A Menina da Bicicleta Vermelha escrita por Madchen


Capítulo 8
Golden Time


Notas iniciais do capítulo

Capítulo particularmente dramático para introduzir o mais divertido. Ou não, vocês é quem dizem. Aproveitem!



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Toddy obeservava com atenção todas aquelas engrenagens e parafernálias espalhadas pelo chão -- e a menina entre elas.

Centenas de pequenas rodinhas, placas e espirais poluíam o chão de carpete bege, dando-lhe um aspecto ainda mais envelhecido. Cada rodinha do tamanho de, no máximo, um olho da menina; olho que agora brilhava ao contemplar aquele relógio desmontado.

Assim que pôde, a menina pedalou depressa até o antiquário onde havia visto o relógio de bolso que a interessara, e acabou por comprar mais alguns menores e mais simples com o que sobrou do dinheiro. Agora estavam todos abertos, suas entranhas espalhadas pelo quarto e suas cascas jogadas em cima da cama.

O plano da menina? Nem Toddy sabia. Por isso estava tão curioso.

Ela juntou as engrenagens num ponto mais ou menos central do chão do quarto, levantou-se, pegou a parte externa dos relógios que havia deixado em cima da cama e colocou-as na mochila, para acrescentar algo à sua coleção de parafernálias. Só que, ao abrir a mochila para jogar os relógios lá dentro, ela se deparou com um papel dobrado meio (bem) amassado. Tirou-o de lá. Era o cartaz que o menino havia lhe mandado em resposta.

Matt.

Quem lhe dera ela soubesse seu nome. Abriu o cartaz, sentiu o que sentira pela primeira vez que o viu com mais um fato extra: "ele falou comigo". Ela abraçou o papel: "ele está me procurando".

Há tempos esse garoto não dava outro sinal de vida. De repente, bateu a dúvida se ele estava mesmo a procurando, e isso fez a menina se preocupar e voltar depressa ao trabalho. Bem, se ela queria algo, teria de fazer algo para consegui-lo.

Toddy observava.

 

***

 

-- Então você tem um encontro hoje? -- Yohanna disse, enquanto lançava a bola com o taco.

-- Tenho -- Matt respondeu, aproximando-se com seu cavalo. Uau, pólo nunca foi um jogo fácil, mas com Yohanna, parecia impossível.

-- Que horas? -- ela se voltou para ele.

-- Cinco.

-- É meio tarde, não?

-- Não. Época de neve, o parque lota. Alta temporada.

Yohanna atiçou o cavalo a correr atrás da bola, mas quando Matt tentou seguir, o cavalo empinou e ele caiu. Só pôde sentir uma dor horrível nas costas e, segundos depois, passos rápidos se aproximando.

-- Tudo bem? -- Yohanna lhe deu a mão.

-- Pergunta cretina -- ele respondeu, soltano a mão de Yohanna e contorcendo-se no chão, gemendo de dor.

-- Uau, quebrou alguma coisa aí?

-- Não -- ele cerrou os olhos. -- Acho que não. Já estou melhor. Me ajude a levantar.

Agora sim, Yohanna segurou a mão dele e tentou erguê-lo, mas ele tornou a tombar no chão, reclamando de dor nas costelas.

-- Puxa, deve ter quebrado. Tem certeza que não quer que eu chame alguém?

-- Tenho. Senta aí!

Yohanna sentou-se ao lado do garoto que repousava, já sem se contorcer tanto, virado para o céu cinzento. A luz opaca conferia-lhe um aspecto mais pálido, mesmo ele estando vermelho por causa do acidente. Tanto faz. Para Yohanna, ele era sempre o mais bonito de todos.

Algum tempo de silêncio. Matt parou de gemer, agora estava só encarando o céu.

-- Matt -- Yohanna perguntou, sem olhar para ele. -- Essa menina da bicicleta vermelha... tem certeza que é ela?

-- Não. Ela diz que não é, que quer conversar comigo. Mas eu  tenho certeza que era aquela bicicleta, e que aquela menina sabe de algo.

-- Hm. -- um rubor surgiu, perfeitamente visível em meio as bochechas pálidas de Yohanna. -- E ela é bonita?

-- É -- Matt demorou um pouco para responder. -- Exótica, mas... bonita, sim. Eu acho legal.

Isso dói. Yohanna abraçou forte os próprios joelhos enquanto via os cavalos que montava bufando um para o outro logo adiante. Será que eles estavam tentando conversar?

 

***

 

Yohanna não era bonita; ela era linda. Matt sabia disso, sabia muito bem. Todos achavm isso. Ao menos dois garotos lhe davam presentes ou pediam-lhe um beijo a cada mês, e ela nunca aceitava nenhum. Por quê? Matt era o unico que servia? A prória Yohanna duvidada disso, mas não conseguia ter interesse por outros garotos.

Maldita, maldita seja aquela que pregou os cartazes. Matt não fala de outra coisa, não pensa em outra coisa. Agora, Yohanna não era nada além de um ouvido para aguentar os palpites bobos que Matt tinha sobre a menina da bicicleta vermelha. Ela não merecia isso.

Lágrimas escorriam dos olhos de Yohanna aquela noite. Lentas, pesadas, carregadas de um súbito ódio supremo por quem quer que tenha pregado os cartazes.

Enquanto a menina trabalhava em seus relógios desmontados, Yohanna sofria com aquele que funcionava pregado na parede de seu quarto. Naquele exato momento, Matt provavelmente estava conversando com a tal garota misteriosa.

Yohanna ligou para Blue, mas ela não atendeu. Nem na caixa postal caiu. Em seguida, ligou para uma outra amiga de sua escola, mas ela não estava em casa, e daí sentiu uma terrível falta de ar. Abriu a janela, deixou o vento gelado entrar no seu quarto e clarear as ideias. Decidiu ligar para aquela menina engraçada, aquela que havia conhecido ha pouco tempo na casa de Blue. Sim, apesar de ser uma amizade recente, Yohanna já sentia que podia confiar nela.

 

***

 

Alguns cartazes já estavam puídos, devido a chuva e o vento, e agora a neve, mas as pessoas continuavam a se entreter com aquilo. O que seria? Alguns já haviam visto um menino muito parecido com o do primeiro cartaz, mas não encontravam relação direta entre uma figura e outra. Alguns já tentaram lhe perguntar o que era, e ele dizia que não era com ele.

Entre essas pessoas curiosas estavam os pais de Matt. Se perguntavam todos os dias que diabos era aquilo, e quando iria parar. Nessa noite, decidiram ir até uma delegacia prestar queixa.

-- Então esse é o seu filho?

-- Temos quase certeza que sim -- a mãe, aflita, mostrou uma foto do filho ao delegado. A semelhança era evidente. -- Sr. delegado, por favor. Estão usando a imagem de nosso filho, estão tentando encontrar nosso filho nem sei para que fins.

O delegado ficou pensativo.

-- Mas houve resposta, não? O seu filho respondeu aos cartazes. -- não foi o delegado quem disse isso: foi um policial que estava ali perto.

-- Respondeu, e a pessoa misteriosa respondeu de novo! Vocês viram, aquele da bicicleta? -- isso foi outro policial quem disse, e ainda chegou um terceiro:

-- Fiquei a semana interia procurando esse raio de bicicleta enquanto fazia a ronda, mas nem sinal dela. Será que nós deveríamos entrar na brincadeira e botar cartazes nas ruas também?

-- É, aí a gente escreve assim: "procura-se bicicleta vermelha (foto). Favor ligar para a polícia quando encontrar".

-- Ei, o que é isso? -- bradou o delegado aos policiais. -- Qual é a de vocês? Se metem em assunto alheio assim, sem sequer pedir permissão?

Então um dos policiais de dirigiu diretamente à mãe de Matt:

-- Perdão, senhora, mas é que não são só vocês os intrigados com toda essa história. A cidade inteira está curiosa, nós também adoraríamos descobrir o que há.

Ignorando o comentário, com a voz trêmula, a senhora roliça de cabelos castanhos disse ao delegado:

-- Isso é sério, senhor. Se vocês não descobrirem nada, nós seremos obrigados a voltar à Escócia! -- e se levantou, com os olhos cheios de lágrimas que não queriam descer. O marido foi atrás, deixando o delegado e sua trupe de policias fofoqueiros para trás.

Ele abraçou a mulher que chorava:

-- Calma. Não há de ser nada.

-- Você sabe... -- ela soluçou. -- Você deve saber as encrencas em que nosso filho se mete. Essa história de voltar tarde demais para casa... será que ele anda se metendo com drogas? Bebidas? Jogos?

Depois não falaram nada. Deixe o tempo dizer como devem agir.


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Notas finais do capítulo

Acho engraçado como as pessoas podem viver mais de uma realidade: enquanto Yohanna e a menina ficam cada vez mais amigas, uma sente ódio mortal pela outra, sem saber. É como dizem: o que os olhos não vêem, o coração não sente.
Mas na verdade essa história também conta o contrário, porque Matt nunca viu a menina na vida e ela já lhe provoca um turbilhão de sentimentos.
Engraçado isso, não?