Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 18
19 anos e o Behaviorismo


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente desculpa por ficar mais de um mês sem postar! Que pessoa horrível eu sou!
Confesso que passei por uma fase difícil para escrever em que nada me agradava, mas sou feliz em contar que grandes reviravoltas virão logo logo nos próximos capítulos. Enquanto isso, espero que gostem desse.



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– Houve uma vez em que Clarice e eu estávamos fazendo brigadeiro. Sabe como é, eu quando estou triste eu fico totalmente na bad! E a saída foi Clarice inventar de fazer brigadeiro no micro-ondas. A grande cagada foi que ela colocou a panela de metal no dito cujo! Eu estava incapacitada de fazer qualquer coisa, já que estava ocupada demais chorando e stalkeando o Matheus. – Tati riu. – Então só ouço um barulho estranho no micro-ondas e foi como se a vida ficasse em câmera lenta. Levantei, uma música de fundo tocou e consegui, finalmente, abrir a porta do micro-ondas e salvar nossas vidas de uma explosão de chocolate! Moral da história: nunca deixe Clarice cozinhar sem supervisão.

Era de se imaginar que Tati nessa hora já estava bêbada. Tinham saído pra jantar, Clarice, Frederico, Mateus, e Tati. Agora que Tati voltara com Mateus a vida de casais era assim, comer, jogar papo fora, ir ao cinema e planejar bobagem.

– Eu me sinto levemente culpado por isso. – Disse Mateus, que estava quase rindo também. – Se eu não tivesse terminado com você, provavelmente você não estaria chorando e Clarice não precisaria fazer brigadeiro para curar seu coração enquanto assistem 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você e falando mal de mim.

– Na verdade foi Meninas Malvadas. – Clarice falou. – Porque isso é tão barro! – Isso fez com que todos rissem, relembrando a famosa frase do filme.

– Clarice aguentou corajosamente essa minha fase pós-relacionamento. Confesso que eu era chata pra caramba. – Tati disse, terminando de beber a cerveja de seu copo.

A Cinemateca havia se tornado um dos lugares favoritos dos dois. Não só porque o lugar é lindo e inspirador, mas era confortável a sensação de estar no meio de livros, roteiros, filmes e mais filmes. É como se o universo tivesse criado o próprio jardim do Éden para os dois.

Naquele dia eles tinham decidido em fazer um piquenique na área externa da Cinemateca. Uma atividade comum ali, e eles gostavam de experimentar.

– O que está rindo? – Frederico questionou enquanto Clarice clicava uma foto sua. Ele bebia um chá que os dois trouxeram em uma garrafa térmica.

– As lentes dos seus óculos toda embaçadinha.

– Você gosta de me zoar, né!

Era relaxante estar ali. Momentos especiais em que ficar em silencio não é constrangedor, que observar as árvores se movimentando, a brisa batendo no rosto e a arquitetura se torna algo notável.

Enquanto comia, Frederico perguntou:

– Como foi que sua paixão por isso surgiu?

– Cinema?

Ele fez que sim com a cabeça.

– Acho que foi porque eu sempre quis ser muitas coisas. Sempre imaginei como seria eu se eu não fosse eu. Faz sentido? Sempre quis passar um dia no corpo de outra pessoa pra saber como não é ser eu. Ou se eu tivesse nascido em outro continente. Ou outra época. Ou outro mundo! São tantas possibilidades que só os livros e filmes podiam me dar isso. A segunda opção, porém, sempre foi mais concreta pra mim.

– Concreta?

– Sim. Quero dizer, nos livros eu posso descrever. Mas nos filmes eu posso ver.

– Então foi por isso que nasceu seu interesse?

– Cinema se tornou especial quando eu era pequena ainda. Sabe aquela semana entre o Natal e o Ano Novo em que você vai pra casa dos seus parentes no interior? Lembro que eu estava com meu vô, e meus pais não paravam um segundo sem brigar. Eu ouvia tudo, claro. Eu devia ter uns cinco anos. Eles podiam pensar que eu estava alheia de tudo, o que não era verdade. Mas vovô sabia que aquilo me perturbava, e então ele me levou para o cinema

“Talvez tenha sido naquele momento que o Cinema se tornou especial. Um cantinho onde eu entrava e podia esquecer dos problemas do exterior. Que eu podia ter duas horas em paz, preocupada apenas com o destino dos personagens.”

– E nunca pensou em ser outra coisa?

– Fotógrafa, talvez. – Ela riu. – Eu gosto da verdade que a fotografia me dá. Mas sim, sempre quis isso pra mim. Era sagrado que eu assistisse pelo menos um filme por semana da locadora perto da casa do meu vô. Ele sempre me levava lá, me ajudava a selecionar um filme, e a fita k7 eu mesma colocava no aparelho. Quando virou DVD eu continuei a assistir, e claro, pesquisar sobre os filmes, a produção, os outros filmes daquele mesmo diretor para ter um conhecimento.

“Posso dizer que aos quatorze anos eu já era uma mini-cinéfila arrogante que se recusava a ir assistir Mulher Gato no Cinema com meus amigos porque estava ocupada demais assistindo Pulp Fiction sozinha na sala do meu avô, decorando as falas de Mia Wallace.”

– Eu assisti Pulp Fiction com dezesseis anos. – Frederico admitiu.

– Não brinca! Poxa, é um dos meus favoritos. – Clarice mordiscou a massa que comia. – Eu tinha quatorze anos e a violência e o sangue do filme não eram o usual pra mim, então eu sentia que assistir ao filme era como se eu quebrasse uma regra. E eu já adorava quebrar regras.

– E o que seus pais diziam quando você contava isso?

– Eu não contava. Nunca contei. Eles viam os pôsteres de filmes no meu quarto, mas provável que pensavam que era um hobby. Enquanto eu tirasse notas boas na escola e não perturbasse a mente deles tudo estaria ok.

Frederico conhecia os pais de Clarice apenas por foto. Eram pessoas comuns com um brilho opaco nos olhos que apenas provava que não estavam satisfeitos com a vida. Ele conhecia bem isso. Via em seu pai todos os dias.

– E então eu fui viajar. É difícil ir ao cinema quando você não entende o idioma local, confesso. – Ela riu. – Mas cinema em Nova York é mágico! Optei pelos filmes clássicos nova yorkinos, e foi uma experiência única e que acrescentou muito na minha vida de cinéfila. E claro, peças da Broadway. Precisamos um dia assistir juntos!

Frederico concordou, e então lembrou que Clarice quando esteve em Nova York se apaixonou por um cara, Skylar, que no caso era um prodígio da dança e estudava para entrar na Broadway. Frederico sentiu um pouco de ciúmes, algo que ele não se orgulhava.

– Eu já fui pro Estados Unidos com meus pais quando era criança, na Disney e tal. Isso foi antes de ele começar a falir. Tenho fotos com o Pateta fotografadas pela minha mãe.

– Esqueci que você foi uma criança riquinha. – Clarice caçoou.

– Ei! – Frederico fingiu-se de ofendido.

– Estou brincando! Poxa, quando eu era criança meu sonho era ter um tênis de rodinha! Nunca tive, infelizmente, e deve ser por isso que sou toda traumatizada. – Clarice continuou brincando.

– Eu tive um... – Frederico admitiu.

– Está vendo? É por isso que você é assim. – Clarice voltou a beber seu chá. – Para minhas viagens acontecerem eu tive que pegar a herança deixada pelo meu vô com muito suor, fugir de casa e trabalhar e dormir em hostels baratinhos em cada lugar. A única coisa boa em viajar sem dinheiro é que torna tudo mais divertido e com história pra contar.

– Altas aventuras?

– Altas aventuras. Eu faria tudo de novo.

Terminaram o piquenique antes do pôr-do-sol, e já era hora de ir embora.

O telefone de Frederico começou a tocar. Era ainda horário de aula, mas como era Bento, e aula de Direito Penal é a que Frederico mais odeia, ele pediu licença e saiu da sala, louco para atender o telefone e desligar um pouco da matéria.

– É UM MENINO! – Bento gritou do outro lado da linha.

– Menino?

– Meu filho, cara! Seu afilhado!

– Ah, sim, seu filho... – Frederico conseguiu finalmente se concentrar. Ainda era estranho imaginar Bento sendo pai.

– Já decidimos o nome. Verine. – Bento disse com orgulho.

– Como?

– Verine! Daí quando ele for vô vão chamar ele de Vô Verine! – Bento chorava de rir no outro lado da linha, e Frederico se arrependeu e muito de atender o telefone.

– Tenho que estudar. Parabéns pelo moleque.

– Vish, não gostou da minha piadinha?

– Esse é o tipo de coisa que minha tia compartilharia no Facebook! Você é melhor que isso, Bento.

– Ok, tudo bem. Você tem razão. Vai lá estudar suas matérias de coxinha então, amigo.

Chamada em silencio.

– Boa noite! – Tati disse enquanto entrava em seu apartamento de volta do trabalho. Era sexta. Clarice estava espalhada na mesa com vários papeis em sua volta. – O que aconteceu nessa casa?

– Acho que terminei a primeira versão do roteiro.

– Sério?! Não brinca! – Tati largou sua bolsa no sofá e sentou-se ao lado da amiga.

– Sério. Bem, como entreguei as fotos hoje mais cedo na agência eu pude me dedicar em revisar alguns pontos e BOOM, terminei. Duzentas e trinta e sete páginas de ideias malucar que imploram pra sair da folha.

– E o Fredê, já sabe? – Tati estava com uma mania boba de chamar Frederico de Fredê.

– Não ainda.

– Vá logo contar, amiga!

– Não! Quero dizer, não ainda.

– Oi? Vocês não escreveram meio juntos isso?

– Sim, mas... eu mudei alguns pontos, e claro, as pontuações dele foram importantíssimas, ele entende super de Cinema também, e é apaixonado por isso, mas se tornou algo particular tão especial que quero esperar.

Tati a encarou como se visse uma privada toda vomitada de manhã depois de uma noite de bebedeira.

– Você não presta mesmo, Clarice. Juro que o dia em que te entender eu atinjo a iluminação e viro Buda!

– Vai ficar sentada eternamente em uma flor-de-lótus. – Clarice zoou. – As pessoas vão passar a mão na sua barriga.

– E exijo que na minha estátua as minhas tatuagens sejam representadas perfeitamente e meu cabelo pintado de azul. E se não for pedir demais, quero que as pessoas meditem ouvindo o álbum In Utero do Nirvana.

– Que Buda horrível você!

– Uma Buda moderna. Você será fanática pelos meus ensinamentos de iluminação.

Frida pulava nas pernas de Tati, pedindo colo. Tati carregou a cachorrinha e brincou com as orelhinhas dela.

– Mas então? Qual será o próximo passo já com o roteiro pronto?

– A parte difícil vem agora. Ter um roteiro que você julga bom é um começo, pelo menos. Foram anos procurando algo que prestasse a virar realidade. Se eu fosse Woody Allen certamente seria entregar o texto a minha equipe e no próximo ano começar as gravações. Mas como uma fotógrafa morando em São Paulo o caminho será mais longo. Contatos, estudo, e se tudo der certo começar a pré-produção que pode durar anos. Equipamento, fornecimento, divulgação, produtora, e tantos pormenores que faz com que eu fique louca só de imaginar!

– Mas é óbvio que você não fará isso sozinha. – Tati ironizou.

– Claro. Até lá eu conseguirei trabalhar em uma produtora com profissionais competentes da área e finalmente ver meus filmes na tela. Imagina que emocionante no primeiro segundo de filme aparecer escrito “Um Filme de Clarice Vianna” e aquela música emocionante tocando no fundo! É meu sonho desde que sou criança.

– Espero que você realize seu sonho de criança, amiga do meu coração. – Tati se levantou e beijou o topo da cabeça de Clarice. – Porque o meu era ser uma borboleta colorida, e só ser colorida eu consegui ser.

Clarice estava feliz em finalizar seu projeto, mas aflita. Calmaria era estranho em sua vida, e ultimamente tudo estava calmo. Ela tinha Frederico, seus pais não a incomodavam, ela continuava gastando o mínimo possível e poupando o máximo possível para projetos futuros, uma coleção de fotos com pessoas importantes no seu ano, e mesmo assim a sensação era que tudo que ela acreditava até então vazasse entre seus dedos.

Ela tinha mania de planejar, imaginar. Ter dezenove anos e estar trabalhando com algo que gosta e namorando um cara incrível podia ser tudo que outra garota de sua idade pediria. Mas ela imaginava que aos dezenove estaria pelo menos encaminhando esse seu sonho. Era algo maior que ela, algo que ela sacrificaria tudo.

E ela se sentia mal por isso.

Aquelas pessoas importavam para ela. Tati deixava ela morar em seu apartamento. Frederico foi seu único amor verdadeiro até então. Porra, Frederico fez ela sentir-se de um modo que nunca havia acontecido antes. E então por que reclamava? Talvez fosse toda sua hiperatividade somada a sua fobia pela quietude. Na escola, por exemplo, costumava ser expulsa da classe por não parar quieta, e quando chegou na sala da diretora justificou que não concordava com o sistema escolar, que ficar sentado na mesma posição por horas ouvindo um professor falando de um assunto que ela não tinha interesse algum, como Química, era semelhante a tortura, e que aulas no ar livre tornariam todo o processo mais prazeroso, por exemplo. Óbvio que não foi levada a sério, e ela entregou a prova de Química em branco depois, com a justificativa de que não era possível medir a capacidade e inteligência por uma folha cheia de respostas decoradas um dia antes. Ela não era popular na escola, como se deve imaginar.

E talvez esse fosse um dos seus maiores medos. Se tornar uma dessas pessoas que ela conviveu toda vida. Essas pessoas acomodadas, preocupadas em ser “normal” e exercer seu papel na sociedade. Acreditar e apostar em uma estrutura antiga de trabalhar que nem louco na semana e no fim de semana bancar o pai de família. Ela não queria se tornar essa pessoa. As pessoas podiam ser felizes assim, obviamente. Mas ela não seria. Não enquanto soubesse que há um mundo inteiro lá fora para explorar, que seus sonhos podem se tornar concretos com determinação. O limite do seu universo é seu horizonte, e sempre que ela chegava no horizonte havia um novo. E então um novo, e novo. Ela não ficaria em estática por muito tempo.

E isso a apavorou como nunca tinha ficado antes.

Era sempre estranho quando Clarice ia na sua casa, pensava Frederico. Seu pai não se esforçava em ser simpático, às vezes até comparando-a com Luana, que ainda trabalhava com ele e era a personificação de mulher perfeita para Dr. Leonardo.

Naquele dia, porém, estava sendo mais fácil com a presença de tio Lúcio, Paulo e o pequeno Henrique. O menininho brincava com seus carrinhos, e curiosamente, panelinhas rosas.

– Henrique adora as aulas de natação em especial. – Paulo acrescentou. Estavam todos na sala, Frederico no chão com o priminho, experimentando o “papá” que o menininho cozinhava em suas panelas de plástico. – A professora dele nos disse que seria interessante investirmos nisso, já que ele é talentoso e poderia se tornar um esportista futuramente.

– Seria incrível. – Clarice comentou. Frederico sabia que ela ficava deslocada em sua casa, mas a presença dos tios a deixava mais relaxada.

Frederico sorria com todos os dentes a mostra com o primo. Não havia crianças na sua família, então ter Henrique agora era especial. Ele sempre gostou de crianças, era algo natural para ele, e Henrique era agradável, o que somava ponto também.

– E as fotos que você tirou de Henrique ficaram lindas, Clarice! Mandamos enquadrar várias delas para enfeitar a sala. – Tio Lúcio contou, o que deixou Clarice lisonjeada.

– Fico feliz em contribuir.

Quando os tios foram embora, Frederico tocou na mão de Clarice, e a arrastou para seu quarto, fechando a porta.

– Aqui pelo menos meu pai não nos incomoda.

– Tomara que ele não coloque um copo de vidro sobre a porta para ouvir nossa conversa. – Ela brincou, e Frederico segurou a cintura dela.

– Eu não canso de você.

Ele sentou ela na sua escrivaninha, beijando-a com aquela mistura de doçura e desespero que ele tinha. Ela enlaçou suas pernas em volta dele, trazendo-o mais para perto de si.

– Pensando bem, seu pai nem precisaria de um copo de vidro na porta para nos ouvir.

– Foda-se ele. Ele deve estar lendo um de seus livros chatos no escritório.

– E Dom Casmurro? Faz uns três meses que você leu e nunca me contou o que achou.

– Você nunca perguntou! Mas se quer saber a verdade, acho que virou meu livro favorito.

– Está acima de Guia Dos Mochileiros Da Galáxia.

– Incrivelmente sim. Lembra você.

– Estou me achando agora.

Frederico voltou a beijá-la. Ele gostava em especial de brincar com os cabelos da nuca dela durante o beijo, enlaçar a cintura dele com seus dedos compridos e finos e sentir a respiração dos dois estabilizar.

– Sinto que estou entrando em uma armadilha cada vez que nos beijamos assim. – Clarice falou, afastando-se do beijo e fechando os olhos. – Como se eu te levasse para uma teia que eu mesma teci, sabendo que ficaria grudado nela por culpa minha.

– E se eu quis grudar nela? – Frederico não entendia o que ela queria dizer, e algo estranho brotou no seu coração

– Provavelmente te persuadi a isso.

– Qual seria a desvantagem disso?

– É uma armadilha a teia. A aranha é uma predadora. Ela é um monstro.

– Talvez a presa tenha Síndrome de Estocolmo.

– É. – Ela não parecia convencida. – Talvez.

¨¨¨

Era começo de julho. Estavam juntos desde abril, e isso espantava Clarice.

– Parece que faz tão pouco tempo!

– É estranho pensar que nos conhecemos em março, porque ao mesmo tempo que parece muito é pouco ao mesmo tempo.

– Agora entendi como tantos casais mantém relacionamentos ruins. O tempo passa voando e a gente nem percebe.

– Ei! Está chamando nosso relacionamento de ruim? – Frederico brincou.

– Não. Não chamaria nunca o que temos de relacionamento ruim.

Clarice deu um beijo de despedida em Frederico e saiu do carro. Eles tinham acabado de voltar do cinema, e era tarde. Ela estava exausta.

– Amanhã eu te ligo. – Frederico prometeu.

– Nem me lembre que amanhã acontecerá! Odeio as segundas-feiras.

– Você as enfrenta há dezenove anos. Achei que já tinha acostumado com elas.

– Eu me adapto aos meios. – Ela brincou e deu uma rodopiada na calçada. A única coisa que iluminava ela era a luz do poste. – Boa noite, menino Frederico.

– Boa noite, menina Clarice.

Ela subiu correndo as escadas e entrou no prédio.

Já dentro do elevador começou a chorar. Raramente o fazia, mas não aguentava mais. Teria que contar a ele e logo.

¨¨¨

O telefone de Frederico tocou no meio da madrugada. Era Clarice.

– O que aconteceu? – Ele perguntou aflito quando atendeu.

Ela demorou para responder. Por fim deu um suspiro.

– Estou com medo.

– O quê?

– Sonhei algo terrível. Estou assustada.

Clarice não costumava mostrar fragilidade, o que deixou Frederico atento.

– Sonhei que estava na casa dos meus pais, e que eu não tinha você, não tinha nada. Meus pais me amavam, mas eu estava infeliz. Eu era o que eles queriam, mas o que adiantava? Foi tão real, Frederico.

– Mas foi um sonho. Veja, você ainda me tem, ainda é você.

– Mas isso me deixou pensativa. Muito pensativa.

– Como assim?

– E se nada disso valha a pena? Odeio ter esse pensamento, mas Crises Existenciais de madrugada são tão comuns na minha vida quanto o sol nascer toda manhã.

– Clarice...

– Frederico, eu não quero continuar assim. Não quero dormir sentindo que perdi tempo, que perdi um dia da minha vida. É ridículo meu pensamento de querer tanto fazer algo importante. Não quero soar egocêntrica, mas Frederico! Ah, Frederico, como eu quero fazer algo grande! E essa madrugada de insônia briga para eu sair desse colchão e ir escrever, ou fugir.

– E o que você vai fazer?

– Falar com você. Você me acalma. – Ela não parecia calma.

– Não vai fugir?

– Não mais. Não quero ser mais covarde. Se eu for para algum lugar, quero que vá comigo, e quero que esteja feliz com isso.

– Eu não te quero triste, tudo bem? – Frederico estava bem acordado naquele momento. – Você é importante. Para mim você é a que mais importa. É a coisa mais louca e fascinante que já aconteceu na minha vida. E eu secretamente acho que você não desceu nessa terra à toa. Se não foi para mudar alguma coisa, foi para marcar. Saiba que está fazendo isso muito bem.

– O que eu fiz? Tirei umas fotos e escrevo um roteiro para um filme que nunca consigo terminar.

– Você me marcou. Porra, Clarice, me salvou. Você, com essa sua idade, teve coragem de fazer coisas que os outros nunca fariam. Você tem a vontade de descobrir as coisas que é cativante, e eu aposto todas as minhas fixas em você.

Clarice nada respondeu. A linha ficou silenciosa por um bom tempo até ela dizer:

– Nem em mil vidas eu poderia te compensar pela pessoa que é. Não me sinto confortável quando me diz essas coisas porque parece que estou mentindo para você.

– Como?

– Não sou essa mulher que pareço. Estou toda desintegrada por dentro. Não sou tão corajosa. Sou covarde, eu jogo sujo. Você acha que alguém vence o jogo sem sujar as mãos? Desculpa, tenho que desligar.

A linha ficou muda.


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Notas finais do capítulo

Vish, o que será que aconteceu? Mandem suas apostas nos reviews e muito amor pra todos



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