Linhas Borradas escrita por Iulia


Capítulo 5
Imperceptível


Notas iniciais do capítulo

Oi! Eu acho que esse capítulo está um pouco maior e esse horário de postagem é muito insano, mas eu acabei de chegar em casa e me dei conta de que vocês podem precisar de mais um tempinho pra decidir comentar ou não até o próximo capítulo. Essa decisão é tipo me fazer feliz ou não. Espero que seja agradável c:



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Clove

Acordo como se estivesse submergindo da água. Preciso de mais ar ainda ao escutar os sons do inferno batendo na porta. Está escuro agora, mas deslizo da cama confortável e tento localizar a saída.

– Clove.

A palavra sai da boca de Cato deslizando feito torrente, soando quase como uma respiração. O vejo só agora. O colchão posto ao lado da sua mesa de cabeceira sustenta seu corpo perfeitamente desperto.

Não digo nada como resposta. Há o quê a ser dito, afinal? “Oi Cato”.

– Eu estou indo lá.

– Não precisa. É um problema meu.

Ele então se levanta e tranca a porta. Erguendo meu rosto para encará-lo, bato a mão no interruptor, reparando então que não há sinal de sono algum nele. Meu rosto está quase batendo em seu peito, mas outro grito bárbaro me faz recuar até a janela.

Olhando para baixo, para o homem bêbado e deteriorado me xingando como se eu fosse uma das prostitutas que ele leva pra casa, eu sei que nada vai poder ser pior.

– Seu irmão não precisa ouvir isso.

– Você precisa? – Ludwig argumenta, observando quase severamente meu rosto se aproximar da vidraça até se deitar completamente.

Eu não. Ninguém precisa de um homem que te espancou a vida toda para cuspir na sua cara que é seu pai. Que você deve sua vida a ele, então dê um jeito de conseguir dinheiro para não o matarem por conta de apostas.

– Você gosta dele, Fuhrman?

Não sei como Cato enxerga o mundo. Mas considerando que ele enxerga todos os hematomas no meu corpo há anos, não há qualquer coerência nessa pergunta.

– Você seria preso, inferno! Ou então eles matariam você, matariam sua família, me matariam!

Eu nunca choro. Cato me faz querer gritar.

Minhas mãos estão em minha têmpora. Eu não posso mais bloquear. Fecho os olhos, mas a camiseta de Ludwig ainda está roçando nas minhas coxas.

– Você quer que eu vá embora? – pergunto finalmente, meus braços apoiando meu rosto bravamente, porque se não o fizessem, eu estaria no chão.

Ele ergue os olhos pra mim, mas não para de sacudir a cabeça como se tudo fosse inadmissível e inacreditável. Se for mesmo, eu acredito porque é o que há pra mim.

– Não se desespere, Fuhrman. Não precisa esperar. Ele sempre cansa.

– Ele disse que tem pouco tempo – falo cautelosamente, quase murmurando.

– Eles não vão te matar.

Cato volta para o colchão. Eu estou prestes a deixar de ouvir toda a miséria que vem lá de baixo e dizer que ele pode voltar para sua cama quando algo acende na minha mente, nada mais que a resposta para a casual transmissão de segurança dele.

– Se eu morrer, eu quero que seja pelas suas mãos.

Cato nunca foi de poucas palavras. Ele sempre sabe o que dizer e ele sempre faz tudo parecer mais fácil. Eu estou esperando algum sorriso vitorioso. Um aperto de mãos ao som de detritos auditivos.

Ele se deita. Solta o ar com quê de graça conformada.

– Não seja insana, Clove.

[...]

Os raios do sol já estão quentes em meus braços. Na estação fria, ainda que embaixo de inúmeras cobertas, é bom. Eu estou sozinha aqui. Só depois de sair do banheiro reparo no traje batendo em minhas coxas.

Eu posso ouvir a voz do homem ontem colérico agora. Nunca houve motivos, mas se ele me visse agora, me levantando da cama de Cato com uma roupa dele, me arrastaria para o bordel mais próximo. Então eu pagaria suas dívidas.

Enquanto troco de roupa, ouço alguém subindo a escada às pressas, pulando degraus. Apresso o processo e me viro vestida assim que Ludwig arregaça a porta.

– Se puder andar mais rápido e tiver fé, Fuhrman, de repente Enobaria não destroce seu pescoço com os dentes.

Eu não espero muita brilhanteza de mim mesma ao acordar, então só o sigo para fora. Ouvindo seus pais exigindo aos berros que o inferno reja seus filhos lá embaixo, sei que meus pés vão discretamente encontrar a cozinha para que eu me esgueire pela porta dos fundos.

O deixo correr na minha frente. Não tem mais nada que possa dar errado pra mim. Mordo a maçã que me foi entregue às pressas e me esforço menos do que poderia para acompanhá-lo. Eu não cerco Cato. Ele destruiria meu trabalho quebrando cada estaca.

Me livro da fruta à beira da entrada. Hoje só vai haver nós dois aqui. Nós e Brutus e Enobaria e os braços dele e os dentes dela.

– Vai na frente pra eu ver se não tem nada errado com você – Ludwig falsamente gentil propõe, sorrindo.

– Eu estou certa de que não há nada errado comigo.

– Se você insiste – então ele dá de ombros e vai na frente. Quando estou perfeitamente atrás dele, para. – Não diga que você dormiu na minha casa.

– Eu não sou idiota.

– Parece que é.

É como se fosse uma voz sem corpo me fazendo ofegar. Se fosse, seria menos intimidador. É Enobaria.

– Isso faz sentido na sua cabeça, Fuhrman?: Eu lhe digo que deve estar aqui às seis para treinar e com sorte vencer os Jogos como eu, a vitoriosa que deixa a porta da sua casa aberta para sardentas de maria chiquinhas. Em vez de honrar o compromisso em sinal de gratidão, passa a noite inteira se atracando com o inseto do Ludwig que já está pronto para te matar, exatamente como vai fazer com esse pirralhinho que deve estar aí na sua barriga agora.

Mostrando suas presas o tempo todo, Enobaria disseca todo esse monólogo como se em cada pequena entrelinha houvesse uma verdade absurda.

– Eu não estou me atracando com o Ludwig. Não há nada na minha barriga além das maçãs que o Brutus está me dando – respondo dignamente, passando por ela em direção aos meus alvos. Enobaria me para com o ombro.

– Eu já te disse: – sibila – fica longe desse garoto. Se você se apaixonar, se você engravidar, Claudius Templesmith vai contar a história da garota mais ridícula que já saiu do 2. E se Ludwig não te matar, eu vou.

Eu só não a respondo mais. Desvio de seu corpo e espero que sua raiva passe polindo as facas.

Eu também devo a ela. Enobaria joga coisas na minha cara estupidamente, mas há um pouco de razão por trás de sua obsessão. A Capital nunca a deixou ter filhos porque isso não combina com o seu perfil. Uma garotinha marcada pelo pai alcoólatra podia se infiltrar entre as câmeras e sumir pelo distrito quando fosse conveniente e quanto estivesse com vontade também.

Tenho um quarto na casa dela. E se não houvesse Aaron nem seus bandidos nem a passagem com o Cato, eu venceria por ela. Quando se sente bem o suficiente, ela caminha até mim e puxa outras facas para polir.

– Foi por causa do Aaron. Ele estava consciente.

É o bastante. Isso explica tudo. Enobaria faz parecer que não sabe que Cato só está aqui por causa daquele homem. Como se tudo o que eu sou partisse dela.

– Está dormindo com o Cato, Clove? – ela ergue os olhos e agora, agindo inteligentemente, se parece com ela.

– Não – eu não sei definir o que há entre ele e eu, então não digo mais nada.

– Você não pode. É coisa demais para rivais.

– Ok – respondo displicentemente. Simplesmente como se eu não fosse voltar pra sua casa mais tarde.

Enobaria tem o demônio no corpo hoje. Nunca me deixa descansar e na hora do almoço me entrega uma barra de cereal. “Sua comida vai acabar uma hora”.

Não há janelas aqui. Estou perdida no tempo, mas quando desabo na mesa do refeitório, sei que é muito tarde.

– Eu estou indo – ela diz, pairando acima de mim. Ela vai me puxar para casa com ela, eu estou certa. Todavia, ao invés de ter um olhar de determinação raivosa, ela inspira concessão. – Vou trancar a porta de casa. Use essa noite pra se despedir.

Meu pescoço também dói, mas ergo minha cabeça para confirmar se entendi direito.

– Não vá embora sozinha.

Assim que ela sai, deito minha cabeça de novo na mesa. Há muitas coisas para se levar em consideração. Eu só não quero pensar sobre elas.

Forço meus pés a sustentarem meu corpo e atravesso a Academia até o vestiário. Banhos costumavam ajudar, mas minhas pernas estão tremendo embaixo do chuveiro. Me lanço avidamente no banco esperando qualquer sensação de trégua para descobrir que preciso de uma cama.

Agora já faz frio aqui. Quando chego na sessão com as espadas, meus cabelos molhados estão espalhando a frieza por todo meu corpo.

Encontro Cato sentado como se estivesse pensando, a cabeça baixa, os cabelos também molhados. Ele está sozinho agora. Não chego muito perto. Não vejo com clareza o que ele é.

– Posso voltar pra sua casa hoje?

Ludwig ergue o rosto e sorri.

– Vai dividir a cama comigo, Fuhrman?


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Notas finais do capítulo

Ficou tragável? Não? Querem me contar o que ficou ruim? Obrigada por lerem, de um modo ou de outro c: