Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 46
Vamos jogar um jogo?


Notas iniciais do capítulo

Well! Estou aqui de volta, seus lindos... pedindo perdão pela demora, mas como sabem... ainda estou sem internet. Estou correndo contra o tempo hoje, então não deixarei as notas finais enormes de sempre, muito menos uma imagem...
Pra variar eu tive outras coisas para fazer e estou com pouco tempo.
Espero que gostem desse cap e tentarei o máximo possível não demorar para lançar o próximo.
Kisses para todos vocês, okay?

Boa leitura. :3



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O que Frosty e companhia avistaram ao conseguir pisar no solo da Ilha Flutuante era uma paisagem de tirar o fôlego. Uma floresta verdejante, com todo tipo de flora imaginável, ocupava a maior parte do espaço, e bem no centro havia um castelo de grandes proporções, erguido com pedras cinzas chumbo e com um ameaçador portão de ferro gravado com um símbolo estranho de cor avermelhada. Havia ao todo duas torres e a muralha que rodeava-o era alta, tendo espigões em seu topo. Escalá-la não parecia uma boa opção a primeira vista.

— Bom… ao menos o lugar é mais agradável desta vez… — alegara Trixia, enquanto observava, exaltada, toda aquela imensidão. Até mesmo Lidrin era forçado a admitir que aquilo era muito melhor que um vulcão quente, rochoso e desconfortável.

— Sem sombra de dúvida… — Neco murmurou consigo mesma. Sean, do seu jeito quieto de sempre, observava tudo ao seu redor com extrema atenção. Como se estivesse preparado para ser atacado a qualquer momento.

Frosty andara mais alguns passos, chegando bem próximo ao portão. Sem receio nenhum, examinou o símbolo que havia neste, tocando-o com as pontas dos dedos. Algo nele parecia realmente familiar, mas não conseguiu se lembrar o porquê, pelo menos naquele instante. — Esse desenho…

— Agora que você falou… não é uma marca divina? — sugeriu Trixia, erguendo um dedo.

Uma “marca divina” era o símbolo que pertencia a um deus do panteão da Ordem ou do Caos. Quando havia um território, arma ou artefato que estivesse abençoado ou amaldiçoado por um dos deuses, a marca era usada para identificá-lo. A questão ali, porém, era que ninguém conseguia se lembrar de qual Deus era responsável por aquele símbolo em especial.

— Parece que alguém está mexendo com nossas memórias aqui dentro… — Lidrin inclinou a cabeça, visivelmente incomodado com aquela situação. — Tomem cuidado.

— A Chave Principado do Ar deve estar aqui dentro, se for esse o caso. — Frosty automaticamente retirou sua mão. No fim de suas palavras, o portão começou a ser levantado e ele deu alguns passos para trás, entrando em guarda. Contudo, como era esperado…

Não havia ninguém do outro lado.

Absolutamente ninguém.

Apesar de que era necessária ao menos uma pessoa para girar a alavanca que fazia o portão abrir-se, não havia alma viva no pátio que se mostrava a frente deles. Era uma situação que já esperavam, mas mesmo assim causava-lhes um extremo mal-estar.

— Acho que fomos convidados a entrar. — O elfo parecia tranquilo ao dizer aquelas palavras.

— Acho que estamos indo para uma armadilha. — alertou Lidrin, por sua vez. Mesmo assim começou a andar, adentrando o local.

— Acho que não tem outro jeito, não é? — Trixia estava um pouco nervosa, e entrou rapidamente atrás do amigo. Sean apenas resmungou alguma coisa ininteligível e tirou suas espadas das costas, mantendo as lâminas viradas para baixo.

— Acho que vou me arrepender de fazer isso… — Neco terminou, acabando por seguir os outros, enquanto abraçava o próprio corpo. Apesar de a temperatura estar fresca do lado de fora, assim que passaram pelo portão esta começou a cair. — Frosty, está frio…

Ele apenas encolheu os ombros, abrindo um sorrisinho sutil. — Bom… eu não estou fazendo nada.

O grupo andou mais um pouco até parar. Novamente, olharam ao seu redor, esperando ver alguém. O pátio era extenso, o piso construído do mesmo material que as muralhas. Comparado ao lado exterior, onde havia tanta vida e cores, ali dentro era tudo sombrio e morto. Havia apenas pedras e, um pouco mais adiante, a entrada para o que seria o salão principal. Esta era de madeira grossa e escura, com o mesmo símbolo que havia no portão lacrando-a. Mais uma vez, sem que ninguém interferisse, as portas abriram-se para dentro, dando-lhes passagem. Uma mensagem, escrita em pleno ar com letras luminosas de tom ferrugem, piscava para eles.

Por aqui.

— Sou só eu que não estou gostando muito dessa situação? — Trixia, por algum motivo ilógico, sentia arrepios percorrendo-a dos pés a cabeça.

— Me faz lembrar uma história de terror. — Neco havia se metido atrás de Frosty e agarrava seu sobretudo com força suficiente para mantê-lo no lugar.

— São apenas letras. — Sean estava obviamente cético.

Lidrin riu consigo mesmo, mais para aliviar a própria tensão do que por achar realmente graça. — Vocês se assustam por qualquer coisinha.

Frosty suspirou, com uma expressão de “não tem nada a se fazer”. — Teremos de entrar se quisermos achar o que viemos buscar, lembram? Aguentem mais um pouco, tenho certeza que tudo vai dar certo… Neco, me dê sua mão, vamos juntos. — ele ofereceu a mão direita para a elfa e esperou que esta a segurasse, logo voltando a andar.

Não havia como saber o quanto errado ele estava ao dar aquela afirmação.

O salão estava escuro demais para se observar muita coisa. Haviam lustres, mas todos estavam apagados. Lidrin, no tato, acabou por encontrar um candelabro, que acendeu em seguida. Não adiantou muita coisa. Daquela forma, o máximo que se conseguia ver eram as pedras negras que formavam as paredes e o chão, coberto por um carpete vermelho-vivo. As ocasionais tapeçarias que haviam nas paredes eram repletas de imagens, mas em todas o vermelho e negro predominavam.

Basicamente, retratavam cenas de guerra. Ou de catástrofes que ocorreram durante o passar dos anos. Na parede mais ao fundo, dominando-a completamente, estava retratada uma sombra. Talvez uma sombra não fosse exatamente a forma de descrever… era como se estivesse viva. Como se pudesse saltar do tecido e enredá-los completamente. A coisa se abaixava, como um animal, em direção a um ambiente indefinido, que queimava violentamente. Seis vultos, também indefinidos, faziam-lhe frente… como se tentassem barrá-la.

— Pesadelo? — Frosty observou atentamente aquela imagem, parando de prestar atenção em todas as outras. O mal-estar que sentia aumentou consideravelmente ao ver aquela tapeçaria.

— Possivelmente… — o djinn respondeu-o, desviando os olhos. Seu lado Ifrid arranhava-o por dentro, pedindo para sair… só de observar aquela cena.

— Talvez devêssemos perguntar a nossa anfitriã.

— Ela deve estar empolgada à nossa espera.

— É… mas eu não estou empolgada para encontrá-la. — Trixia cortou momentaneamente a conversa, cutucando o amigo e apontando para a direita. Haviam duas escadarias distintas, começando na base da parede onde havia a tapeçaria principal e abrindo-se para trás, levando para lugares completamente diferentes. Na escadaria da direita, com efeito, as frases voltaram a surgir, sucedendo-se de maneira rápida, mas ainda era possível lê-las.

Eu, Samira, dou boas vindas à minha morada.

Antes de encontrá-los diretamente, porém, eu irei propôr algo.

Na realidade, vocês não tem escolha.

Estou apenas sendo educada.

Enfim…

Vamos jogar um jogo.

Não há regras.

A única que existe, é…

Me encontrem…

E sobrevivam.

— Eh… retiro o que eu disse, me levem de volta para o vulcão! — Trixia já havia começado a protestar quando sentiu algo puxando-a para baixo. Cordas de consistência pegajosa, como se fossem tentáculos, enrolaram-se por todo o seu corpo, e a tentativa de erguer sua mão para alcançar a de Lidrin foi inútil.

Ela caiu absolutamente sozinha.

Se pudesse ver os outros naquele momento, saberia que nenhum tivera sorte. Mas não pode raciocinar muito sobre isso. Continuava caindo, indeterminadamente, como se nunca fosse chegar ao chão. E começou a desejar que não houvesse um fim porque, caso tivesse, seria morte instantânea.

Trixia acabou chegando ao chão, afinal.

Mas não morreu.

Afinal, que graça teria se eu dissesse tal coisa? Para a Guardiã da Chave, Samira, não haveria nenhuma.

Ela só começara a brincar, e aquele era apenas um de seus novos bonecos.

Posso afirmar, contudo, que ela realmente se machucou na queda. Como se tivesse caído de uma altura pequena, embora não tivesse quebrado nenhum osso. Primeiro registrou a dor, e só depois o fato de seus cabelos estarem completamente para cima. Literalmente para cima. Ou seria para baixo?

O lugar onde estava agora era um labirinto sem pé nem cabeça, onde não parecia haver a diferenciação entre baixo e cima. Havia milhares de escadarias, portas e alamedas, que levavam a lugar nenhum. As pedras, desta vez, tinham um tom avermelhado, o que causava certa irritação em suas vistas. Parecia coberto por uma luminosidade anormal que a shifter não conseguiu identificar a procedência ou de que ponto vinha exatamente.

Trixia sabia muito bem as formas de lidar com um labirinto comum, mas aquilo era uma extrema covardia. Ignorava completamente as leis de gravidade e sentido. Moveu a cabeça na tentativa de observar a fenda que levara-a até ali, mas esta havia desaparecido.

— Por aqui não vai dar…

Mesmo dizendo isso, saltou naquela direção, onde havia apenas um pequeno passo. Dessa forma, seus cabelos voltaram a posição normal, o que já causava certo alívio a vertigem que o lugar lhe causava.

Ela não poderia retroceder. Nem tentou gritar pelos amigos, sabendo que seria algo inútil. Samira, seja lá quem fosse, obviamente queria todos separados. As palavras que surgiram antes dela ser puxada vieram novamente a sua cabeça. Aquilo era um jogo… um jogo de sobrevivência. Não era capaz de ver qualquer tipo de perigo por enquanto, mas manteve-se alerta quanto a isso.

Esperar ali sem fazer nada era uma idiotice sem tamanho… de forma que pôs-se a caminhar. Decidiu que para começar, seguir sempre em frente deveria ao menos dar-lhe uma ideia do padrão do labirinto, o que viria a ser útil. E, seguindo essa intuição, mesmo que chegasse a um beco sem saída, poderia retornar para o passo e recomeçar.

Infelizmente, Samira já decidira que não facilitaria em nada para ela…

Lidrin fora puxado na direção oposta à amiga – ou seja, para cima. Sentiu seu corpo atravessar andares e mais andares, até os tentáculos pegajosos deixarem-no numa sala completamente circular. Paredes, o chão e até mesmo o teto eram quadriculados de preto e branco, parecendo um grande tabuleiro de xadrez. Daquele local não parecia sair nenhuma passagem, nem a teórica escadaria que deveria levá-lo para baixo ou para cima, afinal imaginava que estava em uma das duas torres.

Na realidade, havia algo. Uma mesa, acomodada exatamente no centro da sala, parecia completamente feita de vidro. Não trazia objeto algum sobre si, no entanto ao aproximar-se da mesma e apoiar ambas as mãos em sua borda, Lidrin pôde ver seu próprio reflexo.

Era um espelho.

A compreensão chegou rápida, até. Contudo, um arrepio percorreu sua espinha assim que descobriu tal coisa. Porque o reflexo do outro lado sorria astutamente para ele. Um sorriso de raposa, com um quê de maldade e loucura. E um de seus olhos era vermelho…

Sean havia sido agarrado e levado em direção a uma das paredes. Ele foi o que ficou mais próximo do ponto inicial, sendo arrastado apenas alguns metros. A passagem que havia se aberto para que seu corpo passasse fechara-se imediatamente, e a última coisa que ele conseguiu discernir foi o salão principal vazio, seus companheiros sendo levados cada um para um local distinto. Essa visão impediu-o de bater na parede e gritar por eles, em vez disso se concentrando no aposento que agora estava.

Se o Reino dos Mortos de Surm tinha realmente um local destinado aos pecadores, aquela ala do castelo faria jus ao mesmo. Fugindo à lógica – como todo o resto naquele lugar – descortinava-se diante de seus olhos um deserto de areias negras. Até onde a vista alcançava, agulhas percorriam o chão, e quanto mais distante ficavam, mais iam crescendo. Em um certo momento pareciam grandes como estacas, e nessas em especial jaziam corpos espetados. Não conseguia discerni-los por causa da distância, mas algo dentro de si alarmou-o com a sensação incômoda de que os conhecia… todos eles.

O céu – pois havia um, em vez de um teto – tinha um tom avermelhado, e ambos, sol e lua, o dividiam. Na realidade os astros pareciam ter sido divididos por si só. Ocupavam o mesmo espaço, um círculo de luminosidade perfeito. O lado direito representava o sol, o esquerdo a lua. O meio parecia ter sido costurado com agulha e linha para que não se soltassem em hipótese alguma.

Lembrava bastante um cenário de teatro, algo macabro e surreal ao mesmo tempo. Sean tirou sua atenção daquele astro distorcido – que já começava a lhe trazer ânsias – e focou-a na parede atrás de si. Agora parecia um infinito muro, que subia a alturas consideráveis e esticava-se indefinidamente para os dois lados. Seus olhos foram do muro para as agulhas do outro lado. Deveria haver uma passagem em algum lugar, que o impedisse de passar por elas.

Algo lhe disse que estava sendo equivocado, mas tentaria o muro primeiro. Colocando o braço tatuado sobre a superfície perturbadoramente lisa, ele começou a tateá-lo, andando para a esquerda.

Frosty e Neco foram os únicos que acabaram ficando juntos em meio a confusão. Seus dedos estavam entrelaçados com tanta força que, quando os tentáculos carregaram seus corpos para a direita e depois para cima, não conseguiram separá-los. Talvez por mero capricho da anfitriã, ou pura raiva, ela subiu-os mais do que o necessário e deixou-os despencar no chão. E, como sempre, Neco teve a sorte de cair em cima do parceiro.

— Você realmente faz isso de propósito, não é? — Arfou Frosty, sentindo o peso da mais nova comprimir suas costelas.

— Perdão! — ela pediu, pela enésima vez, apressando-se por levantar-se de cima dele. Ajeitou com cuidado suas vestes, os olhos tentando captar algum sinal de perigo. O elfo também pôs-se de pé, espreguiçando-se e verificando se não havia quebrado nada. Aparentemente as pessoas achavam graça em jogá-lo de lugares muito altos. — Onde estamos?

— Só os deuses sabem… levando em consideração a quantidade de distância que subimos, podemos estar em uma das torres.

O ambiente ali era praticamente comum, construído com paredes de pedra cinzenta e com um tapete avermelhado que cobria todo o piso. Pareciam estar num corredor, que estendia-se além da visão. Pequenas tochas iluminavam o caminho que deveriam seguir.

— Talvez devêssemos seguir em frente, então.

— Não há como voltar, pelo que parece… — O elfo suspirou, voltando a dar a mão para a mais nova e assumindo uma posição protetora, enquanto recomeçava a andar. Neco não parecia muito confiante de ir naquela direção, mas mesmo assim acompanhou-o. Os passos ecoavam no silêncio, e era possível ouvir, a partir de um certo ponto, um gotejar incessante. Poderia ser uma infiltração ou algo parecido.

— Será que os outros estão bem?

— Não tenho muitas esperanças que estejam melhores do que nós, na verdade. — ele parou de caminhar. O túnel se dividia em dois a partir daquele ponto.

— Eles também, mas… eu me referi ao grupo do Skylar. — ela respondeu, como sempre quase num sussurro, enquanto observava as bifurcações. — Direita ou esquerda?

Frosty manteve-se quieto por um tempo, buscando o que responder àquilo. O fato das duas pessoas que mais se importava em todo o mundo estarem tão afastadas dele talvez fosse a causa da demora. Neco esperou, apertando com um pouco mais de força a mão dele.

— Provavelmente… — respondeu, por fim, abrindo um breve sorriso. — Na dúvida… vamos para a direita, o barulho de água caindo vem de lá.

Não sei se quero ir exatamente em direção ao barulho… Ela pensou, tomando aquela direção, indo atrás dele. Frosty passou pela abertura sem nenhum problema, mas acabou parando ao sentir que Neco havia paralisado também. Ele lançou seu olhar para trás, sem ver absolutamente nada que fizesse-a ter tal reação. — O que foi?

— Eu não posso… — e com isso, sua mão parou em pleno ar, como se estivesse apoiada em alguma parede ou superfície plana.

Era claro que ele estranharia tal coisa, afinal não havia nada ali. Contudo, quando o elfo estendeu a mão na direção da outra dela, algo barrou seu avanço. Parecia que havia uma barreira invisível ali. — Isso não estava aqui antes.

— Se você diz… — ela voltou sua atenção para as mãos deles que continuavam dadas. Mesmo que boa parte do punho de Frosty ainda estivesse do seu lado, já tinha uma ideia de que ele não conseguiria voltar a partir dali. De maneira que a soltou.

Automaticamente uma dor no local fez com que Frosty recuasse, de forma que seu corpo ficou completamente do outro lado da parede. Isso fez com que ele gemesse de frustração.

— Parece que vou ter que seguir pelo outro caminho. — ela alegou, de maneira firme, embora estremecesse levemente com a ideia de ficar sozinha naquele lugar.

— Ha… eu deveria ter levado isso em consideração, parece que nossa anfitriã quer-nos separados a qualquer custo. — ele manteve a mão apoiada naquela superfície, parecendo preocupado. — Tome cuidado.

— Não se preocupe, Lady Nyx me treinou muito bem! — Neco levou o punho fechado em direção ao coração, parecendo um tanto quanto empolgada, enquanto Frosty lançava-lhe um olhar que mostrava descrença.

É exatamente por isso que me preocupo…

Ele suspirou, assentindo com a cabeça e esperando-a tomar seu próprio caminho para finalmente seguir pelo túnel que havia escolhido. Não parecia ter mudado nada nos metros seguintes, contudo Frosty foi capaz de deduzir que o gotejar ficara cada vez mais próximo. Sua atenção parou em algo jogado entre o chão e a parede. Agachou-se o suficiente para observar o que era aquilo.

Um coelho.

Mas não um coelho comum.

Deveria ser de tecido, algo que lembrava um frankstein ou uma colcha de retalhos. O pequeno corpo era todo remendado com cores que variavam entre cinza, bronze e vinho. Os olhos eram botões vermelhos com uma cruz alaranjada como retina, e davam a impressão de que aquele ser estava vivo. A boca abria-se num sorriso doentio de tubarão, os dentes triangulares parecendo afiados. Ele preferiu não tocar neles por questão de preservação.

Ao lado da criatura aquelas letras já conhecidas começavam a piscar, fazendo-o olhar naquela direção para poder ler.

Um belo coração é a pior das ruínas.

Ele fez uma careta, acabando por abandonar tanto o boneco quanto a frase. Um sentimento de nervosismo foi-lhe tomando o peito enquanto caminhava, o qual tentou ignorar. Depois de mais algum tempo, parou.

Novamente havia um boneco atirado entre o chão e a parede.

A percepção de que poderia ser o mesmo fez um calafrio percorrer sua espinha.

Ele acaba por murchar e morrer sozinho.

Frosty engoliu em seco, e mais uma vez seguiu em frente. E mais uma vez, alguns metros a sua frente, havia um coelho desfigurado acompanhado de outra frase.

Ninguém poderá salvá-lo, Frosty.

Você morrerá sozinho.

— Cale-se. — ele retrucou, com energia, direcionando as palavras ao boneco, como se ele realmente pudesse ouvir. Trincou os dentes, inspirando profundamente e seguindo caminho, disposto a não parar por aquela criatura uma quarta vez.

Entretanto, ele acabou parando de um jeito ou de outro.

Mas não por causa do coelho.

Em frente aos seus olhos estava uma garota. Jovem, embora não pudesse calcular aproximadamente sua idade. Talvez fosse a roupa que utilizava que fizesse o elfo achar que fosse uma criança ou no máximo uma pré-adolescente. Suas vestes eram chamativas e coloridas, repletas de babados. Em questão de modelo eram dignas da alta sociedade, mas chamavam muito a atenção. Seus cabelos eram brancos, como a neve, trançados sobre os ombros finos. Sobre a cabeça, havia um chapéu estranho, com uma rosa azul embutida e orelhas alvas de coelho saindo de baixo de suas abas.

Daquele jeito, ele não sabia dizer se as orelhas eram um adereço ou se eram reais. O olho visível dela era azul, um azul tão belo quanto os dele. Seu estômago afundou por um momento ao reparar nisso. Se os cabelos dela fossem um pouco mais escuros… Interrompeu o próprio pensamento e observou bem o outro lado do rosto dela. Um tapa-olho cobria-o quase que completamente.

Um tapa-olho em forma de relógio, com ponteiros e tudo.

Antes que pudesse questionar mais sobre aquela aparência bizarra, contudo, a voz dela chegou até seus ouvidos, num pedido simples…

— Ajude-me.

Neco demorou um pouco até começar a se arrepender de ter se separado do elfo. Ela aguentou bem, no entanto. Mesmo quando as paredes começaram a rachar ao seu redor e quando milhares de olhos surgiram em toda a sua extensão, ainda conseguiu, apesar do pavor óbvio que sentia, continuar em frente.

Quando começaram a aparecer bocas, no entanto, ela se arrependeu de verdade.

No início, elas simplesmente brotavam do teto e das paredes, entre os olhos. Depois foram aumentando a quantidade gradativamente, até que tudo estivesse repleto de lábios carnudos e nada agradáveis à visão.

Então começaram as vozes, o que fez com que a pequena garota sentisse extrema falta das palavras flutuantes. Eram melodiosas, mas frias e cruéis.

Você é uma inútil.

Você nunca serviu para nada.

Um estorvo.

Uma vergonha.

Um fiasco total.

Que orgulho poderia ter ao se juntar aos JusticeBlades?

Você apenas os atrapalha.

Deveria estar morta.

Deveria morrer.

Morrer, morrer, morrer…

A esse ponto, as vozes tornavam-se uma cacofonia insultante e desagradável, repetindo-se sem cessar, até que o tom foi aumentando, dando lugar a gritos. Isso a fez parar. Ela odiava que gritassem perto de si. Sua reação instintiva era defender-se imediatamente, o que fez todo o aposento tremer, mas este aguentou firme e não cedeu. Parecia que seu controle sobre a terra ali não surtia efeito algum. Ou, se surtia, a magia que a envolvia era forte o suficiente para isolá-lo.

Ela pôs-se a correr.

As vozes foram ficando mais altas a cada passo. Mesmo que tapasse os ouvidos, não conseguia parar de escutá-las. Bombardeavam seus ouvidos sem dar trégua, deixando-a louca e fora de si. E mesmo que corresse, não parecia chegar a lugar nenhum. Na realidade, não deveria nem sair do lugar.

Ela veio a cansar-se, como era de se esperar. Tropeçou nos próprios pés, caindo e ralando-se contra o chão áspero. Uma dor rascante perpassou os lugares machucados. Mãos, joelhos, cotovelos e um dos ombros reclamaram, pedindo para serem tratados, mas ela não conseguia mover-se. A dor mental somada a física fez com que se encolhesse, levando mais uma vez as mãos feridas aos ouvidos

— Calem-se… calem-se, calem-se, calem-se agora! — ela implorou, levantando seu tom de voz como poucas vezes fazia.

Mesmo assim…

Como era óbvio…

As vozes não se calaram.


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