Linhas Borradas escrita por Iulia


Capítulo 8
Marcas do sacrifício perfeito


Notas iniciais do capítulo

Oi, eu voltei com um capítulo grande e sombrio. E ele é basicamente isso, terrivelmente tenso e um pouco extenso. Espero que não me achem uma pessoa doente depois de lerem ele. Eu queria dar um motivo pra Clove ser como ela é.



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Clove

Eu beijei o Cato de novo. O poder daquela multidão, aquele orgulho se infiltrou em mim. À porta da sala de visitas, eu me lembro de me sentir no Paraíso. No mais pecaminoso deles. Lembro que as câmeras não podiam entrar, mas os gritos da multidão sim. Eu não me lembro da cena. Mas eu me lembro das sensações, deitada no sofá desgrenhada como um selvagem, batom borrado e tudo.

Agora que lentamente passa, sei que não vai se repetir novamente. Eu nunca vou me sentir assim de novo. Essa é a beleza trágica da coisa.

Os Pacificadores não vão abrir essa porta. Tudo que há de grandioso em minha vida nunca fica. Enobaria se vai a todo ano e vai de novo nesse. Cato vai pra sempre dessa vez. E se tudo é corrompido pela honra, não tenho motivo para querer correr.

Meu corpo sofre uma pane pelos quatro segundos que eles precisam para abrir a porta e empurrar o homem para dentro da sala.

Eu me levanto.

– Olha só isso. Vestida como a prostitutazinha que você sempre foi. Quanto ele está te pagando pra se vestir assim?

Ele cambaleia até, de repente, agarrar meu rosto com sua mão imunda. Esse cheiro, seus olhos. Os meus estão pedindo para serem fechados.

– O que você quer aqui? – rosno, tentando me livrar.

– O que você acha, amorzinho? Negócios.

Ele solta meu rosto no ar, se curvando do outro lado de uma mesa. Bate em sua superfície, continua me olhando como se tivesse tempo, gritando como faz no bar.

– Você parece muito melhor agora. Eu tenho um tanto de amigos que têm ótimas propostas pra você – ele pronuncia lentamente, me analisando. Passa a língua entre os lábios.

– Vai embora – sussurro sem mais nada da coragem que tinha uns minutos atrás.

– Não seja uma garota má, amorzinho... – cantarola. Ele se aproxima de novo e meus pés tropeçam no carpete ao recuar. Agora literalmente, eu caio. – Você sabe como nós tratamos vadiazinhas como você.

Esse homem se senta ao meu lado. Põe uma mão na minha coxa, pega meu cabelo e o leva até suas narinas.

– Eu tenho um monte de boas propostas. Se você se comportar...

– Eu já te disse que o dinheiro da vitória vai bastar.

– E eu já disse que você faz o que eu mando! Não vai querer uma tatuagem nova agora, vai? – minha face está de novo em sua mão. Agora é pior. – Eles querem você e eu estou mandando você dormir com todos eles como faz com aquele desgraçado do Ludwig.

– Eu nunca dormi com o Ludwig, eu nunca vou dormir com ninguém que você queira.

– Aposto que com o papai você iria. Você sempre foi, não é – ele me larga de novo, gargalha conhaque na minha cara e então me puxa pra trás pelo cabelo. - Eu te coloquei nessa porra de mundo, de pé no quarto imundo com a vadiazinha da sua mãe. Você é minha, amorzinho, como sempre foi desde que começou a usar vestidinhos.

Alcanço o jarro de flores e o choco contra sua cabeça.

– Eu prefiro pertencer ao demônio do que a você – falo, de pé sob seu corpo ao chão, olhando em seus olhos imundos. – E eu não quero que você tenha dúvida de que eu vou comandar a sua morte e vou deixar que cada vadiazinha jogue um copo de álcool em você. Sua bebida favorita. Então eu mesma vou atear fogo pra lhe dar a prévia do que vai ter no inferno, seu porco.

Ele ri. Caído no chão, a mancha de conhaque em seu casaco, ele ri.

– Você fica tão sexy daqui de baixo.

Corro até a porta.

– Tirem ele daqui. – Falo aos Pacificadores. – Ele tentou me matar. Nunca o vi antes.

– O que você está falando aí, amorzinho? – o homem cantarola.

– Tirem ele – ordeno de novo, com mais urgência.

– O tempo ainda não acabou – é a resposta. – Ele disse ser seu pai.

– Mas ele não é! – grito. – Tirem ele agora. Ou vão perder seu tributo feminino.

Parece ser bom o suficiente. Depois de quatro Pacificadores armados, entro novamente, nauseada com o cheiro. Ele se debate, diz que está armado, me acusa dos crimes mais impuros.

– Não deixem eles levarem o papai, amorzinho!

Me sento na beirada do sofá intocada por ele, olhando para a porta por onde ele ainda é sofregamente levado.

– Você sabe o que acontecem com vagabundas como você, não sabe? Se você não me salvar, vamos morar juntos no inferno.

Como sempre acontece, caio. Antes que me dê conta, tudo é como era e estou vomitando num canto. Grito até minhas cordas vocais doerem, sacudo minhas pernas como se pudesse me livrar do meu corpo. O tempo se arrasta para que eu reviva tudo milhares de vezes.

Quando não suporto mais, me arrasto até o espelho. Há mais multidões lá fora. E elas só vão me concertar se eu parecer inteira para elas.

Acho um banheiro e faço o melhor que posso com uma torneira. Ninguém vai saber que eu vomitei. Reagrupo meus cabelos. Ajeito meu batom.

Estou pronta na hora em que abrem a porta. O Pacificador me manda segui-lo e o faço até chegar à porta do Edifício da Justiça.

A primeira a sair é a mulher da Capital, pela porta principal. Ela precisa de dois Pacificadores de escolta. Há pessoas a querendo, também. Depois, os que estão comigo começam a me empurrar até o carro.

Há um monte de perguntas a serem respondidas, mas Enobaria me disse para nunca falar nada para eles. Só sorrio, deixo que eles encostem em mim e me gritem. Há queridas, docinhos e amorzinhos também, mas isso não soa como soa na boca dele.

Quando finalmente entro no carro, Cato já me espera do outro lado. A mulher colorida está entre nós.

– Olá, minha querida! – sua saudação se prolonga como um eco. – Eu estava falando com o Cato exatamente agora sobre você.

– Boas coisas, espero – respondo, encostando minha cabeça na janela. Por mais esse tempo não vai haver nada e eu sinto as mãos do homem de novo em mim.

São vinte minutos até a Estação principal. A mulher nunca para de falar. Eu nunca respondo direito. Numa hora, ela passa a conversar com o motorista.

– Fuhrman. Qual é o problema? – Ludwig sussurra. Me viro para ele, deitando a cabeça no banco para me ver por entre a mulher.

– Nada – respondo, me voltando para a janela. Sua mão encontra meu braço.

– Eu estou vendo a marca no seu rosto.

Não falo mais. Deito minha cabeça.

Quando chegamos, já estou cansada. Deixo que eles me guiem até o trem e sem esperar, encontro o primeiro quarto e me jogo embaixo do chuveiro, tão forte quanto uma queda d’água contra minha cabeça.

A água parece descer suja pelo ralo até quando escovo meus dentes. Há muitas bolhas e sabonetes de cheiros diferentes agora. Eu sinto as coisas se movendo enquanto cambaleio pra fora, me enrolando em uma toalha no caminho. Desabo na cama e me enrolo até todo esse branco me fazer esquecer.

Quando ouço a porta sendo aberta, não estou disposta a me levantar.

– Eu sinto muito – digo, meus olhos quase se fechando.

– Ok.

Mas não é a voz que estou esperando. Essa é a voz do Cato. Esse é o som que ele faz se sentando ao meu lado.

– Ele me achou – balbucio, me enrolando mais nas cobertas.

– Eu sei. Eu estou vendo isso – Cato põe passa a mão pelo meu rosto, examinando as marcas. Eu gosto dele assim. – Tem mais alguma?

– Não de verdade – não tenho coragem de forçar minha voz a ser mais de um sussurro. Eu rolo até ele, me aproximo como um gato ronronando nas suas pernas.

Ele não fala nada. Passa a mão no meu cabelo. No meu rosto. Eu quase durmo.

– Você tem que ir agora. Ver a Colheita.

– Ok.

– Eu posso te esperar.

– Eu estou sem roupa – sorrio minimamente. Cato sorri de volta e sacode a cabeça, se levantando.

– Ok. Eu te espero lá.

– Cato – chamo, levantando minha cabeça dos travesseiros. - Obrigada.

– Disponha, Clover.

Talvez eu precise de Cato para essas horas.

Acho uma muda de roupas como as de casa e me perco duas vezes até encontrar a sala. Eles todos já me esperam. Enobaria acabou de gritar com a Mulher Capital, então ela está amuada no canto, agora, calada como eu só preciso que ela esteja.

Ninguém fala nada comigo. Eles já sabem. Me sento numa ponta vaga e o vídeo começa.

A Colheita no 1 sorteia a Glimmer e o tal do Marvel é voluntário. Ela é bonita como o inferno, sacudindo os cabelos e os quadris como se eles pudessem ser levados pelo vento. Ele é um cara forte, mas alto demais e meio desengonçado. Tem uma cara de idiota, abre um sorriso que leva seu queixo até o peito.

– Essa é a Glimmer? – Cato pergunta retoricamente, franzindo as sobrancelhas.

– Preparado pra ela? – Brutus diz, rindo.

– Eu não acho que vou estar algum dia.

Assisto sua piscadela para a câmera e rio um pouco. Vai ser um ano legal.

Se você olhar atentamente, dá para perceber a agitação na multidão no nosso distrito. Dafne acaba de encontrar meu braço e as pessoas seguem o olhar de Cato até mim conforme o tempo para o voluntariado se encerra. Mas então eles me chamam e eu sou exatamente a futura vitoriosa caminhando para o palco, na frente dos Pacificadores, olhando para a multidão que já me pertence. Ludwig faz jus ao nome, também. Sorri para as câmeras e na hora de nos cumprimentarmos, não há como não saber que esse vai ser o melhor ano para o 2.

– Não percam isso. Todos os tributos já estão com medo de vocês – Enobaria comenta, estudando a tela cuidadosamente.

O 3 é um pouco engraçado. Os dois não são desnutridos, mas não há força.

– Oh, esse garoto tem uma boa aparência! – a Mulher Capital exclama, me cutucando com o cotovelo.

– Ah, sim, eu estou vendo. Clove é perfeita pra ele – Ludwig fala, olhando pra ela do jeito que todos fazem quando olham pra um idiota.

– Sim, sim! Se você quiser...

– Sem chance – corto, chegando para o outro lado.

O 4 é potencialmente uma decepção esse ano. Olhando inocentemente, eu diria que esses dois foram sorteados. Mas a menina se voluntariou. Tem um nome bonito, uns dezessete e é relativamente forte, mas não é das mais brilhantes. E esse garoto não tem mais de treze anos, seus cachos dourados tremulando conforme seu corpo reluta em começar a chorar.

– Matem eles – Brutus fala imediatamente. – O público é fiel ao 4 e os desse ano não prestam.

– A menos que vocês se aliem a menina – Enobaria replica.

– Ela não é muito boa – Cato observa.

– Mas vai ser melhor – falo. – Se não fecharmos com o 4 pelo menos para as câmeras, vamos ser desbancados pelo número.

– Eu não acho – Ludwig volta, sacudindo a cabeça. Não estou bem o suficiente para brigar. Suspiro.

As Colheitas são cheias de lágrimas e gritos vergonhosos. Até que achamos algo interessante no 11. A garotinha tem uns doze anos e os olhos mais assustados que eu jamais vi até me olhando no espelho depois que Aaron me encontrava. Mas o cara é incrível. É alto, forte, um carreirista em potencial. Sua expressão é plenamente focada. Se um de nós não vencer, é ele.

– Eu quero ele – falo prontamente.

– Claro que quer – Brutus concorda. – É o Thresh. Vocês vão falar com ele no primeiro dia de treinamento. Esse é um cara bom.

– Tratem de convencê-lo. Essas pessoas pobres têm um conceito diferente de honra. Se ele relutar, o matem na Cornucópia.

– O que você acha, Ludwig? – pergunto, um pouco acostumada a ouvir sua opinião sobre tudo.

Cato não responde imediatamente. Continua olhando para a tela.

– Não acho nada.

Os mentores dão uma risadinha. Dou de ombros e o deixo se sentir ameaçado.

– Ah, Cato, querido, você é muito mais forte que ele! – a mulher fala, agarrando seu braço. Sorrio a observando; tão desesperada.

– Eu sei.

Ainda estou rindo quando a Colheita do 12 me surpreende com um voluntariado. Uma menininha de doze é chamada e uma outra histérica, de cabelos pretos e pés sujos de carvão se oferece em seu lugar.

– O que o desespero não faz – Enobaria diz, rindo.

O garoto é meio forte e asseadinho, mas chora no palco. Eles se conhecem a julgar pelo olhar dele.

– Corajosos são perigosos. Acabem logo com ela – Brutus finaliza.

– É um ano fácil. Se vocês não forem estúpidos, um vai estar aqui de volta.

Encarando uma ponta do carpete enquanto Enobaria fala, sinto Cato me observando. Se ele está me convidando para encará-lo, eu dispenso. Esse ainda é um dia ruim pra mim.

– Tudo bem – ele cantarola, finalmente se levantando. Faço o mesmo e caminho para o meu quarto, consciente de que logo vamos chegar e de que eu preciso dormir. – Ah, Clovely, não tranque a porta. Vou dormir com você.


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Notas finais do capítulo

Bom... Eu realmente ando meio desmotivada, então pode ser que eu demore um pouco a postar. Sabe como é, né, eu tenho um pouquinho de gente lendo e se só mais uma além da pessoa que sempre comenta - você é realmente muito doce, querida c: - comentasse, então tudo ficaria bem. Mas ok, obrigada por lerem e até mais c: