acha que vou perder a oportunidade de dar um beijinho num mocinho tão bonito?

Rio divertida e quando vejo, o Júlio me encara como fosse uma estúpida ou uma idiota. O que ele tem, hein? Agora é a vez do fotógrafo, mas ela não fala nada. Só beija o rosto. Mas quando a acompanhamos para entrar, o cachorrinho fica grudado no Júlio e o cheira. Dá algumas latidas e balança o rabo e fica de pé agarrado à sua calça e pede carinho.

— Você tem cachorro, meu jovem? – pergunta a senhorinha em tom cordial.

— Sim! Um golden retriever, o Mozart.

— Mozart? – indaga, enquanto fecha a porta.

— Sim. – ele responde.

— O nome do meu cachorro também é de um compositor. – revela.

— Ah, é? Qual o nome? – indaga o fotógrafo realmente interessado.

— Ah, esse ficou surdo! Beethoven!

Desde que saímos de minha casa, ele finalmente ri. E ri de modo gostoso. Ufa! Só a dona Filomena para quebrar o gelo do rapaz.

— Sentem-se, meus queridos.

— Não iremos demorar muito. – aviso – Até porque...

— Oras, mal chega e já faz desfeita? - nos indaga um senhor sorridente.

— Ah vem cá, Domênico!

Compreendo em um instante, que é o marido dela. E ele vem nos cumprimentar. O mesmo jeito afável e generoso da esposa.

— Vou fazer algumas perguntas e...

— Que tal se formos conversando enquanto mostramos nossas engenhocas? – indaga Filomena.

— Sim, sim! – respondo.

E assim a seguimos. Quando o senhor Domênico vê o Jura dentro do carro nos esperando, fala:

— Ei, peça a ele para entrar também! Vai ficar parado lá como uma estátua? E ainda mais com esse calor?

Nisso, o Murilo concorda e vai chamar nosso motorista, que relutante, entra na residência.

A entrevista corre tranquila, e ela nos mostra todos os macetes e engenhocas possíveis e inimagináveis. Eles conseguem aproveitar água de chuva, da máquina de lavar roupas e por aí vai. Sem eles saberem acho que foi o casal mais sustentável que entrevistei. E devo confessar, fico bastante empolgada a cada revelação.

Depois de tudo, ela ainda nos oferece chá gelado e biscoitos. Porque, segunda a dona Filomena “está muito calor para oferecer café”. E está mesmo! Nos lugares ao ar livre, dá para sentir o quanto o Sol está disposto a castigar. Não é um calor calmo e com brisa. Nada disso! Parece algo como o deserto do Saara. O pó que circula é quase vermelho, assim como estradas de terra no interior de São Paulo.

O cachorrinho vem sentar-se ao meu lado e depois olha para o Júlio, abanando o rabo. Seus olhos são da cor de caramelo.

— Ele é vira! – informa seu Domênico.

— Mas ele tem todo o jeito de poodle. – digo.

— Ah, filha! O achamos na rua. Estava todo sujo e até com piche nos pelos. Foi preciso pelo menos uns 3 banhos e uma boa tosa. – completa ela.

O cachorrinho me encara com olhos doces e pidões. Não resisto e acaricio a sua cabeça. Ele dá meia-volta em si mesmo e me oferece a barriga.

Fico pensando, será que ele não sente o cheiro do Ernesto? Ou não liga? Dependendo do cachorro, alguns rosnam, não todos. Mas percebo porque alguns sentem algum resquício do cheiro do Ernesto, vai saber.

— Posso fazer uma pergunta, não querendo ser intrometida? – indaga a senhorinha.

— Pois não! – respondo.

— Bem... – ela entrelaça uma mão contra a outra, até parece que procura coragem para o que irá falar...

De alguma forma, fico nervosa. Uma pela expectativa e outra porque parece algo cabuloso.

— Bem, vamos lá! - ela dá um suspiro rápido e dispara: - Sabe o que reparei?

Não, não! A senhora não reparou nada! Finja de cega seja lá o que a senhora vai dizer porque...

— Vocês dois já pensaram em namorar? – ela me indaga encarando no fundo dos meus olhos.

Sem pensar muito, devolvo com outra pergunta:

— Namorar quem?

— O mocinho magrinho aqui!

O Jura quase se engasga com o chá gelado. O Murilo dá um sorriso de canto de boca revelador. Caraca, meu coração vai para boca. Ela está falando do Júlio?

— Não o mocinho que parece o Clark Gable!

O quê? O Murilo é cara do Thiago Lacerda! Hello! Thiago Lacerda, capicce?

Fico tão sem reação que não sei se respiro, largo o chá gelado e saio correndo em direção à rua. E só vejo de soslaio o Júlio me encarando com uma feição séria. Mas mal tenho tempo para reagir, porque ouço o fotógrafo hipster perguntando:

— Por que a senhora acha isso? Até porque parece que minha colega gosta do “Clark Gable” mesmo.

O QUÊ? Escutei isso?? Filho da mãe, minha maior vontade era jogar o copo de chá gelado até que abra seu crânio pelo meio. Maldito!

— Acho que não! – opina o seu Domênico.

Oh, Deus, alguém faça esse senhor ficar quieto!!

— E por que o senhor acha isso? – pergunta com deboche o fotógrafo.

A situação é extremamente desconfortável. Tão desconfortável quanto o calor que sentimos. Mesmo de frente ao ventilador ligado na potência máxima, sinto o suor brotar do meu corpo, talvez seja pela raiva que sinto.

— Porque você a olha de canto de olho e fica com cara de ciúmes toda vez que o mocinho que parece o Clark Gab...

— Meu nome é Murilo, senhora! – retruca o meu colega.

Não, não, não! Isso não está acontecendo, está? Poderia ter ficado em casa, dito que estava com dor de barriga. Mas pelo quê? Já sei! Comi uma travessa de yakisoba lá da Paulista! É isso! Da Paulista! Cacete, alguém me tira daqui!

— Agora estou curioso! - escuto a voz do Júlio, enquanto coloca o copo vazio de chá gelado em cima da mesa. – Diga-me mais sobre sua teoria. Mas ainda acho que minha colega tem uma queda mortal pelo...

— Murilo! Me chamo Murilo! – informa o redator que me acompanha.

O Jura não diz uma palavra.

— Oras, garoto! Quer uma pista? Quando ela quase escorregou no degrauzinho da área de serviço e foi amparada pelo bonitão ali. Bem que senti que você parou o que estava fazendo para encara-lo com ódio mortal! – provoca a senhorinha.

Pela hora da madrugada, alguém me cala a sósia da Dona Palmirinha, por favor!

— Bem, vamos indo, né, pessoal? – deixo o copo vazio em cima da mesa e levanto. Encaro a equipe como estivéssemos conversando sobre... sei lá, a vida sexual das formigas? É algo mais interessante, não acha?

Nos despedimos e logo entramos no carro. Nem sei se agradeço ou não o silêncio sepulcral que cai sobre todos dentro do veículo. Ele só é quebrado pela voz do Jura:

— E aí? Agora é Sumaré?

— É! – digo ao mesmo tempo em que ouço o Júlio dizendo:

— O que nos resta?

Ainda bem que o Murilo consegue quebrar o gelo durante o trajeto. E nem vejo o Jura fazer cara feia. O Júlio fica com a cara virada para a janela. E me sinto desconfortável por mais que me ajeite. Não sei o que pensar sobre o ocorrido. Para ser sincera, não sei o que sinto pelo fotógrafo. Às vezes, ele é distante e quase parece que vive em uma realidade paralela. Em outras, quer me proteger até quando preciso correr o risco de cumprir o meu trabalho. Sinceramente, não o entendo. Será que vou conseguir entende-lo algum dia? Nem que seja um pouquinho?

E meus pensamentos são cortados pelo Jura avisando:

— Chegamos!

Desta vez, a casa não é bem uma casa... É uma mansão. Ela é toda envolta por muros altos e paredes miraculosamente pintadas de branco. Fico pensando se os pichadores descobrissem isso seria uma festa. Seria... Isso porque, já encaramos dois caras truculentos e de ternos impecáveis tomando conta da casa. E parece que não são só eles. Pois, assim que paramos o carro e avisamos que viemos à entrevista com a dona da casa, um deles fala em uma espécie de rádio e pede confirmação enquanto esperamos. Feita a confirmação, ainda ele nos pede os documentos. E aí sim, nos libera para adentrar a mansão.

A coisa é tão gigantesca que mais parece um salão de festas para casamentos. E a opulência lembra até o Jardim Europa. Uma moça nos recepciona vestida de maid e nos direciona para a dona da casa, uma senhora de roupas esvoaçantes, muito bem-vestida. Mas de forma extravagante.

— Giovanna?

— Sim, sou eu mesma!

— Prazer, querida! – ela levanta do sofá e me dá três beijinhos no rosto de modo afetado. – Helena Grimaldi a seu dispor.

Pelas minhas pesquisas e fontes, Helena é herdeira de uma empresa de água mineral. Casada com médico renomado que vive mais fora do que no país. Dizem as bocas pequenas que ele tem uma família filial. Mas podem ser boatos. Isso não nos interessa, não é mesmo? Ou... pode ser que sim.

— Tudo bem com vocês? – indaga com olhar quase guloso para Murilo. Ele não fica nada sem-jeito e abre um sorriso radiante.

Não é por nada, não, mas o Murilo sabe que é bonito. E em muitas vezes usa isso a favor.

— Comigo está tudo ótimo. E com a senhora?

— Não poderia estar melhor... A partir de agora! – e gargalha de modo até escandaloso.

Opa, será que ela está cantando o meu colega? Senhorinha safada!

— Hum, então, o senhor que é fotógrafo da equipe? – indaga com olhar curioso.

O Júlio é curto e grosso:

— Sim!

É, meu colega é meio sem tato em certas ocasiões... Ou na maioria das vezes!

— Venham, venham! Vamos para piscina que lá podemos conversar melhor e tirar as fotos! – ela nos convida.

Para a minha surpresa, quase todas as atividades que requer água na casa, são feitas com água da piscina. Inclusive lavar a louça. Não sei se acho bárbaro ou anti-higiênico. Para ser sincera, sou mais a última opção.

Uma das empregadas tem uma bacia grande que recolhe a água da piscina e lava a louça em outro recipiente ainda maior. O engraçado da cena, é que ela está com luvas, e usa detergente caríssimo e feito para peças finas. Parece algo pernóstico, tanto quanto o jeito afetado do Ronnie Von quando apresenta o seu programa dizendo: “Ei, bonitinho! Ei, bonitinha!”.

Helena nos conta que as atividades da empresa que é responsável são todas feitas com uso de um poço artesiano. E nos revela também a pureza e a frescura da água mineral que ela fornece ao mercado.

Nisso, chega um empregado que na minha imaginação fértil, pode ser chamado de Alfredo. Como naquela propaganda de papel higiênico. Com uma bandeja de prata e sucos com uma cor amarelinha clarinha.

Ele nos serve, enquanto a mulher continua suas falas. Parece besteira, mas o suco de caju é geladinho e refresca imediatamente minha garganta.

Mas de repente, escuto alguém tossir. Me viro e o Júlio começa a tossir cada vez mais forte.

— Júlio? Você está bem?

E do nada começa a lhe faltar ar! Parece como um chiado. Quando vejo o copo de suco dele vazio em cima da mesa de vidro e ele ficando cada vez mais roxo. Juro que já vi essa cena em algum lugar... Oh, Deus! É a mesma coisa que aconteceu com meu irmão, o Márcio! Ele é alérgico a suco de maracujá e... caju! Imediatamente grito:

— Alguém chame o SAMU, rápido!!!


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Notas finais do capítulo

Olá, garotada! Tranquilinho com vocês? Bem, antes de tudo, queria mandar um beijo para nossas novas integrantes: Ph Winchester, que favoritou a fic, bem como a Manu que está acompanhando a história e Raquel Nascimento que comentou no último capítulo! E um beijão especial à minha beta fofa, May Clark! Ela lê primeiro que todo mundo!Não é para ficar com ciúmes, não, viu? É para deixar tudo redondinho para vocês!
Bora para o glossário?
Glossário de Chamem os Bombeiros
Amélie Poulin – personagem principal do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulin”. Ela é uma garçonete em uma pequena cafeteria e viva uma vida regada a sonhos. Até que um dia, ela encontra dentro do seu apartamento alugado, uma caixinha de brinquedos e parte em busca do seu dono. É um dos meus filmes preferidos.
Dona Palmirinha – famosa apresentadora de programas culinários. Ela tem todo um jeito de vovó, e sempre não consegue fazer uma concordância verbal, assim como a nominal. Mas... quem se importa?
Clark Gable – famoso ator hollywoodiano da década de 1930. Ficou muito famoso com o papel de Rhett Butler no filme “E o Vento Levou”.
“vestida de maid” – uniforme “fetiche” de criadas. Isso é uma tara profunda no Japão. Vai entender...
Pernóstico – a pessoa ser algo que não é.
Ronnie Von – cantor e apresentador. Participou do movimento Jovem Guarda, onde era apelidado como o “príncipe”(oh, só!). Hoje apresenta o programa “Todo Seu” na TV Gazeta de São Paulo.
E semana que vem... Será que o Júlio sai dessa? Ai, ai, ai! Então até lá!



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