Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 64
Até os ossos.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novo (eu sei que eu demorei, me desculpem. -q)
Se preparem porque vai ser teeeenso.
Tenham todos uma boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/548522/chapter/64

Loke estava absolutamente frustrado.

Normalmente ele conseguia se livrar bem da maioria das emboscadas que sofria, mas superestimara a própria recuperação desta vez. Assim como não levara em consideração a proporção de dano que a Emissária da Loucura lhe causaria.

Ele deixara os parceiros de missão ocupados com um ritual que uma certa bruxa aconselhara. Outrora a mulher era aliada de Cedric, mas com a eliminação deste, Liam conseguiu de alguma forma entrar em contato com ela. Agora, que o último enigma estava sendo decifrado e o jogo estava próximo de seu fim, os Seguidores do Pesadelo precisavam agir com cautela. Era necessário que agarrassem todas as Chaves Principado de uma só vez, e o despertar de Pesadelo seria iminente.

Se o tal ritual desse certo… eles conseguiriam um artifício que lhes daria a dianteira naquela corrida contra o tempo. E isso era uma coisa essencial, já que Nyx parecia disposta a disputar com Loke quem estava mais passos à frente de quem.

Sentia muito (na verdade, nem um pouco), mas desta vez, quem estava na vantagem era ele.

Bom… caso conseguisse sair da confusão em que se metera.

 

Ele fora capturado enquanto recolhia informações numa taverna de Porto Pedras. Não era como se estivesse realmente preocupado com isso, mas soubera que a mansão de Meredith de Saint Ignis havia sido incendiada por algum ser não identificado. Curiosamente, isso ocorrera alguns dias após o desaparecimento da estátua de Anne (claramente não mais petrificada, como ele tivera o desprazer de constatar no mesmo dia) e à caçada gigantesca que sucedeu-se.

Loke chegara a conclusão que ao mesmo tempo em que Meredith era odiada e temida, era também respeitada. Aquilo não era obra de qualquer um. Chegou a pensar numa certa elfa das chamas, mas nem mesmo Selene seria estúpida a ponto de entrar em Hathea com um prêmio tão gordo em sua cabeça. O grupo dos Relicários estava sendo prudente esses últimos dias, como sua rede de informação alegara.

Você pode imaginar, caro leitor, que não é algo que fosse da conta dele. E definitivamente Loke teria deixado pra lá tal informação e focado em coisas mais urgentes… caso não houvesse recebido uma mensagem da própria Meredith questionando violentamente “como ele tinha a audácia de traí-la bem debaixo de seu nariz e deixar aqueles pirralhos malditos escaparem.”.

Okay… havia algo muito errado acontecendo. Eventualmente era meio óbvio que o Filho de Hildin trairia todo mundo, mas ele tinha certeza absoluta que não havia levantado um dedo contra Meredith, ainda.

Enquanto mantinha um cigarro entre os lábios por puro capricho e remexia nas anotações que juntara naqueles poucos dias, suas mãos percorreram os cabelos descoloridos enquanto ele bufava de insatisfação. Odiava quando não conseguia entender algo… e o pior, ele sentia que a resposta estava na sua cara.

— Que porra está acontecendo desta vez? — deixou escapar entre os dentes, aprontando-se para se levantar. E foi nesse exato instante que sentiu o golpe em sua nuca. Loke só foi capaz de raciocinar que era idiota ao baixar a guarda tanto assim, antes de sentir outro golpe, ainda mais forte, e sua mente apagar.

 

Ele acordou com uma forte dor no local atingido. Seja lá o que usaram para bater nele, deveria ser bem pesado. Sentiu que os pulsos e tornozelos estavam presos por algo – possivelmente, grilhões. Quando os olhos ajustaram-se ao escuro do local, percebeu que estava em uma cela. Era uma prisão, grande porcaria. Lembrou-se momentaneamente de todos os que traíra e sobreviveram naquela cidade – uma lista bem extensa, é preciso notar – e gemeu de descontentamento. Como se tivesse tempo para esse tipo de coisa…

As grades eram bem grossas. Normalmente poderia cortá-las, mesmo assim, com seu controle de sombras, mas não estava recuperado o suficiente. Forçar a manipulação poderia ser-lhe fatal, ainda mais depois daquela última luta.

De maneira que apenas acomodou-se numa posição mais confortável – difícil tentativa. Só havia as paredes para se encostar, nem uma mísera cama fora cedida a ele – e esperou o primeiro idiota entrar para ser enganado. Não deveria ser complicado, guardas normalmente eram fáceis de se livrar.

Mas a pessoa que veio visitá-lo estava longe de ser um.

Na verdade, Loke a conhecia muito bem.

Em quesito beleza não chamaria a atenção. Era absolutamente comum, na verdade: cabelos e olhos negros, um rosto simples normalmente relacionado a camponeses. Seu porte também era bastante modesto, se o rapaz comparasse com as damas da alta corte de Hathea, com as quais convivera por um tempo. Entretanto, ela vestia-se como uma dessas senhoras, de maneira requintada. E foi só o rosto pálido, por volta dos quarenta anos, aparecer do outro lado das grades para Loke revirar os olhos, demonstrando apatia.

— Já faz bastante tempo… mãe.

A mulher não respondeu de imediato. Virou-se para um guarda ao lado dela e pediu com delicadeza para que este abrisse a porta. E os grilhões. Só quando haviam deixado o edifício da prisão que ela pôs-se novamente a falar, enquanto caminhavam pelas ruas apinhadas de gente (que, a propósito, não tiravam os olhos de Loke. Aparentemente ele teria que mudar seu cabelo e aparência uma vez mais).

— Perdeste a capacidade de agradecer também?

— Eu não precisava realmente de sua ajuda. — okay, talvez precisasse de um pouco. Mas jamais admitira aquilo para ela. — Ao menos pode dizer-me por que fui preso?

Os olhos negros dela estreitaram-se, céticos. — Com tudo o que costumas fazer, surpreendo-me que não saiba.

— Com tudo que eu costumo fazer, não faltam razões.

— Aparentemente um dos parentes de uma pessoa que traíste queria dar-lhe uma lição.

— Oh, essas pessoas de mentes limitadas pensam tão baixo. — ele deixou escapar uma risada. Se alguém lhe quisesse morto, possivelmente teria conseguido. A tolice alheia sempre parecia favorecê-lo.

Ouviu a mãe suspirar.

— Não sei onde eu errei contigo.

— Não espero consolá-la nem nada. — e realmente não era essa a intenção. — Mas você sabe bem de quem é a culpa.

— Seu pai era um herói. Manchaste seu nome tomando este rumo… poderias muito bem esforçar-se para ser como ele.

— Meu pai é um covarde, e a senhora sabe muito bem disso!

O que ele sentiu em seguida foi um tapa bem forte em sua face. Muito mais forte do que esperaria vindo de uma mulher de aparência tão frágil. Mas Loke não estava chocado. Na verdade, aquela era uma reação esperada… a mãe não admitia que acusasse aquele falso herói de covardia, e ele sabia bem que em matéria de tolice, ela era a mais estúpida de todos.

— Um covarde teria aliado-se a Pesadelo. Tu vives ressentindo-se dele ter ido embora, achas que atacar sua honra mudará algo?

Ele riu. Só conseguia gargalhar quanto àquela argumentação tosca e descuidada.

— Você age como se tivesse vivido naquela época, mãe. Por acaso sabes que aquele homem está na ativa novamente, que voltou sabe-se lá de onde foi se enfiar para ajudar pessoas aleatórias em vez de vir vê-la? — ele massageou brevemente a bochecha onde recebera o tapa. Agora que a mãe mencionara Loke III, as coisas começavam a fazer mais sentido. Então ele fora enfrentar Meredith? Nem pra ser um covarde decente seu pai servia, afinal. Olhou atentamente para o rosto da mulher que lhe dera a luz e sorriu ao ver que aquilo havia afetado-a. Estava lívida. — Eu não estou ressentido com ele. Eu lamento miseravelmente não ter nascido em seu lugar, e ter visto com meus próprios olhos a destruição que Pesadelo causou. Ah, se ele jamais tivesse sido aprisionado!

A mulher elevou a mão aos lábios, meneando a cabeça com tristeza. — Estás insano, meu filho. Seus caprichos são destrutivos demais pro sue próprio bem.

— E você me libertou mesmo assim? Mesmo sabendo que eu vou causar mais desgraças por ai? Ora, mãe… não sou apenas eu o insano desta família. — ele pôs-se a se afastar dela. Não aguentaria manter-se em sua presença por mais tempo. Estava irritando-o.

— Não poderia deixá-lo apodrecer numa cadeia até que resolvessem tirar sua vida.

— É por conta desse sentimentalismo barato que eu prefiro ser desse jeito.

Ele não virou-se para trás para vê-la, mas se o fizesse, notaria as mãos cruzadas em frente ao corpo e um par de olhos marejados, mas cheios de determinação. — Eu tenho esperança de que seu coração seja tão vazio como sempre demonstras… pois o dia em que apaixonar-se ou que comeces a importar-se com alguém além de si mesmo, alguém que jamais poderá ter… neste momento será sua ruína. Nunca estarás completamente preparado para esta dor.

— Isso nunca acontecerá! E é melhor que reze bastante para que alguém mais útil que a senhora me detenha, mãe! Ou viverá com a culpa de ter sido responsável pelo fim do mundo!

A ideia fez com que gargalhasse. Ocasionais pessoas que não o conheciam e passaram pelo local não entenderam absolutamente nada daquela situação e simplesmente decidiram ignorá-lo como um louco qualquer.

Porém, depois de andar por bastante tempo para sair daquela pequena civilização e entrar numa floresta, onde pretendia convocar o Durehan… sentiu uma fisgada violenta no peito.

— Não é possível… o que foi desta vez?

Loke não poderia imaginar que, em todos os cantos de Meroé, dos reinos élficos aos dos homens, desde o fundo do oceano até as Terras Inferiores, todo ser vivo e consciente sentiu a mesma coisa.

A dor cessou depois de alguns segundos e ele desencostou-se da árvore que usara para impedir a própria queda, suando frio. Depois de uma rápida análise, percebeu que não havia nada de errado com seu corpo. Se fosse algum tipo de veneno, teria continuado a doer até sua morte. Teve um certo receio de sentir a pontada novamente, mas isso não ocorreu. Respirando profundamente, decidiu que já se demorara demais por aquelas bandas. Precisava reunir-se com seus aliados e saber se o ritual havia dado certo.

Ele assoviou, mentalizando o Durehan, e esperou. A criatura sempre o encontrava, estivesse onde estivesse, de maneira rápida e eficaz, mas percebeu que desta vez ela demorava bastante. Quando estava praticamente desistindo e pronto para fazer o caminho a pé – e talvez punir o monstro quando tivesse a chance – um aglomerado de escuridão surgiu a sua frente e o ser saltou lá de dentro. Estava mais arrepiado do que Loke já presenciara, ainda mais nervoso do que aquele primeiro encontro com os Ragadashianos. A garra da calda fechava-se em todas as direções, como se algo o atacasse, mas o rapaz não conseguiu vislumbrar perigo algum.

— O que foi, agora vai ficar irritadinho toda vez que eu te chamar? — Loke manteve uma distância cautelosa do Dorehan. A criatura passou a ganir baixinho e sentou-se sobre as patas traseiras, enfiando o focinho entre as dianteiras logo em seguida. Era surpreendente como os chifres bizarros não o feriam, sua pele deveria ser forte embaixo de todo aquele pelo.

— Qual é o seu problema afinal? — o rapaz bufou, aproximando-se um pouco… e as coisas fizeram sentido em sua mente afiada.

O aperto no peito, a reação do Durehan… oh, era mais do que lógico!

O tal ritual havia sido um sucesso. E ele sentiu-se tentado a chegar no esconderijo dos Seguidores o mais rápido possível.

Com certa dificuldade acalmou o ser demoníaco e montou-o, apressando-se.

Loke precisava ver ele com seus próprios olhos.

 

oOo

 

 

Em algum lugar na fronteira entre Porto Pedras e Loreh, pouco tempo antes…

 

Kenai resmungou pela enésima vez em meio ao sono. Nesses últimos dias não conseguira dormir bem como gostaria. Por alguma razão que desconhecia, via várias e várias vezes Cedric morrer. Queria acreditar que aquilo não tinha nada a ver com culpa, mas talvez estivesse enganando-se. Ao acordar mais uma vez, praguejou baixo e ergueu-se da cama, deixando o quarto com o intuito de tomar um banho longo.

Ele simplesmente ignorara os preparativos da tal bruxa para aquilo que Liam chamara-a para fazer. Olhá-la era apenas mais uma forma de ficar irritado. Além do mais, a mulher não era a melhor das visões que alguém poderia ter, apesar de ser jovem. Sua pele por alguma razão descamava tanto que assemelhava-se a uma cobra, os olhos eram saltados como os de uma lunática e havia tufos de cabelos faltando.

Preferia gastar seu tempo tentando dormir, mas como não conseguia fazê-lo, contentava-se em evitar a bruxa o quanto fosse possível. E com isso aproveitava para não olhar para a cara de Liam, afinal ele estava grudado nela desde que conseguira contactá-la.

Seus sentimentos estavam muito confusos quanto a tudo. Manter-se no mesmo espaço que o Rato de Biblioteca só acarretaria em uma puta dor de cabeça e mais uma morte pra sua coleção. Kenai passou a mão pelos cabelos, jogando-os para trás enquanto andava e abrindo a porta do banheiro sem se dignar a bater.

— Ei, ninguém nesse lugar sabe o que é privacidade? — A voz familiar protestou. Liam estava seminu no meio do aposento, apenas uma toalha cobrindo as partes íntimas, e a julgar pela posição da mesma, este acabara de colocá-la, em reflexo à abertura da porta. Seus olhos faiscaram na direção de Kenai e ele fez uma expressão desgostosa. — Oh… é só você.

— Tsc… qual é a desse comentário irritante, Rato de Biblioteca?

— Não é minha culpa se você irrita-se com tão pouco. — ele rebateu, fazendo menção de sair do recinto, mas sendo barrado por Kenai. — Deixe-me passar!

— Você não vai sair daqui, Quatro Olhos. Precisamos conversar.

— Tsc, desde quando você conversa? A única coisa que faz é esmurrar e ameaçar. — Liam gesticulou com energia, lembrando-se que esquecera do óculos e voltando-se para a pia para segurá-lo, colocando-o em seguida. — Dispenso mais uma briguinha infantil, obrigado.

Kenai trincou os dentes. — Se não fizer isso por bem, vai ser por mal…

O outro engoliu em seco. A mão do maior já estava pressionada em sua garganta antes mesmo que tivesse tempo para piscar. Ele detestava ter que se submeter àquele brutamonte, mas o que poderia fazer? Igualmente estressado, desviou seu olhar para o teto. — Tanto faz. Mas prefiro continuar essa conversa vestido.

O mokolé observou-o atentamente por alguns instantes – uma análise constrangedora, dada as circunstâncias – e por fim soltou-o, deixando o local e batendo a porta atrás de si. Recostou-se na parede do corredor e cruzou os braços, abrindo e fechando a mão direita algumas vezes.

Liam saiu um tempo depois, vestindo uma calça bege e uma camisa branca presa por suspensórios. Ele endireitou os óculos e pôs-se a caminhar, enfiando ambas as mãos nos bolsos. — Vamos… diga logo o que quer.

— Por que está fazendo isso?

— Isso o quê?

— Isso. — Kenai rosnou, movimentando as mãos como se quisesse abranger o local. Ele definitivamente era péssimo em explicar as coisas. E em entendê-las, também.

O outro levantou uma sobrancelha, assumindo uma expressão inquieta. — Pra que quer saber? Isso não é da sua conta, é?

— Você quer que eu soque esse seu rostinho delicado?

— Por que não se dá ao trabalho de fazer ameaças novas, essas já estão ultrapassadas. — Liam disparou em resposta, mas forçou-se a se acalmar novamente. O mokolé era irritante, mas aquela atitude ligeiramente passiva estava intrigando-o. — Porque não tenho escolha. Satisfeito?

— Pensava que estava nessa por conhecimento.

— Quem me dera se fosse apenas por isso. Nem todo o dinheiro e conhecimento do mundo pagam o que tenho que aturar com todos vocês. — ele parecia visivelmente estressado. A grande verdade era que Liam estava cansado daquela missão, exausto de tudo aquilo. Para alguém que estava ali sem um objetivo claro, com apenas uma voz martelando em sua cabeça o que deveria fazer, aquele trabalho todo não traria nada. Todo o esforço, qualquer plano que sua mente perpetrasse, seria em vão. Os santuários, os lugares praticamente inalcançáveis que eles visitavam… não valiam toda a ameaça contra a própria vida que ele sofria, ainda mais dos próprios colegas. — Não sei o que se passa pela cabeça de Lyla, você está sempre querendo me matar e Loke? Ele é o pior de todos, mesmo que seja o único que eu consigo conviver. Não fosse essa maldita voz em minha cabeça, já teria tomado outro rumo.

Pôde ouvir a respiração ruidosa de Kenai e preparou-se para uma outra pancada, mas esta não veio. Felizmente, caso contrário era bem capaz dele quebrar alguns de seus ossos. Não tinha a menor capacidade de aguentar um golpe do mokolé estando tão próximo dele. — Também não gosto de como as coisas estão acontecendo.

Liam piscou os olhos, observando-o de esguelha. — Se não o conhecesse, diria que está sentindo culpa pela morte do garoto.

Kenai não respondeu, mas o Filho de Lilith sentiu o olhar assassino penetrar sua pele.

— Perde tempo demais negando as coisas que são óbvias, quando vai aprender? É um esforço vão e patético. O fado dos seres conscientes é se apegar. E se algo acontece ao objeto de seu apresso, fatalmente vai doer.

— Eu não era apegado a ele!

— Ele era seu filho, independente das circunstâncias. De qualquer forma, você teve muitas oportunidades de matá-lo você mesmo, então por que não o fez?

Dessa vez o mokolé reagiu. Ele girou o braço num movimento rápido, acertando a barriga de Liam e forçando-o a ficar contra a parede. Pressionado pelos dois flancos, Liam viu-se incapaz de escapar desta vez. — Porque você pediu para que eu não o matasse!

— E desde quando você leva em consideração algo do que eu falo, seu brutamonte estúpido!? Além disso eu não estava lá daquela primeira vez para pedir que o poupasse, estava!? — os óculos estavam tortos agora. Ele tentou forçar Kenai a soltá-lo mentalmente, mas para variar não funcionou. Detestava aquele cabeça de vento determinado. Suas mãos espalmaram no peito do mokolé na tentativa de afastá-lo, o que também não adiantou.

— Eu não tinha tempo pra isso porque vocês estavam se fodendo lá dentro com aquele bando de pirralhos!

— Pare de mentir! Pare de arranjar desculpas esfarrapadas e admita de uma vez! Está fazendo um papel ridículo.

— Eu não minto.

Eu não minto. — Liam desta vez cutucou o peito de Kenai com a ponta do dedo indicador. — Você apenas finge. E solte-me, essa conversa acabou.

O mokolé apertou ainda mais, diminuindo o espaço. Por um pequeno instante, Liam se arrependeu por tê-lo pressionado tanto. Definitivamente, ele ia sair muito ferrado daquela situação. Mas o Filho de Lilith não admitia mentiras. Se Kenai era incapaz de lidar com a verdade, não deveria ter tentando dialogar com ele. Mais uma vez Liam tentou sair daquela posição, segurando seu braço e puxando-o.

Malditos músculos.

— Solte-me, Kenai!

Ele sentiu o braço que tentava mover relaxar. Ao mesmo tempo a mão que desencostava da parede agarrou-o pela nuca e puxou-o mais para cima. Kenai pressionou a boca contra a dele brutalmente, forçando passagem com a língua e aprofundando um beijo inesperado e regado de raiva e angústia.

Liam descobriria que apreciara tal gesto, embora continuasse absolutamente atônito naquele momento. Sentiu quando Kenai desgrudou os lábios dele, a mão que segurava sua nuca retrocedendo e sendo impulsionada com força contra a parede. O soco do mokolé fez com que esta trincasse de cima a baixo. Depois de encarar Liam profundamente nos olhos por um tempo, ele afastou-se e pôs-se a resmungar, girando nos calcanhares e seguindo caminho.

Liam ficou para trás, incapaz de disfarçar a perplexidade.

Que droga acabou de acontecer aqui?

Suas pernas tremiam. Ele engoliu em seco, pronto para ir atrás de Kenai e tirar alguma satisfação quando viu Lyla chegando, vinda da mesma direção que o mokolé acabara de tomar. Ela atirou os braços para cima, demonstrando alívio. — Ainda bem que você não está longe, esse lugar é enorme! Vamos logo, já vai começar.

— O que vai começar?

Pergunta idiota, mas ele definitivamente não estava conseguindo raciocinar no momento.

— Você é retardado, por acaso? O ritual. Ande logo e pare de enrolar. — ela agarrou-o pela manga da camisa e saiu puxando-o. Novamente Liam via-se sem muitas opções além de acompanhar.

Lembrar-se-ia, em missões futuras, de evitar a todo custo envolver-se com pessoas de força sobre-humana e personalidade facilmente irritável.

 

 

Eles reuniram-se na sala principal daquele esconderijo, onde havia sido entalhado no chão um pentagrama rudimentar e o cheiro de magia negra impregnava o olfato. O que os Seguidores de Pesadelo ansiavam era:

Capturar um Deus.

Mas aquilo não podia ser feito por qualquer um, veja bem. Só as maiores bruxas conseguiriam tal feito, e mesmo assim a probabilidade de sucesso era quase nula. A quantidade de magia negra e antiga dispendida precisava ser igual. Dependendo do Deus em questão, era necessária muita energia também, vinda da própria terra de Meroé. Já que os deuses mais poderosos não eram provenientes daquele mundo, usar tal recurso era essencial.

Apenas alguém que obtivesse conhecimento sobre tantas questões poderia finalizar tal intento, tido como impossível à muitas eras.

Quis o destino que Corine, a bruxa que Cedric procurara para encontrar o pai, tivesse tal poder.

Num primeiro instante os Seguidores poderiam dizer que nada aconteceria de diferente. Apesar de o ritual gerar muita negatividade e fazer suas espinhas gelarem – uma reação muito similar ao instante em que puseram seus olhos na Emissária da Loucura – o bolsão de energia que fora criado apenas se expandia.

Era negro e caótico, parecia puxar tudo que estava ao redor, principalmente os poucos móveis mais próximos. Kenai, Lyla e Liam precisaram segurar-se com força nas paredes para não serem sugados por aquele buraco negro.

No entanto, a pontada no coração chegou para todos eles… como se aquele órgão parasse momentaneamente. Mãos escorregaram. Pés deslizaram em direção ao acúmulo de magia, que vibrava e inchava, prestes a explodir.

Lyla foi arrastada até muito próximo ao centro do ritual. Kenai conseguiu recuperar-se a tempo de prender-se ainda mais forte ao piso desta vez, e agarrou sem muita cerimônia Liam, igualmente pego de surpresa pela dor.

Corine continuava intocável, bem atrás do bolsão místico, os braços abertos e entoando palavras estranhas que feriam os ouvidos.

E então tudo parou.

Destroços flutuaram no ar, antes de caírem por todos os cantos do aposento, vencidos pela gravidade – e quase soterrando o trio no processo.

E, no lugar onde existira momentaneamente um buraco negro, surgira um rapaz de cabelos e roupas negras, com os olhos fechados, preso ao centro do círculo por grossas correntes escuras e sendo acossado por um turbilhão de magia que girava ao seu redor, uma barreira para qualquer um que quisesse entrar ou sair.

Ele abriu os olhos. Suas retinas eram vermelhas como o sangue.

A risada da bruxa cortou o ar. Alta, psicótica e triunfante.

— Vejam bem, mortais. O ritual foi bem-sucedido. Capturamos nosso alvo: Surm, a Morte, está entre nós.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Yo! Estavam com saudades de mim? -q Okay, vamos para as considerações do cap:
.
A imagem é do Kenai. Não achei nenhuma que parecesse muito com ele e essa foi a mais aproximada (tive que tirar o vermelho quase todo da imagem, mas meh... fazer o que. -q). E ele parece mesmo querer socar alguém. -q
.
Falando em Kenai... o tãaaaaaaaao esperado beijo dos leitores antigos da saga veio. Aeeee, é pra glorificar de pé. Talvez não tenha ficado tão bom como seria se a Ka tivesse escrito, mas... espero que tenha sido ao menos impactante. :p
.
E vocês conheceram a mãe do Loke também hoje! Deem suas opiniões do que acharam dela. :3
.
O mais importante do capítulo todo: SURM ESTÁ PRESO, MINHA GENTE! E agora? O que acham que os Seguidores pretendem ao usá-lo?
.
Semana que vem (se tudo correr bem e colaborar) eu acho que dá pra postar o próximo cap. -q
Espero que tenham gostado da volta dos Pesadeletes. Eu sei que vocês morrem de saudades quando eles somem. -q
Kisses kisses para todos e até a próxima ♥