Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 6
Ser sua própria inspiração


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura e obrigada por cada review ;)



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Clarice encarou o cara que falava com ela, tentando se recordar dele.

Mas é claro.

Ela se lembrou imediatamente daquele sorrisinho inocente.

Era engraçado, pois Clarice muitas vezes não se lembrava das pessoas, mas de partículas delas. O cara na sua frente era aquele estudante da USP que ela fotografou. Os óculos era o mesmo, o penteado e aquelas covinhas. Mas o que a fez lembrar foi o sorriso.

Era um sorriso inocente, isso estava claro. Mas o que tornava aquele sorriso tão singular a ponto dela recordar era que o lado direito ficava um pouquinho mais levantado, como se estivesse feliz, mas o lado esquerdo ficava imutável, como se não concordasse com a felicidade que o lado direito sentia.

– Você estuda na USP. – sua voz passava indiferença. – Frederico, né?

– Isso! – seu pulmão relaxou, como se ele estivesse prendendo a respiração por um tempo. – Da para acreditar naquele babaca?

Eles estavam no corredor do lado de fora da sala de palestra, várias pessoas passando próximo a eles. Clarice ainda sentia a raiva e adrenalina do momento em que enfrentou o palestrante. Ela tentou relaxar.

– Um bêbado frustrado. Conheço bem esse tipo de pessoa. – Clarice sem querer lembrou de seu pai. – Mas obrigada. Obrigada por me defender, me ajudar contra aquele idiota.

– Eu não poderia suportar ouvir mais nenhuma palavra que saía da boca daquele ridículo. Acho que muitos também, porém nenhum tinha coragem de falar alguma coisa. Bem, menos você.

– Cinema é movido por paixão. Produzir um filme apenas para arrecadar dinheiro não é arte. Em primeiro lugar amor, que o sucesso vem. Caso eu não pensasse assim nunca que eu escolheria Cinema, mas sim engenharia ou qualquer outra profissão que dê grana.

– Mas você não é graduada em Cinema pelo que eu ouvi você dizer.

– Ainda não. Tenho dezenove anos e dediquei o ano passado para conhecer o mundo.

Frederico fez uma expressão de curiosidade.

– Espera um pouco! Não vai dar para ficar aqui em pé, precisamos conversar direito porque parece que o papo será bom.

– Podemos ir na cafeteria do evento. – Clarice propôs.

A cafeteria do evento era um balcão com os funcionários servindo a galera com várias bebidas quentes. Tinha uns pãezinhos de vários tipos, bolos e aquelas comidas cheias de frescura e caras. Frederico pediu um cappuccino e quando chegou a vez de Clarice pedir, ele disse:

– Que tipo de chá vai pedir?

Clarice o encarou perplexa.

– Como sabe que vou pedir chá?

– Você me disse. Enquanto escutávamos aquele cover do Legião Urbana no barzinho.

Então Clarice finalmente se recordou em choque.

Frederico era aquele cara que ela havia beijado no show. Já fazia um tempo, nem fora especial nem nada. Era por isso que ela tinha uma recordação estranha dele, pois nem haviam conversado muito. Clarice recordou que estava deprimida, e que nenhum cara parecia interessante. Um havia agarrado a cintura dela e tentado beijá-la, mas ele era nojento. Ela recusou e se soltou, então o cara tratou de xingá-la com os piores nomes possíveis. Machista. Clarice se aproximou do barzinho e viu um cara bem magro esperando sua bebida chegar, e ele parecia tão deprimido quanto ela. Ela então decidiu se aproximar e... rolou. Mas só isso mesmo.

– Ou sua memória é muito boa, ou eu faço o tipo que deixa marcas fortes nas pessoas. – Clarice disse enquanto olhava nos olhos de Frederico, procurando algum vestígio curioso nele.

Antes que ele pudesse responder ela finalizou sua compra da bebida. Eles pegaram seus copos e foram se sentar em uma mesa pequena no canto da cafeteria. A música ambiente era relaxante.

– A verdade é que é meio difícil de esquecer uma conversa tão estranha como a que tivemos naquele dia. – Frederico apontou enquanto bebericava seu cappuccino.

– Ah bom. Já estava cogitando a ideia de que eu havia dado o seu melhor beijo da vida.

– Desculpe? – ele deu uma risada sem graça. – Não é como se fôssemos adolescentes hormonais.

– Eu sei, eu é que me desculpo. – Clarice colocou a mão na testa, levemente envergonhada. – Meu mau humor meio que se manifesta em ironia. Mas isso não é importante, não é mesmo? Eu te fotografei na USP. Você cursa o que mesmo?

– O que eu curso? Erm... – ele hesitou por um bom tempo, como se tivesse vergonha de dizer. – Direito.

– Direito? Ah, tá. – a voz de Clarice saiu levemente decepcionada.

– O quê?

– Nada não. É que não condiz com você esse curso. Eu chutaria algo mais criativo. Vejo que carrega uma bolsa de câmera aí.

– Pois é. – Frederico abriu a bolsa e tirou a câmera. – Não uma das câmeras mais tops, mas é ótimo pra mim. No último ano do ensino médio eu usava muito ela para fotografar a turma da minha classe para o álbum de fim de ano. Eu queria fazer algum documentário ou um curta metragem, mas meus amigos eram atores ruins demais para isso. – ele sorriu com as lembranças. - Porém tenho um compromisso com meu pai e o nome do escritório da família.

– Ah não! Não brinca! – Clarice exclamou alto demais. – Você é do tipo que se prende a tradições e coisas do tipo? Estou me coçando para rir!

– Algum problema? – Frederico não estava exatamente ofendido, mas sim curioso.

– Não mesmo, nenhum. É porque eu me livrei desses estigmas finalmente, e meio que espero isso das pessoas também.

– Bom, eu poderia fazer isso. Mas acho que seria expulso de casa.

– Eu fui. – Clarice sorriu travessa. – E nem é uma consequência tão ruim comparando com o futuro infeliz que eu teria se concordasse com os planos para o futuro de meus pais.

Clarice notou pelo olhar de Frederico que ele estava confuso. Mas ela já estava acostumada com esse tipo de olhar.

– Você me disse que tirou o ano passado para “conhecer o mundo”. Como assim?

Ela se sentiu aliviada por ele querer mudar o assunto.

– Eu fui para alguns países ano passado trabalhando como fotógrafa. Sabe, tirando fotos de monumentos, pessoas, sorrisos. – Ela sorriu quando disse a última palavra. - Eu tenho vontade de trabalhar com cinema, mas isso eu acho que você já percebeu. Tipo, ter um filme meu exibido em Cannes ou coisa assim. Imagina só: Clarice Vianna, a cineasta. – seu sorriso dobrou de tamanho, os olhos brilhando. - Quantas cineastas você conhece e são mulheres? Infelizmente poucas. Quero representa-las. Desde pequena eu gosto de escrever, e escrevo sobre tudo, mas o roteiro certo ainda não me veio. Enquanto isso trabalho de fotógrafa, que é minha outra grande paixão. Esse universo audiovisual, sabe? É tudo o que sou. Mas não me sentia preparada para escrever um roteiro até me conhecer. Aquele momento em que você deve procurar seu lugar no universo, eu acho. Então viajei até todo meu dinheiro acabar, e agora estou de volta para São Paulo. Depois de ter me roteiro, só Deus sabe o que farei. Talvez eu bata na porta da Ancine e implore que eles achem uma equipe para mim. Ou então eu durma com homens influentes no ramo. – Ela riu disso. - Não, melhor não. Mas vou ter meu filme, vou ficar tão conhecida quanto Spielberg e Tarantino, e vou conseguir.

Ela encarou suas mãos, e percebeu que elas tremiam. Seu coração estava acelerado. Ela sempre se rendia tanto quando falava de seu amor pelo cinema que ela própria se assustava.

– Desculpe. Isso foi ridículo. – Clarice escondeu o rosto nas mãos.

– Não achei. Na verdade isso foi bem inspirador.

¨¨¨

O que Clarice tinha de loucura ela tinha de fascinante. Ela falava algumas coisas meio lunáticas, mas acima de tudo, ela tinha uma dose genial. Em menos de uma hora, e Frederico notara perfeitamente isso.

Havia algo em Clarice que deixava Frederico inquieto. Ela era a materialização do que ele não era, da coragem que ele não tinha. Ele não tinha o talento em decifrar os sinais corporais das pessoas, mas os olhos brilhantes dela passavam paixão, dor e determinação. Era claro que o mundo podia não acreditar nela, mas enquanto ela acreditasse em si, nado iria para-la.

Ele era bem o contrário, esse era maior defeito e incomodava Frederico terrivelmente.

– Desculpe. Isso foi ridículo. – ela disse.

– Não achei. Na verdade isso foi bem inspirador. – e era verdade. Naquele momento ele se sentia tão inspirado a ponto de ter vontade de trancar sua faculdade naquele exato momento e se inscrever em Cinema.

Que idiotice, ele pensou. Se fizesse isso consequentemente ficaria sem emprego, casa e dinheiro. Além de perder seu pai.

Já bastava ter perdido a mãe.

Clarice se inclinou na mesa.

– E o que te inspira?

Frederico suspirou.

Era uma pergunta simples, mas com resposta complicada. O que inspira, o que te dá inspiração. Frederico já pensara nisso antes, mas falar era diferente. Suas mãos estavam trêmulas.

– Pessoas. Suas ações, coragem. Do tipo que lutam pelo que acreditam, os visionários, os que movimentam revoluções. História sempre foi minha matéria favorita na escola, e eu adorava entender um pouco das motivações daquelas pessoas com seus rostos ilustrados na minha apostila.

– E você já pensou em se tornar uma dessas pessoas?

Os olhos de Clarice eram intensos como tempestade. Frederico poderia se sentir intimidado se não estivesse tão fascinado.

– Como?

– Eu posso ajudar. – Clarice bebericou seu chá. – Não que eu seja expert nisso, mas temos a mesma inspiração. Estou à procura do roteiro perfeito a tanto tempo, e parece que tive um vislumbre perfeito dele agora.

– E aonde eu entro nisso?

– Ah, você sabe. No fundo do seu coração você percebeu que concluir esse curso de Direito não te trará felicidade, e que ficar obedecendo seu pai para manter o “nome da família” é sufocante. E você também percebeu que será uma ajuda que revolucionará sua vida e visão, onde você poderá encontrar sua liberdade e se tornar sua própria inspiração.

Frederico não podia se sentir menos confuso. Ela acabara de jogar todas as cartas em sua mão, acabara de abrir uma porta que raramente se abria. Eles nem se conheciam, e seria imprudente concordar. Mesmo assim, algo o puxava em direção de Clarice.

– Então. Vai entrar nessa?

Frederico nem pensou em responder:

– Quando começamos?


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Notas finais do capítulo

Uma querida leitora apontou que gostaria de ver mais os sentimentos, entender os pensamentos dos personagens e narrar melhor o lugar. Bem, espero ter conseguido fazer isso e melhorado de certa forma :) Então galera, vamos conversar nos reviews? Me contem tudo e até mais o/