Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 3
Destino




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Como Clarice esperava, todos estavam bêbados. Ela pediu a chave do carro de Tati para pilotar e assim levar cada um de seus colegas a salvo para a casa. Era bom ter uma vida normal novamente, amigos fixos e problemas comuns. Quando ela viajava os problemas eram diferentes e as sensações sempre uma surpresa. Mesmo assim estar de volta em São Paulo trazia uma sensação de novidade. Depois de deixar todos em suas respectivas casas, Clarice perguntou para Tati se ela poderia dormir em sua casa. Ela não estava afim de ir para sua casa e ter que encarar a realidade. Tati deixou.

– Hoje foi muito bom! – Tati disse para Clarice, a bebida deixando sua voz embargada.

– Foi legal.

– Você viu aquele cara que eu peguei? Ele era bem gostoso.

– Qual deles? – Clarice riu. As duas estavam se arrumando para dormir.

– Aquele de óculos, com uma tatuagem nobraço.

– Ah, sim. Eu perdi as contas de quantas vezes ele ia no bar pedir vodka.

– Você ficou reparando, hum?

– Eu estava sentada perto do bar, ué.

– Eu sei, estou brincando. Ele queria pegar na minha bunda, mas eu não deixei, claro. Quer dizer, eu quase deixei, mas na hora não parecia uma ideia boa. Vou tentar achar ele depois no Facebook.

– Você pegou o nome dele então?

– Mateus. Vai dar um trabalho para achar um entre milhões de Mateus, mas sua foto de perfil vai se destacar com sua aparência maravilhosa! – ela começou a rir, e então parou bruscamente, pondo sua mão na boca. Ela correu para o banheiro. Clarice agradeceu por não beber. Deve ser uma droga ficar vomitando depois de festas.

– Pensei que você ir embora com algum cara do bar – Tati disse enquanto voltava do banheiro, com uma cara de acabada.

– Do bar, sério? Não é um dos melhores lugares para encontrar alguém.

– E alguém disse em encontrar alguém para sempre? Ficar, ficadinha, algo casual, e depois tchau.

– O clima não estava a esse ponto.

Ah, se ela soubesse que o cara que mudaria sua vida estava naquele bar.

¨¨¨

Frederico ficou encarregado de levar o carro de Bento enquanto ele estava ocupado demais engolindo a garota de tanto beijar no banco de trás. Frederico via pelo retrovisor a imagem e ele se segurava para não rir. Quando os dois se conheceram eles tinham quinze anos, Frederico nem tivera seu primeiro beijo ainda enquanto Bento era apaixonado por uma patricinha da escola que nunca notara a existência dele. No final daquele ano Bento iria conseguir ficar com ela após ser desafiado a beijar ela no jogo da garrafa, e foi estranho para Frederico ver seu amigo beijando. Sua “kiss face” era bizarra, os olhos fechados em concentração, seu biquinho e suas mãos nervosas na garota. Eles chegaram a ficar outras vezes, Bento realmente se apaixonando, mas nada deu certo porque ela perdeu o interesse e se envolveu com um cara dois anos mais velho que ela de outra escola. Isso fez um baita mal para Bento na época, e ele odiava que lembrassem disso perto dele.

Frederico parou o carro na frente da casa da garota e ela saiu, beijando Bento e se despedindo de Frederico. Frederico então virou o carro e fez o caminho até a oficina mecânica do pai de Bento para guardar o carro de volta.

– Achei que iria rolar. – ele disse para o Bento.

– E iria se eu não tivesse que levar a porcaria do carro para a mecânica antes que meu pai descubra.

– Você já pensou em comprar seu próprio carro?

– Já, mas carros custam dinheiro e dinheiro é uma coisa que não tenho. – Bento tinha um sorriso estranho estampado no rosto.

– Uma hora seu pai vai se descobrir. E pior: um dia o dono do carro pode descobrir.

– Vira a boca para lá, macumbeiro! Credo, Frederico, que amigo bosta que fui arrumar.

Frederico riu.

Eles chegaram na oficina mecânica e fizeram o procedimento de sempre. Voltaram os quilômetros percorridos e tiraram qualquer vestígio no interior do carro que denunciassem ele.

– Quer dormir aqui? – Bento perguntou. A casa de Bento ficava no mesmo quarteirão que a oficina.

– É melhor eu pegar um taxi e ir para casa.

– Você quem sabe.

– Tenho certeza. Valeu cara.

Eles se despediram e Frederico levou Bento bêbado até a frente da casa dele e depois foi para a rua principal esperar um taxi. Não demoraria para aparecer um e ele entrou, voltando para seu apartamento. Enquanto olhava pela janela do taxi ficou imaginando o que estaria acontecendo com a garota sem nome. Era angustiante pensar que ele não a veria mais.

¨¨¨

– Clarice, esta semana você precisa fotografar a vida universitária dos alunos da USP.

– Tudo bem. É pra qual campanha, hein? – Clarice pegou o formulário, lendo a ideia que pregava aquele novo projeto.

– As fotos irão para um editorial das universidades públicas brasileiras. Alguns alunos darão depoimentos e precisamos de fotos para ilustrar as revistas, jornais e sites que publicaram sobre o assunto. Algo básico, mas eu sei que suas fotos captarão a essência dos universitários.

– Interessante, Tati. Hoje mesmo posso ir?

– Não vejo por que não.

Já era março, e a agência gostara tanto de seu trabalho no projeto trabalho que a chamaram mais vezes. Ela não se recusou, a grana estava sendo boa e ela precisava economizar bastante para no outro ano viajar de novo. Clarice pegou sua bolsa com a câmera fotográfica e saiu pronta para mais um dia de trabalho.

Chegando na USP ela apresentou seu papel de autorização para a secretaria e se preparou para fotografar.

Os alunos iam e vinham, entrando e saindo dos pavilhões, a maioria em grupos. Clarice já empunhava sua câmera fotográfica pronta para captar os melhores momentos. Ela teria tempo, então decidiu que faria fotos espontâneas dos alunos agindo normalmente e depois interceptaria alguns para fotos posadas, por mais que ela preferisse a primeira opção. Sorrisos e olhos bonitos eram suas fraquezas, e ela fazia questão de captar qualquer um que aparecesse. Ela colecionava sorrisos já havia um tempo.

O dia fora longo. Nos intervalos ela se aprontava perto dos bancos para pegar grupos de alunos e corria fotografar. Perto das lanchonetes ela aproveitava e fazia mais fotos. Ela sequer notara, mas atrás dela passava um cara de óculos meio desligado e introspectivo com uma maleta imensa e cheia de papéis. O destino é maluco assim, gosta de aproximar as pessoas, mas não permite que elas notem. Ela não tirou foto, nem deu tempo. Na verdade nem viu ele. Será que ela se lembraria se visse? Talvez. Frederico não era do tipo que deixava marcas fortes no primeiro momento. Era do tipo que conquistava aos poucos, e ela nem notou. Maldito destino.

¨¨¨

Frederico estava apressado com os papéis que carregava, sua maleta pesada. O máximo que conseguira fora comprar um café na máquina de bebidas e voltar apressadamente para a sala de aula. As provas não demorariam para começar, e ele se assustava com o conteúdo que ficava cada vez mais pesado.

Estar em uma faculdade pública era talvez mais importante para seu pai do que para ele. Frederico tinha grandes ambições, mas com a advocacia suas ambições eram escassas. Se formar já seria uma vitória.

– Você também foi fotografado? – Luana perguntou enquanto se sentava ao lado de Frederico. Ele não perguntara e ela nem dissera nada, mas ele sabia que ela ficara chateada com ele no dia em que estavam no show, quando ele beijou aquela garota. – Frederico, terra chamando!

– Oi! Não, não, nem sabia que estavam fotografando.

– Estão. Uma moça tatuada está tirando fato de vários alunos, e ouvi que ela vai passar nas salas amanhã. Ótimo, mais uma coisa para atrapalhar nosso desempenho! – ela riu.

Moça tatuada. Por que isso lembrava da garota que ele havia ficado no show? Droga, sempre assim. Antes que ele tivesse que responder a Luana, o professor chegou, e ele foi salvo disso.

¨¨¨

Clarice voltou no fim da tarde para a agência, descarregando as fotos da sua câmera e entregando para o chefe, que declarou estar satisfeito com o resultado. Ela foi dispensada logo em seguida, e Clarice não se sentiu nem um pouco animada em ter que voltar para casa e enfrentar sua família.

Ela entrou no elevador, e notou que ao seu lado estava o vizinho enfermeiro. Ela sorriu simpática.

– O vizinho enfermeiro com cara de jornalista!

– A filha louca do seu Vianna! – ele também sorriu.

– Os dentes dele eram bem brancos, e seu sorriso era imenso, do tamanho da lua. Ela que adorava sorrisos já foi tirando sua câmera.

– Isso vai ser bem estranho, mas preciso tirar uma foto sua.

– O quê? – ele parecia confuso.

– Um projeto pessoal. Capturo sorrisos por onde ando e você tem um que nossa!

Ele deu uma risada e ela aproveitou e tirou a fato no exato momento.

– Ficou legal?

– Ficou ótimo. Até agora não tinha uma foto de alguém sorrindo em um elevador. Original.

– Você prometeu que nos veríamos outro dia.

– E não estamos nos vendo?

– Sim, mas tipo sair.

– Ah, é. Poxa, um dia a gente vê, né? Ando ocupada essa semana com uma nova campanha.

– Relaxa, até porque minhas provas vão começar semana que vem e tenho um trabalho complexo para finalizar. Eu moro no andar de cima.

A porta do elevador abriu e ela saiu, deixando ele sozinho.

Ela abriu a porta do apartamento, e deparou com seus pais brigando.

– A culpa não é minha! – sua mãe berrava. – Ela sempre foi ingrata, e isso não é culpa minha. Você que a mimou demais, a cada merda sua ia correndo dar algo para a menina. Você acha que quando ela está agindo assim, tão cruel, não é reflexo disso?

Clarice passou por eles como um canhão, ignorando-os. Nem eles notaram ela.

Ela odiava os pais, odiava e estava presa a eles. Era um monstro por não gostar deles? Ela se sentia um. A família da mãe era do interior paulista enquanto a do pai era do Paraná, o que resultava o fato que ninguém da família era próxima dela. Estava sozinha. Ela não tinha família, ela considerava, e ela se lembrava com dor a vez em que fora convidada para uma festa de aniversário de uma amiguinha da escola quando pequena e ela era abraçada por várias tias, e ganhava presentes delas. Em como a família era unida e mostrava amor. Ela nunca teve aquilo, e quando voltou da festa chorou quieta no seu quarto. Sua mãe nem notara os olhos roxos da filha, ou mostrou não notar. Naquele momento passou a odiar famílias grandes e tradicionais. Em parte porque odiava se sentir presa as pessoas e lugares, e mesmo que não admitisse, em parte porque não tinha. Ela colocou os fones de ouvido em volume máximo e se isolou dos gritos de seus pais.

¨¨¨

“Cara, fodeu a porra toda. Meu pai vai comer meu cú.”

A mensagem de Bento espantou Frederico que estava no escritório do pai trabalhando. Ele mandou:

“Que foi?”

“Tô tremendo pra caralho.”

Bento falava bastante palavrão, mas Frederico não deixou de se assustar com a quantidade exaltante nas mensagens.

“Se você não me contar o que está acontecendo não poderei ajudar.”

“Tem como você me encontrar naquele café do Shopping da avenida perto do escritório?”

“Tô trabalhando.”

“Eu sei, porra. Depois?”

“Beleza, fiquei curioso. Você tá parecendo que foi sentenciado a morte.”

“Quase isso, cara. Quase isso.”

No momento que Frederico saiu do escritório correu para o shopping. Virou a avenida e entrou, vendo que Bento já esperava ele com dois cafés, as pernas tremendo e o celular na mão.

– Seu pai descobriu que você pegou o carro da oficina, isso?

– Que susto, Frederico! – Bento notou só naquele momento a presença do amigo. – Não, não, antes fosse isso. – Bento passou a mão no cabelo claro e ficou os olhos verdes no amigo. – Olhe bem para mim. A quanto tempo nos conhecemos?

– Desde que temos quatorze anos.

– Lembra de mim aos quatorze? Com aquele corte de cabelo horrível, aquelas espinhas que pareciam radioativas na cara? Eu podia ser loirinho, mas era fofo até os onze anos. As amigas da minha vó sempre me chamavam de gracinha e falavam “Como cresceu seu neto! Tão bonitinho, vai arrasar corações.”.

– E o que isso tem haver?

– A partir do momento que entrei na puberdade aquelas velhas horrorosas pararam de me chamar de gracinha, e garanto que elas pensavam “Como aquele rostinho angelical virou essa coisa espinhenta? Era um bebê tão lindo.”. E agora adivinha o que vai acontecer? O ciclo irá se repetir, mas elas falarão “Como cresceu seu bisneto! Tão lindo, vai arrasar corações.”.

Frederico parou um momento, tentando entender. Bento não poderia estar falando sério.

– Como assim, mano?

– Não vai dar para falar as palavras não, cara! Tentei explicar deu um modo bem didático, cheio de exemplos e suposições. Você entendeu bem.

– Você vai ser pai, é isso mesmo?

– Não fala alto, que parece mesmo real. – Bento apontou para o coração. – Fala mais alto, vai, me dê um balde de realidade.

– E quem é...

– A Natália, é.

– Porra, mano.

– Eu sei. Meu pai vai me matar.

– Mas tem certeza disso?

– Ela me ligou pedindo para levar ela para aqueles testes idiotas de farmácia, e deu positivo. Não tenho dinheiro nem para mim, quanto mais para um outro eu.

– E você vai namorar ela? Casar?

– Eu tenho dezenove anos, que estranho pensar em casar! Ai meu Deus, isso só pode ser um pesadelo. Compromisso sério agora, ai meu Deus, meu Deus, meu Deus...

– Leva ela para sua casa. Fala com seu pai e liga para sua mãe. Você tem mais ou menos oito meses para resolver isso.

– Meus pais são separados desde que eu tenho treze anos e não vejo minha mãe desde os dezesseis. Vai ser incrível chamar ela para dar essa notícia.

– Não que ela vá sair de Salvador para te dar umas broncas.

– Para umas broncas talvez não, mas para me surrar de chinelada, não duvido nada.

Depois de conversarem um pouco mais do que viria de agora em diante, e dos medos de Bento do tipo ficar sem poder tocar mais na noite, não poder sair com os amigos para ficar de olho no moleque, ter que aguentar a Natália a vida inteira, e que seu filho pode não nascer com seus “lindos olhos cor de esmeralda”, Frederico se despediu dele depois de pagar o café dos dois. Ele tirou seus óculos e deitou na cama. Ouviu seu pai gritando no telefone com algum cobrador e tentou dormir mesmo com insônia.


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