Nyx se sentia exausta, como a muito não acontecia... sua cabeça girava, e ela se amaldiçoou pela enésima vez por ter bebido tanto. Agora era a única do lado de fora, na varanda, com exceção de meia dúzia de casais que iam e vinham. Havia se sentado de costas para a parede, usando-a de encosto, num canto onde ninguém de dentro pudesse vê-la. Ela só queria uma noite de sono... muito longa.

Mas como sempre, ela nunca tinha o que queria. Após dar uma leve cochilada em seu cantinho escuro, começou a ouvir uma voz aguda, que a chamava, repetindo seu nome várias e várias vezes. Pensou que ainda estivesse no sonho, e se perguntou quanto tempo teria dormido. A festa já devia entrar pela noite, cavando profundamente a madrugada... e a voz, insistente, ainda clamava por seu nome. O que forçou-a a despertar brevemente, abrindo um olho, depois o outro. Bocejou. Por que não podia nem dormir em paz, pra variar?

– Lady Nyx... Nyx? É a Anne. Fizeram alguma coisa com ela.

As palavras chegaram desconexas aos seus ouvidos. Ela forçou a visão a adaptar-se, abrindo bem os olhos e piscando-os algumas vezes, antes de conseguir de fato definir com quem estava falando.

– Lidrin?

Ao contrário do que se pensava, a JusticeBlade não era composta apenas por seus agentes tidos como “de campo”. A equipe principal, cujos integrantes eram Nyx, Frost, Selene, Neco e Anne, às vezes necessitava de reforço. E ele vinha de seus informantes, os quais eram poucos em seu número, e bastante distantes. Raramente eram convocados. Mas a teia de informação ainda estava ali, expandindo-se, para que quando a equipe principal precisasse, tudo já estivesse pronto. Lidrin era um desses informantes.

Um rapaz de aparência mais jovem que a da própria Nyx, beirando os 18 anos, de longos cabelos verdes (assim como seus olhos) e bastante alto, o suficiente para fazê-la dobrar a cabeça para observá-lo. Seu porte era obviamente nobre. A líder sabia que ele tinha uma ligação com um integrante dos BestHunters, mas era apenas boatos, e preferia não entrar nesse assunto. Mais dia menos dia, ele os deixaria para ir no encalço de tal pessoa, e seria uma grande perda.

Afinal, Lidrin era um Djinn. Ou vulgarmente chamados, pelos menos instruídos, de gênios da lâmpada - embora nem sempre estejam ligados a uma.

– Sim, sou eu... Nyx, acorde, vamos! - ele bateu as mãos com força perto do seu rosto, o que a fez dar um salto involuntário para trás.

– Anne... o que ela aprontou dessa vez?

– Não entendes-te, milady... aprontaram com ela.

Isso pareceu trazer Nyx de volta a realidade, pois ela levantou num rompante, o que não foi muito agradável. Sua cabeça girou ainda mais. Precisou segurar-se ao rapaz para não cair. - O que houve?

– Não sei ao certo. Encontraram-na petrificada, em um beco por trás da Taverna. Disseram que eu deveria avisá-la, mas eu consegui pegar o rastro do assassino e...

– Espere... - era muita informação. Seu primeiro impulso fora pedir que Lidrin a levasse a Anne, mas o fato do responsável por tal coisa estar naquela direção, só significava uma coisa. - Ele está na Noite de Máscaras? - girou o corpo, o que a fez ter outra vertigem, e olhou para além do portão, onde pares dançavam no grande salão. Conseguiu discernir Frosty e Selene, tentando dançar. Tentando, apenas, porque mais se embolavam um no outro do que seguiam os passos. E os pés de Frosty deveriam estar doloridos de tantos pisões que sua parceira distribuía sobre eles. Selene também estava bêbada? Um sentimento de urgência começou a desabrochar lentamente em seu peito.

Concentre-se, Nyx...ficar desesperada não vai adiantar de nada. Lembrou a si mesma. E então, ouviu a resposta de Lidrin.

– Pelos cálculos Anne foi atacada depois do início do baile, afinal quando as oito horas chegaram ela ainda estava trabalhando.

– O que mais?

– Uma das suas colegas de trabalho afirmou que ela trocou algumas palavras com um estranho encapuzado, e depois saiu. O homem já havia saído também quando a moça voltou a olhar.

– Droga. Isso quer dizer que ele chegou atrasado... isso nos limita a poucos convidados. - Nyx ainda mantinha-se segurando o rapaz pelo braço, o que forçou-o a andar junto com ela. Em um dado momento ele podia até mesmo jurar que havia compreensão, mesclada a revolta, em seu rosto, sempre tão vazio de significado. - Droga... droga, droga, droga! Eu não posso acreditar...

Sua lembrança voltou-se para uma única pessoa. E então, com violência, ela marchou novamente em direção ao salão, seus brincos, pulseiras e cordão se transformando numa arma só, a qual ela disparou...

oOo

Neco era a carta da vez, pelo visto. A dança com ela era bem mais lenta, e no entanto, mais sedutora. Edgar não media esforços. E a garota parecia prestes a cair, mas não era tão burra assim. Enquanto era jogada de um lado para o outro, rodava e voltava a segurar as mãos dele, estava também atenta as suas palavras.

– E sobre aquele caso... Red Eyes, não é?

– Sim. O que tem ele?

– Fiquei sabendo que era parte de uma quadrilha inteira. E eu matei todos os comparsas, complementou em pensamento, mas não o disse em voz alta. Edgar abriu um sorriso.

– Ahn, eles? Você parecia muito interessada nisso quando nos encontramos pela primeira vez.

– Eu apenas sou muito curiosa. Acho que é a mania de andar com Nyx que me deixa assim. - ela despistou.

– Nyx é terrível, como pode desfazer-se de um homem como eu? - ele alegou, dramaticamente, enquanto fazia-a rodar com apenas uma mão. Obviamente a menina precisou voltar a posição original para reiniciar a conversa. Sabia dançar, mas aquilo estava cansando-a um pouco.

– Ela é apenas reservada. Mas por que tanto interesse?

– Eu sou um colecionador de experiências, pequenina. Seduzir a Lady Indiferente seria o ponto alto da minha noite.

Neco teve a vontade de sair dali, mas Edgar a mantinha bem sob controle. E ele era elegante, e muito bonito, diga-se de passagem. Era difícil negá-lo, e estar tão perto dele. Como se fosse dono de uma força magnética, ele expunha sua verdadeira face, mas isso apenas incitava para que chegasse ainda mais perto. Estar perto dele era como amar o perigo, mesmo sabendo que este podia por fim a sua existência.

– É isso que pretende fazer comigo?

Ed manteve seu sorriso caloroso, trazendo-a mais para perto. Desceu seu rosto, de maneira que pudesse falar no ouvido dela. - Talvez. É tentador.

– Eu não vou deixar que faça isso.

– Não? Mas você parece querer, de qualquer forma. - ele se afastou no entanto, visando algo que vinha da porta, e Neco, por estar de costas, não conseguiria ver. No entanto, ela se viu perto demais dele, o que a fez ir para trás por puro instinto protetor.

– O que está fazendo?

–Eu...? Nada, nada. Apenas faço-lhe companhia. Afinal, jovens donzelas não devem ficar desacompanhadas... e nem sozinhas.

Algo naquela frase fez seu estomago afundar, mas Neco não conseguiu pensar muito sobre isso. Suas orelhas captaram um som seco, e sentiu ser puxada por Edgar, ficando presa entre seus braços, enquanto uma lança metálica passava voando perto de seu rosto. Mas que diabos estava acontecendo?

Ficou claro que Edgar apenas usara do protesto de tirá-la do caminho para agarrá-la, de maneira que agora os braços dele prendiam seu diminuto corpo. E havia uma lâmina escura, de substância desconhecida, apontada para o seu pescoço. Oh, que bela ajuda que ela estava dando a Nyx... agora podia ver nitidamente, o baile todo parando aos poucos, por camadas, um silêncio foi descendo sobre ela. E, forçada a ficar de frente dessa vez, pode observar Nyx, arfando. Ela nunca a vira tão transtornada. Aqueles olhos vazios transbordavam ódio dessa vez, um ódio tão profundo que Neco se sentiu, pela primeira vez desde que conhecera Nyx, realmente amedrontada.

Todos deveriam saber que a Nyx emotiva era muito pior que a Nyx insensível...

– Edgar. Solte-a, agora! Se você ousar fazer mal a mais uma das minhas amigas, vou acabar com a sua raça!

– Pra isso você vai precisar mirar antes de atirar, querida. - protestou Lidrin. Alguém tinha sido acertado pela lança de Nyx, mas não parecia ser grave.

A líder de fato não parecia bem. E na visão dela, o chão empenava deliberadamente para a direita, de maneira que nem se tentasse mirar, conseguiria acertar alguma coisa. Estava disposta a ignorar tudo a sua volta. Aqueles olhares chateados e imprecisos, das pessoas que pertenciam a nobreza e agora a viam como o monstro que era.

– Nyx...? - Frosty começou, não sabendo para quem olhar, se para ela, para Neco, presa, ou para a própria Selene, tão perdida como ele naquela situação.

– O que está acontecendo aqui, afinal? - A sua companheira desfez-se das caras felizes que antes fazia e fechou sua expressão, voltando-se para Edgar. - Hei... solte a pirralha!

– Ele é um traidor... fez algo com Anne. - Nyx estreitou os olhos, voltando a segurar-se em Lidrin. Este apenas passou seus olhos verdes por Ed, antes de confirmar com a cabeça.

– O rastro confere... ele é o nosso meliante.

Edgar riu... ele riu, apenas fez isso, mas logo o riso sutil tornou-se uma gargalhada dantesca. Parecia fora de si naquele instante. Os convidados automaticamente recuaram ainda mais. Um grupinho havia se juntado para cuidar da mulher ferida por Nyx.

– Certo... a máscara caiu antes mesmo do planejado, mas não será um problema. - ele retirou com cuidado a máscara do próprio rosto e atirou-a longe, enquanto mantinha Neco presa com apenas um braço, o que tinha a lâmina. Seus olhos, teatrais, focaram-se na líder dos JusticeBlades. - Sabe, Lady Nyx, você é realmente muito inteligente para algumas coisas, mas extremamente ingênua em outras. Acha que eu não reparei mesmo que estava me sondando desde o dia em que capturou Red Eyes?

Os olhos da jovem mestiça estreitaram ainda mais, inconformados. Ele estava abrindo o jogo na frente de toda a nobreza de Hathea, e até mesmo das outras cidades. Não tinha mais nada para tacar nele, e mesmo que tivesse, não surtiria muito efeito. - Quem realmente é você? O que quer de nós?

O rapaz fechou os olhos momentaneamente, pressionando ainda mais sua refém. - Eu sou Loke. - seus olhos se abriram, com um brilho mais que malicioso. - Eu quero o caos. Eu desejo um mundo chafurdando em desespero.

– Ora, se acha que vamos deixá-lo ter o que quer, está muito enganado... - dessa vez foi uma lança gelada que voou na direção de Loke, e este desviou com desenvoltura.

– Hei, Príncipe, você quer mesmo acertar sua amiguinha sem querer? - enquanto ele escarnecia de Frosty, porém, só ouviu o chamado de Nyx, ou o que parecia mais um aviso, dirigido a garota em seus braços.

– Neco!

A garota fechou os olhos, e bateu o pé no chão. Imediatamente, a mansão inteira estremeceu em seu alicerce. Agora, de fato, o chão estava envergando, e não era por causa do excesso de bebida. Um dos inúmeros lustres caiu no centro do salão, despedaçando-se. Para se defender dos cristais que precipitaram-se em sua direção, Loke desfez-se de Neco e rolou para o lado. Mas não conseguiu por-se de pé, o chão estava estranhamente escorregadio. Gelo... aquilo era gelo?

Era por esse motivo que não deveria brigar com a JusticeBlade reunida... aquilo era suicídio. Quando conseguiu ficar em pé no chão congelado, algum pressentimento horrível abateu-se sobre ele. E então viu: Correntes de fogo fechando-se ao seu redor. Um calor suficientemente alto para simplesmente incinerá-lo.

Parecia que a Rainha de Copas não estava de bom humor...

Neco, que havia sido puxada para o lado de Nyx, sentiu-se ser colocada para trás por ela, cobrindo sua visão. Aquilo não seria bonito de se ver. Neco já vira o que sobrara daqueles que recebiam o julgo final de Selene, quando suas cabeças não eram cortadas. Quando ela usava o fogo para matar, a única coisa que podia ser ver depois eram um amontoado de cinzas. As correntes se fecharam no corpo de Loke, e as chamas subiram imediatamente, para quando descerem, em meio de tanta destruição e fumaça que se assentava, não deixarem aparecer coisa alguma. Selene o matara, sem dó nem piedade.

Ela se lembrou do porquê ter tanto medo quanto admiração da elfa mais velha.

A mansão continuou com seus rangidos, e pedaços do teto caíram, fazendo os grupos se separarem.

– Neco... pare, já acabou. - ouviu Nyx dizer.

– Não quer parar... - sua voz soou fraca e indistinta, no meio da balburdia que começava a acontecer. Enquanto alguns corriam para salvar a própria pele, uma mulher, de cabelos e olhos enegrecidos e seios fartos, apontou para o grupo menor que se reunia. Os JusticeBlades estavam agora debaixo dos olhares daqueles que restaram. Uma das ultimas coisas que os cinco puderam ouvir foram as palavras da boca dela. - Bruxos, assassinos... eles merecem pagar... peguem-nos!

De fato houveram mortes no desabamento, e muitos ficaram feridos. Aqueles que tinham mais raiva da situação, de ter sua noite arruinada completamente e mais alguns que perderam um ente querido, ou que protegiam convidados mais jovens, se preparam para rechaçar Nyx e os outros.

Com tanta gritaria, confusão, e temendo que mais alguém se machucasse, Frosty fez uma barreira de gelo se erguer ao redor deles, fechando-os ali.

– Lidrin, tire a gente daqui! - protestou Selene. Seu vestido agora se consistia em um amontoado de tecido rasgado e queimado. Ninguém ali estava em estado melhor. Podiam ouvir sons desconexos do lado de fora, pessoas querendo entrar, partes da casa desabando, gritos de desespero.

O Djinn não se demorou muito ao tomar sua decisão. Bateu ambas as mãos na frente do rosto, e todos que estavam presos dentro da barreira de Frosty desapareceram. Quando aqueles que queriam entrar finalmente conseguissem, não encontrariam viva alma.

Continua...