Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 59
Três vidas por uma alma.


Notas iniciais do capítulo

Geeeeente, voltei!
Dessa vez meu sumiço não tem nada a ver com minha preguiça, estou sem internet em casa (pra variar) e por estar de mudança não tenho muito tempo pra usurpar a net da minha irmã e postar. A parte boa é que tem um cap pronto para vocês, e mais um pela metade.
Espero que tenham uma boa leitura.:3



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Em um futuro não tão distante:

 

O salão dourado estendia-se a frente deles. Havia tantas pessoas ali, tantos guardas e servos, observando-os com olhares acusatórios e prestes a pular em seus pescoços… ainda assim, a comitiva continuou seu caminho, ignorando-os e parando em frente ao Imperador de Meroé. Ele era velho, muito velho, não havia dúvida que em breve o trono passaria ao seu primogênito, e ninguém entendia porque tal coisa não acontecera até aquele momento. Levando em consideração todas as guerras e disputas espalhadas pelo território, o homem era claramente considerado ineficaz para o posto que ocupava.

Houve um momento de hesitação de ambos os lados. O que segurava a mão dos guardas, vendo aqueles assassinos adentrarem o Palácio e não fazendo nada para impedir? Teriam enlouquecido de vez? Sem sombra de dúvida todos eram perigosos, e essa era uma boa razão para uma atitude protetora.

O príncipe, que logo ocuparia o posto de Imperador, estreitou os olhos, observando aqueles que haviam adentrado seu recanto e ousado pisar naqueles salões, mesmo depois de terem causado tanta destruição. Sua boca se abriu para sibilar palavras de advertência. — Não sei o que os leva a ir tão longe, mas sua ousadia não é bem-vista. — Passou os olhos por todos os membros da comitiva, focando-os num em particular. — O que faz por estas bandas, Príncipe Fugitivo? Veio implorar por sua vida ou por perdão imperial?

— Rei. — uma voz feminina corrigiu-o, de maneira grosseira. — Ele é um Rei. O Rei sobre o Vale das Estrelas. E é prudente que seja tratado como tal, afinal tem tanto poder quanto vós…

— Ora… me admira que seres tão virtuosos decidam deixar um criminoso liderá-los. Parece que estão no mesmo nível do Reino Élfico Vermelho.

— Adoraria continuar esse debate sobre moralismo, mas não é com a sua majestade que eu vim falar. — o dito Rei abriu um sorriso adorável para o príncipe, erguendo os olhos em seguida, para fitar o Imperador. Este permanecia em silêncio, olhando-o de cima, com o queixo apoiado em uma das mãos. — Estou aqui para sugerir uma aliança, e acredito que será vantajosa para ambos. O tempo é curto, afinal.

O velho manteve-se calado, e só depois de bastante tempo assentiu com a cabeça, surpreendendo todos os seus súditos, inclusive sua própria família, presentes. — Nesse caso, devo ouvi-lo, Rei Branco… faça sua proposta, e decidiremos.

 

oOo

 

Tempo Presente, em algum lugar de Porto Pedras

 

O acampamento improvisado perto de um rio e na orla da floresta não era o mais adequado para a reabilitação dos feridos, sem sombra de dúvida. Atualmente, porém, tantos os Beast Hunters quanto os Justice Blades estavam em um estado lastimável demais para serem precavidos além da conta. Ainda que nos últimos dois dias eles tenham evitado ficarem em locais de fácil localização e tenham mudado o acampamento de lugar algumas vezes, a probabilidade de serem encontrados pelos caçadores de recompensas era muito grande.

A essas horas, já havia circulado um boato de que os dois grupos estavam de conluio… podia não ser um fato concreto para aqueles que buscavam conseguir a recompensa exorbitante pela cabeça dos magos elementais, mas em compensação uma fagulha de desconfiança não demoraria para se transformar em fogo.

A maior parte do grupo dormia ao redor da fogueira (acesa por Selene) e ao relento, enquanto Frosty recuperava as forças na tenda. Ele protestara debilmente sobre aquela deferência, mas em vão, já que todos concordavam que o elfo precisava de descanso redobrado. Tentaram fazer o mesmo com Nyx, mas quando esta reuniu forças suficientes para conseguir andar, deixou a armação e contentou-se em aconchegar-se em qualquer árvore mais confortável. Uma segunda tenda havia sido montada no primeiro dia para que Neco, Lidrin e Trixia dividissem, e esses igualmente não aguentaram ficar muito tempo nela. O tempo esquentava novamente, tornando penoso a estadia embaixo da lona, mesmo que esta fosse relativamente fina.

Um pouco mais cedo, os membros da Justice Blade foram impelidos a prestar contas com um Frosty que estava entre o super-exausto e o preocupado-pra-caramba.

— Que história é essa de contrato com o djinn, e eu não vou aceitar vocês contornando o assunto, quero saber agora. — ele exigira. E com toda razão, afinal qualquer pessoa entenderia que Neco poderia ter sua alma sugada por Lidrin a qualquer instante… na teoria, pelo menos. Neco implorara para que ninguém contasse o que salvara Frosty da morte certa, mas sua insistência acabara fazendo Anne dar com a língua nos dentes.

O resultado era que a maior parte dos caçadores estava dentro da tenda, com a exceção de Anne, que sentara-se no chão do lado de fora e tentava ouvir toda a situação, seguida de perto por vários shifters igualmente curiosos.

— Bem, você quer que expliquemos do modo simples ou do complexo? — Selene, como o esperado, mantinha seus braços cruzados e seu péssimo humor.

— Apenas digam se há um contrato ou não, maldição! — Frosty bateu violentamente contra o chão… estava escorado em uma das vigas que mantinham a barraca de pé, ignorando completamente os avisos para que ele voltasse a se deitar na cama improvisada. De fato, sua impaciência atingira um nível bem alto.

— Há… — respondeu Neco, estremecendo. Ainda surda, só conseguia entender muito parcialmente o que os parceiros diziam, e Lidrin precisava fazer sinais com as mãos para ajudá-la a entender a situação como um todo. O último, a exemplo dela, assentiu com a cabeça, confessando silenciosamente.

— Francamente! Eu esperava esse tipo de coisa da Nyx… — ele levou a mão a testa, tentando não reparar no olhar enviesado que a irmã lhe enviara, e suspirou. — Oh, pelos deuses, Victory… o que você foi fazer…

— Você está muito nervoso sem motivo, elfo idiota. — Selene descruzou os braços, levando a mão ao peito. — Acha mesmo que deixaríamos ela fazer esse tipo de estupidez? Aliás, que Lidrin aceitaria de bom grado um contrato conosco?

— Neco me procurou quando estávamos no subterrâneo, e você saiu para ver Anne. Ela pediu para fazer um contrato, mas eu neguei. Ela ia pedir para que Anne fosse salva. Selene e Nyx chegaram em meio a nossa discussão e interferiram. — Lidrin alegou, sentando-se e jogando os cabelos para trás.

— Não faria sentido trazer uma vida de volta, em troca de outra. — Alegou Nyx, inclinando a cabeça, os olhos perdidos em um ponto aleatório. — Até mesmo isso eu consigo deduzir, irmãozinho tolo. Nós temos uma promessa, não iria quebrá-la tão levianamente.

— O que nós decidimos… — prosseguiu Selene. — Foi que nós três faríamos o contrato. Cada uma teria direito a um pedido e usaria grande parte da sua própria força vital para gerar a energia necessária para que este se realizasse. A energia que substituiria uma alma…

— Mas não foi o bastante para curar Anne… havia se passado bastante tempo, estávamos muito distantes, e a força obtida através de energia vital e de uma alma não é igual. — o djinn meneou a cabeça. — A magia estava quebrada desde o início.

As palavras de Nyx sobre Etherea vieram a mente de Frosty “Até mesmo algo que a magia quebrada de um djin não pode.” — Era sobre isso que estava pensando naquele momento?

A jovem mestiça assentiu com a cabeça. — Nós tentamos não perder mais ninguém. No fim, o desejo foi rejeitado. Mas nós tínhamos em nossas mãos três desejos e um contrato para findar. Usei o meu para teleportar o grupo que estava comigo até vocês de maneira instantânea… o chamado era a ponte de comunicação entre um ponto e outro. No geral, foi um pedido bem complexo, mas Lidrim cumpri-o à perfeição. — ela deu tapinhas no ombro do djinn. — Neco usou o desejo dela para impedir que sua maldição se alastrasse, e assim pôde curá-lo antes que fosse tarde demais. Quanto a Selene, deve ter usado com alguma bobagem qualquer…

Uma ruga de irritação surgiu na testa da maga das chamas, mas esta não respondeu. Algo dizia a Frosty, contudo, que ela realmente já havia gastado seu desejo, e não revelaria tão cedo – talvez nunca – com o quê.

Ele sentia-se aliviado, de fato. Nenhuma alma fora perdida, e por mais que os tais desejos tenham colocado vidas em risco, era necessário admitir que tudo terminara bem no final. Levou a mão a testa, voltando a deitar-se. — Eu definitivamente não sei mais o que fazer com vocês.

— Você nunca soube, pare com esse drama. — Nyx revirou os olhos, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — A propósito… precisamos conversar sobre algumas coisas importantes.

— É nessa hora que você pede um milhão de desculpas e chora como uma criancinha por ter me deixado nesse estado? — ele apenas ergueu um pouco a mão, o suficiente para conseguir visualizar seu rosto.

— Não mesmo. — foi a resposta, dita em tom seco. Ainda assim, a mestiça baixou os olhos, demonstrando certa culpa. — É sobre Nyele, entre outras coisas. — deu mais alguns passos, parando ao lado dele e sentando-se no chão.

— Ahn, eu sei que ela te fez de idiota, não precisa me explicar.

Ela murmurou, resmungando alguma coisa que ninguém ali conseguiu entender e depois sentiu a mão deformada do elfo sobre sua cabeça, afagando-a gentilmente. — Pare de tentar resolver tudo sozinha. Nós estamos aqui para ajudá-la… quanto a Nyele, é meu dever como líder manter contato com ela… a partir do momento que você provavelmente vai rogar todas as maldições possíveis e imagináveis sobre ela se a vir novamente. Por mais interessante que deva ser uma discussão entre vocês duas, isso tomaria muito tempo.

Nyx, que havia fechado por um momento os olhos, reabriu-os para fitá-lo com descrença. — Pare de me provocar. Apenas mantenha em mente que aquela pessoa é traiçoeira e tente não cair nas suas maquinações.

— Do jeito que você caiu? — Selene abriu um sorriso maquiavélico.

— Como uma patinha… — Emendou Lidrin, disposto a colocar mais lenha na fogueira. Neco fora a única que se absteve de fazer qualquer comentário, afinal entendia muito pouco do que era falado e era apegada demais a Nyx para incomodá-la.

— Oh, certo, querem que eu admita que aquela víbora me passou a perna? Eu admito. Agora parem de me importunar. — ela não aumentou a voz nem tampouco mostrou qualquer sinal de raiva ou exaltação, mas pôs-se de pé e se preparou para sair da tenda. — Irritantes.

— Assim sendo… — Selene retornou a sua expressão fria, depois de abrir um sutil sorriso vitorioso. — Nós não iremos para a mansão de Nyele. Quanto menos nos envolvermos com ela melhor.

— Mas nós precisamos dela para termos as informações sobre a última chave. — protestou alguém. Anne havia desistido de esconder sua presença, abrindo a entrada da tenda de maneira que o grupo que ainda estava espionando atrás dela pudesse entrar na discussão também.

— Desculpem-nos pela intromissão. — Gravor coçou a bochecha, ao passo que Skylar empurrava-o para o lado para ser visto.

— Ei, vocês, porque estão decidindo isso sozinhos!?

— Nós também queremos saber! — disse Ryan.

— É, não podem esconder nada de nós! — a vozinha de Trixia vinha lá de trás, e como todos os outros eram maiores que ela, sua pose acusadora – com o dedo indicador a frente e a outra mão na cintura – passou despercebida.

Sean mantinha-se apenas sentado do lado de fora, a audição voltada para dentro da cabana, embora ele próprio não mexe-se um milímetro, nem sequer mantinha seus olhos abertos. Trix notou isso e fez um biquinho. — Eu sei que você está curioso também, pare de se fingir de desentendido.

Ele apenas abriu um olho para olhá-la, logo depois fechando-o.

Nyx havia tampado ambos os ouvidos, olhando de frente para Skylar, com tédio. — Vocês fazem uma algazarra desnecessária.

— Olha só quem fala. — sua voz aumentava de tom, era meio óbvio que ocorreria uma discussão. Simultaneamente, Frosty e Gravor suspiraram.

— E lá vamos nós…

— Ei, parem todos vocês! — Selene ergueu a voz também, suplantando de longe todas as outras presentes. — Vamos manter o foco, tudo bem? Depois dessa situação toda podemos ter certeza de que Nyele não é completamente confiável. Por mais que precisemos da informação, não iremos envolver-nos em mais nenhuma troca com ela.

— Prudente. — Gravor entrou no debate, cruzando os braços e parecendo bem tranquilo. — Não sabemos o objetivo dela ao manipular N… — um olhar foi o bastante para que ele tossisse e se corrigi-se. — Ao nos manipular.

— Não consigo pensar em nada no momento. — Frosty alegou — Mas não pode ser bom. Nós quase morremos.

— Mesmo que ela quisesse nos matar – o que não faz muito sentido, por mais ódio que possa sentir dos deuses que colocaram-na em sua situação atual – creio que poderia ter feito isso com suas próprias mãos. — Trixia ergueu um dedo. — Nós estivemos na casa dela, comemos sua comida. Por mais que existam algumas leis de hospitalidade, seria mais fácil para ela.

— Ela não quer nos matar. — Nyx finalmente destampou os ouvidos, seu braço incomodava bastante… ainda achava que havia quebrado-o ou tirado algum osso do lugar na luta contra Samira. — Está tentando guiar-nos para algum tipo de final preestabelecido por ela. E enquanto não soubermos que tipo de final é esse, melhor que tomemos uma atitude quanto a isso.

— Vamos cortar nossas cordas. — Disse por sua vez Sean, do lado de fora da barraca. Estranhamente, todo mundo conseguiu ouvi-lo bem, ainda que não levanta-se muito sua voz ao dizer isso.

— É… não me agrada ser marionete de ninguém. — Skylar colocou as mãos para trás da nuca.

— Então… o que faremos? — Ryan perguntou, piscando os olhos.

Todos voltaram sua atenção para Frosty. — Eu conversarei com ela a sós. Não se preocupem. Eu não tenho nada que ela possa querer.

— Eu sei de algo que ela gostaria. — Selene ergueu uma sobrancelha. Nyx girou a cabeça para olhar o irmão. Ele não fez mais do que sorrir apaziguadoramente.

— Isso é algo completamente diferente.

— Os sais são amaldiçoados, Frosty. São ligados à sua vida, não creio que você quer ficar cara a cara com Surm outra vez. — protestou a elfa das chamas, mostrando irritação.

— Eu lhes disse. Deixem comigo, sei o que estou fazendo. — ele sentou-se novamente, apreensivo. — O problema maior não é as informações em si, isso ela já nos deve, de acordo com seu conceito de troca equivalente. Contudo já chegamos a conclusão de que não iremos para sua mansão. As estradas e cidades estão cada vez mais perigosas para nós, e atualmente só consigo pensar em um lugar onde teremos abrigo e segurança.

— Que tipo de lugar você tem em mente? — Gravor perguntou, educadamente. Em outra ocasião, teria sugerido sua casa como base temporária, mas não queria arriscar pôr sua família na mira dos inimigos. Ele tinha um irmãozinho pequeno ainda. Quanto à Trixia, também tinha condições de fazer tal coisa, mas a situação com a sua mãe e os Justice Blades seria delicada. O mesmo valia para Lidrin, seus laços sendo tão estreitos com os Oliver.

— Casa. — Nyx murmurou, ao mesmo tempo que Frosty respondia, prontamente: — O Vale das Estrelas. Meu povo não se importa de receber ninguém, a menos que tenha um coração ruim, e nenhum de nós tem más intenções. O reino é afastado o bastante para que ninguém nos incomode. Isolado, eu diria. Mas… — os olhos azuis fitaram a mestiça, esperando alguma confirmação da parte dela. Ainda que estivesse de frente para o líder dos Beast Hunters, ela não estava olhando diretamente para ele. Na verdade, sua mente estava a quilômetros de distância dali. — … Nyx?

Ela piscou, respirando profundamente e recomeçando a andar, passando pelo meio da outra equipe como se nada estivesse acontecendo. — Não precisa pedir minha opinião quanto a isso. Eu vou. Contente-se em convencer os outros…

— Mas, Nyx, você…

— Já vai fazer três anos. — ela mexeu apaticamente os dedos do braço machucado e estreitou os olhos. — Chegaremos a tempo para o Festival das Flores. — e continuou a andar, logo afastando-se da tenda, e mesmo assim não parou. Os olhares agora estavam presos em seu vulto, que fora até a árvore que lhe servia de cama e subira, pondo-se a enrolar uma faixa branca no seu braço em seguida.

— Hum… isso foi bem inesperado mesmo. — Frosty meneou a cabeça, confuso. — Bom… o que vocês acham?

— Eu… eu gostaria de ver minha mãe. — Trixia pediu, voltando-se para Skylar. Selene disfarçadamente desviou os olhos para algum ponto qualquer. — Acho que… depois dessa última aventura, não temos como saber o que pode acontecer. Antes de irmos ao santuário da Chave Principado do Metal, eu gostaria de rever minha família.

— Nossa… que pensamento mais desagradável, Trix. — Lidrin ficou ao seu lado, colocando a mão em seu ombro. — Você pode simplesmente falar que está com saudade, por que não? Eu também gostaria de reencontrar a minha, faz tempo que não a vejo pessoalmente.

— Nesse caso. — Frosty começou, colocando o dedo na testa. — Nós nos separamos agora. Aqueles que quiserem ir, pelo menos. Encontrar amigos, família, o que for. E nos reencontramos no Vale das Estrelas.

— É uma ótima ideia. — a shifter sorriu largamente. — afinal eu gostaria de ver esse tal Festival. Meu pai um dia me disse que os festivais dos elfos eram sempre divertidos.

— Você ficaria surpresa. — o elfo retribuiu o sorriso. — Há muita música e dança, acendemos uma fogueira grandiosa a noite e cantamos para as estrelas. — Estava definitivamente saudoso, seus olhos brilhavam. Por um curto momento, pelo menos. — Selene poderia até mesmo fazer malabarismo com bolas de fogo, seria incrível.

Aquilo fez Trixia rir. De alguma forma, a raiva e o mal estar que sentia quando a elfa estava por perto haviam diminuído tanto que mal chegavam a incomodar. Talvez fosse isso que chamavam de perdoar e seguir em frente. A outra, no entanto, corou minimamente e tossiu. — Pode continuar sonhando.

— Você vai beber pra caramba e vai acabar fazendo, eu sei.

— Não vou tocar em nenhuma bebida, só para prevenir, principalmente que venha das suas mãos!

Agora todos os outros riram, e a ideia de passar por idiota fazia a habitual ruga de estresse pulsar em Selene. Contudo, ela não sentia-se desconfortável com aquilo. — Falando nisso, Sel… você pretende passar em algum lugar antes de ir para o Vale?

— Pretendo.

— Oh, sério? — ele pareceu surpreso. Embora devesse adivinhar que ela daria todas as desculpas possíveis e imagináveis para fugir dele. — Onde?

— Não é da sua conta.

— O amor é algo comovente. — Skylar ergueu uma sobrancelha, enquanto conversava com Gravor.

— Sem sombra de dúvida.

— Pobre Frosty… pobre de você, também.

— Ei… de que você pensa que está falando?

Nyx observava de longe a agitação na tenda, imaginando que logo seriam descobertos por algum caçador de recompensas. Suspirou, subindo um pouco mais na árvore, até que chegasse à copa e conseguisse ver o céu um pouco melhor. Encostou a cabeça no tronco da árvore, sentando-se e deixando as pernas delicadas balançarem no ar.

Depois de três anos, retornaria ao Vale das Estrelas. Poderia sentir o gosto de nostalgia e a alegria simples e enigmática de dançar em volta de uma grande fogueira. Um pequeno, mínimo sorriso surgiu no seu rosto.

Talvez ela estivesse realmente ansiosa por isso.

 

oOo

 

Anoiteceu.

Aqueles que iam se separar do grupo principal começaram a se preparar. Foi marcado um dia e um horário para que estes se encontrassem na entrada para o Vale, e alguém fosse buscá-los, afinal apesar de ser um povo alegre e amável, os elfos do chamado Reino Branco cuidavam especialmente de suas fronteiras, para que uma segunda invasão não os tirasse de seus lares e levasse suas vidas. Lidrin e Trixia já haviam partido, juntos. Gravor fora depois, tomando um rumo solitário. Skylar partiu também, estranhamente não indo procurar por Ian – caso contrário, teria se juntando a dupla de amigos. Não dissera qual era seu destino, mas garantira que estaria no local combinado.

Dos Beast Hunters, tanto Ryan quanto Sean não tinham nenhum lugar para voltar, então decidiram seguir com os elfos. Neco e Anne estavam na mesma situação. Selene era a única do grupo que partiria, mas ela ainda não tomara coragem para fazê-lo. Quando conseguiu, finalmente, decidiu despedir-se do elfo antes. Nunca se sabe o que pode acontecer, realmente…

A tenda estava vazia, com exceção de Frosty, que ainda não fora liberado para sair dela. Depois de toda aquela agitação, ele parecia um pouquinho mais cansado, mas estava melhorando… lentamente, mas melhorando. — Eu estou indo…

Ele notou-a, estranhando um pouco. Não esperava que ela fosse ir se despedir. As coisas estavam acontecendo de maneira muito estranha aquele dia, sem dúvida. — Oh, mas já quer se livrar de mim?

— Idiota. Você nunca se cansa? — ela sentou-se ao lado dele – no mesmo lugar onde Nyx estivera mais cedo – e endireitou-se.

— Não sei do que está falando.

— Cínico… o elfo mais cínico de Meroé, no mínimo. Deveria ganhar um prêmio por isso.

— Eu deveria mesmo, sou um mestre. — ele levou a mão ao peito, tendo uma crise de tosse logo após.

— Você está convalescendo, “mestre”. — ela balançou a cabeça, abrindo um sorriso breve. — Não me admiraria se acabasse semimorto outra vez.

— Sel… — ele mudou de posição e deitou a cabeça no colo dela, abraçando suas pernas no processo. — Acha que eu estava errado?

— Você está sempre errado, é um erro atrás do outro, nem dá pra saber do que exatamente você está falando…

— Continua mentindo extremamente mal, Selene. Que dó que eu tenho de ti… — zombou, logo assumindo uma expressão séria novamente. — Errado sobre… aquela coisa.

— A Emissária da Loucura. — ela captou na hora o significado. Algo na forma como todos se referiam a dona verdadeira do corpo de Nyx sempre soava amedrontador.

— Sim… sabe, eu descobri que ela existia apenas quando o pai de Nyx morreu. Eu nunca a tinha visto… a única coisa que eu vi foi aquela jovem que cresceu ao meu lado, coberta de sangue e rindo… histericamente. — ele apertou um pouco mais o abraço. — Era Nyx… mas não era. O que eu vi aquele dia era o resquício da passagem da Emissária. E isso me apavorou de tal forma que eu… que eu, que deveria protegê-la, precisei convencê-la que deveria controlar-se. Controlar-se para que aquilo não voltasse a aparecer.

“Nós prometemos que nunca faríamos nada que arriscasse nossas vidas. Eu abandonei meus sais, só usando-os na guerra por motivo de força maior. Mas cuidei para que minha alma não fosse corrompida a um ponto incorrigível. Ela selou sua outra metade. Controlou-se. Afundou seus sentimentos, que nunca foram muito extensos, tornando-os apenas uma sombra do que deveriam ser. Ela disse que jamais soltaria aquela coisa no mundo novamente. Acho que estava tão aterrorizada quanto eu… pobre Nyx. Eu queria ajudá-la, mas acabei destruindo-a ainda mais.”

— Você fez o que podia. Não somos capazes de prever o futuro, afinal. — ela deixou que uma de suas mãos descansasse no cabelo dourado dele. A outra percorreu a cicatriz terrível que seu fogo deixara na pele alva. — O certo e o errado são apenas pontos de vista.

— Pontos de vista… não esperava ouvir isso de você.

— Eu definitivamente não quero saber o que você espera ouvir de mim. Eu ficaria traumatizada. — voltou a observar as marcas. — Estão doendo?

— Ardem bastante de vez em quando, mas dá para suportar.

Selene desceu o olhar justamente na hora em que a expressão melancólica dele havia se transformado em um sorriso. — Dou-lhe uma moeda por seus pensamentos.

— Não sou materialista. Aceito um beijo em troca deles.

— Um beijo para me dizer o que eu já imagino? Tsc, que desprezível. Sua ladainha é sempre a mesma, só muda meia dúzia de palavras. Falta pouco para dizer que me ama.

— Você me pegou dessa vez, Sel… parece que está aprendendo. — agora ele moveu-se de maneira que conseguisse olhá-la nos olhos. — Mas, pense bem… se eu dissesse algo como “eu te amo” você me odiaria pelo resto da vida.

— Eu já te odeio para o resto da vida sem precisar disso.

— Hahaha! Minha teoria é completamente diferente. — ele ergueu a sua mão boa, tocando o nariz de Selene com o indicador. — Quer saber qual é?

— Eu já tenho uma ideia, não precisa me dizer…

— Que coisa, Selene, você realmente não sabe brincar, não é? — ele riu, divertidamente. — Deverias me dizer: sim, eu quero! Assim eu poderia fazer seus ouvidos desfrutarem da minha audaciosa teoria de que está apaixonada por mim.

Foi a vez de Selene começar a rir. — Ora, ora… você deve estar melhor do que eu pensei, se tem força pra ficar me assediando.

— Lógico, afinal é um esforço muito bem gasto, não acha?

— Não me faça esse tipo de pergunta… — ela voltou a resmungar. — Você deveria voltar a descansar…

— Eu estou descansando. Na realidade, seu colo é muito confortável.

— Eu vou realmente bater em você, Frosty…

— Se fizer isso, vou te beijar a força.

— Não seja patético, você não está em condições pra isso. Não nesse momento, pelo menos. — a voz dela destilava ironia. Selene estava em vantagem, se comparada a situação atual dele. O elfo não seria capaz de fazer absolutamente nada com ela, a menos que deixasse.

— Na realidade… — Frosty pressionou um dos braços no ombro dela, enquanto se levantava, empurrando-a em direção a cama improvisada, de maneira que no fim do processo Selene estava deitada de baixo dele. — Eu te disse… se for para assediá-la, tenho forças de sobra. E, além disso… — ele chegou mais perto ainda, falando em seu ouvido. — Para quem não quer ser assediada, você não resistiu absolutamente nada.

— Humpf… Eu estava distraída.

— Sim, é claro que estava. — ele moveu a cabeça suavemente para depositar um beijo em sua bochecha. E mais um, no canto de seus lábios. — Eu acho que… suas desculpas estão acabando. E seu tempo também…

Nesse caso…

O pensamento passou de maneira rápida pela sua mente, e Selene puxou a cabeça dele em direção a sua, selando seus lábios com um beijo demorado. Tão demorado que Frosty teve tempo para recuperar-se de sua breve estupefação e de fato aproveitá-lo. Ela conseguiu registrar o gosto dele, algo de refrescante… como uma manhã fria de inverno, mas acalentadora. Se a neve pudesse ter um sabor, com toda certeza seria aquele.

Quando separaram-se, o elfo descobriu-se sem fôlego. Mesmo assim, foi capaz de olhá-la nos olhos, notando um certo sorriso que surgia em seu rosto. Um sorriso que tornou-se irônico. Quase maldoso.

— Então… você ia dizendo o que, mesmo? Que ia me beijar a força?

A compreensão sobre aquele beijo atingiu-o, e ele deixou sua cabeça cair, suspirando profundamente. — Francamente… eu deveria ter imaginado algo assim…

— Você perdeu de novo, elfo… — ela apertou brevemente uma de suas bochechas.

Ele começou a gargalhar, em um dado momento deixando-se rolar para o lado, saindo de cima dela. — Ah… estou morto…

— Parece que perdeu o resto de suas forças, afinal.

— Sim. Eu admito isso. Depois dessa armação cruel, voltarei a dormir.

— Não seja tão melodramático. — Selene revirou seus olhos violetas. Mesmo que negasse tal coisa, seu coração ainda estava disparado. Bateu brevemente no travesseiro, indicando para ele deitar-se direito. — Venha aqui.

— Certo, certo… — Frosty ajeitou-se pela enésima vez, deixando que seus olhos fechassem-se. — Ei, Sel…

— O que foi? — ela já havia levantado-se para sair do local. Tanto sua mochila quanto sua aljava e flechas estavam arrumadas na entrada da tenda. Era só passar por ali e pegá-las, e então começar a sua jornada.

— Apesar de você dizer que ganhou… eu ainda estava querendo esse beijo, isso quer dizer que… — ele abriu apenas um dos olhos azuis para fitá-la rapidamente, antes de voltar a fechá-lo e abrir um sorriso tão irônico quanto o dela. — Estou na vantagem.

— Tsc… Não mesmo. E, só pra constar… — ela segurou a borda da entrada, preparando-se para partir. — Eu ainda não estou, nem pretendo ficar, apaixonada por você.

Aquilo o fez rir mais sutilmente… sabia muito bem que era uma mentira. Quando a elfa passou para o lado de fora, chamou-a mais uma vez, dessa vez mais sério. — Sel…?

Já irritada, com sua mochila nas costas e tudo devidamente preparado, Selene não fez mais do que levantar uma das pontas da lona para observá-lo. — Pare de me atrasar, maldição!

— Obrigado. E tenha cuidado.

Ela corou um pouco, fez uma mesura com a cabeça e largou a tenda, afastando-se dali a passos rápidos, antes que desistisse de ir. Despediu-se com um aceno de Anne, Neco e Ryan que estavam em um grupinho ao redor da fogueira, brincando de algo que não conseguiu definir, e fez o mesmo com Sean, calado como sempre. Quando passou por Nyx e seu silêncio contemplativo, passou um bom tempo observando-a.

— O que foi, Selene?

— Estou me perguntando se vai dar tudo certo com vocês…

— Nós nos viramos bem, sempre fizemos isso. Juntos ou não, certo?

— Correto. Até breve, Demon Lady.

— Até logo, Rainha de Copas.


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Notas finais do capítulo

Considerações:

+Não vai rolar imagem porque não sei mexer no editor de imagem do linux... e bem, se eu colocar a que eu queria vai ser meio que um spoiller, então me desculpem, vou ficar devendo. :(

+Aposto que esse comecinho vai deixar muita gente curiosa, hehe. Quero saber suas teorias, embora esteja um tanto quanto óbvio -q

+Finalmente foi explicada o trato do Lidrin com as meninas. Alguém tem ideia do que a Selene desejou, hum? -q

+Quanto a ceninha do romance: não tenho o que dizer, não me julgo muito boa em fazer essas cenas, então se ficou muito ruim podem me apedrejar. E se preparem que, como eu disse antes, isso é um interlúdio para a próxima saga. Terá bastantes cenas de diversão, festa e dos casais que já foram marcados para ficarem juntos "estreitando" seus laços. Depois disso as coisas vão ficar bem tensas outra vez, então aproveitem as férias de nossos heróis como se não houvesse amanhã.-q

Nos vemos em breve - espero, pelo menos, hehe.
Kisses, kisses. ♥