Luzes da Cidade escrita por Angelina Dourado


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Olá meu povo! Sim eu sei, eu aqui tenho que atualizar os capítulos de minhas outras histórias e ai posto outra! Mas essa é bem curtinha e espero que gostem ^-^
Boa leitura!



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O som barulhento de carros e de pessoas falando na rua havia diminuído e um que outro passo apressado podia se escutar levemente. Com certeza já era tarde, John deveria estar em casa, pois era perigoso para um cego ficar na rua até altas horas.

Fechou os botões do casaco, estava começando esfriar e ele não duvidava que estivesse nevando. Uma parte de si dizia para ir embora e outra parte dizia que não, pois ele ainda não tinha vindo.

Era muito difícil para John conseguir um emprego decente, ninguém contrataria um cego para fazer algum serviço, até mesmo os mais simples. O que lhe sobrara foi vender por conta própria cigarros na rua. Seus únicos clientes eram trabalhadores apressados que não tinham dinheiro no bolso para comprar um maço inteiro, dando para conseguir uns oito dólares por dia se tivesse sorte.

John sabia que era burrice ficar esperando um único cliente fixo, tentava não admitir que se apegara aos cumprimentos corteses e as piadas sem sentido que ele contava antes de lhe entregar o dinheiro, além de ser uma das únicas pessoas que sabiam o seu nome.

O engraçado era que John não sabia o nome dele.

— O que está fazendo aqui? Esperando por mim? – Ouviu a tão conhecida voz logo á sua frente, com aquele mesmo tom bem humorado. Óbvio que não diria que era mesmo por causa dele, mas não conseguia conter um sorriso ao saber que ele estava ali. Queria saber como era sua aparência, nunca o tocou além das mãos para entregar um ou dois cigarros, será que era alto? Seus cabelos eram curtos? Será que eram encaracolados?

— Resolvi trabalhar até tarde. – Respondeu e pode ouvir um riso vindo do outro.

— Foi por minha causa! – Disse em um tom vitorioso, John pode o ouvir remexendo os bolsos á procura de moedas.

— Por que está tão convencido sobre isso? – Perguntou sentindo seu rosto esquentar, o que era estranho já que a temperatura estava muito baixa. Sentiu-o pegando sua mão esquerda e depositando duas moedas em sua palma, as mãos dele eram brutas com alguns calos, provavelmente por causa do trabalho pesado, sendo nada parecidas com a doce e alegre voz.

— Hoje é apenas um cigarro, pois só amanhã terei um chefe para puxar o saco. – Disse rindo da própria piada e pegando por conta própria um cigarro da caixa que John deixava ao seu lado, não o impediu pois algo lhe dizia que ele não roubaria nada. – É burrice ficar até o anoitecer, há essas horas não tem ninguém. Eu ficaria apenas se tivesse um bom motivo.

John nada disse, apenas pegou a pequena caixa dos cigarros e se levantou. Pensou como o outro era convencido, achando-se algo bom para se esperar pacientemente!

— Boa noite. – Despediu-se antes de seguir seu caminho normalmente, andando com a mão direita apoiada no muro para sentir a textura. Era assim que ele se localizava, o número de passos, a textura dos muros e cercas, os sons, ou algo que marcasse certos lugares como um buraco no meio do caminho.

— O que está pensando? – O homem perguntou encostando a mão no ombro direito de John. – É perigoso sair assim sozinho.

— Não se preocupe comigo, eu me viro muito bem. – John disse sorrindo um pouco para demonstrar confiança, mas sentiu o outro apenas se aproximar mais ainda.

— Nessas horas não é seguro ir para casa sozinho. Eu que te meti nessa encrenca, o mais justo a fazer seria te levar para casa. – Ele disse e John podia imaginá-lo sorrindo, achava idiota pensar em algo assim mas não conseguia imaginar o outro senão sorrindo.

— Pode me acompanhar se me disser o seu nome. – Disse se sentindo tolo em seguida. Se o outro não o ajuda-se era provável que ele poderia ser furtado ou talvez acontecer o pior, mas a curiosidade para saber o nome dele falou mais alto.

— Pode me chamar de Gabe, todos me chamam assim. É por causa de uma história engraçada, um dia eu posso te contar talvez. – Gabe disse rindo da lembrança sobre o apelido, se aproximou ainda mais de John que procurou o seu braço. Segurou firmemente e percebeu que Gabe era um pouco mais alto, ele usava um casaco grosso e um pouco áspero, os braços não eram muito mais musculosos que os seus.  – Então? Qual é o caminho?

— Pode seguir em frente. – John respondeu, percebendo que ainda estava sorrindo. Nunca ficara tanto tempo assim com o outro, e ainda por cima tão perto! Sentia-se estranho quando estava perto de Gabe, de certa forma ele sabia o que sentia mas não queria admitir de maneira alguma.

— Importa-se? – Gabe indagou e John o ouviu pegar um isqueiro do outro bolso e sentir o braço no qual segurava se elevar com o cigarro nas mãos.

— Seria irônico um vendedor de cigarro se importar com alguém fumando. – John respondeu e sentiu o cheiro da fumaça que estava tão acostumado, perguntou-se em seguida se caso beijasse Gabe seus lábios teriam o gosto de cigarro. Afastou esse pensamento imediatamente, se sentindo um imbecil por pensar coisas deste tipo, com outro homem para piorar! Tentou pensar em outra coisa, como que desculpa usaria pra explicar para sua irmã o atraso.

— Verdade. – Gabe concordou rindo. John queria entender de onde ele tirava tanto bom humor. Será que era apenas uma máscara para esconder a tristeza? Ou Gabe era uma pessoa positiva sobre as coisas?

— Por que não veio hoje de manhã? – John perguntou ciente de que estaria admitindo que o esperou até anoitecer.

— Acredita que perdi o horário? Tive que correr para não chegar atrasado, imagine a reação do meu chefe se eu não tivesse chegado na hora! Mas não pense que te troquei por outro vendedor qualquer. – Gabe disse dando dois tapinhas de leve no ombro de John.

— No que trabalha? – Perguntou.

— Sou operário de uma linha de montagem. – Gabe respondeu, John não sabia ao certo o que um operário fazia, mas ao julgar pelo furo que ele encontrou na manga do casaco de Gabe o salário não devia ser dos melhores. – Você se vira por conta própria?

— Moro com minha irmã mais velha que me ajuda um pouco, mas só nos encontramos quando anoitece e eu volto para casa. – Respondeu e Gabe comentou algo que nem sequer teve a intenção de ouvir, apenas se encolheu um pouco mais por causa do frio, se aproximando mais ainda do outro. Sabia que aquilo poderia ser constrangedor e estranho aos olhos dele, até pensou em se afastar, mas Gabe pareceu não se importar com a aproximação.

— Amanhã é ano-novo, ouvi dizer que vão soltar fogos pela cidade toda. – Gabe comentou parecendo animado, como sempre.

— Eu acho tudo muito barulhento. – John disse e Gabe se deu conta que ele não podia ver as belas luzes e faíscas, que era tudo algo muito irritante no ponto de vista do menor. John queria realmente poder ver, sua maior curiosidade era saber como eram as tão faladas cores.

— É cego de nascença? – Gabe perguntou e John assentiu.

Ficaram os dois em silêncio, o som dos passos era o único que podia ser ouvido, a neve caía de leve em seus ombros deixando tudo um pouco mais frio. John não achou aquele silêncio ruim, era até confortador, tudo estava muito calmo e se sentia em paz com Gabe logo ao seu lado.

— Eu devo seguir em frente ou virar para a direita? – Gabe perguntou tirando John de seus pensamentos.

— À direita. – Respondeu mal acreditando que já estava tão próximo de casa. Instintivamente apertou o braço de Gabe um pouco mais forte, como se isso pudesse impedi-lo de ir embora.

— Se pensa que vou te largar aqui no meio do nada, saiba que eu nunca faria isso.  – Gabe disse rindo e John parou de apertar tanto o seu braço. Não era por este motivo que estava tão agarrado a Gabe, mas resolveu que era melhor ele pensar que era por conta disso. De certo modo, até John queria pensar que era por isso.

Não demorou muito para John começar a perceber a calçada esburacada, o som do choro do bebê da vizinha, o cheiro de produtos de sapateiro e os miados dos gatos de rua. Haviam chegado ao seu pequeno e miserável bairro.

— Daqui uns dez passos, é aquela com uma longa escada sem corrimão. – Disse não conseguindo disfarçar o desânimo da despedida. Gabe o ajudou a ir até a escada de sua casa e John subiu um degrau, ficando apenas um pouco mais alto que ele.

— Está entregue! São e salvo. – Gabe disse e John notou que ele balançou os braços e que estavam frente a frente. – Foi bom conversar com você.

— Digo o mesmo. – John disse segurando a caixa de cigarros com mais firmeza, estava nervoso com a despedida. Não é nada de mais, controle-se!

— Então, até mais! – Gabe se despediu apertando a mão de John. O contato durou mais do que imaginavam, quase sem pensar a mão de John subiu mais pelo braço direito de Gabe até o ombro, pensou em recuar, mas o outro nem sequer havia se mexido. Movido pela curiosidade continuou até o pescoço e em seguida passou atrás da nuca mexendo nos cabelos dele. Eram mesmo encaracolados! Vários fios rebeldes semelhantes a caracóis. – poderia ficar um dia inteiro remexendo e bagunçando aqueles cabelos – Soltou a caixa de cigarros bruscamente no chão sem dar muita atenção, estudando o rosto de Gabe com a mão direita atento a cada detalhe.

Quando se deu conta do que estava fazendo abaixou os braços de um jeito um tanto brusco, não querendo nem sequer imaginar o que ele estava pensando. Queria entrar em casa e se esconder, mas a pergunta saiu de seus lábios como um relâmpago:

— Você vai voltar amanhã?

John ainda não entendia por que sempre imaginava o outro sorrindo, e era assim que ele pensava que Gabe estava: sorrindo, de um jeito descontraído e brincalhão.

— Se eu voltei hoje, vou voltar sempre. Vou voltar até mesmo se um raio cair vinte vezes na minha cabeça. – Gabe disse afastando a franja de John fazendo-o se arrepiar, beijando sua testa logo em seguida. – Só não pense em mudar de lugar!

— N-não vou. – John disse mal acreditando no que o outro acabara de fazer, seu coração estava tão acelerado que parecia prestes a explodir. Gabe o entregou a caixa que havia deixado cair no chão, beijando de surpresa o topo de sua cabeça e afastando-se logo em seguida.

— Então nos encontramos amanhã! – Gabe disse animado, e John ficou lá parado até não conseguir mais escutar os passos dele.

John ainda o imaginava sorrindo. E desta vez, teve a sensação de que podia ver as luzes da cidade.


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Notas finais do capítulo

Se gostaram comentem e se não gostaram comentem também!
Isso é tudo pessoal!