POV's Fernando

Letícia estava estranha. Não um estranha ruim que desencadeou a morte de nosso bebê anos atrás. E sim um estranho bom, que há tempos eu não via ela ficar.

Foi uma época bem difícil, para não se dizer horrível. Vi a mulher da minha vida se afundar aos poucos e eu não sabia o que fazer. Confesso que não superamos totalmente, e que talvez nunca iremos.

Demorou um bom tempo para a Letícia sair de seu estado vegetativo. Bem, ela já havia voltado para casa e tudo mais... pelo menos seu corpo havia. Sei que teve alguns dias que ela queria desistir de tudo, de nós, dela, de sua vida. Com a ida e vinda desses fatídicos dias tive contactar a Márcia sobre esses acontecimentos e ela de bom grado deixou que eu tirasse folga neles.

Com o passar dos dias, vi Letícia voltar vagarosamente ao normal. Ela começou a sair para fazer compras, mais tardiamente a correr e por fim pediu a revogação de sua licença na Conceitos. Minha esposa se reergueu como pessoa no passar desses três anos. No meio desse tempo ela voltou a ser aquela mulher apaixonada como era. Primeiro veio a volta dela para dormir comigo na nossa cama, depois pequenos carinhos enquanto eu dormia, abraços e beijos vieram e por fim fizemos amor.

Não irei mentir ao dizer que não senti falta desses pequenos momentos - principalmente fazer amor - eu na verdade senti demais a falta de seu corpo nu colado ao meu nós perpetuando nosso amor a cada explosão de prazer. Mas eu precisava cuidar dela, curar seu interior como ela havia feito comigo antes.
Ouço a porta da frente de nossa casa abrir, me alertando da chegada da Letícia.

Termino de escovar meus dentes rapidamente e vou direto para a sala de encontro a ela.

Vejo minha esposa chegar entulhada de sacolas em seus braços, corro para ajuda-la a guardar as sacolas. Não que eu queria só ser prestativo, o que acontece é que estou carente dela então preciso de suas mão livres para abraça-la.

Ao terminar de colocar tudo no chão do quarto, não consigo esperar mais nem sequer um segundo e já me prendo em seus braços.

"Isso tudo é saudades?" ela pergunta. Não quero me soltar de seu corpo então apenas aceno com a cabeça. "Que lindinho, Fernando... ok, pode me largar agora" apenas a ignoro aumentado a força do abraço caso ela queira tentar sair "... FERNANDO MENDIOLA EU PRECISO FAZER NOSSO ALMOÇO".

"Não precisa não, fica aqui comigo. Na nossa cama... nosso cantinho... nosso aconchego" a cada pausa eu dava um beijinho em seu pescoço, sei que ela fica arrepiada ao ser beijada por meus lábios ali. Apenas meus.

"Fernando... por favor... por favorzinho." ignoro-a novamente nos movendo para perto de nossa cama "a gente n-"

"Não podemos o quê? Fazer amor?" ela dá uma singela gemida "Diz Letícia, não podemos nos amar aqui nessa cama como ontem fizemos?"

"Sim, sim podemos meu amor..." começo a levantar sua blusa quando ela me empurra com uma força que caio de bunda no chão "quer dizer que não podemos! Eu estou naqueles dias sabe"

"Ah, então tá. Eu vou tomar um banho então, é isso banho"

Vou em rumo ao banheiro deixando uma Letícia pensativa sentada na cama. Ok, isso tá muito que estranho. Ligarei mais tarde para o Carvajal porque essa Lety está me assustando.

Ligo o chuveiro esperando a pressão se estabilizar, entro no box mais perdido do que entrei. Letícia tá de fogo, não é possível. Será que ela fez uma tatuagem? Eu não reclamaria, na verdade até gostaria. Ficaria bem mais sexy do que já é... Ou ela engordou e por isso que não quer me mostrar o corpo... Mas ela sabe que eu não ligo nem-"

"Fernando" Letícia cantarola me tirando do estupor de pensamento que entrei

"Houve alguma coisa?" pergunto, vendo ela negando meio sorrindo, ela está tramando algo.

"Eu só vim aqui para saber se você queria uma mãozinha"

Pois é Carvajal, acho que conseguirei sobreviver com a Lety desse jeito...

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Lety me pediu para vestir terno e gravata que ela comprou hoje de manhã. Não estranharia muito se isso fosse para irmos a Conceitos, trabalhar e em dia de semana. Tá tudo ao contrário. Hoje nem é dia de trabalharmos na empresa por ser Sábado e ainda por cima a noite. Ela nunca gostou de ficar saindo para comer, dizia que era desperdício e que pode fazer comidas muito gostosas com muito menos dinheiro. Eu não ligava, na verdade nem ligo; até gosto quando ela cozinha e se suja (ou eu sem querer a sujo) e vamos os dois nos limpar... juntos!

Agora ela quer ir a um restaurante chique, com roupa chique, comida chique e conta mais chique ainda.

"Já está pronto e preparado amor?" ela grita do banheiro

"Sim, pode vir"

Quando a vejo saindo do banheiro meu coração dispara. Depois para. E volta a bater rapidamente. Ela está linda demais. Meu Deus. Eu sou um puta homem de sorte. Seus cabelos pretos soltos, caindo em cascata por suas costas, um vestido preto com um decote mínimo e aberto totalmente atrás, sua cintura bem demarcada pelo tecido, suas pernas nem um pouco aparecendo por causa do tamanho do vestido, me fazendo imaginar elas e por fim seu rosto. Puta que pariu seu rosto. Seus olhos demarcados com preto realçam o castanho caramelado natural, suas bochechas um pouco coradas e um batom vermelho pulsante como meu sangue está agora.

"Você está perfeita, totalmente perfeita" ela cora com o meu comentário enquanto vem andando devagar em minha direção "um pecado de mulher"

E sem poder esperar eu puxo cintura o mais perto de meu corpo e sinto sua respiração falha assim como a minha. Não consigo aguentar. Beijo-a com todo o meu amor e atração que sinto por ela. Sou louco, muito louco por essa mulher.

Temos que nos separar quando o ar se torna falho. Descanso minha testa na sua enquanto vislumbro seu sorriso se alargar, assim como o meu.

"Te amo" dizemos ao mesmo tempo.

"Então vamos para essa nossa surpresa" falo ao mesmo tempo em que pego sua mão

"Relaxa, Senhor Curioso... aposto que vai adorar"

Eu também aposto Lety, eu também...

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"Desculpa, mas eu até agora não entendi o que você esqueceu lá em casa sendo que revisamos umas três vezes antes de sair" digo indignado
Simples, estávamos em pleno carro, pronto para virar a ignição quando Letícia grita - me fazendo gritar com ela também - dizendo que havia esquecido algo dentro de casa.

"Já falei, Fernando, eu achei que tinha deixado o fogão ligado, que saco"

"Mas eu tinha visto, duas vezes. Depois que eu esqueci, nunca mais sai sem ver"

"Ai ó! Por isso que eu fui ver, você já esqueceu uma vez, não me surpreenderia uma segunda..."

"Letícia..."

"Fernando..."

"Senhores?" Diz o garçom, "A comida de vocês. O Senhor pediu 'Vitela ao Porto e compota de frutas secas' e a Senhora 'Salmão com creme de Aspargos'"
"Bom apetite"

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Bom apetite... Apetite eu já tenho, mas não estava com o organismo bom para comer. Essa quietude da Letícia está deixando meu estômago revirado. Vejo que no futuro não tão distante poderemos ter uma discussão bem feia sobre isso, logo agora que estávamos conseguir voltar aos eixos.
Por exemplo, ela nem encostou direito na comida até agora enquanto eu já terminei o meu.

"Você parece apreensiva, Letícia"

"Han, o que você falou?"

"Que a comida está uma delícia"

"Ah sim, muito boa mesmo"

"Pelo cheiro? Porque você não comeu até agora. A única coisa que fez foi ficar olhando para a parede atrás de mim e bater o pé"

"Eu... acho melhor irmos. Pede a conta? Vou ao banheiro"

Ela sai como um jato da mesa. Vou pedindo a conta cada vez mais angustiado e irritado. Sou marido dela, sou eu quem a ama, assim como sei que é reciproco. Por que tanta estranheza num só dia? Não está dando certo isso.

Quando vejo ela saindo do banheiro com suas mãos juntas uma na outra, fingindo que está calma eu percebo que essa frase nunca ficou tão clara como agora:

Não está dando certo isso.

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Me vejo sentado nessa cama numa sinuca de bico. Deixo como está e nos acabaremos aos poucos; vou pedindo explicações à ela e tem risco de acabar antes que aos poucos. Bem antes.

"Ok, sei que estou agindo estranho há pouco tempo, necessariamente hoje de manhã foi o pior né. Eu quero que por favor você não me interrompa porque tive muito pouco tempo nessas quase 2.000 palavras escritas. Ok? Ok. Então, há poucas semanas eu percebi que tenho sentido náuseas, tonturas, todo o tipo de coisa. Foi ai que uma semana atrás fui no médico e ele pediu para fazer alguns exames. E bem lá fui eu fazer os tais exames. Acaba que o resultado só saiu ontem à tarde e tudo mais. Enfim. O que quero que faça é levantar a bunda desse colchão, abrir a primeira gaveta a esquerda e sem um pio, ouviu?"

Resolvi acatar sua ordem pois estou muito curioso. Vou andando até que chego no lugar mapeado para mim e espero uma confirmação. Como está um silêncio muito desconcertante - principalmente por eu estar às cegas - tento virar para procurar a Leticia.

"Não ouse me encontrar antes de achar o negócio, Fernando"

Vou abrindo a gaveta à procura do tal exame. Encontro uma pasta de laboratório e abro rapidamente. Estranho, não há nenhum papel, e sim um conjunto formal de bebê. Terno e gravata.

"Letícia, Letícia, pelo amor de Deus me explica isso agora, você tá de sacanagem com a minha cara... Letícia?"

E é ai que acontece o inesperado. Letícia entra sem camisa, apenas de sutiã e uma faixa amarrada em forma de laço em sua barriga. Sua barriga pontuda. Barriga pontuda indicam bebês... o terno.

"Letícia a gente... nós... bebê..."

"Sim Fernando, nós estamos grávidos"

Ok. Muita informação. Eu não sei se choro, rio, ou abraço a Letícia. Na verdade, eu sei bem o que fazer. Sabe aquelas horas em que você pontinhos pretos que vão aumentando de repente? Então, isso que irei fazer.

Desmaiar.