Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho


Capítulo 11
Encrenca, encrenca e encrenca


Notas iniciais do capítulo

Bora, bora, para o 11º capítulo, antes que a água termine^^



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Estão o Jura ao volante, o Murilo no banco da frente, eu no banco de trás do lado do motorista e o Júlio do meu lado esquerdo, dentro do veículo. A conversa corre animada, principalmente pelo Murilo.

— Então foi isso! Não admito que as pessoas sejam algozes das outras. Ou mesmo, desonestas! – o novo redator encerra, com toda a sua eloquência, o porquê saiu do jornal concorrente.

— Caramba, cara! Então, foi foda! – dispara Jura. Mas quando ele percebe que sua explanação termina com um palavrão daqueles, vira e dispara:

— Ops, desculpa, cara! Não sou assim.

— Não! Ele é pior! – retruca Júlio com tremendo mau-humor.

Desde que saímos do jornal, o fotógrafo hipster entorta a boca a cada frase dita pelo colega. E eu e o Jura tentamos deixar o cara à vontade. O Murilo é muito bonito, mas como fala! Isso definitivamente me incomoda um pouco. Mas dá para levar.

Encaro o fotógrafo como fosse uma reprimenda. Ele me olha e levanta os ombros como quem dissesse “o que foi?”.

— Desculpe, Murilo! Definitivamente, o calor afeta o Júlio! – tento amenizar a situação.

— Coloque aí também a sua companhia, garota! – o hipster retruca com a voz com tom um pouco esganiçado.

E não é que vejo o Jura e o Murilo sorrindo como fossem cúmplices? Afinal, o que eles ganham com isso? O garoto mal chegou e já tá todo cheio das gracinhas com nosso motorista? Ah, qual é?

O trânsito está caótico, um calor absurdo. Parece até que toda a cidade está a ponto de enforcar alguém. E nada de chuva. Nada de água. Nada de investimentos... Mas isso é outra história...

Quando entramos Avenida Higienópolis já avistamos um flagra. Um senhor na frente de um condomínio chique lava a calçada com toda calma do mundo com um esguicho de alta pressão.

Aponto em direção a ele, e digo:

— Jura para onde der que vou lá pegar o depoimento do cara. E Júlio – viro-me para o fotógrafo que me olha com uma cara azeda, mas não me intimido e continuo: - Vem comigo que você pode...

— Ei, garota, antes que você peça para que eu traga a farinha, já venho com o bolo pronto! – quando vejo, ele está a postos com a câmera na mão, me empurra, quase se joga no meu colo e mira em cheio para o cara e...

— Ei! Você! – grita o homem e aponta o esguicho em nossa direção. Eu e o Júlio nos atrapalhamos para fechar o vidro automático do veículo. Tentando sair da confusão, o Jura recebe uma fechada, ou melhor, ele dá uma fechada no carro que passa ao nosso lado e o motorista mete a mão na buzina.

— Você viu o que fez? – indaga o barbudinho para mim, com a voz acima da média. - Quase estraga a minha máquina!

— Fiz porra nenhuma! Se você tivesse a paciência de esperar e... – grito, mas sou cortada. Meu, que irritante!

— Não fez o quê? Queria que o Jura parasse a carruagem, princesa!? Se não me arriscasse para pega a cena...

— E você me atrapalhou para fechar o vidro, idiota!

— Ei, ei, crianças! Superem! Vou dar mais uma volta e duvido que a gente pegue algo mais grave do que isso – nos diz Jura.

— Definitivamente, é mais divertido trabalhar em campo, não é? – declara Murilo.

— Não! – respondo.

— Depende com quem você sai! – arrebata o Júlio.

Só vejo o Jura respirar fundo procurando ficar calmo.

Mesmo no meio do rebuliço, arranjo forças para anotar sobre o acontecido, o endereço e horário que encontramos o senhorzinho esbanjando água. Penso em perguntar ao Júlio se conseguiu tirar alguma foto. Mas de minuto em minuto, ele bufa, então, deixo quieto.

Mais algumas voltas e descobrimos uma empresa que está lavando as janelas de outro condomínio. E esse é de doer. São dois caras paramentados em andaimes, mas com uma mangueira que extravasa água para todos os lados, de modo intermitente. O Jura consegue parar em uma ruazinha e saímos correndo do veículo, eu, o Júlio e Murilo.

— Murilo, fica do meu lado! – oriento-o.

Mesmo com fôlego atrapalhado, o Júlio dá uma patada:

— Ele não é foca, gênia!

Faço de surda, porque se parar, vamos perder mais um flagra. Mas minha vontade era parar, dar um tapa na cara dele, pegar a câmera e dizer: —Volta para o carro, criança!

Paramos em frente ao prédio e o porteiro aparece na porta da guarita e nos intimida:

— O que vocês querem?

— Moço, o síndico e o zelador sabem que se continuar esse tipo de serviço – aponto para os dois funcionários que pareciam dois moleques tomando banho e brincando com chuveirinho – e alguém denunciar, vocês podem ser multados? – indago.

Ele dá um sorrisinho de canto de boca e com escárnio nos responde:

— Oh, mocinha, você pensa que é da Sabesp, é?

— Não, senhor! Sou repórter! E estou aqui para cobrir...

Mas sou cortada porque o homem vem em minha direção, sem se intimidar. Quando ele percebe que o Murilo está do meu lado e o Júlio está tirando fotos nas posições mais esdrúxulas possíveis, ele assovia e aparecem outros dois caras.

— Caramba, vamos embora porque eles vão nos agredir – aviso os dois.

O Júlio para de tirar fotos e os encara. Ótimo, ele vai querer mesmo encrenca? Será que ele não percebe que os caras fazem dois dele? O xarope é alto, mas é magro como um pau.

— Qual é, cara? – indaga Júlio, com os braços cruzados, a câmera no pescoço de modo transversal como fosse uma bolsa e com olhos faiscando. – Que saiba os errados são vocês!

— Ah, é, mocinho? – encara o mais troncudo e com a cara do Anderson Silva, aquele lutador de UFC– E podemos chamar a polícia e falar que vocês tentaram invadir a propriedade.

— E qual seria a prova? – pergunta o fotógrafo com leve sotaque caipira. Será que ele não percebe que não dá para encarar os dois?

— Vamos embora, Júlio! Vamos embora! – aviso.

— Vão vocês! Ué? Onde fica a postura de repórter....

— Ei, pessoal!

Quando viramos, damos de cara com o Jura.

— Bora, que recebi uma multa! Puta que pariu de DSV e CET!

— O senhor está errado! E por que nos chamou de filhos da puta?

Todos viram a cabeça, incluindo aí os dois porteiros troncudos e quem fala é o agente que acabou de multar o nosso motorista.

— Definitivamente, não é nosso dia! – penso em voz alta.

E o dia corre assim. De sopapo em sopapo, conseguimos flagrantes bem assustadores da falta de conscientização da água.

Vou para redação e com a coautoria de Murilo, escrevo a reportagem, que estará inclusa na edição de amanhã. Logo mais será o fechamento, mas pelo bom pai, não vou precisar ficar.

Quando desço do elevador dou de cara com Edgar voltando com uma sacolinha, que de longe cheira à mortadela. Nunca vi homem para gostar de sanduíche com esse tipo de frio. E é sempre ele que vai buscar o lanche. Poderia ir a Lilian? Poderia! “Mas ela nunca traz do jeito que gosto, tostado com fatias de mozarela, tomate e orégano”. Sem contar que ele também descobriu que relançaram aquela bebida mais velha que minha avó: tubaína. É o acompanhamento preferido para seu lanche.

— Já vai, garota? – ele me pergunta.

— Sim, chefe! – respondo com um sorriso.

— Vi por alto e adorei sua abordagem na matéria. Foi a mais corajosa do pessoal!

Fico surpreendida com o elogio. Aliás, aí está algo que ele nem sempre faz, elogiar.

— Sério isso, chefe?

— Sim, sim! Sem contar que o Júlio reforçou que você enfrentou uma boa dúzia de pessoas falando da falta do consumo sustentável de água.

Como que é?

— O Júlio, chefe?

O elevador chega para que o Edgar subisse. Mas ele parece que não vai arredar o pé até a conversa terminar. Agora, não sei se isso é bom ou ruim. Talvez não quisesse saber o que ele tinha para falar. Talvez estivesse irritada em não querer entender o que eu sentia pelo hipster metido.

— Ele mesmo, garota! E pode reparar, vocês fazem uma dupla em tanto! E o Murilo se divertiu horrores!

Aí está uma coisa que me intriga: por que o chefe adora o Murilo que mal chegou? Uma das coisas que desconfio é que, na cabeça de Edgar, o novo redator irá passar toda a cartilha de nosso rival. Vai entender... Ou seria outra coisa? Bem, deixa para lá.

— Ah, é? – foi o que pude responder.

— É, sim! Tanto é verdade que vou convocar a trupe novamente para sábado!

Sábado? Caramba, logo sábado? Tento disfarçar a minha decepção. Então estou escalada para o sábado. Não só eu, o Jura, o Murilo e... Oh, Deus, o Júlio.

Diante do meu silêncio e da minha careta, o chefe informa de um jeito debochado de ser:

— Você está sabendo que sábado pode ser o dia mais quente do ano, não?

— Sim, ouvi falar. – respondo.

— Então, o nosso foco não será quem desperdiça água, mas quem economiza e tenho umas indicações bem legais para vocês entrevistarem.

Ah, não... Lá vem ele com aquelas entrevistas bombas! Gente que fala pouco é como tirar leite de pedra. Ou, fala mais do que uma matraca trica e não dá espaço nem para a próxima pergunta, quiçá terminar de responder a que acabei de fazer. É... Já entrevistei gente assim e todas foram indicadas pela pauta do meu querido chefe.

— Mas fique tranquila. Serão duas entrevistas e acredito que até o horário do almoço vocês estejam liberados.

Terminada a bomba, meu chefe se despede e entra no elevador com uma cara de traquina. O observo, e ele me dá um sorriso e retribuo com outro. Faço um tchau e a porta se fecha.

E solto baixinho um:

— Que saco!

Bem, o que me resta agora? Ir para casa, pedir uma pizza e abrir uma cerveja. Sem contar que preciso dar de comida para o Ernesto e trocar a água. Preciso realmente de descanso.

“Inferno! Mil vezes inferno! Como consigo sair daqui? Estou apertado de fazer xixi, já está escuro e nem sombra da humana. Ótimo, era tudo que precisava para hoje! Quem mandou ficar empolgado com essa estúpida bolinha colorida com cheiro doce e que me deixou ouriçado, dada pela humana? Sim, gatos são estúpidos de vez em quando! Agora estou preso entre a estante de livros e a parede. Como entrei aqui, até agora não sei. Só sei que meu corpo está comprimido. E essa sensação de confinamento é um horror! Estou com o focinho virado para um vão que nem sei onde vai terminar. E tudo começou quando aquela porcaria pulou mais alto e caiu nesse vão. Já entrei em tantos espaços apertados com uma facilidade e saí tranquilamente depois. Agora não sei o que aconteceu! Aaaaaah! As minhas laterais estão sendo apertadas por essa maldita estante e essa maldita parede. Mio como quem quisesse avisa-las para se afastarem! E não se afastam!

Tento levantar a pata para unhar essa maldita estante e... Não! Isso não é possível! A pata ficou presa também? Só sinto as minhas unhas raspando, mas, não consigo me mexer. E cadê essa HUMANA QUE NÃO CHEGA?! Meu estresse é tão grande que começo a me chacoalhar e aí sim, fico em uma posição pior! Consigo me mexer, mas não sair! QUE ÓDIO DISSO! Mio, mio, como louco!

Escuto a tranca da porta abrir! Obrigado Bast por me ouvir!”.

Entro em casa e nem sinal do Ernesto. Estranho bastante. Ele sempre aparece quando abro a porta. Jogo a mochila no sofá e chamo:

— Ernesto? Ernesto! A mamãe chegou! Onde você está? – pergunto para o meu gato.

Silêncio. Vou até a cozinha e verifico as tigelinhas. Elas estão quase vazias. Tanto de ração como o de água. A caixinha de areia está suja, mas vejo isso depois. Volto para a sala e o chamo de novo:

— Ernesto? Onde você está?

Vou pelo corredor e paro em frente ao banheiro. E o chamo de novo. E de novo. E de novo. Aumento mais um pouco a voz. E meu coração fica aos pulos. Será que ele pulou uma das janelas? Não, não! Elas estão teladas! Ele...Ele não iria subir até a janelinha do banheiro, né? Abro a porta e verifico se ela está aberta. Não, não está. Também fecho quase todos os ralos e janelas por causa das baratas. Tenho horror a elas. E o pior que o Ernesto as encara como parte da diversão! Aliás, por onde anda Ernesto?

— Ernesto, vamos! Pare de brincar que a mamãe está preocupada! Vamos, onde você está? – pergunto com o tom de voz mais alto, quase próximo de gritar. E aí sim, ouço o miado abafado do meu gato. Caramba! Onde ele se enfiou?

Chamo várias vezes para descobrir onde ele está. E aos pouco detecto que vem do quarto que fiz de minibiblioteca e escritório. Entro e aí sim consigo ver o rabo dele mexendo para lá e para cá. E ele mia cada vez mais irritado! Quando chego perto, percebo que, não sei como, ele está entalado entre o vão da estante de livros e a parede. Caramba, esse gato tem comido demais! Só pode. Agacho bem próximo e digo com a voz suave:

— Vou tirá-lo daí, mas promete que não vai me arranhar? – indago.

“Se vire, humana! Faça qualquer coisa, mas, ME TIRE DAQUI!”, mio alto.

Primeiro tento puxa-lo pelas patas. Quase levo um coice! Imagina levar um coice de um gato! Penso em puxa-lo pelo rabo, mas paro antes da possibilidade de assim que tirá-lo de lá, ele vai unhar minha cara. E francamente, não quero perder o olho tentando ajuda-lo. E aí sim, tenho uma ideia. Volto até a área de serviço, pego a vassoura e volto para o escritório. Se coloca-la no vão, acredito que ele será inteligente em se agarra a ela e aí sim, irei puxa-la. Pode ser que ele saia um pouco esfolado, mas nada como uma boa escovada e uns beijinhos para que o bicho se acalme.

Faço a primeira tentativa e nada! Parece que ele desdenha o utensílio. Olha, hoje está sendo um dia infernal. E aí parto para segunda, terceira e quarta. Na quinta tentativa, ele entende. Com um pouco de esforço, miados revoltados, consigo tirar o bicho.

Agacho novamente para abraça-lo, beija-lo e agrada-lo. Ele simplesmente passa entre as minhas pernas e braços que estavam prontos para abraça-lo. Anda um pouco para frente, vira-se para trás e mia.

“Obrigado, humana! Mas chega de me dar esses brinquedos estúpidos que me entalam em qualquer lugar!”, mio e vou embora.

Depois dos seus miados, não sei dizer se ele me agradece ou me desdenha. Sento no chão, suspiro, resignada. É esse dia não foi fácil, nem um pouco.


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Notas finais do capítulo

Eita, antes de começar com glossário... povo, por que esse timidez toda?? Coloque aí público seu acompanhamento pra te mandar um beijo, ué? Não tenham vergonha... Sou louquinha do bem^^
Bora para o glossário?
Glossário do Chamem os Bombeiros:
“— Ele não é foca, gênia!” – foca é jornalista novato. Recém-formado e cru!
Sabesp – A sigla significa Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. A empresa é responsável pelo abastamento de água... ¬¬
Esdrúxulas – Esquisitas, extravagantes.
“Anderson Silva, aquele lutador de UFC” – Lutador brasileiro de artes marciais e ex-campeão mundial da categoria peso-médio do UFC (a sigla significa Ultimate Fighting Championship)
DSV – Departamento do Sistema Viário
CET – Centro de Engenharia de Tráfego
Francamente? Os dois órgãos têm competências como sinalização, trabalhar para que o trânsito flua, mas... aqui em São Paulo são quase sinônimos de multas... Nem falo nada ¬¬
Bast – Deusa gata egípcia da alegria e contentamento. Se ela é uma gata, cuida de... gatinhos. Bem, semana que vem, prepare seu coração... nem conto nada :P
Beijos, boa semana e até sábado que vem!



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