Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 17
Colecionando momentos


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoarrr! Sempre gosto de dizer algo aqui, sinto que aproxima a dinâmica autor-leitor, mas não parece ter nada de importante :s bem, minhas provas estão chegando, então será difícil postar. Fora isso, boa leitura :D



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Era um costume da época do Ensino Médio os amigos da classe se unirem na casa de Bento para fazer rodinha com violão e tocar um som madrugada fora. Frederico lembrava de carinho dessas noites de música boa.

Bento naquela época já sonhava em ter uma banda. Naquela época mesmo, quando eles tinham apenas quinze anos passavam a madrugada tocando guitarra, violão e ukulele. As festas sempre acabavam com Bento ficando com alguma das garotas que babavam em um músico.

– Cara, ela está vindo? – perguntava Bento enquanto bebia apressadamente um copo cheio de refrigerante.

– Ela está conversando com as amigas e olhando aqui.

– Tô fodido.

Mas não demorava muito para eles estarem se amassando na parede e Bento colocando a mão na bunda da garota.

– O segredo é usar o truque de tocar a guitarra de costas. Nunca falha! – Bento dizia. – E elas adoram um ukulele também. Tem estilo, sabe?

Todo mundo da roda cantava em uníssono. Eram músicas populares, rock nacional dos anos noventa e MPB. Também tinha bastante Nirvana e outras bandas internacionais, mas não era o que mais fazia sucesso.

– Toque uma música melosa olhando nos olhos dela. – Bento contava sua tática. – Coloque a palheta entre os lábios e faça cara de concentrado, elas adoram.

– Mas eu nem sei tocar! – Frederico dizia.

– Por isso que nunca beijou ninguém! Cara, tem que ter atitude.

Bento decidira fazer uma reunião como essas do Ensino Médio novamente, chamando os antigos amigos. Frederico estava ansioso para rever a galera e apresentar Clarice a eles. Não era sempre que tinha festinhas na casa de Bento, e ele tinha um quintal bem espaçoso para esse tipo de coisa, então era legal aproveitar.

Já fazia um mês de namoro. O tempo passava lentamente e rapidamente ao mesmo tempo. Faz sentido? Já tinha passado um mês inteirinho e mesmo assim se parasse para pensar, quantas coisas em tão pouco tempo! Era só ver a quantidade de fotos que Clarice tinha clicado, a quantidade de rascunhos de roteiro que tinham escrito e como o sabor dos lábios dela já era um sabor comum para ele.

Mesmo assim tinha o tom delicado de um relacionamento novo.

– É um churrasco? – Clarice perguntou meio desgostosa. Ela não comia mais carne.

– Não. Bem, pelo menos quando fazíamos não era porque tínhamos só quinze anos e ninguém sabia mexer na churrasqueira. – Frederico sorriu ao lembrar de seu eu aos quinze, muito magro, muito alto, muito desengonçado. – Então nós comíamos lanches que cada um trazia. Um prato, sabe?

– E a gente vai levar algo?

– Bento não pediu nada.

– Não quero chegar lá sem nada na mão!

– Relaxa. – ele riu um pouquinho e aumentou o volume do rádio. – Você vai conhecer os meus colegas de turma hoje, o que é bizarro. Faz dois anos que me formei e parece que faz uma vida!

Quando eles chegaram, boa parte da galera já estava lá. Tinham atrasado por causa do trânsito, mas lá estavam. Umas quatorze pessoas já estavam em roda, nove eram da classe de Frederico e o resto os namorados de cada um. Bento estava sentado em uma das cadeiras da roda com seu famoso ukulele e um dos colegas da época de escola, João Vicente tocava o violão. A música da vez era Piloto Automático, de Supercombo.

Eu nunca fiz questão de estar aqui
Muito menos participar
E ainda acho que o meu cotidiano
Vai me largar

– João Vicente, quanto tempo, cara! – gritou Frederico quando chegou no quintal segurando a mão de Clarice. Ele deu um tchauzinho para os amigos que tocavam. Bento, claro, estava com uma palheta entre os lábios e fazia cara de concentrado.

– Essa é a cara de “preciso de um beijo” de Bento.

– Não sei se está funcionando. – Clarice comentou em tom de brincadeira.

Um dia eu vou morrer
Um dia eu chego lá
E eu sei que o piloto automático
Vai me levar

– Bruna, oi! Quanto tempo! – Frederico cumprimentou outro colega de escola. Bruna era uma baixinha com o cabelo black power mais legal do mundo. Clarice também a cumprimentou.

– Adorei seu cabelo! - Clarice disse a ela.

– E eu as suas tatuagens!

– Ai meu Deus, o refrão! - Clarice comentou para o namorado quando se aproximaram da roda, onde mais alguns colegas de classe de Frederico estavam sentados.

Eu devia sorrir mais/Abraçar meus pais/Viajar o mundo e socializar/Nunca reclamar/Só agradecer/Tudo o que vier eu fiz por merecer – eles cantaram juntos, e Clarice riu de prazer.

– Essa música meio que resume tudo o que eu acredito. Bem, menos a parte do “abraçar meus pais”.

Clarice ainda não havia falado com seus pais. O orgulho de ambos os lados era grande demais para alguém ceder.

No canto do quintal tinha uma mesa cheia de aperitivos. Eles pegaram um pouco e foram se sentar junto na roda. Natália tinha guardado um lugar para eles ao seu lado.

– Dá pra ver um pouco. – Clarice comentou quando se sentou, apontando para a barriga de Natália.

– É, um pouco. É engraçado, sabe. É muito pequenininho ainda, mas é impressionante.

Bruna e mais duas garotas ao seu lado cantavam juntas e muito bem por sinal, um MPB calminho e relaxante. As vozes delas em união era um coral de anjos.

Você me chamou pra dançar aquele dia,

Mas eu nunca sei rodar,
cada vez que eu girava parecia
que a minha perna sucumbia de agonia

A música era Só Sei Dançar Com Você. Elas cantavam com suavidade como a música exigia. Clarice comentou no ouvido de Frederico:

– Que clima gostoso! Só fico te imaginando aos quinze anos a noite toda curtindo esse som relaxante.

– Mas quando a gente estava no Médio a gente tocava mais rock mesmo. Sabe, adolescência, rebeldia, a gente adorava uma música de protesto.

– Eu imagino.

– Isso é muito de humanas. – Frederico acrescentou. – Vou até tirar meu sapato aqui para ficar com meus pés em contato com o solo, abraçar as árvores e bater palma para o sol quando ele nascer. Só faltou você vir com aquela coroa de flores para isso se tornar totalmente humanas.

– Tonto! Só... curta o som.

Na pausa da música, todos se reuniram para jogar papo fora. Bento foi até Frederico finalmente.

– Finalmente posso vir falar com você, irmão! Que clima nostálgico bom, não?

– Nem fale! Só faltou as espinhas que tínhamos em peso na nossa cara.

– Nãããão! Sem espinhas, por favor. Atualmente é melhor.

Clarice estava fotografando a festa enquanto os dois conversavam. Nesse último mês os dois amigos tinham se distanciado um pouco, mas a amizade continuava firme como sempre.

– Onde seu pai foi dessa vez pra casa ficar livre?

– O velho tinha feito uma promessa e foi pagar ela lá em Aparecida do Norte. Essas coisas que ele sempre faz e não me conta. Aproveitei a casa livre e chamei a galera para reviver a reuniãozinha.

– Sua ideia foi genial. – Frederico então bebeu um gole de seu guaraná.

– Por um momento eu achei que era cerveja pela cor da bebida, mas aí lembrei que você é frescurento e prefere guaraná. – Bento provocou.

Foi então que Luana chegou. Ela trazia consigo um pacote de pão. Frederico encarou Bento.

– O que ela está fazendo aqui? Achei que era só uma reunião com a galera da escola.

– O João está de olho nela e pensei em convidá-la para quem sabe conhecer ele. Vai que ela também gosta de meninos que tocam violão.

– Cara, não sei se você sabe, mas ela meio que está me ignorando esse mês todo na faculdade depois que comecei a namorar.

– Você não tem saída. Faça isso pelo João Vicente, nosso amigo há tantos anos! Relaxa, ok?

Frederico foi até Clarice, que fotografava o João tocando Eduardo e Mônica no violão. No exato momento a Luana passou por eles.

– Oi João. – ela cumprimentou João Vicente, que deu um beijo na bochecha dela e parou de tocar. – Não precisa parar a música.

– Luana, quanto tempo! – Clarice disse, e foi até ela. Frederico apreciou aquilo. Ela foi totalmente educada com Luana, que tentou ao máximo retribuir o tratamento inesperado.

– Oi, Clarice. Então vamos acabaram ficando juntos mesmo, não é?

– É, uma loucura.

– Acredito que seja você a culpada para as notas de Frederico estarem tão ruins. Ele deve estar tão apaixonado que nem se dedica mais aos estudos. – Luana brincou, mas Clarice não sabia que no fundo tinha um toque de mágoa na voz da moça.

– Eu costumo ser um mal exemplo aos jovens mesmo, desculpa. – Clarice devolveu a brincadeira, mas sem maldade.

– Foi ótimo rever vocês. Felicidades. – Luana saiu sem nem mesmo olhar para o João.

– Ela está brava. Muito brava. – Clarice comentou para Frederico.

– Não podemos fazer nada.

– Sei que não podemos. Só não gosto disso. Por que as coisas têm que ser assim?

Para Clarice era normal ter crises existenciais e questionar a importância das coisas, principalmente aquelas que são tão comuns nas nossas vidas. Vestibular, uma coisa que parecia sempre tão importante quando ela estava no Ensino Médio ela começou a achar a maior baboseira estressante poucos meses antes de se formar. A ideia de nascer, estudar, se apaixonar, casar, ter filhos e então esperar morrer era a coisa mais aterrorizante para ela. Não, ela nunca teve problemas com essas coisas. Mas ela queria algo mais. Ela sempre quis algo mais. Talvez porque fosse muito ambiciosa, ou talvez porque era uma eterna questionadora que ainda não saíra da fase dos por quês. Mas ela precisava disso. Às vezes ela sentia que vivia em um mundo como a do filme Matrix, mas às vezes ela apenas aceitava aquela realidade. Conformismo nunca fez parte de sua vida, e além de questionadora era uma ótima criadora de problemas. Talvez fosse essa sua sina na vida: criar problemas e não aceitar o comum. Não que isso fosse fácil para ela. Na verdade doía e era difícil. Mesmo assim havia mais vantagens. Sempre havia.

A festa durou até duas da madrugada. Como qualquer festa ela acabou quando a bebida também acabou. Mesmo assim foi um sucesso. Frederico colocou a conversa em dia com todos seus antigos colegas, surpreso como em dois anos haviam amadurecido.

– Menos o Bento, não é mesmo? – Gustavo, um dos seus ex-colegas de classe comentou em brincadeira.

– Ei! – Bento imitou que estava ofendido.

João Vicente se aproximou dos três que conversavam.

– Ué, achamos que você iria tocar seu instrumento em particular com a loirinha. – Gustavo brincou com João.

– Luana foi embora. Estava com um mal humor do cão. Nem deu pra gente se beijar ou marcar um cineminha.

Frederico quis dizer algo como “ela sabia que eu estaria aqui, por que veio então?”, mas preferiu ficar calado.

¨¨¨

– O que você achou da galera que fez parte da minha adolescência? – Frederico perguntou enquanto levava Clarice para casa de carro. Ela batucava com os dedos na coxa alguma música interna.

– Foi inevitável ficar imaginando vocês mais novos. É incrível como alguém muda dos dezesseis para os dezenove. Você perde aquela cara inchada de espinha e postura infantil e fica com mais cara de gente.

– No Ensino Médio eu tinha uma mania irritante de colocar uma camisa xadrez por cima do uniforme. Achava descolado.

– Hipster Grunge suave? – Clarice brincou, e Frederico abriu um sorriso.

– Só um pouquinho idiota.

– Eu gostaria de rever minha turma de escola também. No Ensino Médio a maioria dos meus amigos eram meninos por uma razão desconhecida. Mas tinha várias amigas também. Lembro que eu gostava de provocar uns carinhas da minha classe porque eu achava engraçado a reação deles de “virjões”. Percebo hoje como essa minha atitude era ridícula, principalmente porque eles eram meus amigos. Piadas de duplo sentido sempre fizeram parte da minha vida.

– Não consigo imaginar isso! É meio sujo. – Frederico riu. – Mas sem brincadeira, isso é maldade, porque eu sempre fiz parte do grupo dos virjões da turma.

– Mas você é gato pelo menos. – Clarice provocou.

– É meio nojento te imaginar fazendo parte dos sonhos desses pobres garotos.

– Eca! Também não era assim. Quando eu estava na escola eu era uma aluna boa. Notas altas, prestava atenção na explicação e aplicada. Do sexto ao nono ano fui a primeira da turma, e os professores botavam fé em mim. Uma futura médica talvez. Ou engenheira. Ou qualquer outra dessas profissões supervalorizadas. Mas eu cansei. Percebi que tudo que eu aprendera eu estava esquecendo. E que no fim nada disso serviria para nada. Não é como se eu fosse genial o suficiente para ganhar um prêmio Nobel ou dividir espaço nas apostilas escolares ao lado de Da Vinci. No Ensino Médio ao invés de escutar a professora repetir aquelas formulas inúteis e imutáveis, eu ficava desenhando na apostila. Guardo até hoje aquelas folhas para um dia eu expor em algum museu. Já tenho até o nome! Será “Devaneios de uma mente cansada de regras”. – Frederico olhou pra ela tentando compreender. – Ok, essa última parte de guardar as folhas é mentira.

¨¨¨

Era um dia especial. Finalmente o dia em que tio Lúcio buscaria seu filho no orfanato. Ele convidara Frederico para ir junto com ele e Paulo. Clarice estava lá também.

Enquanto os tios assinavam os papéis emocionados, Clarice estava com sua câmera fotográfica pronta. Fora um pedido de Paulo que registrasse o primeiro segundo em que veriam o pequeno Henrique. Na ficha do garotinho estava escrito que sua mãe era uma adolescente viciada que morreu de overdose na beira da estrada. Henrique não tinha outros parentes aptos a cuidar dele, então foi recolhido para o orfanato. Mas agora tudo mudaria para aquele menininho que teria uma família agora. Uma família incrível.

Naquele orfanato tinha um corredor infinito com várias portas. De alguma delas sairia o pequeno Henrique, e os quatro ali esperavam ansiosamente para ver o rostinho dele.

A sensação de espera era terrível.

Uma das portas abriu, uma mulher passando por ali. Ela segurava uma pequenina mão de um menino que andava tropeçando em seus próprios pés.

Henrique.

Paulo imediatamente começou a chorar, lágrimas tímidas fugindo de seus olhos emocionados. Lúcio se ajoelhou e abriu os braços, abraçando o filho.

O garoto não se intimidou. Abraçou Lúcio como se o conhecesse desde sempre.

Clarice fotografava aquele momento precioso. Seu coração batia forte no peito com a sensibilidade de toda aquela cena. Frederico ao seu lado estava com os olhos brilhantes. A emoção atingira todas.

– Henrique, a partir de hoje seremos seus papais. – Lúcio disse para o menininho. Paulo estava ajoelhado ao seu lado também. – Você vai morar com a gente em uma casa com um quartinho feito só pra você, vai pra escolinha e vai ter seus próprios brinquedos.

– Eu sou o papai Paulo e este é o papai Lúcio, tudo bem? – Paulo começou. – Você não terá uma mamãe, mas dois papais. Dois papais que se amam muito, e que amam você. Você é nosso tesouro agora.

Henrique não disse nada, mas ele sorria e chorava também. Os três se abraçaram em grupo.

– E está vendo aqueles dois ali? – Lúcio apontou para Frederico e Clarice que estavam estáticos e emocionados. – Ele se chama Frederico e é seu primo. E ela é a namorada dele, Clarice. Eles vieram aqui te ver também.

Frederico pegou Henrique do colo do tio e o menino abraçou ele também. Clarice captou o momento imediatamente na sua câmera fotográfica. Aqueles olhos aguados de seu namorado carregando o novo primo, o garotinho com o punho fechado na camiseta de Frederico. Ninguém diria que eles não se conheciam desde sempre.

¨¨¨

As fotos. Elas dizem mais do que imagina. Fotografar é a expressão de arte mais pura e real, porque ela capta a verdade. Diferente de um texto no qual você coloca sua visão, em uma música no qual você compõe sentimentos abstratos, em um quadro no qual você pode pintar o impossível, na fotografia ela te dá a verdade crua. E lá estavam as verdades. Clarice colecionava histórias por trás de todas aquelas fotos que extrapolavam verdade. Quão precioso era aquilo?


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Notas finais do capítulo

Um aviso: toda a calmaria, baba ovo e amor doce está com seus dias contados.
Que o climax chegue! MUAHAHAHAHA
Eu escrevo essa fic sem muito compromisso com a rapidez dos acontecimentos, confesso. Eu tenho uma ideia de como acabará, mas não quero chegar logo nesse momento, sabe? Hahaha. Mas eu ~~~~acho~~~~ que a metade final da fic começará no próximo capítulo, o que me deixa ansiosa e aflita.
Mas falando sobre esse capítulo, como foi conhecer um pouco do ensino médio dos personagens? Eu ameeeei explorar esse lado. Ah, e claro! O menininho dos tios do Frederico