Conexão Momentânea escrita por Aislyn


Capítulo 1
Único




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Hayato Izumi olhava de um lado para o outro, parado em frente à boate, esperando que o namorado saísse do estabelecimento para finalmente irem embora. Por uma infeliz coincidência, ou talvez fosse perseguição, encontraram com Mikaru algumas horas atrás e ele fez questão de acompanhá-los durante aquela noite. O que significava que a paciência de Izumi já tinha dito adeus há muito tempo.

Não gostava daquele loiro de forma alguma. Não importava o quanto Takeo, seu namorado, o defendesse ou tentasse explicar aquelas ações, ele não conseguia engolir muitas das atitudes daquele cara. Não que o odiasse, mas parecia que Mikaru fazia tudo que estava ao seu alcance para que isso um dia acontecesse.

Suspirou longamente, vendo o loiro em questão estacionar bem à sua frente, descendo do veículo e parando ao seu lado, com uma expressão interrogativa.

_ Então? - perguntou finalmente, olhando para o vocalista e para a entrada da boate - Ele ainda não saiu?

_ Não. - respondeu com um resmungo, desviando o olhar do loiro - Encontrou um conhecido e parou para conversar.

_ E era ele quem queria ir embora. - revirou os olhos, procurando a carteira de cigarros no bolso, mas o encontrou vazio - Vá até lá chamá-lo.

_ Como é? - apertou as mãos em punho, indignado - Se quiser, vá você!

Estava cheio com as implicâncias daquele loiro aguado irritante! Se fosse a primeira vez ou só de vez em quando, Hayato até tentaria suportá-lo, mas aquele idiota aparecia por todo lado e onde menos esperava! Era como se ele soubesse a agenda de shows completa, horários e locais de entrevista, tudo sobre onde e quanto estariam em determinado local.

Suspeitava que era Takeo quem passava as informações para o amigo e não teria nada de mais se fossem realmente amigos. Só. Amigos. Mas Mikaru era também o primeiro namorado do ruivo, o que os fazia ter alguma espécie de ligação que Hayato não fazia a mínima questão de entender.

Aquele loiro havia colocado na cabeça que teria o namorado de volta, não importava quais meios utilizasse para isso. E, desde o instante em que Mikaru aparecera em suas vidas, tudo havia sido jogado de pernas pro ar.

Quando viu o loiro dar alguns passos em direção à boate, tratou logo de ir atrás, segurando-o pelo braço.

_ Onde pensa que vai?

_ Você me mando buscá-lo. - Mikaru tentou fazer uma expressão inocente, mas aquele típico sorrisinho cínico teimava em despontar no canto de seus lábios.

_ Ele é o meu namorado. - frisou bem as palavras.

_ Por enquanto… - provocou novamente, virando-se de frente para encará-lo.

Era deveras divertido implicar com o vocalista, principalmente quando sabia que um de seus pontos fracos era o namorado. Era só mencionar o ruivo e Izumi já ficava em alerta, com os nervos à flor da pele. Depois disso não precisava de muito esforço para vê-lo perder o controle.

_ Escute, Mikaru-san… - parou de falar quando um homem passou ao seu lado, esbarrando em si, no mesmo instante que alguém parecia ter tropeçado em cima do outro rapaz.

_ Hei! - Mikaru tentou desviar para não cair de cara no chão, mas foi puxado para trás, sendo segurado firmemente por alguém.

Tudo aconteceu rápido demais. Num instante os dois estavam discutindo as picuinhas de sempre, no outro eram imobilizados, com lenços de odores estranhos colocados sobre suas faces.

Mikaru tentou se debater, chutando e socando o homem atrás de si, mas ele era bem mais forte e o segurava com firmeza. Quando conseguiu uma brecha para gritar por ajuda, sua boca foi coberta pelo pano e, mesmo sem querer, acabou aspirando o produto que ali continha. Seu corpo amoleceu no mesmo instante. Ainda tentou se soltar, porém seu corpo não obedecia e sua visão começava a embaçar e falhar. Vislumbrou um movimento à frente e imaginou que o vocalista também estava com problemas.

O último pensamento que cruzou sua mente antes de ser tomado pela escuridão era que o amigo e ex-namorado iria ralhar muito com ele. Por ficar parado no meio da rua durante a madrugada, ao invés de esperar dentro do carro ou até mesmo dentro da boate. Ele também iria falar bastante por ter implicado com o vocalista.

Eram pensamentos idiotas…

* * *

Hayato acordou desnorteado e com a cabeça doendo bastante, como se tivesse bebido a noite inteira, mas ele sabia que não havia exagerado. Não entendia porque estava se sentindo tão mal e cansado.

Entreabriu os olhos, piscando algumas vezes até que o quarto tomou forma, juntamente com um bolo em seu estômago. Sentou-se num pulo, olhando de novo ao redor, cada vez mais em pânico. Aquilo não havia sido um pesadelo!

O que ia fazer? Por que estava ali?

Levou as mãos à cabeça, se encolhendo sentado, depois levando uma das mãos ao lábio inferior e beliscando-o, num típico tique nervoso. Sua cabeça estava uma confusão enorme.

Virou o rosto para o lado de sobressalto, somente naquele instante notando que não estava sozinho naquele cômodo. Não precisava se aproximar muito para saber quem era, mas o fez assim mesmo. Queria confirmar se o outro estava bem, mesmo que não se gostassem muito.

_ Mikaru-san? - chamou baixinho, tocando em seu ombro. Não obteve nenhum movimento de volta, nenhuma resposta - Hei… Mikaru? - tentou mais uma vez, virando-o de lado, conseguindo pelo menos ficar um pouco aliviado ao notar que o loiro ainda respirava. Por ora, era melhor do que estar trancado sozinho.

Encostou-se na parede próxima, mantendo uma curta distância do outro rapaz e de modo que pudesse ficar de olho na porta. Quem os colocou ali certamente voltaria alguma hora, fosse para verificar se estavam bem ou… bom, alguém iria aparecer uma hora. Não podia fazer nada além de esperar, e assim o fez.

Não soube precisar o tempo, mas algumas horas haviam se passando antes que Mikaru desse algum sinal que iria despertar. O loiro se mexeu lentamente, resmungando e levando a mão à cabeça antes de se virar de costas, olhando para o teto para depois fechar os olhos e ficar quieto mais uma vez.

Izumi cogitou que ele tivesse desmaiado de novo, pois ficara estático, o único movimento vindo do seu peito subindo e descendo com a respiração. Aproximou-se devagar, levando mais uma vez a mão até seu ombro, balançando de leve.

_ Mikaru-san? Tud-… - negou com um aceno, engolindo a pergunta. Era óbvio que o rapaz não estava bem. Ele também não estava nada bem.

_ Não me toque. - veio a resposta murmurada de Mikaru, juntamente com um tapa na mão do vocalista.

É… talvez o outro não estivesse tão mal, já que conseguia alfinetá-lo mesmo na situação em que se encontravam. Decidiu deixá-lo em paz, voltando a sentar no canto, abraçando os joelhos contra o peito. Tinha vontade de chorar, mas uma parte de si dizia que ele precisava ser forte naquele instante. Por mais que fosse difícil, precisava manter a calma para encontrar uma solução.

Mesmo que parecesse impossível…

_ Alguém já apareceu aqui? - veio a voz baixa de Mikaru, junto com um olhar de soslaio na direção do vocalista.

_ Hm? N-não… - veio a resposta esganiçada de Hayato, assustado pela situação e incrédulo porque o loiro estava puxando conversa - É a primeira vez que acontece com você?

_ E espero que seja a última… - suspirou longamente, deitando de lado para depois se sentar, analisando melhor o quarto e a situação que se encontravam.

_ Por que isso aconteceu? - Izumi encolheu-se mais, desviando o olhar para um ponto qualquer no chão.

_ Não sei… - suspirou de novo, bagunçando os cabelos enquanto tentava pensar, mas sua cabeça ainda estava dolorida. Não se lembrava de ter levado alguma pancada, mas não era tão incrível acontecer.

_ O que a gente fez pra merecer isso? - encarou Mikaru com atenção, esperando algo que não sabia bem o que era. O loiro não era exatamente o tipo de pessoa que conseguia passar calma apenas com sua presença e muito menos um pouco de confiança.

_ Ficou no lugar errado e na hora errada… - veio a resposta em tom irônico. Deviam ter esperado dentro do carro ou da boate. Aquele pensamento o atormentaria por um bom tempo.

_ Mas por que a gente? - o vocalista levou a mão novamente ao lábio, beliscando com força. Precisava manter aquela conversa, precisava se distrair de sua situação.

_ Por que? - Mikaru o encarou com desprezo, revirando os olhos incrédulo - Não tinha uma pergunta mais idiota para fazer? - fingiu estar pensativo e depois começou a enumerar dos dedos - Vejamos, talvez porque você seja um vocalista famoso, ou talvez porque eu seja um empresário renomado, também podemos levar em consideração que você é namorado de um guitarrista igualmente famoso e rico, com um irmão de outra banda que, uau! é famoso praticamente no mundo todo! Quer mais motivos?

_ Eu só…

Um soco foi dado do outro lado da porta, deixando-os em alerta. Mikaru encarou a porta fixamente, a cor sumindo de seu rosto e deixando-o mais pálido do que já era. Hayato intercalou olhares entre a porta e o rapaz, como se esperasse uma ajuda sobre o que fazer.

_ O q-que…? Po-por…

_ Shiii! Fique quieto! - Mikaru levou o indicador à frente dos lábios, murmurando em tom ríspido.

Esperaram em silêncio por longos minutos, Hayato ainda olhando para a porta e para o colega, enquanto Mikaru ficou quieto no lugar, sem desviar o olhar para nenhum outro lugar que não fosse a porta. Tinha muito medo que ela fosse aberta. Enquanto estivessem só os dois trancados lá dentro, poderiam se considerar seguros.

Passos leves e silenciosos se afastaram da porta, fazendo o loiro suspirar aliviado. Cobriu o rosto com as mãos, se encolhendo contra a parede.

Merda… precisava se acalmar! Como se sua vida já não tivesse problemas o suficiente, agora vinha aquilo!

_ Mikaru?

_ O que? - veio novamente uma resposta ríspida e baixa, fazendo o vocalista silenciar. Ele sabia que não era fácil conversar com o loiro. Conformou-se apenas em negar com um aceno.

_ Caso não tenha notado, fomos sequestrados! - explicou num tom baixo e cortante - Tente não chamar atenção ou fazer qualquer coisa idiota!

_ Eu estou com medo… - confessou por fim, se abraçando de forma protetora.

_ E acha que é o único? - Mikaru lançou-lhe um olhar frio - Se eu quisesse morrer, tentava me matar de novo!

_ De novo?

_ ...

Só recebeu o silêncio em resposta. Izumi ficou intrigado, mas sabia que não adiantava perguntar. Aquela informação não deveria ser de seu conhecimento, o que comprovava que Mikaru estava quase ou tão nervoso quanto ele, para não pensar antes no que dizia.

O silêncio se instalou de tal forma que chegava a ser denso e talvez até palpável. Qualquer ruído do lado de fora atraía a atenção do loiro, que ficava em alerta, tremendo levemente. O que será que estava acontecendo do outro lado? Talvez negociando um resgate? Ou tentando entrar em contato com a gravadora? Takeo teria notado a falta dele e do amigo assim que saiu da boate. A polícia já teria sido acionada. Talvez fosse uma questão de tempo até sairem dali… E rezava para sair com vida…

* * *

Hayato acordou sobressaltado, não se lembrando de ter cochilado, mas tentando entender porque fora acordado. Foi quando ouviu outro soco na porta, ficando em alerta. Mikaru permanecia sentado no mesmo lugar, olhando sem piscar para a porta. Sentiu seu sangue gelar ao ver a maçaneta baixar levemente e tudo ao redor parecia ter ficado em câmera lenta.

Uma voz distante o mandou ficar no chão e não fazer movimentos bruscos. A ponta de uma arma apareceu pela fresta da porta, que pouco a pouco foi se abrindo mais. Alguém encapuzado. Algo se arrastando pelo chão.

E depois tudo congelou. Só havia o silêncio e ele parecia confortável dessa vez...

_ Hei! Izumi-san! - Mikaru o sacudiu pelos ombros, tentando obter algum sinal - Olha pra mim! Izumi? Acorda!

Mesmo que estivesse com os olhos entreabertos, era como se Hayato não estivesse ali, apenas o seu corpo. Sua consciência se perdera em algum lugar desconhecido. Sua respiração estava descompassado e ele tremia, o corpo gelado em contato com o chão. Mikaru retirou a jaqueta, jogando sobre o vocalista e tentando mantê-lo aquecido.

_ Vamos… reage! - esfregou-lhe os braços com força, atento a cada pequeno movimento - Ele nem entrou aqui, seu idiota, ou eu mesmo estaria em pânico! - confessou num fio de voz.

Na verdade Mikaru estava em pânico, porém, alguém precisava ser racional ou o mais sensato que fosse possível naquela situação.

_ Hayato?! - segurou-o pelo rosto, silenciando ao notar que o rapaz piscou os olhos devagar, puxando o ar agora com mais calma e longamente - Está me ouvindo? - veio um resmungo como resposta. Mikaru suspirou aliviado, voltando a passar as mãos pelos braços do rapaz, tentando mantê-lo aquecido.

Assim que a porta foi aberta, o sequestrador, vestido com uma touca que lhe cobria praticamente todo o rosto, exceto por dois furos no lugar dos olhos, empurrou para dentro do quarto uma bandeja com o que supunha ser comida, olhou rapidamente para os dois e depois saiu, trancando o quarto sem dizer mais nada. Ao olhar para Izumi, Mikaru notou que ele estava estranho, com o olhar sem brilho e fixo na parede a frente, como se olhasse para algo além dela. Logo o rapaz começou a se agitar, tremendo e empalidecendo muito rápido, até quase perder a consciência. O loiro imaginou que ele havia entrado em estado de choque devido ao susto e foi muita sorte conseguir agir rápido, pois isso garantiu que o vocalista ainda estivesse vivo.

Só quando se acalmou é que pensou que poderia chamar por ajuda. Se os sequestradores queriam dinheiro, não deixariam que eles morressem… Por outro lado, não conseguia imaginar que os levassem para o hospital em busca de socorro.

E, olhando desconfiado para a bandeja ainda intacta perto da porta, imaginou se seria seguro comer o que lhe ofereciam. Aqueles homens iam querer que continuassem vivos, não iam?

Suspirou frustrado, sentando contra a parede. Não era uma boa hora para pensar ou tomar decisões. Estava cansado, frustrado e já perdera a conta de quanto tempo estava ali. Talvez quase dois dias… Suspirou mais uma vez, deixando-se escorregar um pouco mais contra o chão. Tinha medo, mas também tinha sono… Olhou de relance para o rapaz deitado ao lado, suspirou pela terceira vez, fechando por fim os olhos.

* * *

Hayato não se lembrava de deitar para dormir e muito menos naquela... posição. Ergueu a cabeça de leve, notando o quanto aquela cena era, no mínimo, bizarra. Se não bastasse estar com a jaqueta de Mikaru lhe cobrindo, ainda estava com as pernas em cima de seu colo, enquanto o rapaz em questão dormia sentado contra a parede, de uma maneira que parecia muito desconfortável.

Quem os conhecia e sabia o quanto brigavam, nunca iria imaginar que um dia estariam tão próximos e sem tentarem se alfinetar. Aquilo quase podia ser considerado um milagre.

Mikaru parecia bem mais velho, agora que podia encará-lo sem receber algum comentário ríspido em troca. A falta do sorrisinho cínico e as palavras de desprezo faziam uma grande diferença na aparência do rapaz. E talvez a profissão exigisse aquela expressão mais séria e responsável que ele parecia transmitir.

Negou com um aceno, afastando aqueles pensamentos da cabeça. E daí se o rapaz parecia melhor quando estava dormindo? Hayato não queria ficar perto dele, nem dormindo e muito menos acordado. Por isso, tratou de se mexer bem devagar, desvencilhando as pernas do colo do loiro e se afastando com calma para não acordá-lo. Deixou a jaqueta dobrada ao lado dele para depois se afastar, mas não muito.

Longe do loiro, sim, contudo, mais longe ainda da porta.

Aproveitou aquele instante de quietude para tentar colocar as ideias em ordem. Foi tudo tão rápido que ainda estava assustado. Talvez fosse por estar tão abalado que havia desmaiado sem notar. Negou com um aceno frustrado, voltando a beliscar o lábio. Só poderia saber o que aconteceu se Mikaru lhe contasse, o que supunha ser impossível. Mas, se fosse antes, também não diria impossível estar no mesmo lugar que ele sem se matarem?

O que será que estava acontecendo lá fora? Talvez os amigos já estivessem procurando pelos dois. Ou negociando a liberdade… e se os sequestradores os matassem depois? Já ouvira tantas histórias assim… Não queria fazer parte daquele time de vítimas!

Foi tirado de seus pensamentos por um resmungo baixo, olhando para o lado e notando que Mikaru estava acordando. Engoliu em seco, pensando o que poderia lhe dizer. Nunca haviam tentado manter uma conversa normal, não sabia como abordá-lo. E mesmo que tentasse, imaginava que receberia uma resposta sarcástica.

O rapaz piscou lentamente, levando uma mão ao rosto e esfregando os olhos devagar, a seguir bagunçando o cabelo e suspirando fundo. Ficou quieto um instante, como se tivesse pegado novamente no sono, mas depois levantou a cabeça e encarou Izumi fixamente.

Hayato sentiu-se incomodado, desviando o olhar segundos depois, encarando um ponto qualquer no chão.

_ Como se sente? - veio a voz baixa e anormalmente calma de Mikaru.

_ O… o que?

E analisando a atitude de Mikaru, a única coisa que vinha a mente de Hayato era que ele havia batido a cabeça. Devia estar sonhando ou delirando. Porque era absurda a ideia de que aquele loiro aguado estava falando consigo, usando o mesmo tom tranquilo que usava quando falava com seu namorado!

Ou talvez aqueles sequestradores haviam drogado Mikaru, e isso explicaria porque ele estava agindo de forma tão estranha.

_ Perguntei como se sente. - repetiu a questão, ainda sem desviar o olhar - Você ficou meio estranho mais cedo…

_ Estou bem. - respondeu por fim, dando de ombros. Era inacreditável que ele estivesse se mostrando preocupado.

_ Comeu o que eles deixaram?

_ Oi? - Izumi encarou o colega novamente, abismado demais para processar o que lhe era dito. Haviam abduzido ele, não tinha outra explicação plausível. Aquele não era o Mikaru que conhecia. Nunca!

_ A comida. Na bandeja. - apontou com um aceno de cabeça em direção à porta.

_ Hmm… n-não. - respondeu seco e desconfiado. Aonde Mikaru queria chegar com aquela conversa?

_ Será que é seguro? - aquele foi um comentário mais para si mesmo, mas fez Izumi encará-lo com raiva.

_ Por que não vai lá e prova? - a língua afiada foi mais rápida que seu pensamento, não conseguindo reprimir a pergunta em tom irônico.

Mikaru encarou-o com atenção, erguendo uma sobrancelha num questionamento mudo. Abriu a boca para responder, porém, não disse nada, apenas negando com um aceno enquanto se levantava com dificuldade, apoiando na parede para não perder o equilíbrio. Havia dormido de mal jeito e dormira pouco, seu corpo reclamava pela falta de cuidados com a saúde.

_ Não estava te provocando. - a voz de Mikaru saiu cansada, enquanto ele dava lentos passos até chegar ao lado da bandeja.

Para se sentar não foi tão difícil quanto levantar, pois o rapaz simplesmente se deixou escorregar pela parede. Pegou um dos pães e mordeu um pedaço com gosto, pouco se importando se estava duro e ressecado ou até mesmo se estava envenenado. Tanto seu estômago quanto sua cabeça doíam e ele sabia que era de fome. Deixaria pra se preocupar com qualquer outra coisa depois.

Izumi ficou atordoado com aquele gesto, quando esperava uma resposta à altura para humilhá-lo. Não acreditava que um sequestro fizesse o colega mudar tão rápido. Nunca esperou que ele o tratasse com o mínimo de educação que um ser humano merecia, mas daquela vez fora Mikaru quem o ignorou e evitou uma briga.

Parte de si queria provocá-lo e ver até onde ele aguentaria, torcendo para que voltasse a agir como de costume, mas outra parte, uma que ironicamente tinha a voz de Takeo, o lembrava de todas as vezes que o namorado dissera que Mikaru não era tão ruim quanto parecia, que ele gostava de se fazer de forte e arredio, para se proteger de algo que o machucara antes.

Talvez, e só talvez, agora estivesse vendo o rapaz como ele era, sem máscaras ou artifícios.

_ Posso considerar isso uma trégua? - Hayato perguntou ao se aproximar do colega, ajoelhando ao seu lado e estendendo a mão.

Se o rapaz não queria brigar, então queria dizer que podiam se dar bem, mesmo que por pouco tempo. Ainda era pedir muito que se anunciasse paz entre eles.

_ Trégua.

Ao invés corresponder ao aperto de mão, Mikaru pegou um pão e bateu contra os dedos de Izumi, que riu do gesto. Ele sabia que era demais pedir que virassem amigos de uma hora pra outra.

_ Então… o que aconteceu... agora a pouco? - Hayato sentou-se ao lado do loiro, em dúvida se seriam boas ideias, tanto questioná-lo quanto ficar por perto. Recebeu um olhar de soslaio e um dar de ombros, como se não fosse algo importante. Por fim imitou-o, começando a comer e notando o quanto estava faminto. Era claro o motivo do rapaz estar dando mais atenção à comida do que à conversa.

Assim que terminou de comer, Mikaru se levantou e voltou para o lugar onde estava sentado antes, cruzando os braços sobre os joelhos dobrados, apoiando a cabeça neles. Fora tomado por uma sensação ruim e estranha… o desespero e medo que sentiu quando se viu naquele quarto haviam sido substituídos por uma nostalgia e aceitação da realidade. Não podia fazer nada, não tinha como fugir, não sabia onde estava, não sabia o que iria acontecer, não sabia se estaria vivo no dia seguinte…

Eram tantas dúvidas…

_ Pensei que estivesse em estado de choque. - respondeu a pergunta, sobressaltando Hayato - Não entendo de primeiros socorros e estava em pânico também. Pode ter sido apenas uma queda de pressão, um susto por ter visto uma arma na sua direção… Não sei...

Puxou o ar com força e dificuldade, escondendo o rosto entre os braços.

_ Ahm… obrigado… - Izumi achou que devia agradecer, mesmo sem saber direito o que o outro havia feito. Não queria detalhes, pois só aquele comentário já o deixara desconcertado. Sabia que ele ficara por perto, vigiando enquanto dormia e até lhe emprestara a jaqueta. Era o suficiente saber aquilo.

A resposta veio num murmúrio abafado.

_ Disponha.

* * *

Os dias seguintes foram de muita calmaria. Após tanto tempo trancados, Mikaru notou que o lugar era bem silencioso, não só a casa, mas tudo ao redor. Imaginou se não estavam em algum galpão abandonado ou alguma fazenda distante… O silêncio constante lhe dava a ideia que estavam sozinhos ali, só os dois. Não se ouvia passos ou conversas, nem portas sendo abertas ou fechadas. Poderia ser pelo lugar ser grande, mas Mikaru gostava de pensar que os sequestradores não apareciam muito pelo lugar. Porém, esse pensamento se mostrou errado, visto que, dia sim dia não, quando acordavam, encontravam comida próxima a porta.

Algumas vezes essas suposições eram abordadas com Izumi, uma forma de matar o silêncio entre eles, com uma conversa amena para distraí-los. Se perguntavam se a polícia estava perto de encontrá-los, se estariam negociando um resgate, se teria vindo a público o sumiço de duas figuras conhecidas. Precisavam manter a esperança acesa, para não se deixarem cair no desespero, principalmente Mikaru, que não tinha família ou amigos por perto e acreditava que nenhum deles estaria sabendo do sequestro.

A noção do tempo ficou bastante variada. Trancados em um cômodo pequeno e com a janela vedada, onde a lâmpada permanecia constantemente acesa, impossibilitava saber que horas eram. Sabiam quando era dia ou noite devido à diferença de temperatura, fora isso, tudo era igual.

Hayato, por muitas vezes, tentou perguntar algo mais pessoal para Mikaru, querendo conhecê-lo melhor e talvez se aproximarem como amigos, mas o loiro conseguia ser bastante evasivo, mesmo sem usar de ironia. Ele parecia não gostar de falar da infância, mas não se importava quando Izumi contava um pouco sobre ele mesmo. Tentou comentar sobre Takeo, perguntando da amizade deles e como se conheceram, mas o loiro mostrou que aquele era um terreno delicado. Quando tentou imaginar o porquê, chegou ao ponto que ele não mediria esforços em apontar o quanto o ruivo foi especial e importante em sua vida e, definitivamente, Hayato não queria ter seu ciúme atiçado.

* * *

Quanto mais chovia, mais parecia que o tempo esfriava e escurecia. A luz do quarto piscava todas as vezes que se ouvia um trovão, ameaçando deixá-los na completa escuridão. Os reféns estavam sentados lado-a-lado, mas não perto o suficiente para se ajudarem a aquecer. Mikaru havia abraçado os joelhos e apoiado a cabeça neles, piscando lentamente como se a qualquer instante fosse cochilar. Hayato estava enrolado na jaqueta do loiro, que não se importara de emprestá-la mais uma vez.

Outro trovão foi ouvido, fazendo a luz esmaecer e sobressaltando Izumi, que se encolheu mais no lugar. Mikaru estava certo quando disse que estavam afastados da cidade, pois aquele tipo de chuva era atípica de onde moravam.

E falando no rapaz… ele estava anormalmente quieto. A chuva e os trovões não causaram efeito nenhum nele, que parecia não ouvir os estalos ou sentir frio. Mikaru estava estranho fazia alguns dias, mas só agora, sentado tão perto é que Hayato notara a diferença. Não que ele estivesse em sua melhor forma, mas o loiro tinha olheiras e perdera muito peso.

_ Mikaru? - chamou baixinho, estendendo a mão em sua direção, mas se detendo a poucos centímetros. Conversarem com educação era uma coisa, tocar no outro parecia um passo mais a frente.

Assustou-se com outro trovão e novamente não viu nenhuma reação de Mikaru. Seu rosto estava pálido e ele parecia lutar contra o sono.

_ Hei… tudo bem? - deixou o receio de lado e estendeu a mão até seu braço. Ele o ajudara antes e estavam em trégua… E mesmo se não estivessem, não ia deixar alguém passando mal do seu lado.

Mikaru resmungou uma negativa quando Hayato colocou a mão em sua testa, finalmente fechando os olhos e apreciando o contraste da mão fria com sua pele quente. Ele estava com febre e pelo seu estado, estava se sentindo mal há alguns dias. Por isso permanecia tão quieto.

Retirou rapidamente a jaqueta, jogando sobre as costas do rapaz. O que ele podia fazer agora? Não tinha remédios e não podiam se dar ao luxo de um banho frio para abaixar a temperatura. Aquele cúbico que supostamente era um banheiro mal servia para as necessidades básicas.

_ Devia ter falado que não se sentia bem… - Hayato resmungou mais para si do que para o outro. E do que adiantaria ser alertado? Não poderia fazer nada da mesma forma - Aguenta mais um pouco. Logo nós…

Uma pancada ao longe o fez se calar, olhando assustado para a porta. Será que eles haviam voltado? Debaixo daquele temporal? Mordeu o lábio inferior com força, escutando atentamente e tentando não entrar em pânico. Agora era sua vez de ser forte… ou tentar.

Outro pancada. E outra. E mais outra.

Parecia que alguém chutava várias portas com força, fazendo-as bater na parede, sem se importar se seriam ouvidos. Passos e a seguir a porta do quarto que estavam também foi chutada.

Hayato cobriu a boca com a mão, abafando um grito.

Três homens armados invadiram o quarto. Um correu até o pequeno banheiro, olhando para os lados e conferindo se não havia mais ninguém antes de se dirigir até os dois no chão. O segundo se aproximou também, enquanto o terceiro continuou na porta, vigiando e gritando com alguém ao longe, repetindo ‘Encontramos eles!’ várias vezes.

Um dos policiais pegou Mikaru no colo, saindo com ele do quarto e gritando que precisava de um cobertor. O outro ajudou Hayato a se levantar, perguntando se estava bem ou machucado, e se não fosse pelo apoio que recebia, teria caído de novo ao chão. Foi praticamente carregado para fora daquele cômodo, apenas visualizando de relance um longo corredor e várias portas entreabertas.

Do lado de fora, ignorou totalmente a movimentação e os trovões, apreciando a chuva fresca e o ar livre que respirava. Olhou ao redor em busca do colega, sendo informado que ele estava em outro carro, antes de também ser encaminhado para dentro de uma viatura. Havia uns cinco ou seis carros por ali, então desistiu de saber onde Mikaru estava, conformando-se em saber que os dois estavam seguros.

Uma caneca quente foi colocada em suas mãos e não precisou de uma segunda ordem para beber o conteúdo, um caldo grosso e gostoso que o aqueceu na mesma hora. Mal viu o instante em que apoiou a cabeça contra o encosto, suspirando aliviado e caindo no sono.

* * *

Piscou os olhos lentamente, virando o rosto para se esconder da claridade, sem muito sucesso. Quanto mais as coisas ao redor enctravam em foco, mais branco ele via, até que um ponto vermelho se destacou.

O toque em seu rosto era desnecessário para descobrir quem estava ali, pois Hayato sabia bem demais quem era, mesmo se estivesse de olhos fechados, mas mesmo assim, foi muito bem vindo.

_ Oi… - veio a voz de Takeo, rouca e baixa, acompanhada de um sorriso enorme.

O namorado parecia extremamente feliz, mas as olheiras e a expressão cansada mostravam que algo não ia bem.

_ Como se sente? - a voz do namorado tirou Hayato de seus devaneios, fazendo-o corresponder ao sorriso para tentar acalmá-lo.

_ Estou bem. - levou a mão até a do ruivo, segurando de leve em seus dedos - Quanto tempo eu dormi?

A pergunta veio mais para iniciar uma conversa e não deixar o silêncio se instalar do que por curiosidade. Izumi estava confuso, mas tinha noção que esquecia alguma coisa. Algo importante.

_ Pouco mais de um dia. - veio a resposta de Takeo, enquanto ele puxava uma cadeira para sentar ao lado da cama - Encotraram vocês ontem de madrugada e trouxeram direto para o hospital, mas só me avisaram quando amanheceu.

As lembranças do sequestro vieram à tona, passando pelas barreiras do sono e da letargia causada pelos remédios. Hayato não estava sozinho naquele galpão.

_ E o Mikaru? - olhou ao seu redor, só então notando que não tinha outra cama no quarto.

_ Ele… está bem. - Takeo respondeu após um longo segundo, mas não sem antes engolir em seco - Ainda não acordou.

Hayato encarou-o com estranheza, sentindo que tinha algo estranho na atitude do ruivo. Eram muitos anos juntos e ele sabia quando o namorado falava a sério ou quando estava brincando. E, naquela hora, ele sabia que tinha algo errado. Se lembrava de terem sido resgatados, mas antes de saírem da casa, Mikaru não parecia nada bem. Pode ser que a situação dele tenha se complicado…

Mordeu o lábio de leve, encarando mais uma vez o ruivo. Agora que ele não o encarava, era possível notar que aquela alegria que viu quando acordou realmente estava ali, mas não era completa. Ele parecia muito perturbado.

_ Algum problema? - dessa vez foi a curiosidade que fez Hayato questionar o namorado, encarando-o com atenção.

_ Não… não, nada. - o ruivo sorriu sem graça, bagunçando os cabelos num gesto de nervoso. O namorado havia acabado de acordar e o que menos queria naquele instante era preocupá-lo ou sobrecarregá-lo com seus pensamentos.

_ Pode me contar… - a voz calma de Izumi e o aperto carinho na mão de Takeo fizeram com que ele baixasse a guarda.

Takeo encarou o namorado na cama do hospital com tanta preocupação e desespero, que seus olhos lacrimejaram.

_ Foi culpa minha… - Shiroyama confessou finalmente o que o preocupava - Se eu não tivesse enrolado na boate… se tivesse saído quando disse que queria ir embora… nada disso teria acontecido.

_ Takeo, você não tinha como saber… - Hayato tentou consolá-lo, mas o ruivo apenas negou, discordando.

_ Não devia ter deixado vocês dois sozinhos me esperando. Foi tão… idiota! - apoiou a cabeça contra o colchão, ao lado da mão de Izumi.

_ Koi, não foi culpa sua. - levantou a mão para acariciar os fios vermelhos, mas o ruivo afastou-se num pulo, segurando sua mão no ar e impedindo que o tocasse.

_ Foi sim! Se eu não tivesse ficado pra trás, você não estaria num hospital e o Mikaru estaria bem.

_ Você disse que ele estava bem… - comentou baixinho, encarando-o desconfiado.

_ Está… acho que está… - suspirou longamente, apoiando o rosto contra as costas da mão de Izumi, fechando os olhos por um instante - O médico disse que ele vai ficar bem, mas quando chegou aqui estava com muita febre, a crise respiratória atacou, tanto ele quanto você estavam desidratados e perderam peso. Tudo que não podia acontecer, aconteceu.

_ Então ele não está muito bem, é isso? - Hayato estava confuso com aqueles rodeios de Takeo, que não chegava a nenhuma conclusão.

_ O médico o deixou em coma induzido para que pudessem cuidar dele até que a febre abaixasse. Você deve ficar de observação hoje, no máximo amanhã, mas o Mikaru… - deu de ombros, mostrando que não sabia o que aconteceria - Temos que esperá-lo acordar…

_ Entendi… - Hayato tentou ser o mais gentil possível, acariciando seu rosto para confortá-lo. Era normal o namorado estar preocupado e se culpando daquela forma, levando em conta que o amigo não estava em boas condições - Não se preocupe, ele é forte. Vai se recuperar rápido.

_ Ele vai me odiar… - Takeo resmungou contrariado, aceitando o carinho.

_ Duvido muito disso… - Hayato tinha noção de sobra de como o loiro era obcecado pelo amigo. Não ficaria chateado ou o culparia por aquilo.

E por mais que tivessem desavenças, realmente torcia para que Mikaru se recuperasse.

_ Agora me prometa que vai descansar e parar de se preocupar. - Hayato pediu ao ruivo, puxando sua orelha de leve, mas mostrando seriedade.

_ Ok… vou tentar… - sorriu minimamente, beijando-lhe as costas da mão.

Takeo sabia que não devia mesmo se preocupar antes da hora. Se o amigo iria ou não culpá-lo, só saberia quando ele acordasse. E precisava estar forte quando isso acontecesse. Tanto para ajudar na recuperação de Hayato quanto para aguentar o que viesse de Mikaru.

* * *

Mikaru acordou se sentindo estranhamente bem, descansado e disposto, o que significava que havia dormindo a noite toda, e essa era a parte estranha. Ele raramente dormia uma noite inteira, sempre acordando sobressaltado com seus pesadelos, mesmo quando usava de remédios para ajudá-lo a pegar no sono.

O cheiro de álcool o incomodava e não precisou de um segundo olhar pelo cômodo de paredes brancas para saber que se encontrava em um hospital. E se havia um lugar que não gostava, era aquele.

Suspirou fundo, aliviado por ter sobrevivido àquele lugar imundo. Se fizesse uma lista com os piores dias de sua vida, esse sequestro certamente estaria entre os três primeiros.

Levou a mão livre até o braço que recebia soro, retirando a agulha das costas da mão. Sentou no colchão fino e desconfortável, olhando com mais atenção ao redor. As roupas usadas durante aqueles dias estavam dobradas numa mesinha ao lado, mas não havia peças limpas.

Será que não haviam avisado ninguém que ele fora resgatado? A essa altura, toda a mídia já deveria saber. Por outro lado, ele mesmo não se lembrava bem do que tinha acontecido nos últimos dias e nem como chegara no hospital. Sua cabeça doía constantemente e ele tinha tonturas e dificuldade para respirar. Sua ansiedade era um veneno para sua hiperventilação, mas como controlar na situação que se encontrava? Era uma sorte estar vivo!

Sacudiu a cabeça, se repreendendo e repetindo que devia parar de pensar em morte. Devia pensar numa forma de resolver seus atuais problemas. Precisava ligar no escritório, falar com sua secretaria e pedi-la para enviar sua mochila com a roupa extra que deixava por lá e também pedir para alguém levá-lo em casa.

Apertou o botão para chamar algum enfermeiro e enquanto esperava foi verificar as roupas sujas para ver se havia algo útil guardado nos bolso, mas já imaginava que seria muita sorte encontrar o celular ou a carteira intactos.

_ Senhor! Não deveria estar fora da cama! - veio a voz da enfermeira que acabava de entrar no quarto, repreendendo o ato do rapaz.

_ Eu preciso fazer uma ligação. Posso usar o telefone do hospital? - foi direto ao ponto, enquanto revirava a roupa suja com desgosto, encarando-a após desistir da busca - Sabe se alguém veio me procurar?

_ Pode usar o telefone e se não me engano, o rapaz que está de companhia no quarto ao lado também vem te visitar o dia todo. - a mulher caminhou apressada até o lado de Mikaru, segurando-o pelo braço e apontando para a cama - Eu vou chamá-lo até aqui. Volte para a cama, por favor.

_ Não pretendo ficar aqui além do necessário. Poderia chamá-lo agora? - Mikaru não fez nenhuma menção de voltar para a cama. Queria roupas decentes e um motorista para levá-lo para casa.

_ Você tirou o soro! - apontou a enfermeira, vendo a agulha presa no colchão - Pelo amor de deus, senhor Kazunari, você não recebeu alta, não pode sair ainda!

_ Não se preocupe, eu assino o termo de responsabilidade. - retrucou impassível - Pode chamar o Shiroyama ou eu mesmo vou até lá?

Bufando irritada, a mulher saiu do quarto a passos duros, resmungando contra a atitude idiota do rapaz. Ele não era médico, podia pensar que sabia o que era melhor para ele, mas não sabia! Precisava de repouso, boa alimentação e levando em conta o susto, seria bom a ajuda de um psicólogo. Bateu de leve na porta do outro quarto, encontrando Takeo e Hayato conversando.

_ … que o Jack mexeu os pauzinhos com alguns conhecidos, seu primo começou a inventar um monte de histórias com a Yakuza invad-… - Takeo parou de narrar quando a enfermeira pediu permissão para entrar no quarto, parecendo meio contrariada.

_ Senhor Shiroyama, não é? - a mulher recebeu um aceno positivo do ruivo, então prosseguiu - O senhor Kazunari pediu para chamá-lo. Ele acordou um pouco alterado, dizendo que precisa ligar para alguém buscá-lo, mas ele não pode sair sem receber alta e tendo acabado de acordar. Pensei em falar com você antes de procurar o médico, para tentar acalmá-lo.

_ Eu vou falar com ele. - Takeo trocou olhares com Izumi antes de se levantar e seguir a enfermeira até o quarto do amigo.

_ Ele estava revirando as roupas e tirou a agulha do soro sozinho! O médico não vai gostar nada disso. Acham que nós enfermeiros é que não conseguimos manter os pacientes calmos.

_ Não se preocupe, ele é assim mesmo. Não gosta de hospitais e imagino que depois de ficar alguns dias trancados, o que menos quer é se ver preso em um lugar só. - explicou à mulher enquanto adentrava o quarto.

Takeo tinha receio de falar com Mikaru, mas se ele pediu para chamá-lo então Hayato estava certo e o amigo não estava tão chateado quanto imaginou que estaria. Isso o deixou aliviado, é claro, mas infelizmente não tirava todo o peso que sentia em seus ombros.

_ O que pensa que está fazendo, Mikaru? - Shiroyama caminhou apressado para dentro do quarto até chegar ao amigo, encarando-o incrédulo enquanto arrancava o cigarro de seus dedos e o apagava - Onde conseguiu isso? Tem noção que estamos num hospital?

_ Sabe que me acalma. - Mikaru deu de ombros, como se aquilo justificasse seus atos, estendendo a mão para o outro - Me dá seu celular.

_ Volte pra cama agora! - a intenção de Takeo era conversar amigavelmente para tentar acalmá-lo, mas se Mikaru estava sendo infantil, era melhor ser direto - A moça vai colocar o soro de volta no lugar.

_ Eu não vou ficar aqui, sabe disso. - encarou-o sério, aproximando-se e levando a mão até o bolso de sua calça - Cadê o celular?

_ Para a cama. - Shiroyama apontou para a direção da mesma, retirando o aparelho de telefone do bolso de trás, mas mantendo em uma distância segura.

Mikaru revirou os olhos, mas acatou o pedido, se sentando de volta no colchão e estendendo a mão num pedido mudo, recebendo o telefone quando permitiu que a mulher furasse seu braço mais uma vez.

Discou o número de cor do escritório, pedindo à moça com quem trabalhava para que pegasse sua mochila, conferisse se tinha outra muda de roupas dentro e também as chaves de seu apartamento, instruindo que enviasse tudo para o hospital. Ela confirmou que sabia o que acontecera e providenciaria tudo o mais rápido possível, dizendo que só não o visitara antes porque haviam proibido as visitas enquanto ele estivesse desacordado. Mikaru agradeceu a ajuda, perguntou como andavam as coisas pela empresa e passou algumas instruções, dizendo que voltaria para lá assim que pudesse e depois desligou.

_ Problema resolvido. Pode voltar pro quarto do seu namoradinho. - estendeu o telefone de volta para Takeo, que pegou com uma expressão de desgosto

_ Não vai sair daqui hoje. - apontou-lhe o óbvio, guardando o aparelho no bolso.

_ Às vezes você é tão chato. - revirou os olhos, fazendo pouco caso - Não vou passar outra noite aqui.

_ Você não recebeu alta ainda… - massageou as têmporas, imaginando que ia ter trabalho para convencê-lo do contrário.

_ Pode me devolver o cigarro agora? A enfermeira já saiu. - simplesmente mudou de assunto, como se não fosse importante discutir sua saída. E para Mikaru realmente não era.

_ Devia levar seus problemas mais a sério. - Takeo amassou mais o cigarro na mão, jogando-o no lixo - Você teve outro ataque de hiperventilação, chegou aqui com febre e desacordado e ainda fica brincando com sua saúde?!

_ Odeio quando tenta ser responsável. - comentou calmamente, deitando na cama e encarando o teto - Por que não tenta me animar? Estou de cama, lembra? Não pode brigar comigo.

_ Você não vai sair daqui hoje! - Takeo aproximou-se da cama, encarando-o sério. O amigo precisava entender sua situação.

_ Já me disse isso antes e já me ajudou. Vai lá mimar seu namoradinho. - dispensou-o com um aceno da mão, deitando de costas para o ruivo.

Shiroyama suspirou fundo, sabendo que não chegaria a lugar nenhum se continuasse a abordá-lo daquela forma. O amigo podia ser uma ótima pessoa ou podia ser um filho da puta dos grandes. Só precisava abordá-lo do jeito certo. Ignorou a cadeira ao lado da cama, subindo no colchão e sentando perto do loiro, bagunçando seus cabelos num gesto carinhoso.

_ Como se sente?

_ Ótimo. Agora some daqui. - bateu em sua mão, afastando-o de si.

_ Está chateado comigo? - Takeo questionou em tom baixo, estendendo a mão novamente e voltando a acariciar os fios loiros.

_ Claro que sim, Shiroyama! Você quer me manter preso aqui, merda! - virou-se no colchão, encarando-o com desgosto - Sabe que não consigo ficar parado! Preciso ocupar a cabeça pra-

_ Eu estava falando de ter deixado vocês sozinhos aquele dia… - o ruivo interrompeu de súbito com um longo suspiro, passando as mãos pelos cabelos e se levantando da cama, dando alguns passos pelo quarto - Eu sinto muito...

_ Espera. Não entendi. Volte aqui. - Mikaru sentou-se, apontando para o colchão numa ordem muda para que o amigo voltasse para onde estava - Você não é de se culpar pelas coisas. Muito menos se desculpar do nada. O que aconteceu?

_ Como ‘o que aconteceu’? Você e o Hayato foram sequestrados! Eu queria ir embora e depois fiquei conversando enquanto vocês esperavam do lado de fora. Se eu não tivesse feito isso, vocês estariam seguros! - contou exasperado.

_ De onde tirou essa merda? Duvido que as coisas tivessem sido diferentes com você por perto. Teriam sido piores, porque levariam os três e ninguém avisaria a polícia.

_ Nós teríamos ido embora e ninguém ficaria parado no meio da rua de madrugada!

_ Quem garante que já não estavam nos seguindo? - apontou o que lhe parecia óbvio - Seria muita sorte eles pegarem qualquer pessoa na rua que por coincidência é famosa ou rica. Não… Pra mim, eles já estavam observando, pelo menos um de nós. Se não fosse na porta da boate, poderia acontecido quando me deixassem no apartamento ou quando voltassem pra casa. Foi uma questão de oportunidade!

_ Isso é meio assustador…

_ Pare de ser infantil, Shiro. É a realidade.

_ Eu sei… - suspirou cansado.

_ Se era isso que te preocupava, então, não.

_ Não o que?

_ Não estou chateado com você. - Mikaru sorriu de canto, bagunçando os cabelos do ruivo - Essa carinha de gato abandonado na chuva não me deixa ficar chateado por muito tempo.

_ Idiota… - afastou-se do toque, ajeitando os próprios fios - Vai esperar o médico te dar alta, não vai? Eu te faço companhia.

_ Você sabe que não. - Mikaru retomou o tom sério, recebendo um olhar reprovador mas rebatendo em tom de aviso - Takeo…

_ Ok, entendi.

Shiroyama levantou as mãos em rendição, se dando por vencido. Não adiantaria continuar insistindo e batendo na mesma tecla. Quando Mikaru dizia que não, era não. E, apesar da teimosia, o amigo sabia de suas próprias limitações. Podia confiar, um pouco, quando ele dizia que estava bem. Pelo menos tinha certeza que ele estava bem o suficiente para uma briga verbal, o que era muita coisa.

_ Ao menos posso te deixar em casa? Não me preocupei em saber o que fizeram com seu carro, mas você deve ter feito o seguro dele e também não iria voltar dirigindo…

_ Quando foi que ficou tão responsável? Que saco! - Mikaru revirou os olhos, rindo baixinho - Eu não vou dirigir, fica tranquilo!

_ Vai que você tem mais alguma ideia maluca… - Takeo deu de ombros, se defendendo da acusação.

_ Normalmente, as ideias malucas são suas! E eu gosto muito delas! Então poderia parar de agir como um adulto e voltar a ser o cara que eu conheço?

_ Entendi, não precisa repetir. - levantou-se da cama, rindo do pedido do amigo - Vou falar com o médico e assinar os papéis pra te liberarem. Mas… me promete que pelo menos vai ficar em casa?

_ Takeo!

Shiroyama saiu rindo do quarto quando o amigo ameaçou jogar o travesseiro nele. Não que fosse doer, mas ser chamado duas vezes pelo primeiro nome, no mesmo dia, era algo raro e mostrava que havia testado a paciência de Mikaru. Rumou direto à sala da enfermaria, procurando pelo médico responsável pela liberação, decidido a cumprir sua parte do acordo. Por mais que Mikaru reclamasse e dissesse que não queria ficar quieto, Takeo sabia que ele não ia abusar da saúde. E por mais que se mostrasse forte, ele estava abalado. Todos eles estavam. Não só os três, mas os amigos que também foram envolvidos no caso e os parentes que ficaram sabendo pouco depois.

Porém, o mais importante de tudo aquilo é que estavam vivos e só isso bastava para sobrepor todo o resto, para abafar toda a angústia e medo. Sofreram e tiveram momentos de grande dificuldade sim, mas estavam vivos e se erguer não era impossível.

* * *

Shiroyama caminhava pelo corredor com Hayato de um lado e Mikaru do outro. Sabia da inimizade dos dois a ponto de não forçar uma conversa entre eles, nem mesmo um simples comentário sobre o tempo. Havia apenas avisado para Hayato, quando voltou ao quarto, que dariam carona para Mikaru, logo mudando de assunto e pedindo que se trocasse para que pudessem ir embora.

_ Acho que a trégua acabou… - Izumi comentou distraído, brincando com um mecha de seus cabelos, sem falar com ninguém em particular. Takeo o encarou de soslaio, sem entender aquilo e estava prestes a perguntar do que se tratava para saciar a curiosidade, quando a voz de Mikaru se fez presente, em seu costumeiro tom zombeteiro.

_ Que bom que sabe disso. Agora nos poupe de ouvir suas lamentações, sim?

_ Loiro aguado… - Izumi rebateu, mas apenas por costume, escondendo um sorrisinho de canto.

_ Vocalista de meia-tigela…

_ Eu não vou nem perguntar do que se trata toda essa cordialidade. - Shiroyama apressou o passo para se afastar dos dois, também com um pequeno sorriso em sua face. Não sabia o que havia acontecido, mas um tempo reclusos parecia tê-los obrigado a conversar sem se matarem.

_ Mikaru-san! - um voz vinda da outra direção chamou a atenção dos três que pararam de caminhar para ver quem se aproximava. Takeo e Hayato ficaram surpresos ao verem um rapaz se aproximar quase correndo, só parando quando se chocou com Mikaru, abraçando-o apertado contra si - Eu fiquei tão preocupado…

Apenas pela proximidade em que estavam é que Hayato pode ouvir a última frase do desconhecido. Arregalou os olhos, atônito demais para desviar a atenção para outro lugar que não fosse aqueles dois. Quem era o louco? Sentiu algo puxar seu braço, olhando de relance para Takeo, agora ao seu lado, e depois voltando o olhar para a cena, ainda incrédulo.

_ Vamos embora, koi… Mikaru já tem carona… - Takeo sussurrou para o namorado, passando o braço por sua cintura e puxando-o para perto do carro.

_ Mas… quem…? - precisava saber quem era aquele louco! Ele estava abraçando o loiro aguado e irritante!

E pra completar a cena surreal, Mikaru correspondeu ao abraço, deixando Izumi boquiaberto.

_ Ele está namorando? - Hayato acabou perguntando um pouco mais alto do que deveria, atraindo alguns olhares.

_ Isso não é da nossa conta… - Takeo cantarolou baixinho em tom divertido, ainda arrastando o outro para longe.

Takeo não sabia se o amigo estava namorando, não havia sido informado. Também não era babá dele e não tinha ciúmes. Não muito. Talvez se preocupasse um pouco se era uma boa pessoa, mas como Mikaru pedira antes, preferia quando ele não era tão responsável. Uma hora ele teria que encontrar alguém, ou ficar se divertindo com os errados, como sabia que ele gostava de fazer. Tudo tinha seu tempo para acontecer…


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Notas finais do capítulo

Essa fanfic faz parte da minha coletânea de histórias entre Takeo e Mikaru, sendo a primeira a ser postada, mas segunda que comecei a escrever (depois de incontáveis esboços de como contar a história deles, finalmente eu consegui!)

Se gostou dos personagens, aguardem que em breve virá mais!

Próxima fanfic do projeto: Beijo de boas-vindas!



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