Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 53
Quem levará o prêmio?


Notas iniciais do capítulo

Tuts, tuts, tuts... advinhem quem voltou?
É um OVNI
É o Superman
É o Ctlhulhu.
Não, sou apenas eu. De volta do Reino de Surm, e das Terras do Bloqueio Criativo, e do mais longínquo ainda "Mundo de problemas pessoais que me impediram de escrever no começo do ano".
Bem, eu andei infernalmente ocupada com algumas coisas nesses últimos dias. Sabendo que me ocuparia delas, decidi passar o começo do ano atualizando fics mais antigas que eu não mexia já a algum tempo, e tentando deixá-las o mais próximo possível de um fim. Aproveitei esse tempo para reaver algumas coisas sobre o mundo de Meroé e como adaptá-las de forma lógica às cenas que estão por vir em CdP (e no próprio Compêndio do Destino).
Espero que não estejam muito irritados com minha mega demora, garanto que voltarei a postar com frequência maior novamente, afinal parece que me deram um pouquinho de folga.
Boa leitura para todos, e espero recomeçar as postagens do ano (um tanto quanto atrasadas) com chave de ouro... ou melhor, de Ar.



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— Ah… isso é realmente desagradável. — Liam praguejou, puxando os cabelos para trás e pondo-se de pé. Mentalmente, fez suas contas:

Kenai estava se recuperando do envenenamento, e momentaneamente estava fora de combate.

Em compensação, Lyla parecia inteira. Cedric não fora capturado pelas distorções do espaço, não sofrendo absolutamente nada. E ele próprio, Liam, apesar das miríades de sustos, também estava em boa forma. Ainda que, como era de se esperar, ele nunca tenha se considerado fã das batalhas.

Naquele momento, só haviam dois inimigos. Ambos pareciam miseráveis o suficiente para não ter de se preocupar, mas o Filho de Lilith era, acima de tudo, prudente. Sempre haveriam cartas na manga para serem usadas, e a frase que ouvira de Lyla ainda martelava em sua cabeça: a shifter pantera estava por perto também. E, de acordo com o que tinham reparado ao observar os rastros deixados pelo grupo que entrou antes deles, existiam mais dois inimigos presos ali dentro.

Tudo sob controle, por enquanto. Talvez conseguissem tempo o bastante para dar cabo da elfa e do tigre antes que seus parceiros chegassem àquele salão. E então poderia ir em busca da chave…

Acontece que nem sempre conseguimos o que queremos. Ele mal formulou o plano em sua cabeça, jogando o corpo para frente para tentar uma investida contra a mente de Victory, quando o djinn e a outra shifter adentraram o local. — Oh, por Surm… não param de chegar?

— E o que você esperava? — Cedric estalou os lábios com desgosto, passando a estalar todos os dedos das mãos. — Deixe-os comigo!

Houve um momento de pausa, onde todos os presentes se encararam. Como se um magnetismo puxasse sua atenção para o monumento no meio do salão, seus rostos voltaram para a tal direção. A vantagem dos seguidores estavam no fato de Pesadelo enviar constantemente enigmas para Liam, e seu conhecimento era o bastante para decifrá-los. Mas, não precisava ser um gênio para ligar a coincidência ao óbvio.

O que sucedeu depois daquele momento lento e interminável, foi terrivelmente caótico. Trixia disparou na frente, sem se dignar a mudar de forma, na tentativa de chegar ao pináculo primeiro. Lyla também adiantou-se, e Cedric, que parecia estar ali basicamente para atrapalhar a equipe adversária, usou de um salto rente ao chão para tentar dar um golpe na shifter. No último instante, porém, Trix desviou, e o mokolé deu de cara com uma parede de terra. Paralelamente, Lidrin já havia alcançado-o também, e a Foice do Pierrot materializou-se com todo o seu tamanho descomunal entre suas mãos, cravando-se a milímetros do rosto de Cedric.

Sean e Neko avançaram, o tigre em grandes saltos e a elfa bem mais atrás, por ainda estar bem cansada. Liam fez um sinal de enfado para Kenai, que já fazia menção de levantar, continuar parado. — Não se mexa. Eu vou lidar com isso.

— Quem você pensa que é para me dar ordens, Quatro-Olhos?

— Alguém que salvou a sua vida, faça o favor de não colocá-la em perigo desnecessariamente outra vez. Suas atitudes impensadas apenas atrapalham. — ele voltou-se para frente, tirando as mechas do cabelo de seu rosto e marchando em direção ao grupo que já começava a se entrechocar. — Além do mais, eles estão em muita desvantagem.

E suas mentes estão tão feridas pela guardiã que será fácil dobrá-las.

 

 

O primeiro a ceder a seu fascínio foi Sean.

O tigre já estava próximo do pico quando observou o outro vir em sua direção. Parecia-lhe uma atitude imbecil aquela, ainda mais porque, pelo que havia visto nos outros embates, o homem de óculos (ainda que não estivesse usando-os, naquele momento), não tinha uma força privilegiada. Ir contra um tigre daquele porte armado apenas com seus joguinhos mentais era uma extrema estupidez.

É claro… o raciocínio de Sean já não estava funcionando muito bem desde o momento que vira os cadáveres de seus antigos companheiros levantarem-se e lançarem-se contra seu pelo branco e negro, na esperança de rasgá-lo junto com a pele, os ossos e o resto que havia por baixo. De maneira que ele nem ao menos cogitou o fato de que não era o único suscetível ao controle mental de Liam. Quando ele tentou fechar os dentes no corpo do inimigo, este saltou e saiu do caminho rapidamente. E então uma flecha varou uma de suas patas, fazendo-o regredir de dor e ir ao chão.

 

 

Trixia havia parado em meio à corrida quando notara Liam e Sean prontos para se enfrentar. Ela mirou bem, sabendo que não conseguiria errar daquela distância. Bastaria um tiro entre as pernas para fazê-lo cair, e então o parceiro daria conta do resto. Estava preocupada com Lidrin, que já havia começado a batalha contra Cedric, e não estava em suas melhores condições para lutar. Lyla também já devia ter chegado ao pináculo, passando a escalá-lo. Um tiro rápido e preciso era a única coisa que podia fazer, na velocidade que os primeiros se mexiam, sem correr o risco de acertar Sean.

E ainda, assim que soltou a flecha, soube que havia algo errado. Mas já era tarde demais, e o estrago havia sido feito. Ela praguejou em alto tom, tomada de preocupação, sentindo a dor que o parceiro sofria correr por sua pele. Trincou os dentes, girando a cabeça em direção a Neco, que havia parado também. O lugar estremeceu violentamente, e a shifter gelou por alguns instantes. Algo lhe dizia que um terremoto ali não seria nada conveniente. — Vá na frente, eu seguro as coisas por aqui!

Sinto muito, Sean… Chegou a pensar, querendo que o sentimento chegasse até ele. Ao notar que a pequena elfa parecia confusa com suas palavras, franziu o cenho. Ela não está me ouvindo?

Voltou a fazer gestos para que ela seguisse em frente e voltou sua atenção para o local onde vira Sean pela última vez. O tigre continuava parado ali, rangendo suas presas medonhas, parte pela dor da flechada, parte pela incapacidade momentânea de se locomover. De Liam, não havia sinal.

— Maldição… para onde ele foi?

Um movimento breve percebido pelo canto do olho assustou-a, fazendo-a dar um salto para trás, na direção do lado oposto. Não havia nada ali. Ainda assim, sentiu quando um par de braços abraçou-a por trás, um das mãos do inimigo levantando para fechar seus olhos a força.

 

Liam abandonou o corpo adormecido de sua segunda vítima, sofrendo espasmos violentos, como se estivesse presa em um pesadelo terrífico, e afastou-se para evitar uma dentada de Sean. De alguma forma o tigre havia conseguido se arrastar mais para perto e, se o Filho de Lilith estivesse distraído, com toda certeza teria perdido a movimentação das próprias pernas. — Ahn… não, hoje não, gato superdesenvolvido. Tenho coisas mais importantes para cuidar…

Ele voltou a desaparecer da vista do animal, forjando uma ilusão em algum ponto as suas costas, forçando-o a recuar. Enquanto isso, visualizou a situação. Tanto a pequena elfa quanto Lyla já estavam fora do alcance da visão, significando que deveriam ter penetrado no pináculo. Cedric estava ocupado enfrentando o djinn que, por mais forte que fosse, também parecia enfraquecido. Focou por último Kenai, encostado no mesmo canto do salão onde antes estava, aparentemente irritado por não poder participar da brincadeira. Logo seu poder regenerativo entraria e ação, porém, aliado ao antídoto que acabara de injetar em seu sangue. O Mokolé não demoraria para entrar na batalha, e Liam tinha a noção de que isso seria decisivo para uma vitória.

Quanto a Lyla, esta já fizera frente a líder dos Justice Blades, sem dúvida conseguiria subjugar a maldita controladora de terra. Liam ajeitou os óculos por cima do nariz e decidiu ganhar tempo com o tigre ferido e a pantera presa em pesadelos. Mantendo-os afastados do conflito maior, as coisas estariam sob controle.

 

Ao mesmo tempo, Lidrin e Cedric estavam isolados, preocupados com sua própria luta. Normalmente, djinns eram infinitamente mais fortes que qualquer das raças comuns geradas sobre Meroé, conseguindo fazer frente até mesmo aos Abençoados e Amaldiçoados. Seria simples para o Justice Blade sair por cima naquela batalha, levando em consideração que Cedric não era dos mais inteligentes, contando muito com sua regeneração e força bruta, ambos herdados de seu pai.

Como sempre havia um “mas” envolvido, além de Lidrin recusar-se a usar todo o seu poder esmagador em lutas para evitar problemas maiores, ele simplesmente não estava em condições de usá-lo naquele momento. Perdera uma parte de si mesmo a pouco tempo, a parte sádica e cruel que teria escolhido obliterar o inimigo de uma vez, em vez de dar-lhe qualquer chance, sem se incomodar com quem estava em volta, sendo aliados ou não.

Ele havia dado-se conta da barreira mágica criada para limitar seus poderes (e dos outros também, possivelmente), obra de Samira. Esta havia se partido, porém. E unindo isso com o esgotamento inusual que sentia, só conseguia pensar em uma coisa: que outro desejo havia sido concedido, o que significava que o segundo grupo havia chegado até eles, estando em algum lugar do castelo. Isso causara possivelmente a quebra do isolamento preparado pela guardiã.

Então, de todas as pessoas possíveis, Frosty havia invocado a mágica… aquele quadro parecia ao djinn cada vez mais estranho. Enquanto racionalizava sobre essas coisas, ele mantinha o outro mokolé distante, girando sua pesada e afiada foice. Sabia, contudo, que aquilo era apenas uma maneira de atrasar o rival. Caso Neko não se apressasse…

Os gritos desafinados de Trixia chegaram aos seus ouvidos, e ele precisou lutar contra sua vontade de ir resgatá-la, mantendo seus olhos sobre o oponente.

— Você não vai tentar salvar sua namoradinha?

— Não somos nada assim, não que isso seja de sua conta… — a foice cortou horizontalmente, pegando superficialmente no peitoral do mokolé e rasgando a roupa que ele usava. A pele escamosa de sua transformação ficou à mostra e o djinn trincou os dentes, com irritação visível. — Acha que algo tão risível pode parar minha foice?

— Bom, não estou vendo ninguém aqui rir. — O mokolé abriu um sorriso divertido, bloqueando um segundo golpe da arma com um dos braços, jogando o corpo para frente e afiando suas garras para acertar Lidrin. Elas acertaram-no, criando um corte profundo que ia do ombro direito até o flanco oposto.

Sentindo a dor penetrante aumentar sua raiva, ele deu um passo para trás, remodelou sua postura e investiu descendo a foice com ainda mais força.

— Isso não irá… — Cedric foi calado pelo golpe violento que acertou seu ombro, suas escamas eram fortes para bloquear boa parte da força, mas ele foi cortado profundamente. Não fosse por elas, sem dúvida teria sido partido facilmente em dois. Agora também estava irritado, e os golpes entre ambos começaram a ficar mais ágeis e pesados, fazendo esguichos de sangue subirem toda vez que acertavam o alvo.

A luta parecia prestes a terminar quando Cedric usou um pouco da cabeça para ludibriá-lo, fingindo um golpe de um lado enquanto sua perna mexia-se ao mesmo tempo para passar-lhe uma rasteira. Preocupado em restabelecer o equilíbrio e não deixar-se cair, o djinn baixou o guarda e uma porrada bem-dada com o punho em sua mão que segurava a foice fez com que ela fosse atirada para cima. As mãos poderosas de Cedric agarraram-no pela garganta e pressionaram, fazendo o djinn erguer as suas próprias na tentativa de se soltar. Precisava se lembrar que mokolés tinham realmente uma força avassaladora quando incomodados. Ele sentiu nitidamente as garras dos polegares do inimigo crescerem ainda mais, com o intuito de cortarem sua garganta.

— Para uma raça tão poderosa, você é um oponente bem patético.

Lidrin tentou falar algo, mas com a pressão era impossível. Com um sorriso de zombaria, Cedric inclinou a cabeça, sarcástico. — O que foi? Não estou te escutando…

E então ele sentiu as costas queimarem, sendo perfuradas por algo absolutamente afiado. Viu quando uma ponta de lâmina perfurou a parte frontal de seu peito. Ele moveu a cabeça lentamente para o lado, sentindo a boca encher-se de sangue. Daquela posição, conseguia usar sua visão periférica e observar a Foice do Pierrot que, magicamente e sozinha, havia fincado-se em seu corpo, de cabeça para baixo. Ela logo puxou a si mesma, enquanto suas mãos soltavam Lidrin, o pescoço dele arranhado e deixando escapar um filete de sangue onde a garra havia começado a cortar.

O djinn viu seu inimigo revirar os olhos e desabar no chão. — Manipulação da Realidade… também podemos usar isso em benefício próprio, mas aposto que não sabia disso… criatura parva. — Ele agarrou a foice que ainda flutuava no ar e girou-a entre os dedos com velocidade, fazendo o sangue esguichar da mesma. Suas pernas tremeram. Ele definitivamente não devia usar esse truque em seu estado delicado. Piscou os olhos para livrar-se da visão que começava a embaçar e focou-os adiante, onde Liam estava. Trixia ainda rolava no chão, gritando e se contorcendo, como se estivesse sendo vítima de dores atrozes por todo o corpo. Sean lutava contra as ilusões causadas pelo Seguidor do Pesadelo, não podendo encará-lo diretamente.

— Fico surpreso por ter se saído tão bem contra Cedric, mas infelizmente ele não é um primor de inteligência… — Liam revirou seus olhos, fitando-o de frente. — O que fará? Não está mais em condições de tentar nenhum truque.

— E imagino que não consiga me atacar diretamente, afinal está controlando a mente deles dois.

— Sim… creio que sim.

Para Liam, capturar várias pessoas ao mesmo tempo, na mesma ilusão, era simples. Mas quando era forçado a simular realidades diferentes para pessoas distintas, era mais fácil deles se libertarem de seu julgo. Basicamente, era o mesmo que se sucedera a Samira quando teve que criar suas inúmeras salas para cada visitante. Considerando, é claro, que por ser uma Amaldiçoada, seu poder era muito superior ao dele.

— Parece que estamos em um impasse… — o djinn balançou a foice, prestes a atacá-lo de frente, de maneira que ao menos pudesse romper seu domínio sobre os companheiros. Mas nunca chegou a finalizar seu intento.

Um par de mãos unidas acertou-o violentamente na cabeça, e uma perna forte e pesada atirou-o para longe.

Kenai soltou as mãos, estralou os dedos, o pescoço e os ombros. Sua expressão denotava indignação. Muita indignação. — Mas que inferno, essa sua ordezinha ridícula me fez perder toda a diversão!

— Ora, já estás curado? Pensei que demoraria um pouco mais para sua cabeça dura levantasse do chão…

— Não comece ou irei estraçalhá-lo, Quatro-Olhos maldito. Agora vou subir nessa chaminé esburacada, ou seja lá que nome se dá para isso, e vou pegar essa maldita chave.

— Poupe-me. Lyla já foi em frente. Fique aqui e tente estancar o sangramento de seu filho, antes que ele morra de hemorragia. Ou ajude-o a respirar até que consiga regenerar o estrago que a Foice do Pierrot fez nele.

— Nem morto, você mesmo disse que aquele pirralho é sua marionete ou algo que o valha. E já disse que não me importo com o que acontece a ele.

— Bem, eu me importo de perder outro aliado por insensatez. Já que pretende continuar com sua teimosia, cuide desses dois enquanto eu lido com ele.

— Ah… agora sim você está falando numa língua que eu entenda… — Kenai socou a própria palma da mão, caminhando em direção a Trixia e Sean, enquanto Liam afastava-se para ir socorrer Cedric.

 

oOo

 

Neco já havia adentrado os pináculos feitos de calcário. Eles pareciam ainda maiores de perto, e soube instantaneamente que a distorção da realidade estava mais uma vez em ação. Fixou seus olhos claros na figura de Lyla, que já começava a escalar uma das paredes, na tentativa de chegar ao topo das torres internas, repletas de buracos, parecendo um grande labirinto.

Era horrível não conseguir ouvir absolutamente nada além de seus pensamentos. Com desgosto, a pequena elfa escolheu uma depressão em uma outra torre, uma que tinha certeza de conseguir subir. Claro que não lhe daria menos trabalho, mas ela podia moldar ao menos os seus minerais para criar plataformas.

De maneira que, apesar de sua fraqueza física, não demorou muito para que já estivesse a altura de Lyla. A mulher lançou-lhe um olhar apático, mordendo o lábio inferior, antes de continuar. — Você é muito cheia de truques, pro sue próprio bem… foi assim que venceu Liam no duelo?

Sem resposta. O rosto de Neco só mostrava dúvida, o que fez a outra se irritar. — Está me ignorando, projeto de elfo?

Silêncio.

A mais nova deu de ombros e voltou a subir na frente, sem lhe dar mais atenção.

— Ei, responda as pessoas quando elas falam com você… Maldita seja!

Foi nesse momento que sentiu algo bater com força contra seu peito, atirando-a para trás. Uma plataforma de calcário acabara de acertá-la? Era mesmo sério isso? Trincou os dentes, em queda livre, e girou o corpo no ar para posicionar-se. — Se é guerra que você quer, baixinha, é guerra que você terá…

Ela caiu com pressão contra o chão de rocha, partindo-o em seu trajeto, e flexionou as pernas para pegar impulso novamente, usando o próprio solo como catapulta para voltar a saltar. Conseguiu atingir velocidade e altura altas dessa forma, e uma das chaminés pareceu envergar perigosamente para a frente quando voltou a tocar seus pés nela. Aproveitando o ângulo menos agudo, começou a correr, ganhando terreno com facilidade. Neco já estava bem próxima da enorme caverna que podia ser vista acima, de onde provavelmente vinha a música. A chaminé sobre a qual corria havia descido um bocado de nível com sua inclinação, de maneira que Lyla seria forçada a saltar mais uma vez para atingir a borda da abertura, mas isso não a incomodou em nada.

A mulher corrigiu a própria rota com maestria, ganhando um pouco mais de altura e caindo dentro da caverna com um baque, bem em cima de Neco. Levantou-se, sapateando sem sair das costas da mais nova, até que teve sua perna agarrada e foi jogada para o lado. A elfa levantou-se mais uma vez, ainda mais arranhada do que antes e sentindo pontadas de dor nas costelas.

— Ora… foi você quem começou. — A mulher se pôs de pé, fazendo os seios fartos vibrarem por um segundo, antes de estralar o pescoço de um lado para o outro. — Eu não gosto de bater em garotinhas bonitinhas como você, mas se continuar no meu caminho não vou ter a mínima misericórdia, está me ouvindo?

Era óbvio que ela não estava, e com a proximidade Lyla conseguia notar o sangue que manchava seu pescoço, proveniente das orelhas. Agora ela entendia o silêncio obstinado da outra, afinal ela definitivamente não conseguia ouvir nada daquela forma. Atirou a onda de compaixão para um recanto inutilizável de sua mente. Aquilo nunca lhe servia de coisa alguma. Cruzou os braços, observando além do corpo pequeno da rival, para a parede ao fundo da caverna, cravada de buracos, por onde uma melodia dissonante passava. Era possível ver uma esfera perfeita de energia esbranquiçada pairando no ar. Havia alguma coisa lá dentro, mas a energia movimentava-se também, tornando a visão imprecisa.

Seria uma esfera de vento?

Neco também notara o artefato flutuante, e se adiantara para tentar agarrá-lo. A mulher deteve-a segurando-a pelo ombro, e desta vez falou lentamente, de maneira que a outra pudesse ler seus lábios. — Não fique no caminho, se sabe o que é melhor para ti.

A boca fina da elfa comprimiu-se em uma linha apertada por um tempo, antes que abrisse-a para falar, depois de muito tempo absolutamente calada. — Não vou deixar que a leve. — Sua voz saiu mais alta que o normal, já que ela não tinha noção da altura de volume que podia usar.

— Eu não preciso de sua permissão, garotinha.

Houve um tempo de indecisão, que sumiu quando ambas dispararam na tentativa de pegar a esfera primeiro. Neco foi a primeira a agarrá-la, mas o vento que formava-a acabou cortando profundamente a palma da sua mão. O susto fez com que afrouxa-se a pegada, e Lyla conseguiu roubar o artefato com facilidade, atingindo o cotovelo em sua nuca. Já acostumada com a dor e o sofrimento, que deixaram cicatrizes profundas em seu belo corpo, a mulher segurava a esfera mutiladora sem lhe dar muita atenção.

Neco voltou a se levantar, jogando-se contra ela com ferocidade, conseguindo sacar sua adaga das vestes. Lyla era mil vezes mais experiente, contudo, e bloqueava os golpes com facilidade, logo desarmando-a. Agora ambas estavam na beirada da caverna novamente, mais um passo poderiam cair lá em baixo.

Neco estreitou seus olhos e ergueu as mãos, fazendo toda a estrutura a volta delas estremecer. O calcário começou a ganhar vida, movendo-se sob os comandos da elfa, agindo como um atacante impiedoso contra Lyla, ora desvanecendo-se sob seus pés, ora arremetendo-se diretamente sobre ela. Agora mais parecia uma mão gigantesca, com dedos que se contorciam tentando agarrá-la. A elfa investiu uma última vez, correndo de encontro a outra, aproveitando que a última movimentação da estrutura havia tirado parcialmente seu equilíbrio. Seus dedos roçaram por um instante na barreira tempestuosa que envolvia a Chave do Ar, e ambas caíram, uma queda vertiginosa até o piso.

 

oOo

 

Liam ergueu os olhos do que estava fazendo para ver Kenai agarrar Sean e atirá-lo contra Trixia. Bom, ele tentara manter o controle sobre ambos no começo, mas na tentativa de não deixar Cedric morrer, precisou deixar Kenai se virar sozinho. Não que lhe devesse mais do que já estava fazendo, mas em sua cabeça geniosa ele era um só, ao contrário do que os outros integrantes pensavam. Afinal, ele tinha que pensar em tudo naquele maldito grupo! Onde estaria Loke, nessas horas que era tão necessário?

Já havia conseguido estancar a hemorragia de Cedric, mas este continuava desacordado. Ainda respirava, contudo, sinal de que, mesmo a foice tendo atravessando um de seus pulmões, sua regeneração ainda era incrivelmente rápida a ponto de sanar o problema. Se fosse o coração, contudo, ou o cérebro, não sabia se o rapaz teria a mesma sorte.

Foi a movimentação estranha nos pináculos que fez com que ele cessasse parcialmente seus movimentos. E a queda de sua parceira e da elfa tirou completamente sua atenção de sobre o mokolé mais jovem. A mão de calcário que havia se formado desfez-se numa cachoeira de sedimentos minúsculos, parecendo areia, e foi esta que de alguma forma abrandou a descida fatal. Ambas rolaram pelo monte, caindo uma para cada lado do mesmo. Na briga pela esfera, Neco havia levado a melhor, mas não teve tempo para ficar feliz com tal coisa. Mesmo que Lyla ainda estivesse se recuperando da queda, pondo-se de pé com agilidade felina, Kenai ainda conseguiu chegar primeiro a ela e, agarrado com violência a elfa pelos cabelos, imobilizou sua cabeça para tentar arrancar o artefato de suas mãos. — Chega de joguinhos, fedelha. Me dê isso, ou irei devorá-la assim como fiz com o lobo no último duelo.

Estava tão perto que ela conseguiu ler o suficiente de seus lábios para saber que era uma ameaça a sua vida. Lágrimas vieram-lhe aos olhos e ela fez um movimento de mão para atirar uma onda de segmentos contra ele, de maneira que soltasse-a. Mesmo assim, o mokolé chacoalhou-se e voltou a avançar malignamente em sua direção, agora movendo as falanges de suas mãos poderosas de maneira que provocassem estalos arrepiantes. Até sua fala parecia mais lenta e perigosa, mais um rugido do que palavras, ainda que ele não soube-se da condição da garota que impossibilitava-a de ouvir o que lhe dizia. — Venha até aqui, garotinha. Prometo que não vai doer… muito.

 

Exatamente nesse instante, uma luz poderosa e branca surgiu entre os dois. Ela cegou Kenai momentaneamente, assim como sua pequena e assustada rival. Levando em consideração que era ele, e que estava de saco cheio de toda aquela palhaçada, o mokolé insistiu em fechar os punhos e socar na direção que deveria estar Neco… só para descobrir que sua mão estava presa por outra, cercada por uma manopla pesada e com símbolos antigos.

A luz foi desvanecendo, deixando o salão novamente com apenas a iluminação do sol, que incidia diretamente sobre o mesmo. E deixou a mostra as duas figuras que acabavam de chegar a cena. Um rapazinho de cabelos ruivos, portando um machado, e uma franzina elfa de longos e sedosos cabelos platinados, que segurava com apenas uma das mãos o punho poderoso de Kenai. O golpe tinha sido tão forte que ambos pareciam estar afundados um pouco mais na areia.

A garota sorriu, parecendo estar animada, e recolheu a mão para balançá-la ligeiramente de um lado para o outro. — E então… Ryan, não é mesmo? Parece que chegamos no momento certo!

— Eu acho que os outros ficarão muito satisfeitos.

— Perfeitamente satisfeitos.

Aqueles cabelos… Neco os observava, sem poder acreditar. Ela entreabriu os lábios, numa pergunta tremida e repleta de sentimento duvidoso. — Anne?

— Isso mesmo, Neco! — Anne levou ambas as mãos para a cintura, numa posição digna de um super-herói, e girou momentaneamente a cabeça para fitar a amiga de esguelha. — Descanse por hora. É a minha vez de botar esses caras maus para correr.

 


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Notas finais do capítulo

Well… espero que tenham se empolgado tanto quanto eu escrevendo isso aqui.
.
A imagem do dia é da linda Anne (ignorem o fato de eu ter escrito errado o nome, só fui reparar agora). Sim, ela é delicada, ignorando-se suas manoplas. Falando na própria, ela já chegou causando, para compensar o longo tempo desaparecida. Façam suas apostas: Anne X Kenai, quem será que ganha?
.
Decidi por inverter as coisas nessa saga. Como na passada os SdP se deram muito mal nos duelos, desta vez foi o grupo dos Relicários que se ferrou mais. E as tretas estão mal começando, ainda tem muita água pra rolar antes que todos consigam sair da Ilha do Ar… se é que todos conseguirão sair.
.
Sei que todo mundo está louco para ver o que vai acontecer agora com esse pessoal, e igualmente curioso pra ver a treta rolando com o grupo do Sky e da Nyx, mas antes de tudo, devo dizer-lhes que o próximo capítulo vai ser bem tranquilo. Afinal, Ryan não resgatou Anne assim tão fácil, não é mesmo? Além disso, um personagem muito “especial” vai aparecer…
.
Deixo-os por hoje com a promessa de que vou voltar em breve. :3
Kisses, kisses e até a próxima, pessoal