Linhas Borradas escrita por Iulia


Capítulo 3
Falando sobre "nunca mais"


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Então, todo esse capítulo é narrado pelo Cato e ele faz uma doce e pura homenagem aos professores logo no começo. Lhes desejo uma boa leitura c:



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Cato

Com tempo suficiente para intimidar cada um que me olha duas vezes, jogo minha mochila aos pés da minha carteira. Eu só quero sair daqui, mas nenhum desses velhos ridículos parece entender isso. Minhas pernas atravessam o corredor na esperança de que algum deles pause seu falatório inútil. Mesmo que tenham que quebrar o pescoço pra isso.

Suas vozes roucas e fracas estão me dando nos nervos. Essa persistência em falar de coisas que ninguém nunca quer ouvir me faz querer quebrar todo pequeno osso que permite a existência dessas aulas patéticas.

Repilo cada uma das tentativas de conversa dos meus colegas, se espichando por entre as fileiras para conseguir um mínimo de pontuação comigo. Respiro fundo, estico meu pescoço para todos os lados, procurando uma saída.

Quando estou prestes a partir ao meio todos esses idiotas, o sinal toca. Agarro minhas coisas intocadas e saio na frente de todos os outros, agora satisfeito o suficiente para sorrir para as garotas se despedindo.

Deixo a escola com o tipo de glória que só se atinge ao ser mais esperto que alguém. Prestes a começar a correr, uma mão parada no meu punho me impulsiona a parti-la ao meio. Mas quando me dou conta de que algo é familiar, me viro.

– Cato, minha mãe mandou você me ajudar com a escola – Hector praticamente me ordena. Ele tem nove anos, então eu não posso assustá-lo. Nunca faço nada divertido na sua frente. Mas eu nunca deixo ninguém mandar em mim.

– O que tem de errado com você, não está vendo que eu estou indo pra Academia agora? – respondo impaciente, tentando fazer algo que Clove mencionou um dia dizendo ser “medição de palavras”. – Eu não sou seu escravo, pirralho.

– Eu não vou entrar na Academia esse ano se não for bem na escola – ele replica. – Cara, eu não quero ser um fraco.

– Você não é um. – Se trata de reflexo. Você nunca vai deixar uma pessoa da sua família dizer que é fraca. – Olha. Quando eu chegar em casa esteja pronto. Vai virar a noite respondendo todas as minhas perguntas. Você não vai dormir, mas se fosse, iria sonhar com a tabuada. Esteja pronto. É a sua única chance.

– Que horas você vai estar em casa?

Escuto sua voz já distante e não posso evitar um sorrisinho.

– Não tenho hora.

Clove e eu temos muito que conversar.

[...]

Eu tenho a oportunidade perfeita. Coloco minhas mãos em sua cintura e a galgo para cima, me atentando para que seus pés não enganchem na rede. Clove bate o rabo de cavalo na minha cara quando se vira escandalizada e mortífera.

– Que porra é essa, Ludwig? – sibila, tirando uma das mãos da rede para me empurrar. Rio e ergo as sobrancelhas.

– Você é ridícula com escalada, ia alcançar o topo na hora da saída. E eu quero falar com você agora.

Clove permanece presa na rede com uma só mão, olhando pra mim como olhava pra Enobaria uns anos atrás, a observando vencer os Jogos dia após dia. Mas agora ela parece incrédula e com raiva do objeto de estudo porque ele é o melhor.

– Não importa o que você quer – ela diz, lenta como os diretores caquéticos daqui. E continua a escalar mais rápido, achando que pode fugir de mim.

– Eu quero falar com você agora, Clover – repito, agarrando sua perna e rindo quando Clove escorrega dois níveis.

– Você não tem nada pra falar comigo – ela ruge, fechando ainda mais a expressão e voltando a tentar subir. Observando sua persistência irritante, me aborreço.

– Você não vai querer que eu te puxe daí para o chão.

– Será que você quebraria meu pescoço, Cat Cato? – Clove lança sua provocação ardilosa com ar de esforço, ainda subindo a rede, pateticamente cansada sem sequer sair do patamar onde a encontrei.

– Não te puxaria com qualquer outra razão além dessa – rosno, flexionando minhas mãos para não vê-las enfeitando o pescoço dessa garota.

Mas ela nunca tem medo de mim. E olhando para esse pescoço, eu me dou conta novamente, mas com a mesma surpresa, de que só uma mão minha bastaria para envolvê-lo e levá-la a morte em quarenta segundos. Então eu sei que não quero matar a Clove. Eu quero matar qualquer um que tente.

– Você não pode fugir agora, Fuhrman. Se isso fosse areia movediça, você estaria afundada até o pescoço.

Volto para a minha estação e estraçalho toda a espuma dos manequins, canalizando a raiva da garota fracassando só uns metros a minha direita. Ela decidiu romper a aliança, somos rivais agora. Ninguém nunca rompeu uma aliança comigo e ela vai pagar por isso morrendo. A Fuhrman não existe sem mim. Se tivesse tentado, estaria morta aos catorze na primeira simulação verdadeira da sua vida.

Quando estou quase tranquilo e é hora do almoço, tento ver o rosto de Clove em um deles. Preparo um golpe inquestionavelmente fatal e encaro o boneco por mais um tempo. Ele não tem cabelo. Nem sardas. Nem malditos olhos de gato. E é muito maior que ela. Mas agora se trata de Clove Fuhrman. Ergo meu braço, sorrio e com catorze centímetros de distância, paro.

Largo a espada e sacudo a cabeça enquanto ouço o baque do metal se chocando contra o chão. Ninguém vai matar a Clove se ela se aliar a mim. Tampouco eu posso fazer isso. Nada além disso importa mais agora: De que modo vou fazer com que Clove morra?

É a questão vital. Não há nenhuma chance de me sacrificar por ela. Esse é o meu ano.

Segurando a minha bandeja, paro de frente para a mesa onde ela se encontra. Como se importasse, pergunto com um sorriso:

– Posso me sentar?

Ela dá de ombros e coloca uma garfada na boca. Me sento ao seu lado, só um pouco mais perto e eu poderia estar em seu colo.

– Refresque minha memória: por que você não está falando comigo mesmo? – inicio casualmente, pegando sua maçã e comparando com a minha. A dela é mais vermelha.

A garota não me responde. Fuhrman realmente acha que é muito grande.

– Essa maçã deve estar boa. Mas aposto que você paga demais por ela.

– Eu não quero brigar com você – Clove diz, como se tivesse alguma força para que eu tenha medo dessa “briga”, tomando sua maçã e a pousando na bandeja.

– Nem eu – permaneço a fitando, imaginando que tipo de armadilha poderia a matar rapidamente. Meu olhar é atraído para uma mancha arroxeada no interior de seu antebraço. Sua camiseta tapa, mas isso alcança suas costas. Esperando que sua reação denuncie a gravidade, ponho a mão em cima. – O que fizeram com você?

Ela empurra minha mão repentinamente, se afastando e tentando posicionar novamente a blusa.

– Eu quero ver isso, Clove – agarro seu braço, escorregando no banco para puxá-la até o vestiário.

– Cato, me larga.

– Sua imbecil, você vai continuar deixando eles acabarem com você? – sibilo em seu ouvido, ainda agarrado ao seu braço. Ela sacode a cabeça, encarando a frente. – Então deixa eu ver. E vamos resolver isso.

Sem a mesma fúria por ter sido vencida, Clove se deixa ser levada por mim, mas no meio do caminho sacode o braço e se livra da minha mão, caminhando na frente até o vestiário.

Uma garota loira chamada Dafne que é minha irmã, sacode a cabeça quando nos vê batendo a porta.

– Vocês vão ser expulsos se os pegarem aqui de novo. Seja lá que inferno vocês fazem aqui todo dia, hoje façam em silêncio.

Assim que ela sai puxando a mochila para o ombro, me volto para Fuhrman.

– Clove. Só não se voluntarie. Não é o seu ano, eu não vou me sacrificar por você.

– Nem eu estou pedindo isso, Ludwig. Eu só quero que você me deixe em paz.

– Se eu tivesse feito isso sete anos atrás, você estaria morta. E se eu fizer isso agora, você vai morrer.

– Eu não vou morrer.

– Duas pessoas não vencem os Jogos juntas.

– Não mesmo. É por isso que de nós, você é o único que vai morrer.

Então eu sou obrigado a rir, colocando cada gota de deboche.

– Você não vai vencer os Jogos, Fuhrman.

– Eu vou vencer você.

– Como nunca conseguiu fazer? Por favor.

Clove estala a língua e abaixa a cabeça na frente de uma pia, apoiando os braços em seu contorno.

– Eu não sei se Deus existe, mas eu estou pedindo pelo amor dele pra você me deixar em paz – sussurra, realmente parecendo cansada.

– Me espera aqui com a Enobaria. Quando eu vencer os Jogos, você vai morar comigo.

– Eu vou abrir mão da minha honra por você, Ludwig? – essa é uma ironia. Mas depois ela volta atrás: - Se você morrer lá, não teria nada pra mim aqui.

Fala como se fosse haver algo pra qualquer um se um de nós vencer. Clove é burra. Me deixa nervoso como garota nenhuma jamais fez até hoje. Desacreditado com sua teimosia idiota, me sento. Depois de muito tempo de pausa, Fuhrman se senta ao meu lado e passa a fitar a frente comigo.

É importante que ela saiba que está ferrada de qualquer jeito. Indo pros Jogos, ela morre por um tributo. Ficando, seu pai vai matá-la. Ao menos ela pode ver que sem mim, não há nada mesmo pra ela.

Se Clove fosse disso, diria “eu sinto muito”. Mas ninguém do 2 é desse tipo fraco e desprezível. Nesse dia nós não treinamos mais. Ficamos sentados aqui, encarando a parede ombro a ombro como a expressão máxima de solidariedade possível.


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Notas finais do capítulo

Ei, eu adorei toda a interação com vocês, mas não pude deixar de reparar que nem todos estão comentando. Há tantas coisas grandiosas pra aprender com vocês e eu ainda estou perdendo essa chance. Por que não fazem isso por mim, hã? Aposto que só há coisas boas nos esperando nessa experiência. Obrigada por lerem, vou passar uma semaninha sem postar, mas o autor vai cuidar de tudo c:



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