Kenai estava irritado. Estava espumando de ódio. A vontade de socar a cara daquele moleque, sendo filho dele ou não, era enorme. Ele já não tinha coisas suficientes para se preocupar sem que aquele bastardo voltasse a aparecer em sua vida? Esqueceria os malditos olhos que compartilhavam. Se fosse preciso, iria arrancá-los.

Ele agarrou a calda que o prendia, esmagando-a entre suas garras, e puxando, de maneira que o rapaz caisse pela falta de equilíbrio. Conseguindo enfim soltar-se, girou o punho da mão livre, acertando-o bem no nariz, o que causou um som esquisito. Parecia que tinha conseguido quebrar alguma coisa. - O que foi, pirralho, não estava todo alegrinho a um minuto atrás?

O garoto não respondeu, voltando a atacá-lo. A calda repitiliana estalou, já regenerada do aperto-quebra-ossos de Kenai, e ele girou para acertá-la no abdomem do homem que chamava tão cinicamente de pai. Quando este cambaleou para trás, o jovem foi junto, desferindo uma torrente de socos e chutes, com grande potência. Ele podia até ser mestiço de humano com mokolé, mas havia conseguido puxar todo o lado monstro da família, o lado de seu pai.

Kenai sentia-se lutando contra aquela prostituta que chamava de parceira, Lyla. Só que Lyla tinha uma língua afiada, ao passo que aquela criança tinha uma calda poderosa. A grande diferença consistia no fato que a calda dava mil vezes mais trabalho do que uma língua viperina. Denfendendo a sequência inenterrupta de golpes que caiam sobre ele, finalmente conseguiu articular mais algumas palavras. - Qual é o teu problema, guri? Está me fazendo perder tempo, sabia!?

– Você é um idiota, covarde, miserável. Eu vou matá-lo, e esquartejá-lo, e gargalhar sobre os pedaços! - Um tapa violento calou-o a força, consequentemente quase fazendo-o perder a língua ao mordê-la.

– Pare de latir, se vai me culpar de alguma coisa faça isso direito.

– Você abandonou a minha mãe! Nos abandonou! Ela morreu definhando em uma cama achando que você iria voltar, e o que ela ganhou com isso? Droga nenhuma!

– Foda-se! Eu nunca prometi droga nenhuma pra aquela mulher, ela sabia exatamente onde estava se metendo e com quem. Se você é estúpido o suficiente para vir me cobrar isso, para questionar minha ausência como pai, então definitivamente não merece nem mesmo morrer por minhas mãos! - ele segurou o garoto pelo rosto, batendo sua testa contra a dele com brutalidade. - E agora suma! Tenho outras coisas a tratar!

O jovem cambaleou, de um lado para o outro, mas o que tinha de chato, pensara Kenai, tinha de persistente. Virou as costas, olhando com certa curiosidade para a direção que os outros Seguidores haviam tomado. Ele não queria mais ficar por ali, e o navio estava devidamente concertado. Que se danassem eles, se achavam que ia realmente esperá-los retornarem de braços cruzados. Bufou, virando a cabeça novamente para o rapaz. Talvez aquele pirralho fosse servir de algo mais para frente. Com o canto dos olhos, viu-o se firmar e vir correndo em sua direção. Para ter, mais uma vez, um punho enfiado no meio da sua cara. E agora, definitivamente, ele não escapou de desabar, inconsciente.

Kenai praguejou qualquer coisa indecifrável para si mesmo, agarrando seu filho pela gola e arrastando-o atrás de si, preparando-se para adentrar a ilha. Se ele fazia tanta questão de ameaçá-lo de morte, o mokolé iria mostrar a ele como realmente se fazia isso. Com maestria.

oOo

Calor.

Loke chegara a conclusão que detestava lugares abafados. Isso devia ter se agravado bastante quando quase fora incenerado vivo. As únicas coisas quentes e agradáveis que vinham em sua cabeça eram comida e sexo. E ele precisava, urgentemente, de ambos.

– Ah... eu vou realmente morrer... - disse, mais para si mesmo do que visando outro alguém. Os outros dois haviam ficado para trás, debatendo sobre sabe-se lá o que, e dessa forma ele fora o primeiro a notar o tremor e a concentração massissa de magia que estava se formando ao redor. Havia chegado a uma galeria de proporções enormes, e imaginou se a Chave não estaria ali em algum lugar. Aquele buraco daria uma ótima arena.

A energia pareceu expandir-se ainda mais, e o homem forçou-se a parar, levando o braço com a manga intacta para a frente do rosto. Uma explosão de luz quase fez com que ficasse cego, e depois... desgraça pouca era bobagem mesmo, como dizia o ditado. Do outro lado da galeria estavam as pessoas que mais tinham motivo para odiá-lo em todo o mundo. E as que deveria deixar longe das Chaves Principado a todo custo. Ele jogou os cabelos aloirados quimicamente para trás e praguejou pela enésima vez desde que entrara naquele lugar.

O grupo pareceu desorientado por um tempo, olhando em volta, vendo se todos os integrantes haviam chegado sãos e salvos, se ninguém tinha ficado para trás... Olhares de advertência voltavam-se em direção a Lidrin, mas no fim perceberam que estavam todos ali.

– Eu já mencionei que detesto viajar por teletransporte? - resmungou Gravor, passando a mão pelos cabelos. - É tão desagradável!

– Não me lembro. Mas concordo plenamente...

Neco endireitou-se. Havia caído sentada, o que era ainda melhor do que despencar numa pilha desorganizada, uns em cima dos outros, como acontecera com a maioria. Então, seus olhos focaram num rosto familiar, do lado oposto da imensa gruta avermelhada na qual se encontravam. Ela puxou o braço de Nyx, na esperança de chamar sua atenção, antes que a mestiça continua-se com a tipica e infantil disputa com Sky para ver quem irritava mais o outro.

– O que foi, Neco? - ela parou, notando que sua parceira apontava para frente, parecendo chocada. Seus olhos se estreitaram, focando na figura já conhecida de Loke. - Você... - seus dentes trincaram minimamente, enquanto a foice era materializada entre seus dedos com uma velocidade espantosa.

– Ah... acho que você me pegou, Lady Nyx... - Loke bateu suavemente com o punho sobre a própria cabeça, como se aquilo fosse um erro grotesco. - Mas é ótimo vê-la por aqui! Estava morrendo de saudades!

– Poupe-me dessa palhaçada. Minha paciência com você já se esgotou.

– Ha... há hahaha! - ele simplesmente começou a rir. Talvez não pudesse segurar-se. Aquela situação, por mais fora de controle que estivesse, era-lhe tão divertida! - Não é uma palhaçada, minha lady demoniaca! Eu me pergunto... Me pergunto quando esse seu senso distorcido de justiça irá corrompê-la! Quantos dias isso irá durar? - ele pareceu se acalmar um pouco, embora ainda continuasse com um sorriso divertido no rosto. - Vejo que arranjou novos amigos. Parece que já chegou a conclusão do que está acontecendo, não é? Oh, você não é nada burra, eu sei! Creio que a cavalaria finalmente chegou.

Nyx suspirou profundamente, clamando por todo o auto-controle que juntara por tantos anos. Ela podia sentir a tenção surgir atrás de si, mortal. Sem dúvida nenhuma, aquele cara estava sendo idiota por brincar com os sentimentos alheios quando estava em visível desvantagem. - Por que quer despertar Pesadelo?

– Porque sim! Eu lhe disse, no baile. O meu motivo... meu fútil e simples motivo. O mesmo que fez eu enfeitiçar sua querida amiguinha, o mesmo que fez com que eu colocasse no chão a noite de vocês. O que me fez destruir aquele belo baile de máscaras, assim como as vidas que se perderam ali! -Abriu os braços, estufando o peito. - Eu quero ver este mundo queimar. Eu quero ver o quanto de sofrimento as raças aguentam até se subjugarem ao caos. O que eu quero, é algo muito simples: Anarquia. Desordem. Confusão. Um mundo de ninguém!

– Não deixaremos que algo assim aconteça. - ela segurou com ainda mais força a arma entre seus dedos. Com tanta, que os nós deles ficaram brancos. Sentiu alguém, qualquer pessoa, colocar uma mão em seu ombro, mas desvencilhou-se. - Irei fatiá-lo, espero que não se importe.

– Ha... eu realmente me importo, senhorita. Dou muito valor a minha vidinha simples. E você não fará isso. Porque pensa como eu, pois é igual a mim. Seu coração é vazio. E quando eu terminar, quando Pesadelo mostrar sua face novamente sobre Meroé, você estará ao meu lado. - levou uma mão ao peito, enquanto inclinava a cabeça. - Que tal poupar uma decisão tardia e vir agora, Demon Lady?

– Sãos suas últimas palavras? - Nyx questionou, como sempre seca, enquanto fazia a foice cortar o ar com facilidade. Lidar com Loke era no minimo estressante demais, até pra ela. Visto que o homem não responderia, ela fez o movimento seguinte. Foi rápida e brutal, a forma como o pequeno corpo chegou à frente dele e a foice desceu, inexorável... para ser barrada por uma mão. Sim, por uma mísera mão. Uma mulher de cabelos negros e olhos abusivos havia parado seu golpe com a mão nua, e no minuto seguinte descia seu cotovelo sobre sua arma, da qual tanto se orgulhava, esmigalhando-a. Pela primeira vez, muitos ali viram o rosto de Nyx se contorcer de surpresa.

– A foice dela... - Ryan sussurrou, num tom tão contido que parecia um pecado... Frosty automaticamente se moveu na tentativa de evitar o que estava por vir. Mas foi falho. O terceiro movimento de Lyla foi um chute alto, mirado bem no peito de Nyx. A moça só teve tempo de manipular o ferro que sobrara de sua foice e redirecioná-lo para o local a ser atingido, antes de ser atirada para trás com força suficiente para esmigalhar ossos.

Frosty segurou-a a tempo, mas o golpe tinha sido tão potente que ambos cairam para trás. Sentiu por um instante o ar faltar, para então voltar a respirar normalmente, enquanto o elfo se levantava e tentava sentá-la ao menos. - Pelos Deuses... você está bem?

– Ah... essa realmente doeu... - ela tossiu mais do que respondeu, endireitando-se, com a mão no busto. Se não tivesse levantado sua proteção, possívelmente estaria com mais de um par de costelas fraturadas.

– Pare de agir como se fosse nada de mais, maldição! - praguejou Frosty, de seu lado. Algo chamou sua atenção porque sua boca se abriu num aviso que aparentemente tinha sido ignorado, antes mesmo de sair de seus lábios. Trixia, depois de tudo o que ouvira e presenciara, decidira transmutar-se e abrir caminho à dentadas. Seus dentes alvos e afiados como facas entraram no ombro de Lyla, jogando-a para trás. Seu corpo de pantera caiu sobre a mesma, enquanto fechava cada vez mais a boca. Sua oponente parecia agonizar, olhando em seus olhos. E ai sorriu.

– Brincadeirinha! - foi o que saiu da boca dela, enquanto dava um beijo no focinho negro e travava sua mão nas omoplatas da criatura. A pantera começou a sentir os ossos sendo pressionados e tentou pular para longe sem muito sucesso. Sem poder libertar-se, fechou ainda mais a mandíbula. O seu lado humano não estava contente com aquela moça, queria o cretino atrás dela. O desgraçado que tinha sido a causa primária do ferimento da mãe. Mas estava ciente que não podia chegar até ele naquele instante, então ao menos iria fazer um estrago gigantesco naquela vadia que a segurava.

Mas então, o cheiro de sangue que havia impregnado seu olfato deu lugar a outra coisa... a palavra “parceiro” ecoou em sua cabeça, e em frente aos seus olhos uma espada de lâmina dupla desceu, apontando para a garganta da mulher que a segurava. - Largue-a. Não vou pedir uma segunda vez... - O tom que Sean falara aquilo podia trazer calafrios. Ele pressionou a lâmina, e Lyla foi forçada a soltar Trix, ou por mais resistente que fosse, ia acabar realmente em apuros.

– Vocês realmente não sabem brincar, bando de cretinos. Querem vir os dois? Venham! Só eu ameaço esse filho da puta. - ela levantou-se num salto, caindo de pé para trás e apenas apalpando o ombro quase esmigalhado pelos dentes de Trixia. Se sentia dor, estava claramente ignorando-a. O filho da puta em questão, mais conhecido como Loke, abriu um sorriso de escárnio.

– Oh, eu ganhei uma guardiã!

– Cale a boca, seu cretino de merda, ou vou deixá-la arrancar mesmo pedaços do seu corpo!

– Tsc... como se eu tivesse pedido ajuda desde o começo. - ele cruzou os braços, revirando os olhos, para travá-los nos dois shifters que estavam mais perto. - Vocês me parecem um tanto quanto miseráveis, hein?

– Nós só estamos nos aquecendo. - Sky decidiu se intrometer, passando pelos dois e ficando em frente a eles, enquanto estralava sem dó os próprios dedos das mãos. Ryan uivou, já em sua forma lupina, parando ao lado de Trixia, enquanto Gravor balançava ameaçadoramente o seu machado, fechando assim o grupo do BeastHunters. - Eu diria que vocês estão claramente em desvantagem. A propósito, nós ainda não jantamos, então... espero que não se incomodem de virar nosso alimento. - O sorriso que o ruivo abriu naquele instante era amigável, talvez... mas muito perturbador.

– Nós devemos intervir? - questionou Neco, parecendo ser a única indisposta à cair matando sobre Loke e sua companheira.

– Deixe eles se divertirem um pouco. - Lidrin respondeu, olhando de esguelha para a lider. Aquela pergunta era simplesmente retórica, assim como a resposta. Loke havia tirado uma integrante dos JusticeBlades. Era claro que as coisas não iam ser fáceis assim. Mas se intrometer na caçada daqueles shifters parecia ser igualmente desastroso.

Tinham um pacto, uma aliança... mas ainda não trabalhavam juntos, de fato. Enquanto essa falha não fosse sanada, entrar numa briga em massa, mesmo contra poucos adversários, podia ser perigoso.

– Ah... foda-se! - Selene ignorou-o, puxando as mangas da vestimenta de pele que utilizava para cima e fazendo mira com o arco. - Eu não quero saber, tenho contas a acertar com aquela cobra, e ninguém vai me impedir. Nyx, diga alguma coisa!

A líder mantinha-se em silêncio, só era possível notar que a mesma estava desperta pelos olhos, vidrados em um ponto completamente à parte da batalha. Algo chamara sua atenção, talvez, o suficiente para esquecer o ódio profundo que nutria pelo rival. Um brilho de compreensão surgiu em seus olhos, e ela tentou colocar-se de pé novamente, agarrando o braço do elfo que a segurava. - Não são apenas eles... pare aquela bola-peluda agora! - Sua voz ergueu-se, em aviso para o grupo de shifters que estava mais adiante. - Recuem! Eles...

O aviso, para variar quando se tratava dos Beast Hunters, chegara tarde demais. O grupo compacto, integrado por dois membros transformados e mais três com plena consciência humana, atacaram sincronizadamente. E, sincronizadamente, também estancaram, pegos de surpresa pelo Mestre da Mente. A cabeça de todos os cinco explodiu em uma dor agonizante, enquanto cenas de morte e caos passavam por seus olhos, embora não houvesse nada além daquela caverna, e daqueles dois Seguidores do Pesadelo, para se ver.

– Tsc. Francamente... - Um rapaz de cabelos castanhos saiu do canto em que estava, no qual apenas observava o desenrolar dos acontecimentos, e ajeitou com um simples toque o óculos sobre seu nariz. - Vocês são todos muito barulhentos.

– Deixe eles fazerem barulho, quatro-olhos! - do que parecia ser um corredor adjacente, desembocando um pouco acima de onde todos estavam, Kenai surgiu, ainda carregando seu filho pelo colarinho. Não parecia pessoalmente preocupado em arrastá-lo todo o caminho até ali. Suas garras caravarm na rocha, enquanto um sorriso brutal surgia em seus lábios. - Esses são aqueles com os quais estava tão preocupado, Loke? Não passam de fracotes. Acho que cheguei numa ótima hora!

– Detesto ter de adimitir, mas não haveria horário melhor. - Loke voltou a abrir um sorriso zombeteiro. - Oh, mas o que é isso que está trazendo ai? Arranjou um pet?

– Quase... - o mokolé arremeçou o garoto mirando um ponto atrás dos companheiros, e logo saltou, dessa vez, contudo, ficando à frente dos outros. Estralou os dedos das mãos, e o pescoço, dando mais alguns passos a frente, onde os Beast Hunters aos poucos iam voltando a si do ataque mental perpretado por Liam. - E então... vamos brincar...